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Treinamento e avaliação sistematizada da dor: impacto no controle da dor do pós-operatório de cirurgia cardíaca

Entrenamiento y evaluación sistematizada del dolor: impacto en el control del dolor postoperatorio de cirugía cardíaca

Resumos

Neste estudo analisou-se o efeito do Treinamento e uso de Ficha de Avaliação Sistematizada para controle da dor após cirurgia cardíaca, sobre a intensidade da dor e o consumo de morfina suplementar. Três grupos de pacientes foram submetidos a um ensaio clínico não randomizado com prescrição analgésica padronizada. No Grupo I, a equipe de enfermagem não recebeu treinamento sobre avaliação e manejo da dor e cuidou dos doentes conforme a rotina da instituição. Nos grupos II e III, toda a equipe foi treinada. A equipe de enfermagem do grupo II utilizou a Ficha Sistematizada sobre Dor, e a do grupo III não a utilizou. O grupo II apresentou dor menos intensa e maior uso de morfina suplementar. O treinamento associado à Ficha de Avaliação aumentou a chance de identificar a dor e influenciou o processo de decisão do enfermeiro na administração de morfina, favorecendo o alívio da dor dos pacientes.

Cirurgia torácica; Dor pós-operatória; Medição da dor; Analgesia; Educação; Cuidados de enfermagem


Se analizó el efecto del Entrenamiento y uso de Ficha de Evaluación Sistematizada para control del dolor posterior a cirugía cardíaca, sobre la intensidad del dolor y consumo de morfina suplementaria. Tres grupos de pacientes fueron sometidos a ensayo clínico no randomizado, con prescripción analgésica estandarizada. En Grupo I, el equipo de enfermería no recibió entrenamiento sobre evaluación y manejo del dolor, y cuidó a los pacientes conforme las rutinas institucionales. En Grupos II y III, todo el equipo recibió entrenamiento. El Grupo II utilizó la Ficha Sistematizada sobre Dolor, el Grupo III no la utilizó. El Grupo II presentó dolor menos intenso y mayor uso de morfina suplementaria. El entrenamiento asociado a la Ficha de Evaluación aumentó la chance de identificar el dolor e influyó en el proceso decisorio del enfermero en la administración de morfina, favoreciendo el alivio del dolor de los pacientes.

Cirugía torácica; Dolor postoperatorio; Dimensión del dolor; Analgesia; Educación; Atención de enfermería


We analyzed the effects of training and the application of a form for the systematized assessment of pain control after cardiac surgery on pain intensity and supplementary use of morphine. Three patient groups underwent a non-randomized clinical trial with standardized analgesic prescription. In Group I, the nursing staff did not receive specific training regarding the assessment and management of pain, and patients were treated following the established protocol of the institution. In Groups II and III, the nursing staff received targeted training. In Group II the nursing staff used a form for the systematized assessment of pain, which was not used in Group III. Group II presented a lower intensity of pain and greater consumption of supplementary morphine compared to Groups I and II. Training associated with the systematized assessment form increased the chance of identifying pain and influenced nurses' decision-making process, thus promoting pain relief among patients.

Thoracic surgery; Pain, postoperative; Pain measurement; Analgesia; Education; Nursing care


ARTIGO ORIGINAL

Treinamento e avaliação sistematizada da dor: impacto no controle da dor do pós-operatório de cirurgia cardíaca* * Extraído da dissertação "Efeitos da intervenção treinamento, avaliação e registro sistematizado no controle da dor no pós-operatório de cirurgia cardíaca", Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, 2007.

Entrenamiento y evaluación sistematizada del dolor: impacto en el control del dolor postoperatorio de cirugía cardíaca

Magda Aparecida dos Santos SilvaI; Cibele Andrucioli de Mattos PimentaII; Diná de Almeida Lopes Monteiro da CruzIII

IMestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. magdasilva@usp.br

IIProfessora Titular do Departamento de Enfermagem Médico Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. parpca@usp.br

IIIProfessora Titular do Departamento de Enfermagem Médico Cirúrgica da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. Diretora da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. dinamcruz@usp.br

Correspondência Correspondência: Magda Aparecida dos Santos Silva Rua Cayowaá, 1210/237 CEP 05018-000 – São Paulo, SP, Brasil

RESUMO

Neste estudo analisou-se o efeito do Treinamento e uso de Ficha de Avaliação Sistematizada para controle da dor após cirurgia cardíaca, sobre a intensidade da dor e o consumo de morfina suplementar. Três grupos de pacientes foram submetidos a um ensaio clínico não randomizado com prescrição analgésica padronizada. No Grupo I, a equipe de enfermagem não recebeu treinamento sobre avaliação e manejo da dor e cuidou dos doentes conforme a rotina da instituição. Nos grupos II e III, toda a equipe foi treinada. A equipe de enfermagem do grupo II utilizou a Ficha Sistematizada sobre Dor, e a do grupo III não a utilizou. O grupo II apresentou dor menos intensa e maior uso de morfina suplementar. O treinamento associado à Ficha de Avaliação aumentou a chance de identificar a dor e influenciou o processo de decisão do enfermeiro na administração de morfina, favorecendo o alívio da dor dos pacientes.

Descritores: Cirurgia torácica. Dor pós-operatória. Medição da dor. Analgesia. Educação. Cuidados de enfermagem.

RESUMEN

Se analizó el efecto del Entrenamiento y uso de Ficha de Evaluación Sistematizada para control del dolor posterior a cirugía cardíaca, sobre la intensidad del dolor y consumo de morfina suplementaria. Tres grupos de pacientes fueron sometidos a ensayo clínico no randomizado, con prescripción analgésica estandarizada. En Grupo I, el equipo de enfermería no recibió entrenamiento sobre evaluación y manejo del dolor, y cuidó a los pacientes conforme las rutinas institucionales. En Grupos II y III, todo el equipo recibió entrenamiento. El Grupo II utilizó la Ficha Sistematizada sobre Dolor, el Grupo III no la utilizó. El Grupo II presentó dolor menos intenso y mayor uso de morfina suplementaria. El entrenamiento asociado a la Ficha de Evaluación aumentó la chance de identificar el dolor e influyó en el proceso decisorio del enfermero en la administración de morfina, favoreciendo el alivio del dolor de los pacientes.

Descriptores: Cirugía torácica. Dolor postoperatorio. Dimensión del dolor. Analgesia. Educación. Atención de enfermería.

INTRODUÇÃO

A dor é uma importante fonte de estresse em pacientes críticos e ações para melhorar sua avaliação e tratamento são pouco estudadas. Enfermeiros representam um importante papel na decisão da administração de analgesia suplementar e podem influenciar o controle da dor(1-4).

Diariamente o enfermeiro avalia e registra a dor dos doentes e, muitas vezes, apesar da disponibilidade de estratégias(2), não ajusta a analgesia, deixando de administrar os medicamentos prescritos no esquema, se necessário(5-7). O medo de administrar opióides e a avaliação inadequada influenciam negativamente na analgesia, o que é conhecido há décadas(5-6,8).

Programas educacionais são capazes de melhorar a prática dos profissionais de saúde. O efeito de intervenção educacional sobre avaliação e controle da dor e sobre o medo de adição foi testado em enfermeiros, médicos e farmacêuticos(9). Observou-se diminuição do medo de adição pelo uso de opióides e melhor adequação da prescrição médica(9). Outro estudo sobre o tema também foi capaz de melhorar a comunicação entre doentes, equipe de enfermagem e equipe médica e os doentes assistidos pelos enfermeiros que participaram da intervenção educativativeram melhor documentação da dor(10). Entretanto, esses estudos não avaliaram o impacto das intervenções sobre a intensidade de dor dos doentes.

Os efeitos dos programas educacionais ficam limitados quando não estão disponíveis protocolos analgésicos adequados. Quando foi estimulado o uso da escala de avaliação e o registro de dor, observou-se que o programa educacional melhorou a documentação da dor, mas a melhora da intensidade foi discreta. Os autores sugeriram que pode ser necessária a adoção de protocolos de avaliação e tratamento da dor, além de envolver outros profissionais(11).

O envolvimento do enfermeiro no processo multiprofissional de avaliação da dor e sedação parece melhorar o cuidado em pacientes críticos. A avaliação sistematizada da dor e da agitação, em unidade de terapia intensiva, pelos enfermeiros, combinada à educação da equipe médica sobre analgesia e sedação resultou em redução da intensidade de dor e agitação dos doentes(12). O controle da dor requer o uso combinado de programa educativo, avaliação sistematizada e protocolos adequados de analgesia.

O presente estudo testou a hipótese de que treinamento e avaliação sistematizada da dor auxiliam o processo de decisão dos enfermeiros sobre a administração de morfina e consequente alívio da dor do doente. O objetivo foi avaliar o efeito da intervenção Treinamento e uso de Ficha de Avaliação Sistematizada da dor para o controle da dor pós-operatória em cirurgia cardíaca, sobre a intensidade da dor e o consumo de morfina suplementar.

MÉTODO

Foi realizado um ensaio clínico não randomizado para testar os efeitos de duas intervenções na intensidade da dor e no consumo de morfina se necessário em 6 pontos no tempo, durante as primeiras 30 horas após extubação, em pacientes em pós-operatório de cirurgia cardíaca. As intervenções foram a aplicação de um Treinamento para todos os enfermeiros da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e a implementação de uma Ficha de Avaliação Sistematizada (FAS) da dor para o registro de sua intensidade.

Foram avaliados três grupos de pacientes: o primeiro foi avaliado antes das intervenções (GI), o segundo, após as duas intervenções (GII) e o terceiro, GIII, após a retirada da Ficha de Avaliação Sistematizada da dor (Figura 1).


Para que as condições fossem semelhantes para os três grupos, houve uma etapa de educação pré-operatória do doente, padronização da terapia medicamentosa e treinamento da equipe de enfermagem.

O estudo foi conduzido em uma UTI cirúrgica de um hospital público e de ensino em referência para cirurgias cardiovasculares de São Paulo, Brasil. Foi avaliado pela Comissão Científica do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor-HC.FMUSP) e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Diretoria Clínica do HC.FMUSP (Parecer Projeto nº 1224/05).

Para compor cada um dos grupos, todos os pacientes admitidos para cirurgia cardíaca eletiva foram convidados a participar do estudo e aqueles que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os critérios para inclusão foram: idade de 18 a 75 anos; ter sido submetido à cirurgia cardíaca eletiva e somente à anestesia geral; apresentar classificação pelo ASA menor que 5; ter sido extubado até 12 horas após o término da anestesia; ter referido dor em locais relacionados à cirurgia; não ter alergia às medicações propostas e ter capacidade de compreensão e verbalização adequada para participar do estudo. Foram excluídos os pacientes que: receberam anestesia no neuroeixo; apresentaram instabilidade hemodinâmica, caracterizada por pressão arterial sistólica menor que 90 mmHg de modo persistente, hemorragia maciça e parada cardiorrespiratória; ter sido re-operado ou reintubado no período da coleta; história prévia de dor crônica e ter tido alta da UTI, antes de completar 30 horas após extubação.

Intervenções

Treinamento

Para orientar a tomada de decisão clínica sobre o uso de morfina suplementar foi ministrada aula sobre o impacto da dor no pós-operatório, avaliação da dor, escala numérica da dor, escada analgésica da Organização Mundial da Saúde, analgésicos em horário fixo e morfina suplementar (se necessário) e procedimentos para o uso dos analgésicos. Após a aula, os enfermeiros responderam cinco estudos de caso em que era necessária a tomada de decisão sobre o uso de morfina suplementar, com base em dados variáveis relativos à dor e ao estado clínico do doente. O treinamento teve duração de 75 minutos. Toda a equipe de enfermagem da UTI (75 enfermeiros e 105 técnicos de enfermagem) participou em pequenos grupos compostos por dez profissionais por aula.

Ficha de Avaliação Sistematizada da dor (FAS)

A ficha foi anexada ao prontuário de cada paciente; composta de três itens de avaliação da dor, com espaços para o registro de sua intensidade: em repouso, à inspiração profunda e à tosse. A avaliação da sonolência foi necessária para melhorar a segurança do doente na administração de morfina. Os enfermeiros foram solicitados a aplicar a ficha a cada 2 horas, junto com a medida de sinais vitais, iniciando no momento da extubação do doente até 30ª hora do pós-operatório. O objetivo era que a avaliação da dor, em base regular, incitasse os enfermeiros a considerar a necessidade de ajustes na analgesia com morfina suplementar, segundo o protocolo analgésico estabelecido.

Protocolo analgésico

O protocolo analgésico empregado foi aquele já estabelecido rotineiramente pela Instituição, sendo: cloridrato de tramadol e dipirona, em horário fixo, e sulfato de morfina no esquema se necessário. O cloridrato de tramadol era administrado na dose de 50 mg para doentes com peso de até 65kg e 100mg para aqueles acima de 65kg, intercalado com dipirona 30mg/kg, ambos em horário fixo, a cada 6 horas, pela via endovenosa (EV). O sulfato de morfina foi realizado em regime se necessário, na dose de 2mg e pela via EV. Deveria ser administrado aos doentes que apresentassem as seguintes condições: dor igual ou superior a 5 (0 a 10) pela escala numérica de dor, grau de sedação menor que 4 (1 a 6) pela escala de sedação de Ramsay e pressão arterial sistólica igual ou superior a 90 mmHg. Quinze minutos após cada administração de sulfato de morfina, o paciente deveria ser reavaliado quanto à intensidade de dor, grau de sedação e pressão arterial sistêmica, conduta solicitada para verificar o alívio da dor e segurança em novas administrações de morfina. A interrupção da administração de sulfato de morfina deveria ocorrer somente se a dor fosse menor que 5, grau de sedação maior que 3 ou pressão arterial sistólica menor que 90mmHg ou frente a uma complicação hemodinâmica ou efeito adverso importante.

Instrumentos

A intensidade de dor foi avaliada pela Escala Numérica de Dor (0-10) ao repouso, à inspiração profunda e à tosse. A sonolência foi avaliada pela escala de sedação de Ramsay (1 a 6)(13). O consumo de morfina suplementar, dados demográficos dos pacientes, bem como tipo de cirurgia, estado físico pela Sociedade Americana de Anestesiologistas (ASA) e tipo de dreno foram coletados dos prontuários.

Procedimento de coleta

Todos os pacientes escalados para a cirurgia cardíaca eletiva que atenderam aos critérios de inclusão foram visitados pelo pesquisador, no dia anterior à cirurgia, e aqueles que aceitaram participar do estudo receberam orientação pré-operatória sobre dor e seu controle. Foram devidamente treinados dois enfermeiros que não pertenciam à Instituição para auxiliar na coleta, principalmente, no período da noite e da madrugada. Os pacientes foram visitados pelo pesquisador ou pelo auxiliar de coleta, a intervalos regulares de 6 horas, após a extubação até completar 30 horas. Isso permitiu 6 momentos (M) de avaliação de cada paciente, os quais foram nomeados de M1, M2, M3, M4, M5 e M6. A primeira avaliação ocorreu imediatamente após a extubação de cada paciente, sendo considerada M1. Os dados da cirurgia e os analgésicos foram colhidos do prontuário e a intensidade de dor foi descrita pelos doentes. É importante salientar que a coleta dos dados pelo pesquisador sobre a intensidade da dor e a sedação foi independente do registro dessas informações pelo enfermeiro da UTI.

O pesquisador anexou a prescrição médica de analgesia padronizada em todos os grupos para garanti r a sua uniformização. A avaliação dos pacientes do Grupo I ocorreu nos meses de fevereiro e março de 2006, antes da realização do Treinamento e implementação da Ficha Sistematizada de Avaliação da dor. Em abril, ocorreu o treinamento de toda a equipe de enfermagem da UTI. O grupo II foi avaliado, nos meses de maio e junho de 2006 e a ficha foi anexada junto ao prontuário do doente. Nos meses de julho e agosto de 2006, foram avaliados os doentes do grupo III. Os enfermeiros continuaram aplicando o protocolo de avaliação e de analgesia se necessário, mas sem o uso da ficha, que foi retirada, para avaliar o efeito das intervenções.

Cálculo do tamanho da amostra

Considerando a maior diferença (50% e 20%) entre os grupos em relação à utilização de morfina, foi calculado o tamanho da amostra, baseado num erro de 5% e poder de 90%, o que resultou numa amostra de 52 doentes em cada grupo.

Análise dos dados

As variáveis classificatórias foram apresentadas em tabelas contendo frequências absolutas (n) e relativas (%). A associação dessas variáveis com os grupos foi avaliada com o teste Qui-quadrado ou teste da razão de Verossimilhança. As variáveis quantitativas foram apresentadas descritivamente em tabelas contendo média, mediana, desvio padrão e variação (mínimo e máximo). Os grupos foram comparados com o teste de Kruskal-Wallis e, para verificar as diferenças obtidas, foi aplicado o teste de Dunn. Os valores de p< 0,05 foram considerados estatisticamente significantes.

RESULTADOS

Foram incluídos 339 doentes, dos quais 157 foram excluídos, conforme os critérios estabelecidos. Cento e oitenta e dois concluíram o estudo e a composição de cada grupo foi de 55 no grupo I; 66 no, II e 61, no III. Os grupos foram semelhantes quanto às características sociodemográficas e de cirurgia, o que permitiu as comparações do estudo (Tabela 1).

Intensidade de dor

O teste de Kruskal Wallis buscou identificar diferença entre os grupos comparando-os dois a dois, utilizando o teste de Dunn. Para cada grupo, a dor foi mensurada em seis momentos, pela escala numérica de 0 a 10, nas situações de repouso, inspiração profunda e tosse. O teste de Kruskal Wallis mostrou diferença significativa entre os grupos na intensidade da dor ao repouso (Tabela 2), no Momento 2 (p= 0,012) e à tosse (Tabela 3), nos Momentos 2 (p= 0,021), 3 (p= 0,005), 4 (p= 0,048) e 6 (p= 0,006). De acordo com o teste de Dunn, o grupo II apresentou menor intensidade de dor ao repouso (p= 0,007) e à tosse (respectivamente, p=0,036, p=0,005, p=0,046 e p= 0,011). A dor à inspiração profunda não diferiu entre os grupos (Tabela 3).

É interessante notar que os grupos partiram do mesmo basal de intensidade de dor no Momento 1 e essa homogeneidade permitiu deduzir que as diferenças observadas estavam relacionadas às diferentes intervenções.

Tabela 4

Consumo de morfina

A Tabela 5 apresenta os dados de consumo de morfina suplementar de cada grupo. As informações estão distribuídas de acordo com o consumo total, número de doentes que a consumiram e doses por doente. Foram realizadas as comparações entre os grupos e por grupo. Houve diferença no número de doses de morfina administrada (p=0,002, teste de Kruskal Wallis), no número de pacientes que a receberam (p=0,002, teste de Qui-quadrado) e no número de doses por paciente (p= 0,022, teste de Kruskal Wallis). Na comparação dois a dois, pelo teste de Dunn (p<0,05), o grupo II apresentou maior consumo de morfina do que o grupo I (p=0,006) e o grupo III (p= 0,052). Não houve diferença nas comparações entre os grupos I e III.

DISCUSSÃO

O estudo testou se a equipe de enfermagem, submetida a treinamento e ao uso de uma ficha sistematizada de avaliação, influiria na dor de doentes no pós-operatório de cirurgia cardíaca. Os doentes do grupo II, aqueles cuja equipe recebeu o Treinamento e utilizou a Ficha de Avaliação Sistematizada da Dor, relataram melhor alívio da dor e maior consumo de morfina suplementar. Ao se retirar a Ficha, o que ocorreu no grupo III, houve declínio na melhora dos resultados. Os doentes do grupo I, aqueles cuja equipe não foi submetida ao treinamento e uso da ficha, mostraram os piores resultados.

Observou-se que a equipe de enfermagem, adequadamente treinada para avaliar a dor e decidir sobre o melhor ajuste na terapia analgésica, identificou a presença de dor, decidiu pela utilização de doses suplementares de morfina e influiu positivamente na analgesia. A semelhança entre os grupos em relação às variáveis sociodemográficas, ao tipo de cirurgia e à intensidade da dor no momento 1 permite afirmar que as diferenças observadas não sofreram influência dessas variáveis.

Cem por cento da equipe que atendeu os doentes dos grupos II e III participou do treinamento. Visou-se, com isso, demonstrar o efeito da educação sobre a dor e o consumo de morfina, o que pode ser observado. A equipe de enfermagem, após o treinamento, influiu mais adequadamente no controle da dor. Embora seja impossível padronizar a competência entre diferentes profissionais, o Treinamento sobre dor forneceu as informações básicas para que a atuação de todos fosse a mais homogênea e adequada possível. Havia ainda a preocupação de se certificar de que a mesma equipe cuidou dos doentes dos três grupos, o que poderia variar devido a folgas, licenças e férias. Observou-se que 86% dos enfermeiros e 73,4% dos técnicos e auxiliares de enfermagem cuidaram de doentes dos três grupos, o que foi satisfatório.

Intensidade de dor

Atividades desenvolvidas para o cuidado e a reabilitação podem ser precipitadoras de dor, principalmente nos primeiros dias do pós-operatório. Os doentes relatam dores de intensidades variáveis à tosse, à movimentação no leito, ao levantar-se, ao respirar profundamente, ao utilizar espirômetro e durante o repouso(14). Mensurar a dor nas situações ao repouso, à inspiração profunda e à tosse decorreu da tentativa de analisar a efetividade da analgesia nos diferentes estímulos dolorosos, pois controlar a dor pós-operatória representa oferecer ao doente melhores condições para o desempenho dos exercícios de reabilitação.

Observou-se que os doentes do grupo II relataram dor menos intensa ao repouso e à tosse, em diversos momentos da avaliação, o que indica o efeito favorável da intervenção treinamento e da ficha sistematizada. Tais resultados são altamente desejáveis, pois a tosse eficaz é importante para a higiene brônquica. Portanto, os doentes do grupo II, no que se refere à intensidade da dor, estavam em melhores condições para realizar exercícios respiratórios. Os resultados deste estudo mostraram a importância da avaliação da dor em diferentes condições (repouso, tosse e inspiração profunda).

Os achados da presente pesquisa corroboram os resultados de vários autores que descrevem melhora na intensidade da dor após intervenção educativa(10-12) e uso de registros sistematizados(15-16). Poucos estudos, no entanto, avaliaram os efeitos das intervenções sobre a intensidade da dor e uso de analgesia suplementar no pós-operatório, como o desenvolvido na presente pesquisa.

Um estudo observou os efeitos de um programa de educação continuada para a equipe de enfermagem e médicos sobre avaliação e documentação da intensidade da dor do pós-operatório, ao repouso e ao movimento, e sobre a prescrição analgésica, tendo observado aumento de 60% para 88% da frequência de avaliação da dor(16). Porém, o estudo não analisou o impacto do treinamento na intensidade de dor.

Autores(17) aplicaram intervenção com programa educativo em duas fases e mostrou menor intensidade de dor nas últimas 24 horas do pós-operatório. Entretanto, não observaram diferenças na intensidade da dor entre os doentes nas atividades de deambulação, inspiração profunda e tosse.

Outro estudo avaliou o efeito de um programa educativo combinado a um protocolo de analgesia sobre a intensidade da dor do pós-operatório (repouso, movimentação no leito e tosse) em doentes cirúrgicos. Os autores educaram doentes, enfermeiros e médicos e observaram que o programa educativo reduziu a dor ao repouso, de moderada a severa, de 32% para 12% e diminuiu a dor ao movimento, de moderada a severa, de 37% para 13%(18).

Consumo de morfina

A dor ao repouso, à inspiração profunda e à tosse foi melhor no grupo II e isso, possivelmente, deveu-se ao maior uso de morfina suplementar por esse grupo. Morfina se necessária foi utilizada para analisar se com a identificação de piora da dor haveria ajuste terapêutico pela equipe de enfermagem, o que foi constatado. Tais dados diferem dos do estudo em que se observou falta de reavaliações pela equipe de enfermagem após intervenção analgésica(19). Para a administração de morfina suplementar, o grau de sedação foi um dos parâmetros de avaliação prévios exigidos e cabe ressaltar que a sedação, pela escala de sedação de Ramsay, não diferiu entre os grupos de doentes (Mediana=2, nos três grupos), o que indicou que a decisão de administrar doses suplementares de morfina foi segura, pois não alterou o grau de sedação.

No presente estudo, no grupo II, a dor foi avaliada pelos funcionários 16 vezes em 30 horas, o que é um número elevado. No grupo III, não havia Ficha Sistematizada de Avaliação da Dor e a avaliação ficou a critério de cada profissional. Como os resultados do grupo III são inferiores aos observados no grupo II, imagina-se que a frequência dos comportamentos de avaliar, atuar e registrar diminuiu.

Cabe destacar que, após a retirada da Ficha Sistematizada, alguns profissionais inicialmente expressaram sentir falta dela em suas atividades, pois já haviam se adaptado à rotina de avaliar e registrar a dor, porém tal queixa não persistiu. Nos doentes do grupo III, os indicadores de bom resultado foram menores que no grupo II, e isso chamou a atenção. Todos os funcionários receberam treinamento (à semelhança do que ocorreu com o grupo II), mas tinham como vantagem a experiência do uso da Ficha Sistematizada de Avaliação e do protocolo de ajuste analgésico. Considerando tais fatos, poder-se-ia pensar que os resultados do grupo III fossem superiores ou semelhantes aos do grupo II, o que não ocorreu.

O declínio da melhora observado no grupo III deveu-se provavelmente à ausência de um eixo condutor, no caso, a Ficha de Avaliação, também ao distanciamento do conhecimento adquirido no Treinamento, pois foi o grupo que se situou mais distante no tempo (o início da coleta ocorreu 42 dias após o treinamento).

Em estudo da American College Association, observou-se que o conhecimento adquirido em treinamento começa a ter um declínio gradativo após 6 meses e, sendo o conteúdo do treinamento vivenciado no dia-a-dia dos profissionais, a retenção permanece por maior tempo. Esses dados sustentam a expectativa de melhores resultados no grupo III(20). Por outro lado, sabe-se que a adesão a uma ação, ideia ou comportamento pode diminuir com o tempo.

Estudo que testou os efeitos de um programa educativo sobre dor para enfermeiros e médicos de unidades médica e cirúrgica de cinco hospitais gerais demonstrou queda gradual da adesão da equipe ao registro de dor. A adesão inicial dos profissionais ao efetuar duas avaliações diárias da dor em doentes e registrá-las no impresso de sinais vitais foi satisfatória, mas diminuiu para 59% após sete meses da implementação do programa educativo(21).

O declínio da melhora dos resultados pode ser atribuído à falta de obrigatoriedade de avaliação e registro. Possivelmente, a presença da Ficha Sistematizada aumentou o compromisso do profissional com o controle de dor, permitiu que profissional e doente vivenciassem rotina de investigação e controle da dor e forneceu maior segurança para agir. Além disso, observa-se que na prática clínica em UTI cirúrgica, principalmente em pacientes de alto risco, a equipe frequentemente está mais preocupada com o diagnóstico e o tratamento das outras disfunções orgânicas e pouco considera a questão da dor(22); o que reforça a importância da ficha para lembrar os profissionais de avaliar a dor de seu doente e a necessidade de um protocolo analgésico para conduzir o tratamento.

A limitação deste estudo é que a coleta de dados dos três grupos não foi simultânea e randomizada, tendo em vista que a pesquisa ocorreu em uma mesma unidade, com risco de cruzamento de pacientes entre os grupos. Entretanto, a limitação não invalida a forçados resultados obtidos. É importante salientar que para a composição dos grupos não se trabalhou com amostra e sim com população em condições semelhantes à prática diária. A homogeneidade dos grupos permitiu as comparações e o resultado obtido pode ser atribuído à intervenção aplicada.

A maior contribuição do estudo foi constatar que o comportamento ativo da equipe de enfermagem para o ajuste da analgesia, estimulado pela associação de treinamento e uso de avaliação sistematizada, promoveu melhor controle da dor.

CONCLUSÃO

O Treinamento e o uso de Ficha de Avaliação Sistematizada da dor (Grupo II) constituíram a melhor estratégia para o controle da dor no pós-operatório de cirurgia cardíaca, pois se observou aumento na administração da morfina suplementar e menor intensidade de dor relatada pelos pacientes.

Agradecimentos

Agradecemos aos pacientes, as Auxiliares de coleta dos dados, Equipe de Enfermagem e Equipe Médica que, de alguma maneira, colaboraram para este estudo acontecer.

Recebido: 12/06/2011

Aprovado: 15/06/2012

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  • Correspondência:
    Magda Aparecida dos Santos Silva
    Rua Cayowaá, 1210/237
    CEP 05018-000 – São Paulo, SP, Brasil
  • *
    Extraído da dissertação "Efeitos da intervenção treinamento, avaliação e registro sistematizado no controle da dor no pós-operatório de cirurgia cardíaca", Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, 2007.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      12 Jun 2011
    • Aceito
      15 Jun 2012
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