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Vivências de enfermeiros intensivistas na avaliação e intervenção para alívio da dor na criança

Experiencias de enfermeros intensivistas en la evaluación e intervención para el alivio del dolor en el niño

Resumos

Survey descritivo das experiências práticas das enfermeiras pediátricas na avaliação e intervenção, para aliviar dores em crianças durante os cuidados em unidades pediátricas e de tratamento intensivo neonatal, e a influência da infraestrutura de cuidados e organização do sistema. Amostra foi feita com até 109 enfermeiras. Os resultados principais indicaram que a maioria considerou o treinamento acadêmico insuficiente para apoiar este aspecto dos cuidados; não receberam treinamento local na avaliação de dor ou intervenções para aliviá-la; a proporção do pessoal é inadequada assim como a disponibilidade de instruções institucionais para melhorar a qualidade da analgesia. Concluiu-se que as enfermeiras valorizam a avaliação e intervenção para o alívio de dor em crianças, mas descrevem os aspectos que comprometem a prática: falta de colaboração, falta da definição de processos, falta de educação formal e contínua e de infraestrutura. Estes aspectos comprometem a implementação das evidências científicas capazes de melhorar os aspectos práticos de analgesia nas crianças sob cuidados intensivos.

Dor; Criança; Terapia intensiva; Cuidados de enfermagem; Analgesia


Survey descriptivo sobre experiencias prácticas diarias de enfermeras pediátricas en evaluación e intervención del alivio del dolor en niños, durante cuidados de enfermería brindados en unidades de cuidados intensivos pediátrica y neonatal, e influencia de la infraestructura de cuidado y organización del sistema. La muestra consistió en 109 enfermeras. La mayoría de las enfermeras consideraron que la capacitación académica obtenida era insuficiente para enfrentarse a tal aspecto del cuidado de enfermería; relataron no recibir capacitación institucional en evaluación del dolor e intervenciones paliativas; manifestaron insuficiencia de cantidad de personal, así como indisponibilidad de directivas institucionales para mejorar la calidad de la analgesia. Las enfermeras valorizaron la evaluación e intervenciones paliativas, aunque describieron aspectos que comprometen la práctica: habitualidad colaborativa, de definición en procesos, de capacitación formal continuada y deficiencias estructurales. Esto dificulta la implementación de evidencias científicas capaces de mejorar aspectos prácticos de la analgesia en niños bajo cuidados intensivos.

Dolor; Niño; Cuidados intensivos; Atención de enfermería; Analgesia


Descriptive survey of daily practical experiences of pediatric nurses in the assessment and intervention to pain relief in children, during nursing care provided in pediatric and neonatal intensive care units, and the influence of the infrastructure of care and system organization. The sample was made up of 109 nurses. The principal results indicated that the majority of the nurses considered the academic training obtained as insufficient to support this aspect of nursing care; that they had not received local training in evaluating pain or in relief interventions; that the staff ratio is inadequate and as well as the availability of institutional guidelines to improve the quality of analgesia. It was concluded that nurses value the assessment and intervention to pain relief in children, but describe aspects which compromise practice: lack of collaborative practice, lack of processes definition, lack of formal and continuing education and lack of infrastructure. These aspects compromide the implementation of scientific evidences capable of improving practical aspects of analgesia in children under intensive care.

Pain; Child; Intensive care; Nursing care; Analgesia


ARTIGO ORIGINAL

Vivências de enfermeiros intensivistas na avaliação e intervenção para alívio da dor na criança

Experiencias de enfermeros intensivistas en la evaluación e intervención para el alivio del dolor en el niño

Michele Zachary dos SantosI, Denise Miyuki KusaharaII, Mavilde da Luz Gonçalves PedreiraIII

IEnfermeira. Especialista em Enfermagem em Oncologia Pediátrica. Enfermeira Junior do Instituto de Oncologia Pediátrica da Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil, mizachary@gmail.com

IIEnfermeira. Doutora em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil, dkusahara@unifesp.br

IIIProfessora Associado da Escola Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil, mpedreira@unifesp.br

Correspondência Correspondência: Denise Miyuki Kusahara Escola Paulista de Enfermagem - UNIFESP Rua Napoleão de Barros, 754 - S113 - Vila Clementino CEP 04024-002 – São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

Survey descritivo das experiências práticas das enfermeiras pediátricas na avaliação e intervenção, para aliviar dores em crianças durante os cuidados em unidades pediátricas e de tratamento intensivo neonatal, e a influência da infraestrutura de cuidados e organização do sistema. Amostra foi feita com até 109 enfermeiras. Os resultados principais indicaram que a maioria considerou o treinamento acadêmico insuficiente para apoiar este aspecto dos cuidados; não receberam treinamento local na avaliação de dor ou intervenções para aliviá-la; a proporção do pessoal é inadequada assim como a disponibilidade de instruções institucionais para melhorar a qualidade da analgesia. Concluiu-se que as enfermeiras valorizam a avaliação e intervenção para o alívio de dor em crianças, mas descrevem os aspectos que comprometem a prática: falta de colaboração, falta da definição de processos, falta de educação formal e contínua e de infraestrutura. Estes aspectos comprometem a implementação das evidências científicas capazes de melhorar os aspectos práticos de analgesia nas crianças sob cuidados intensivos.

Descritores: Dor. Criança. Terapia intensiva. Cuidados de enfermagem. Analgesia.

RESUMEN

Survey descriptivo sobre experiencias prácticas diarias de enfermeras pediátricas en evaluación e intervención del alivio del dolor en niños, durante cuidados de enfermería brindados en unidades de cuidados intensivos pediátrica y neonatal, e influencia de la infraestructura de cuidado y organización del sistema. La muestra consistió en 109 enfermeras. La mayoría de las enfermeras consideraron que la capacitación académica obtenida era insuficiente para enfrentarse a tal aspecto del cuidado de enfermería; relataron no recibir capacitación institucional en evaluación del dolor e intervenciones paliativas; manifestaron insuficiencia de cantidad de personal, así como indisponibilidad de directivas institucionales para mejorar la calidad de la analgesia. Las enfermeras valorizaron la evaluación e intervenciones paliativas, aunque describieron aspectos que comprometen la práctica: habitualidad colaborativa, de definición en procesos, de capacitación formal continuada y deficiencias estructurales. Esto dificulta la implementación de evidencias científicas capaces de mejorar aspectos prácticos de la analgesia en niños bajo cuidados intensivos.

Descriptores: Dolor. Niño. Cuidados intensivos. Atención de enfermería. Analgesia.

INTRODUÇÃO

A dor é um fenômeno complexo, subjetivo e multifatorial definido pela International Association for the Study of Pain (IASP) como uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada ou relacionada à lesão real ou potencial dos tecidos(1). É caracterizada por sua complexidade, subjetividade e multidimensionalidade, abrangendo aspectos psicológicos e sociais da vida do indivíduo, não podendo ser compreendida apenas como um fenômeno físico(2). O alívio da dor e a promoção de conforto são intervenções essenciais que envolvem, além do conhecimento científico e habilidade técnica, questões humanitárias e éticas da prática da enfermagem. A importância do estudo da dor deve-se ao fato de que a sensação gera estresse, sofrimento e desconforto para o paciente e sua família(3). Neste contexto, com o intuito de aprimorar o tratamento da dor a Joint Comission on Accreditation on Healthcare Organizations (JCAHO), estabeleceu como indicador de qualidade da assistência, a avaliação da dor como quinto sinal vital. Portanto, deveria ser avaliada e registrada ao mesmo tempo em que são verificados os outros sinais vitais, para que se normatize sua avaliação, bem como, a conduta tomada, sua fundamentação e os resultados obtidos(4).

Lacunas no conhecimento sobre a dor e analgesia têm como consequência a inadequação do tratamento e desvalorização da queixa da criança por muitos profissionais, que desconhecem as variadas formas de avaliação de dor, incluindo as escalas, as diferentes indicações para o uso de analgésicos, bem como de seus reais efeitos desejáveis e colaterais(5-7). O manejo da dor na criança e neonato é complexo e engloba elementos referentes à própria criança, aos profissionais de saúde e aos seus familiares(2). Outra questão de fundamental importância é a participação dos pais no processo de avaliação e intervenção para alívio da dor, pois eles conhecem seus filhos e são sensíveis as modificações que ocorrem em seu comportamento(8).

Estudos têm demonstrado um déficit quantitativo de profissionais de enfermagem, bem como, na qualificação deste profissional no sistema de saúde nacional, o que resulta em sobrecarga de trabalho e comprometimento da qualidade da assistência prestada. Essa problemática coloca em risco a segurança do paciente e dificulta o alcance da excelência no cuidado de enfermagem, pois o enfermeiro passa muito tempo tentando corrigir os problemas existentes no sistema de atendimento, situação que pode comprometer o cuidado ao paciente na sua integralidade e individualidade(9). Sendo a identificação da presença de dor, a instituição de medidas eficazes para o seu alívio e a avaliação de resultados, processos dinâmicos e interdependentes, pretende-se com este estudo conhecer a vivência de enfermeiros que cuidam de crianças e neonatos gravemente enfermos, no que tange à avaliação e intervenção para alívio da dor, identificando questões referentes ao sistema de prestação da assistência que possam comprometer a prática da enfermagem e a segurança do paciente.

MÉTODO

Survey descritivo desenvolvido durante o II Simpósio Internacional de Cuidados Intensivos Pediátricos e Neonatais (11 a 14 de novembro de 2008) na Universidade Federal de São Paulo, mediante autorização da presidência do evento e concordância da participação dos enfermeiros. A amostra foi composta pelos enfermeiros que concordaram em participar da pesquisa mediante os termos expressos para seu consentimento livre e esclarecido e que devolveram o questionário preenchido. A coleta de dados foi realizada a partir da aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição. Para o estudo das variáveis pesquisadas foi elaborado um questionário que possuía grupos de assertivas sobre fenômeno doloroso, quanto à avaliação, intervenção e medida de resultados referentes ao alívio da dor, bem como variáveis referentes às características da estrutura e do processo assistencial que poderiam interferir na prática do enfermeiro no manejo da dor. Tais variáveis foram medidas por meio de escalas do tipo Likert composta pelas categorias concordo fortemente (CF), concordo (C), discordo (D), discordo fortemente (DF) e não concordo e nem discordo (NCND) ou nunca (N), raramente (R), às vezes (AV), frequentemente (F) e sempre (S). A construção do instrumento foi realizada com base na literatura que fundamenta a apresentação deste estudo, bem como, a partir da experiência acadêmica e profissional das pesquisadoras sobre a temática dor, pediatria, terapia intensiva pediátrica, avaliação de qualidade em serviços de saúde e segurança do paciente. Foi implementada análise estatística descritiva dos dados, sendo as variáveis categóricas analisadas segundo frequências absoluta e relativa e as numéricas segundo mediana, média e desvio padrão.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 109 enfermeiros, sendo a totalidade do sexo feminino, média de idade de 31,3(±6,5) anos, procedente eminentemente da região sudeste do país (64,2%). A maioria possuía pós-graduação lato sensu (61,5%) ou stricto sensu (20,2%), média de 8,2(±7,0) anos de formados, mais de um emprego com média de 1,4(±0,8), sendo a assistência a principal área de atividade (84,3%). Segundo as especialidades, obteve-se que 71,1% possuíam especialização em pediatria, neonatologia, terapia intensiva pediátrica ou neonatal, enquanto 28,9% possuíam especialização em outras áreas. No que tange as áreas de trabalho ocupadas por esses enfermeiros pode-se identificar que a maioria (93,4%) trabalha com pediatria ou neonatologia, sendo a terapia intensiva (69,7%) a principal área de atuação, seguida pela clínica (15,7%).

A maior parte (73,4%) dos enfermeiros afirma que obteve aprendizado formal sobre conteúdos relativos à dor e analgesia em pediatria, entretanto 65,2% não consideram o aprendizado suficiente para respaldar sua prática profissional. Destaca-se ainda, que cerca de um terço da amostra nunca obteve aprendizado formal sobre a temática (26,6%). Segundo a fonte de aprendizado destacou-se o aprendizado acadêmico (47,5%) obtido na Graduação, Especialização ou Mestrado, seguido por cursos e eventos (27,5%) e por meio das duas formas de aprendizado (25,0%).

A Tabela 1 apresenta as respostas dos enfermeiros participantes sobre o processo de avaliação de dor em crianças e neonatos, na qual citam que o enfermeiro é o profissional que mais valoriza a avaliação de dor; que as escalas favorecem o processo de avaliação de dor; que a avaliação da expressão facial é um dos principais métodos de avaliação de dor em neonatos e que parâmetros fisiológicos são mais específicos para avaliação de dor. Acreditam que o tempo de atuação na área e a infusão contínua de analgésicos em crianças criticamente doentes interfiram na avaliação realizada. A grande maioria concorda que muitas crianças podem sofrer dor por não terem sido adequadamente avaliadas.

Na Tabela 2 encontram-se os resultados da investigação das vivências assistenciais dos enfermeiros participantes, segundo as respostas obtidas nas assertivas propostas no estudo.

A maior parte dos participantes descreveu que a avaliação não é atividade rotineira no local onde trabalham, não sendo considerada como quinto sinal vital. Relatam não receber treinamentos frequentes sobre a temática e não contam com número adequado de profissionais de enfermagem que lhes permitam realizar as avaliações e nem com treinamento no seu local de trabalho que possibilite que todos os profissionais avaliem a dor de modo sistematizado. Concordam que os pais fornecem informações determinantes no que se refere à avaliação de dor de seus filhos, embora a participação dos mesmos não seja prática freqüente. A seguir na Tabela 3 podem ser identificados aspectos da prática diária dos enfermeiros relacionados às formas de prescrição e administração de analgésicos.

Na administração de analgésicos prescritos a critério médico os enfermeiros majoritariamente discordam que seja sempre o médico quem realiza a avaliação de dor, porém sabem que os métodos se necessário e a critério médico são diferentes no que se refere à prática de enfermagem na administração de analgésicos. A maioria acredita que é possível utilizar analgesia controlada pelo paciente em crianças pré-escolares e pelos pais quando adequadamente treinados.

Na Tabela 4, estão questões referentes às intervenções para alívio da dor em crianças e neonatos, os entrevistados afirmam que a analgesia não é realizada com base em evidência científica, a dipirona é o medicamento mais prescrito para dor e os métodos não farmacológicos para alívio da dor são bem aceitos na prática. Discordam que a analgesia sempre seja realizada antes de procedimentos invasivos, mas concordam que o uso de analgesia suplementar em procedimentos dolorosos seja necessário. Acreditam que crianças apresentam mais risco de depressão respiratória do que adultos com uso de analgésicos opióides e citam ainda que analgésicos podem causar eventos adversos e efeitos colaterais graves em neonatos devendo ser prescritos somente quando há certeza de dor. Nota-se que os enfermeiros discordam que em unidades de terapia intensiva a analgesia deva ser sempre associada à sedação para alcance da melhor eficácia terapêutica, e afirmam que crianças e neonatos gravemente enfermos com infusão contínua de sedativos necessitam de analgesia suplementar. Houve diferenças quanto à assertiva de que possuem materiais e equipamentos necessários para realizar intervenções adequadas para alívio da dor em crianças, pois 51,8% concordou e 48,2% discordou. Não contam com equipe em número suficiente, nem recebem treinamentos constantes na instituição que lhes permitam implementar evidências científicas na prática da analgesia de seus pacientes e, ainda, referem inexistência de protocolos institucionais que permitam melhorar a qualidade da prática de analgesia e que a presença da equipe de dor melhora a qualidade da assistência.

Identificamos na Tabela 5 o processo de avaliação de resultados na prática diária dos enfermeiros que relatam que após uma intervenção, nunca (9,3%), raramente (22,2%) ou às vezes (26,0%) realizam a avaliação da eficácia do plano de cuidados. A maioria dos entrevistados considera que às vezes, raramente ou nunca técnicos e auxiliares de enfermagem avaliam e comunicam os resultados esperados, e que os profissionais comunicam na passagem de plantão a avaliação de dor e medidas de alívio adotadas no seu local de trabalho. Mais de metade (59,4%) dos enfermeiros expressa que há dificuldade em suas instituições para alterar esquemas de tratamento quando os profissionais detectam que o mesmo não é eficaz.

DISCUSSÃO

A dor tem sido bastante estudada nas últimas décadas, mas ainda se identificam lacunas entre a teoria e prática no que tange a assistência prestada pelos diferentes profissionais de enfermagem. Muitos estudos citam as deficiências de conhecimento acerca do fenômeno doloroso entre os enfermeiros o que corrobora os achados desta investigação, que embora tenham citado possuir conhecimentos sobre a temática, não consideram o aprendizado suficiente. Percebe-se a deficiência de cursos de educação permanente sobre temáticas de relevância clínica, o que dificulta a implementação de evidências na prática assistencial, que contribuam para a segurança dos pacientes(6).

A avaliação e o alívio da dor são processos que necessitam de competência e trabalho em equipe para promoção de cuidados eficazes e individualizados ao paciente e sua família. O enfermeiro por estar em posição privilegiada no contato com o paciente conseguiria avaliar o bem-estar físico, psicológico e especialmente a resposta aos tratamentos instituídos(6,10). Entretanto, entre os pesquisados, observa-se divergência entre esta premissa e a prática, pois apesar de considerarem importante a avaliação de dor e afirmarem que o enfermeiro é o profissional mais preocupado com a mesma, essa não é atividade rotineira nos seus locais de trabalho, uma vez que dividem suas funções com técnicos e auxiliares de enfermagem, mesmo em locais que já possuem número de enfermeiros suficientes para a prestação de cuidados diretos ao paciente.

Características da estrutura de trabalho descritas pelos enfermeiros conduzem à suposição de que a mesma influencia de maneira negativa os resultados da prática de enfermagem, destacando-se o número inadequado de profissionais e a falta de treinamento da equipe para a avaliação da dor. O déficit quantitativo de profissionais de enfermagem e o emprego de mão de obra menos qualificada para execução de atividades de média e alta complexidade, gera sobrecarga de trabalho e aumento do desgaste físico e mental dos trabalhadores, o que compromete a implementação de mudanças no cuidado prestado e coloca em risco a segurança do paciente, comprometendo a instituição legalmente(11). Muitos profissionais ainda possuem dupla jornada de trabalho, resultado da má remuneração e do baixo valor social atribuído à enfermagem no Brasil(2,12-13).

Diante dessa estrutura de trabalho muitas crianças podem sofrer dor por não terem sido adequadamente avaliadas, o que desrespeita os deveres éticos e legais de aliviar o sofrimento causado pela dor, conforme os Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizados(14).

Escalas são instrumentos que favorecem o processo de avaliação de dor e estão disponíveis para utilização desde o final da década de 1980, sendo constantemente recomendadas na literatura em geral(7,15). Contudo, não existe um instrumento validado, seguro, simples e objetivo para uso em todas as faixas etárias, que reúna o maior número de informações e atenda as necessidades e compreensão das crianças, o que torna complexa a sua escolha(16). A observação da expressão facial do neonato foi considerada um dos principais métodos de avaliação de dor nessa faixa etária, o que demonstra conhecimento sobre a temática visto que estudos citam a mímica facial como um sinal sensível e útil, já que movimentos faciais tornam-se mais expressivos quando neonatos são submetidos a procedimentos dolorosos(12,17).

A escassa participação dos pais na avaliação de dor de seus filhos evidencia a diferença entre o que se acredita e o que se realiza. A comunicação entre a família e o enfermeiro ainda é precária(2). Valores de escores de dor indicados pelos pais, quando comparados aos indicados nas avaliações da enfermagem, são mais próximos ao auto-relato das crianças(17). Assim, diante dos benefícios comprovados da inserção do familiar no processo de avaliação e alívio da dor, deve-se pensar em estratégias que facilitem a envolvimento dos mesmos nesse processo.

O fato do médico não realizar a avaliação de dor no modo de administração "a critério médico", infringe a lei do exercício profissional da enfermagem. Mais uma vez o discurso difere da prática, e tanto a equipe de enfermagem como a de medicina devem repensar a forma de prescrição de analgésicos a fim de demonstrar o que realmente ocorre na prática. A forma de administração de analgésicos mais adequada evidenciou pontos de vista diferentes e indecisões, em concordância com outros trabalhos(2,6). Ressalta-se a importância de não eleger apenas um método, pois cada criança deve ser avaliada individualmente e proposto o método que melhor atenda as suas necessidades.

Neste contexto a analgesia controlada pelo paciente tem sido considerada um importante método de administração de medicamentos na busca pelo alívio da dor, pois mantém níveis plasmáticos da droga adequados a cada paciente, respeitando sua individualidade(18). Ressalta-se que a literatura nacional direcionada a eficácia e segurança da utilização deste método em crianças ainda é escassa.

Os analgésicos não opióides, principalmente os antiinflamatórios não hormonais são os fármacos de escolha para tratamento da dor crianças, o que corrobora o achado deste survey que identifica a dipirona como o medicamento mais prescrito para analgesia(19). Observamos na literatura que o respaldo científico para uso deste fármaco é dissonante de seu uso na prática clínica. Vale ressaltar que não existe evidência científica que comprove que a criança apresenta maior risco de desenvolver depressão respiratória quando administrado algum opióide e muitos estudos incentivam e valorizam o uso dessa classe de fármacos no tratamento da dor pediátrica e neonatal(3,8,20).

Muitas crianças ainda são submetidas a procedimentos dolorosos sem analgesia adequada. Estudo evidenciou que 8,0% das crianças receberam analgesia para inserção de cateter central, 100,0% para drenagem torácica, enquanto nenhuma recebeu analgesia para punção arterial, venosa, capilar ou lombar e para intubação traqueal, ressaltando os autores que no adulto o procedimento raramente é realizado sem analgesia(21), o que se assemelha aos achados deste estudo. O subtratamento da dor infelizmente é rotina em vários serviços e estudos confirmam esta realidade no tratamento de crianças(6,14-15,20).

Embora a literatura cite que a administração contínua de fármacos analgésicos e sedativos teoricamente seja a forma mais adequada de alívio da dor em unidades de terapia intensiva, visto que os analgésicos tratam a dor secundária a métodos invasivos ou referida pela criança e o sedativo diminui a ansiedade e estresse proveniente de um ambiente hostil(22), grande parte neste estudo discordou que essa associação sempre deve ser realizada. Percebemos que faltam revisões e guias práticos, além de muitas recomendações ainda serem baseadas em experiências com adultos(22).Muitos enfermeiros não recebem treinamentos na sua instituição de trabalho, não são liberados para realizar eventos científicos e não trabalham com protocolos que permitam implementar evidências na prática da analgesia, demonstrando falhas na sua estrutura de trabalho.

Existe pouca valorização dos enfermeiros em registrar sinais e queixas de dor, além das medidas adotadas para avaliação, controle e resultados das intervenções realizadas(15). Realidade retratada nesse estudo, já que técnicos e auxiliares de enfermagem nunca, raramente ou às vezes avaliam os resultados esperados e comunicam a equipe, ou comunicam na passagem de plantão a avaliação de dor e medidas de alívio adotadas, além dos enfermeiros não realizarem com frequência a avaliação da eficácia do plano de cuidados, o que dificulta a continuidade do tratamento.

Identificamos que os enfermeiros nem sempre tem facilidade em alterar esquemas de tratamento quando detectam que o mesmo não é eficaz, evidenciando que as atitudes de hierarquia em saúde podem comprometer o cuidado centrado no paciente. O enfermeiro precisa buscar atualização constante, ter embasamento científico para discussão em equipe e apresentar informações concretas sobre a eficácia ou ineficácia do tratamento instituído. É importante que demonstre excelência e competência no trabalho que desenvolve e não execute atividades mecanicamente, uma vez que o conhecimento é a base para qualquer discussão e trabalho em uma equipe que busca a excelência no cuidado prestado à criança e sua família.

CONCLUSÃO

Os enfermeiros pesquisados se preocupam e valorizam a avaliação e intervenção para alívio da dor, embora não realizem tais ações rotineiramente, o que evidência um conceito que diverge da prática. Apesar do conhecimento sobre a importância da realização de tais ações, não têm transformado a prática, atitude que se espera do enfermeiro, como agente ativo na identificação de formas cada vez mais qualificadas de atender as necessidades integrais e individuais do paciente e sua família. Os profissionais descrevem situações que demonstram a falta de estrutura para incorporação de boas práticas de enfermagem no cuidado do paciente, eminentemente por falta de equipe qualificada e em número adequado, aspecto mais citado do que a falta de recursos materiais e de equipamentos. Outro destaque é que as instituições de saúde não realizam programas de educação sobre a temática, nem tampouco, implementam protocolos e processos assistenciais que possibilitem melhorar este cuidado. Isso demonstra o despreparo das equipes de educação permanente em identificar questões relevantes da prática assistencial que necessitam de mudança para o alcance de melhores resultados, bem como, a inexistência de filosofia e política institucional voltada ao desenvolvimento de boas práticas de enfermagem.

Recebido: 22/03/2011

Aprovado: 24/03/2012

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  • Correspondência:

    Denise Miyuki Kusahara
    Escola Paulista de Enfermagem - UNIFESP
    Rua Napoleão de Barros, 754 - S113 - Vila Clementino
    CEP 04024-002 – São Paulo, SP, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      22 Mar 2011
    • Aceito
      24 Mar 2012
    Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
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