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Disreflexia autonômica e intervenções de enfermagem para pacientes com lesão medular

Disreflexia autonómica e intervenciones de enfermería para pacientes con lesión medular

Resumos

O presente trabalho trata-se de estudo retrospectivo realizado em 2009 que objetivou identificar diagnósticos e intervenções de enfermagem para o cuidado de pacientes com lesão medular (LM). Os dados foram coletados de 465 prontuários de pacientes com LM em processo de reabilitação. Identificou-se o diagnóstico de enfermagem Risco para disreflexia autônomica em 271 (58,3%) prontuários, dos quais 80 pacientes desenvolveram disreflexia autônomica. Predominaram homens jovens, com idade média de 35,7 anos, sendo o trauma a principal causa da LM e o nível neurológico igual ou acima da sexta vértebra torácica. As intervenções de enfermagem foram organizadas em dois grupos, um voltado para a prevenção da disreflexia autonômica e outro, para seu tratamento. Desenvolveu-se um guia de intervenções para uso na prática clínica de enfermeiros reabilitadores e para inserção em sistemas de informação. Ressalta-se a importância da retirada do estímulo causador da disreflexia autonômica como terapêutica mais eficaz e como melhor intervenção na prática de enfermagem.

Processos de enfermagem; Cuidados de enfermagem; Enfermagem em reabilitação; Disreflexia autonômica


Estudio retrospectivas realizado en 2009 objetivando identificar diagnósticos e intervenciones de enfermería para el cuidado del paciente con lesión medular (LM). Datos colectados de 465 historias clínicas de pacientes con LM en rehabilitación. Se identificó el diagnóstico de enfermería Riesgo para disreflexia autonómica en 271 (58,3%) historias clínicas; 80 de tales pacientes desarrollaron Disreflexia autonómica. Predominaron hombres jóvenes, media etaria de 35,7 años, constituyéndose el trauma como causa principal de LM y nivel neurológico igual o por sobre sexta vértebra torácica. Las intervenciones de enfermería se organizaron en dos grupos: uno orientado a prevención de la disreflexia autonómica y otro para su tratamiento. Se desarrolló una guía de intervenciones para uso en práctica clínica de enfermeros rehabilitadores y para incorporación a sistemas de información. Se destaca la importancia de retirar el estímulo que provoca la disreflexia autonómica como terapéutica más eficaz y como mejor intervención en la práctica de enfermería.

Procesos de enfermería; Cuidados de enfermería; Enfermería de rehabilitación; Disreflexia autónoma


This retrospective study, performed in 2009, aimed to identify nursing diagnoses and interventions for the care of patients with spinal cord injury. Data were collected from the nursing records of 465 patients with SCI undergoing rehabilitation. The nursing diagnosis Risk for autonomic dysreflexia was identified in 271 clinical records (58, 3%). Approximately 80 patients developed autonomic dysreflexia, with a predominance in young men around 35.7 years old, who had experienced a trauma as the main cause of the injury. Their neurological injury level was at the sixth thoracic vertebra or above. Nursing interventions were arranged in two groups, one focused on prevention and the other on treatment. An intervention guide was developed and can be used by nurses in their clinical practice of rehabilitation and can be included into information systems. The removal of the stimulus which causes autonomic dysreflexia was identified as the most effective therapy and the best intervention

Nursing process; Nursing care; Rehabilitation nursing; Autonomic dysreflexia


ARTIGO ORIGINAL

Disreflexia autonômica e intervenções de enfermagem para pacientes com lesão medular

Disreflexia autonómica e intervenciones de enfermería para pacientes con lesión medular

Leonardo Tadeu de AndradeI; Eduardo Gomes de AraújoII; Karla da Rocha Pimenta AndradeIII; Danyelle Rodrigues Pelegrino de SouzaIV; Telma Ribeiro GarciaV; Tânia Couto Machado ChiancaVI

IMestre em Enfermagem pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Sistematização do Cuidar em Enfermagem. Enfermeiro da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação. Belo Horizonte, MG, Brasil. leonardoa@sarah.br

IIMestre pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Enfermeiro da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação. Belo Horizonte, MG, Brasil. eduardogomes@sarah.br

IIIEspecialista em Enfermagem em Unidade de Terapia Intensiva pela Escola São Camilo. Enfermeira da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação. Belo Horizonte, MG, Brasil. karlarocha@sarah.br

IVMestranda da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Enfermeira da Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação. Belo Horizonte, MG, Brasil. danyellesouza@sarah.br

VEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunta IV da Universidade Federal da Paraíba. Diretora do Centro CIPE do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, PB, Brasil. telmagarciapb@gmail.com

VIEnfermeira Doutora em Enfermagem, Professora Titular do Departamento de Enfermagem Básica da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, Brasil. tchianca@enf.ufmg.br

Correspondência Correspondência: Leonardo Tadeu Andrade Rua Bernardino de Campos, 50 - Bairro Gutierrez CEP 30441-175 - Belo Horizonte, MG, Brasil

RESUMO

O presente trabalho trata-se de estudo retrospectivo realizado em 2009 que objetivou identificar diagnósticos e intervenções de enfermagem para o cuidado de pacientes com lesão medular (LM). Os dados foram coletados de 465 prontuários de pacientes com LM em processo de reabilitação. Identificou-se o diagnóstico de enfermagem Risco para disreflexia autônomica em 271 (58,3%) prontuários, dos quais 80 pacientes desenvolveram disreflexia autônomica. Predominaram homens jovens, com idade média de 35,7 anos, sendo o trauma a principal causa da LM e o nível neurológico igual ou acima da sexta vértebra torácica. As intervenções de enfermagem foram organizadas em dois grupos, um voltado para a prevenção da disreflexia autonômica e outro, para seu tratamento. Desenvolveu-se um guia de intervenções para uso na prática clínica de enfermeiros reabilitadores e para inserção em sistemas de informação. Ressalta-se a importância da retirada do estímulo causador da disreflexia autonômica como terapêutica mais eficaz e como melhor intervenção na prática de enfermagem.

Descritores: Processos de enfermagem. Cuidados de enfermagem. Enfermagem em reabilitação. Disreflexia autonômica.

RESUMEN

Estudio retrospectivas realizado en 2009 objetivando identificar diagnósticos e intervenciones de enfermería para el cuidado del paciente con lesión medular (LM). Datos colectados de 465 historias clínicas de pacientes con LM en rehabilitación. Se identificó el diagnóstico de enfermería Riesgo para disreflexia autonómica en 271 (58,3%) historias clínicas; 80 de tales pacientes desarrollaron Disreflexia autonómica. Predominaron hombres jóvenes, media etaria de 35,7 años, constituyéndose el trauma como causa principal de LM y nivel neurológico igual o por sobre sexta vértebra torácica. Las intervenciones de enfermería se organizaron en dos grupos: uno orientado a prevención de la disreflexia autonómica y otro para su tratamiento. Se desarrolló una guía de intervenciones para uso en práctica clínica de enfermeros rehabilitadores y para incorporación a sistemas de información. Se destaca la importancia de retirar el estímulo que provoca la disreflexia autonómica como terapéutica más eficaz y como mejor intervención en la práctica de enfermería.

Descriptores: Procesos de enfermería. Cuidados de enfermería. Enfermería de rehabilitación. Disreflexia autónoma.

INTRODUÇÃO

A lesão medular (LM) e suas sequelas vêm se tornando mais incidentes e prevalentes, princi palmente as lesões traumáticas causadas pela violência urbana. A chance de sobrevida do paciente, após a lesão medular, aumentou com os avanços na área médica. Entretanto, não existindo uma terapêutica eficaz para prevenir possíveis complicações, esse paciente poderá conviver com alterações físicas que diminuem sua qualidade de vida. Portanto, a sua reabilitação deve começar tão logo seja feito o diagnóstico da lesão medular(1).

Profissionais de saúde, especializados em reabilitação, devem abordar as necessidades específicas de cada paciente com lesão medular para os ajudar a desenvolver todo seu potencial funcional, social, emocional, espiritual, de lazer, bem como o de formação profissional. Esse processo tem o intuito de prevenir as complicações, diminuindo, assim, as suas reinternações. Os motivos mais frequentes para atendimento de urgência e reinternação desses pacientes são as complicações genitourinárias e gastrintestinais, pneumonias, úlceras por pressão, dor e disreflexia autonômica (DA)(2-5).

A disreflexia autonômica é considerada uma emergência médica, potencialmente fatal. Pode ocorrer em qualquer paciente com lesão medular e com nível neurológico igual ou superior à sexta vértebra torácica (T6). Seu inicio é súbito, resultante de vários estímulos nocivos abaixo do nível da lesão, o que, por sua vez, aciona uma hiperativida-de do sistema nervoso simpático. Devido à lesão medular, os centros cerebrais superiores são incapazes de modular essa descarga simpática, o que resulta na elevação da pressão arterial. A disreflexia autonômica caracteriza-se pela elevação da pressão arterial basal, na maioria das vezes de 20 a 40 mmHg. Porém, a pressão sistólica pode variar de 250 a 300 mmHg e diastólica de 200 a 220 mmHg. A hipertensão associada à DA pode ocasionar deslocamento de retina, acidente vascular cerebral, crises convulsivas, infarto do miocárdio e a morte(6).

Durante o choque medular, que ocorre nos três primeiros meses após a lesão medular, a disreflexia autonômica normalmente não acontece. Entre os pacientes que desenvolvem disreflexia autonômica, 92% terão seu primeiro evento no primeiro ano após a injúria. Quanto aos estímulos nocivos que podem iniciar a disreflexia autonômica, o mais comum é a distensão vesical, seguida pela distensão retal, úlcera por pressão, infecções, onicocriptose, dismenorréia e condições musculoesqueléticas indetectáveis. Os principais sinais e sintomas são a elevação da pressão arterial, bradicardia, podendo ocorrer também taquicardia, cefaléia, visão embaçada, rubor, congestão nasal e sudorese acima do nível da lesão. Abaixo do nível da lesão ocorre palidez cutânea, piloereção e extremidades frias. Ainda pode ocorrer ansiedade, mal estar, náuseas, tremores, parestesia e uma sensação de pressão precordial. Ocasionalmente, os pacientes podem apresentar um evento de disreflexia autonômica sem sintomas evidentes, contudo apresentarão pressão arterial elevada(8).

O tratamento da disreflexia autonômica precisa ser rápido e decisivo, eliminando o estímulo nocivo e controlando a hipertensão arterial. Os enfermeiros de reabilitação estão familiarizados com o diagnóstico e as intervenções de Enfermagem para o tratamento da disreflexia autonômica. Contudo, devido ao seu início inesperado, rápido, com consequências potencialmente graves, os pacientes, frequentemente, buscam atendimento em Unidades de Pronto Atendimento que, em sua grande maioria, estão dotadas de profissionais de saúde com pouca ou nenhuma experiência no tratamento da disreflexia autonômica(8).

Nesse cenário, é fundamental a utilização de um sistema de classificação dos elementos da prática profissional de enfermagem, que facilite a construção de protocolos que descrevam padrões de cuidados utilizados em qualquer parte do mundo, o que possibilita uma documentação sistemática do enfermeiro, sustentando as decisões clínicas tomadas em relação à disreflexia autonômica. Além disso, esse tipo de linguagem possibilita uma comunicação precisa entre os enfermeiros e os diversos profissionais da equipe de saúde(9).

Dentre os diversos sistemas de classificação, o sistema de Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE®) Versão 2.0 possui uma estrutura multi axial de sete eixos: foco, julgamento, ação, cliente, localização, tempo e meios, em que os termos foram desenvolvidos para inserção em meios computacionais, além de contribuir, também, para a documentação manual. A CIPE® Versão 2.0 foi desenvolvida usando a Web Ontology Language em ambiente de desenvolvimento ontológico, ideal para a informatização.

A CIPE® é uma terminologia combinatória. Os termos mais simples (conceitos atômicos) combinam-se para constituir em conceitos complexos (moleculares). Essa técnica proporciona solidez à classificação e diversifica a expressão dos conceitos. A idéia é que os termos tenham o mesmo significado para os enfermeiros de diferentes regiões do mundo. A utilização da CIPE® permite uma melhoria do cuidado de enfermagem, por meio de sistematização, registro e quantificação das ações da equipe de enfermagem, além de possibilitar a transferência de informações e a comunicação científica(9-10).

A informatização do prontuário do paciente (PEP) tem possibilitado, aos diversos profissionais de saúde envolvidos na assistência do paciente, o acesso direto ao registro em suas respectivas áreas. O uso da CIPE® no prontuário do paciente permite a formação de uma base de dados que armazena e recupera informação, gerando dados para pesquisa sobre a qualidade e a eficiência de um determinado procedimento de enfermagem como, no caso deste estudo, os diagnósticos de enfermagem Disreflexia Autonômica, Risco para disreflexia autonômica e suas respectivas intervenções. Outro ponto importante é a possibilidade de definir um subconjunto de declarações, diagnósticos, intervenções e resultados de enfermagem(10-11).

Este estudo tem a finalidade de identificar, usando a CIPE® Versão 2.0, os diagnósticos de enfermagem Disreflexia Autonômica e Risco para disreflexia Autonômica, assim como as intervenções de enfermagem usadas para tratar e prevenir a disreflexia autonômica; bem como organizar e disponibilizar estas informações para a promoção da saúde e do bem estar dos pacientes portadores de lesão medular.

MÉTODO

Para a realização do estudo, foi utilizado o método retrospectivo, transversal, com a finalidade de identificar as intervenções usadas pelos enfermeiros para prevenir e tratar o diagnóstico de enfermagem Disreflexia Autonômica. O estudo foi desenvolvido na Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, unidade de Belo Horizonte — MG. Essa unidade foi escolhida devido ao uso da CIPE® no processo de enfermagem, como sistema de classificação para documentação dos diagnósticos, resultados e intervenções de enfermagem no prontuário eletrônico do paciente.

A coleta de dados foi realizada por meio da revisão dos prontuários de pacientes maiores de 18 anos, com diagnóstico de lesão medular, admitidos na reabilitação neurológica de lesão medular adulto, no período de janeiro a dezembro de 2009. Ocorreu após a aprovação do projeto depesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, garantindo assim, a observância dos aspectos éticos preconizados na Resolução Nº 196/96, do Ministério da Saúde.

No ano de 2009, foram internados 465 pacientes na reabilitação neurológica de lesão medular. Todos os registros de enfermagem desse ano e as variáveis demográficas e clínicas foram transferidos do prontuário eletrônico para o programa Access for Windows, para a verificação da ocorrência dos diagnósticos de enfermagem, Risco para disreflexia autonômica e Disreflexia autonômica. Um programa de busca e recuperação de informação foi usado para localizar os registros que informavam a ocorrência dos diagnósticos estudados.

Para a coleta de dados demográficos e clínicos, utilizou-se um instrumento composto de cinco partes. A primeira era referente às variáveis demográficas: sexo, faixa etária, etiologia, mecanismo e ano da lesão. A segunda identificava o nível neurológico e a extensão da lesão, segundo a American Spinal Injury Association (ASIA). A terceira considerou os dados referentes aos números de eventos de disreflexia autonômica, os estímulos nocivos que a precipitaram e os sinais e sintomas registrados. A quarta era relativa aos diagnósticos de enfermagem Risco para disreflexia autonômica e Disreflexia autonômica, além de outros, associados. A quinta era relativa a informações sobre as intervenções de enfermagem utilizadas para tratar ou prevenir os diagnósticos de enfermagem estudados.

Após a revisão de cada prontuário, as variáveis foram codificadas, sendo elaborado um banco de dados. Foi feita a transcrição para planilhas e procedeu-se à validação do banco de dados mediante dupla entrada em planilhas independentes. A análise dos dados foi realizada empregando-se o programa estatístico SPSS (Statistical Package For Social Science) versão 16.0. Foram encontrados 352 registros que informavam cuidados de enfermagem voltados para a prevenção e o tratamento de disreflexia autonômica. Os dados foram analisados com estatística descritiva.

RESULTADOS

Dos 465 prontuários estudados, em 271 identificou-se o diagnóstico de enfermagem Risco para disreflexia autonômica. Observou-se que 79% dos pacientes eram do sexo masculino e 21% do feminino. Quanto à idade, os pacientes eram, em sua maioria, jovens. A média de idade foi de 35,7 anos, e 69,4% tinha entre 18 e 40 anos. Em 80,1% dos casos observados, o trauma raquimedular foi o principal mecanismo de lesão. Em relação ao tipo de acidente, a violência urbana foi responsável por 65,9%, seguida de mergulho em águas rasas (15,3%) e queda de altura (14,3%). Em relação às lesões não traumáticas, a mielite infecciosa foi a principal causa — 42,6% desses casos. Quanto ao nível neurológico, 170 (62,7%) indivíduos apresentavam lesão cervical e 101 (37,3%), lesão torácica, com nível igual ou superior a T6. Foi observado que 138 (50,9%) das lesões eram completas. Dos pacientes internados no ano de 2009, 218 (80,4%) estavam tendo a primeira internação no programa de reabilitação e 153 (56,5%) apresentavam menos de um ano de lesão (Tabela 1).

Entre os pacientes com Risco para disreflexia autonômica, observou-se a ocorrência de Disreflexia autonômica em 80. Além disso, foram identificadas alterações, nas variáveis demográficas e clínicas. Nesse caso, a média de idade caiu para 30,5 anos, com 82,5% de adultos jovens, entre 18 e 40 anos. Quanto ao sexo, 90% eram do sexo masculino e 10% do feminino.

A incidência do diagnóstico de enfermagem Disreflexia autonômica foi de 29,52%, sendo predominante em pacientes com lesão traumática (96,2%). Quanto ao nível neurológico, 58 (72,5%) pacientes apresentavam lesão cervical, sendo que 52 (65%) eram lesões completas. Quarenta e sete (58,8%) pacientes com menos de um ano de lesão apresentaram disreflexia autonômica (Tabela 2).

Conforme descrito na Tabela 3, houve 139 eventos precursores (fatores de risco) de disreflexia autonômica, com média de 1,72 por paciente. O principal estímulo causador foi a distensão vesical, com 124 eventos, seguido pela dor (8), distensão retal (4), e infecção, úlcera por pressão e condições musculoesqueléticas (1 evento cada).

Quanto aos sinais e sintomas apresentados durante a disreflexia autonômica, os mais registrados pelos enfermeiros foram elevação da pressão arterial, bradicardia, piloereção e cefaléia (Tabela 4).

Os diagnósticos de enfermagem Risco para retenção urinária, Retenção urinária, Infecção urinária, Úlcera por pressão, Impactação, Obstipação, Risco para obstipação e Dor estavam relacionados com a disreflexia autonômica. Foram encontrados novos diagnósticos/ resultados de enfermagem, ainda não constantes na CIPE® - versão 2.0: controle da disreflexia autonômica, risco diminuído para disreflexia autonômica, Risco ausente para disreflexia autonômica ausente e disreflexia autonômica ausente, além de novos termos como infecção urinária, medidas de prevenção da disreflexia autonômica, e programa de reeducação vesico-intestinal, que foram alocados na árvore CIPE®, nos eixos foco, ação e meios, respectivamente.

As intervenções identificadas nos registros de enfermagem foram classificadas em dois grupos: um voltado para a prevenção e o outro, para o tratamento de disreflexia autonômica, cada um com onze ações (Quadro 1).


DISCUSSÃO

Há uma prevalência de pacientes do sexo masculino, dos diagnósticos de enfermagem Risco para disreflexia autonômica e Disreflexia autonômica. A média de idade dos pacientes com lesão medular, aliada ao aumento de sobrevida destes, em torno de 38 anos após a lesão, deixa esta população vulnerável às consequências do envelhecimento. Portanto, deve-se investir na prevenção e educação dos pacientes com riscos para disreflexia, pois, com o envelhecimento, eles acabam por ficar mais susceptíveis a doenças do aparelho circulatório (12-14).

Segundo a literatura, a incidência da disreflexia autonômica está entre 50% a 70% dos pacientes com risco. Entretanto, este estudo evidenciou uma baixa incidência que pode ser determinada pelo conhecimento da síndrome e do seu manejo pelos profissionais da equipe de enfermagem, pois os registros dos enfermeiros revelaram maior atenção na prevenção, através da observação dos diagnósticos de enfermagem associados à disreflexia autonômica(6,8).

A literatura relata que alguns pacientes com lesão medular abaixo de T6 podem desenvolver a disreflexia autonômica. Porém, esta pesquisa evidenciou a predominância dos diagnósticos de Risco para disreflexia autonômica e Disreflexia autonômica em pacientes com lesão medular acima de T6 e nenhum paciente com esse nível de lesão, apresentou os diagnósticos estudados. Além disso, os sintomas são mais severos nos pacientes com lesão medular cervical, traumáticas e completas. Sendo assim, também, há uma maior incidência de disreflexia autonômica na lesão medular traumática e completa e com nível neurológico cervical(8).

A CIPE® é um instrumento de informação para descrever a prática de enfermagem. Sua inserção nos sistemas de informação de saúde possibilita identificar a contribuição da enfermagem para os cuidados de saúde. Ela é um sistema de classificação com o intuito de unificar as taxonomias e classificações existentes, permitindo a comparação internacional de dados de enfermagem.

Usando a CIPE®, os enfermeiros documentam a prática profissional e, consequentemente, verificou-se a ocorrência dos diagnósticos de enfermagem, Risco para disreflexia autonômica e Disreflexia autonômica, bem como a identificação das ações de enfermagem usadas para prevenir e tratar essa complicação da lesão medular. Além disso, foi possível identificar novos termos usados nas ações e nos resultados de enfermagem.

Sabe-se que o principal fator desencadeante da disreflexia autonômica é a distensão vesical, por isso, na admissão do paciente para o processo de reabilitação, o enfermeiro na tentativa de reduzir esse fator causador, inicia imediatamente o programa de reeducação vesical. Uma avaliação completa é realizada, a fim de determinar capacidade vesical, a pressão intravesical e se existe uma infecção urinária ou somente uma colonização da bexiga. O objetivo da avaliação é iniciar uma terapêutica tendo como meta uma bexiga com baixa pressão intravesical, a drenagem total da urina em intervalos regulares e a diminuição do risco de infecção urinária. As intervenções de enfermagem são iniciadas imediatamente e visam identificar os estímulos nocivos capazes de precipitar a disreflexia autonômica; promover ações para minimizar os estímulos nocivos; monitorar as condições de eliminação urinária do paciente; iniciar o programa de reeducação vesical e avaliar os sinais e sintomas de infecção urinária(15).

O cateterismo vesical intermitente, técnica limpa, é considerado padrão ouro para a drenagem completa da bexiga. Comumente, associa-se ao método de cateterismo uma medicação anti colinérgica, a fim de diminuir a pressão intradetrusora, aumentar a capacidade vesical e reduzir perdas. Esse método foi avaliado com relação às infecções do trato urinário e à estenose uretral, mas pouco se escreveu sobre a frequência de disreflexia autonômica durante esse tratamento. Nesta pesquisa, 382 pacientes realizavam o cateterismo intermitente, ao fim da internação, sendo que, dos 80 pacientes que desenvolveram disreflexia autonômica, 77 começaram a utilizar o cateterismo intermitente como forma de drenagem da bexiga. Esse fato pode ser um dos motivos da baixa incidência de disreflexia(15).

A disfunção intestinal, em pacientes com lesão medular, é um problema importante que impõe limites às atividades de vida diária e sociais e, por conseguinte, à sua qualidade de vida. O medo de acidentes com o intestino restringe o paciente na realização de atividades fora de casa. Além disso, a segunda causa mais comum da disreflexia autonômica é a distensão retal devida à impactação fecal, que responde por 13% a 19% dos casos. Entretanto, nesta pesquisa, esse motivo foi a terceira causa, em quatro eventos de disreflexia autonômica. Isso pode ser explicado pelo início da reeducação intestinal que oferece uma eliminação previsível e efetiva, reduzindo assim, os problemas de evacuação e queixas gastrointestinais, consequentemente a disreflexia autonômica. Por isso, iniciar um programa de reeducação intestinal e prevenir a obstipação é uma intervenção necessária para se evitar a disreflexia autonômica(6,16).

Devido à diminuição da mobilidade e a sensibilidade, todos os pacientes com lesão medular apresentam risco elevado para o desenvolvimento de úlcera por pressão, sendo esta a principal morbidade desses pacientes e um dos estímulos para a disreflexia autonômica. Portanto, inicia-se o plano de cuidados com pele para todos os pacientes com lesão medular. E quando algum paciente apresenta uma lesão de pele, o tratamento é imediato. Por isso, ocorreu somente um evento de disreflexia autonômica causado por úlcera por pressão(17).

Talvez o aspecto mais importante no manejo da disreflexia autonômica seja sua prevenção. Um programa de educação no período da reabilitação deve ser fornecido aos pacientes, cuidadores e familiares, ensinando sobre os cuidados com a bexiga, intestino e pele, bem como as técnicas de manejo, para que o paciente tenha os benefícios do cuidado com a saúde. Por isso, as intervenções sobre ensino aparecem nos registros de enfermagem(18).

Identificar precocemente o estímulo causador da disreflexia autonômica é essencial para o tratamento. A ausência desse reconhecimento pode resultar em hipertensão grave, levando à hemorragia cerebral ou subaracnóidea, convulsões, fibrilação atrial, edema pulmonar neurogênico, hemorragia na retina, coma ou a morte. Segundo o Consórcio de Medicina da Lesão Medular, após a confirmação da disreflexia autonômica, através da elevação da pressão arterial, juntamente ou não com os sinais típicos e sintomas, o primeiro passo para o tratamento é posicionar o paciente verticalmente, a fim de aproveitar qualquer redução ortostática da pressão arterial, através do acúmulo de sangue no abdome e membros inferiores. Ao mesmo tempo, remover qualquer roupa ou dispositivo apertado. Este procedimento permite uma maior agregação de sangue abaixo do nível de lesão, além de eliminar possíveis estímulos periféricos desencadeantes da disreflexia autonômica. Durante o tratamento, a pressão arterial deve ser monitorada a cada 2 ou 5 minutos, até ficar estabilizada. O próximo passo é buscar e eliminar o estímulo desencadeador da disreflexia autonômica(19).

Sabe-se que 85% dos eventos da disreflexia autonômica são causados pela distensão vesical e retal. Caso o paciente use uma sonda vesical de demora, deve ser verificada a existência de dobras ou obstruções e, se necessário, desobstruir. Se o paciente usa o cateterismo intermitente, ele deve ser feito para drenar a bexiga. Em muitos casos, há o alívio dos sintomas bem como da hipertensão. No entanto, se tais condutas não tiverem sucesso, deve-se avaliar a distensão intestinal e remover as fezes. Se, depois de executar os passos descritos acima, a pressão arterial sistólica continuar elevada, outras causas devem ser pesquisadas. O objetivo dessa intervenção é aliviar os sintomas e evitar as complicações associados à hipertensão não controlada. Portanto, todas as intervenções de enfermagem encontradas nos registros dos enfermeiros, para o tratamento da disreflexia autonômica, seguem essas diretrizes(6-8,19).

Os episódios de disreflexia autonômica em pessoas com lesão medular podem variar em gravidade. Em alguns pacientes, ela é assintomática e silenciosa. Em muitos casos pode ser gerenciada pelos pacientes e seus familiares, uma vez que estejam familiarizados com os seus estímulos desencadeadores. Entretanto, em algumas situações, é difícil ou aparentemente impossível identificar o que provocou a elevação aguda da pressão arterial e nestes casos, a atenção médica imediata é requerida. Apesar do uso de anti-hipertensivos ser considerado como último recurso, este deve ser iniciado. Os melhores medicamentos anti-hipertensivos, nessa situação, são os nitratos, especialmente, a nifedipina e o captopril(17-18).

Dentre os diagnósticos de enfermagem associados à disreflexia autonômica, o de maior incidência foi o Risco para retenção urinária e a Retenção urinária, fato ocorrido devido às características da bexiga pós lesão medular. A hiperreflexia detrusora aparece em aproximadamente 70% dos pacientes, acompanhada de dissinergia vesicoesfincteriana em 50%. Do ponto de vista clínico, a grande maioria dos pacientes com LM apresenta retenção uriná-ria, com perdas por enchimento vesical(20-21).

A disreflexia autonômica é uma comorbidade que acompanhará o paciente com lesão medular acima de T6 ao longo da vida e esse indivíduo deverá saber como controlá-la. Portanto, a preocupação do enfermeiro reabilitador é ensinar e educar o paciente, fornecendo os subsídios necessários para a minimização dos riscos. Por isso, foram identificados novos diagnósticos/resultados de enfermagem e termos, que ainda, precisam passar por um processo de validação, para contribuir com o desenvolvimento da CIPE® — versão 2.0(10,18).

CONCLUSÃO

Foi possível verificar nos registros as ocorrências dos diagnósticos de enfermagem Risco para disreflexia autonômica e Disreflexia autonômica, além de identificar as intervenções de enfermagem para prevenir e tratar a disreflexia autonômica. Neste estudo, ficou evidente que retirar o estímulo causador foi a terapêutica mais eficaz e a melhor estratégia na prática clínica da enfermagem, sendo a identificação do estímulo nocivo e a sua eliminação, as primeiras intervenções no tratamento.

No controle da disreflexia autonômica em pacientes com lesão medular, os enfermeiros realizam ações de emergência em reabilitação quando as condições clínicas e de saúde do paciente ainda estão instáveis ou o paciente ainda não passou por nenhum programa de reabilitação.

O uso da terminologia específica da prática de enfermagem, neste caso, a CIPE®, possibilitou verificar a função educadora do enfermeiro, na tentativa de capacitar o paciente/cuidador/familiar na prevenção e tratamento da disreflexia autonômica.

Outro aspecto importante do estudo foi a construção de um guia de intervenções por enfermeiros reabilitadores, que favorece seu uso em sistemas de informação na prática clínica, para apoio e tomada de decisão, possibilitando, estudos clínicos que evidenciem o impacto das ações de enfermagem no manejo e tratamento não farmacológico da disreflexia autonômica.

Recebido: 08/01/2012

Aprovado: 16/07/2012

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  • Correspondência:
    Leonardo Tadeu Andrade
    Rua Bernardino de Campos, 50 - Bairro Gutierrez
    CEP 30441-175 - Belo Horizonte, MG, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      08 Jan 2012
    • Aceito
      16 Jul 2012
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