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Pensamento Lean e cuidado do paciente em morte encefálica no processo de doação de órgãos

Pensamiento Lean y cuidado del paciente con muerte encefálica en el proceso de donación de órganos

Resumos

A doação de órgãos é um processo complexo que desafia os profissionais e gestores do sistema de saúde. Este estudo objetiva apresentar um modelo teórico de organização do cuidado ao paciente em morte encefálica e o processo de doação de órgãos, balizado pelas principais ideias do pensamento Lean que possibilitam a melhoria da produção a partir de ciclos de planejamentos e criação de um ambiente propício para o sucesso da sua implementação. O pensamento Lean pode tornar mais eficaz e eficiente o processo de doação de órgãos e contribuir com a sua melhoria, a partir da sistematização das informações e capacitação dos profissionais para a excelência do cuidado. O modelo apresentado configura-se como um referencial disponível para validação e aplicação pelos profissionais e gestores de saúde e enfermagem na prática da gestão do cuidado ao paciente potencial doador de órgãos em morte encefálica e respectiva demanda por transplante.

Morte encefálica; Doadores de órgãos; Administração dos cuidados ao paciente; Cuidados de enfermagem; Gestão de qualidade


La donación de órganos es un proceso complejo que desafía a profesionales y gerenciadores del sistema de salud. Se objetiva presentar un modelo teórico de organización del cuidado al paciente con muerte encefálica y el proceso de donación de órganos, orientado por las principales ideas del pensamiento Lean que posibilitan la mejora de producción mediante ciclos de planificación y creación de ambiente propicio para el éxito en su implementación. El pensamiento Lean puede mejorar eficacia y eficiencia del proceso de donación de órganos y contribuir a su mejora, a partir de la sistematización de informaciones y capacitación de los profesionales para la excelencia del cuidado. El modelo presentado configura un referencial disponible para validación y aplicación por parte de profesionales y administradores de salud y enfermería en la práctica de la gestión de cuidado al paciente potencial donante de órganos con muerte encefálica y las respectivas solicitudes de transplantes.

Muerte encefálica; Donadores de tejido; Manejo de atención al paciente; Atención de enfermería; Gestión de calidad


Organ donation is a complex process that challenges health system professionals and managers. This study aimed to introduce a theoretical model to organize brain-dead patient assistance and the organ donation process guided by the main lean thinking ideas, which enable production improvement through planning cycles and the development of a proper environment for successful implementation. Lean thinking may make the process of organ donation more effective and efficient and may contribute to improvements in information systematization and professional qualifications for excellence of assistance. The model is configured as a reference that is available for validation and implementation by health and nursing professionals and managers in the management of potential organ donors after brain death assistance and subsequent transplantation demands.

Brain death; Organ donors; Patient assistance management; Nursing assistance; Quality management


ESTUDO TEÓRICO

Pensamento Lean e cuidado do paciente em morte encefálica no processo de doação de órgãos

Pensamiento Lean y cuidado del paciente con muerte encefálica en el proceso de donación de órganos

Aline Lima PestanaI; José Luís Guedes dos SantosII; Rolf Hermann ErdmannIII; Elza Lima da SilvaIV; Alacoque Lorenzini ErdmannV

IEnfermeira. Mestranda em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista CNPq. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração, Gerência do Cuidado e Gestão Educacional em Enfermagem e Saúde – GEPADES. Florianópolis, SC, Brasil. aline_lima_pestana@yahoo.com.br

IIEnfermeiro. Doutorando em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista CAPES. Integrante do GEPADES. Florianópolis, SC, Brasil. joseenfermagem@gmail.com

IIIDoutor em Engenharia da Produção. Professor Associado do Departamento de Administração da Universidade Federal de Santa Catarina. PQDT2 do CNPq. Florianópolis, SC, Brasil. erdmann@newsite.com.br

IVEnfermeira. Doutoranda do Programa de Pós Graduação do DINTER da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Maranhão. São Luís, MA, Brasil. elza.lima@terra.com.br

VDoutora em Filosofia da Enfermagem. Professora Titular do Departamento de Enfermagem. Programa de Pós- Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Pesquisadora 1A do CNPq. Líder do GEPADES. Florianópolis, SC, Brasil. alacoque@newsite.com.br

Correspondência Correspondência: Aline Lima Pestana Rua Edson Areas, 18 - Apto. 104 - Trindade CEP 88036-070 - Florianópolis, SC, Brasil

RESUMO

A doação de órgãos é um processo complexo que desafia os profissionais e gestores do sistema de saúde. Este estudo objetiva apresentar um modelo teórico de organização do cuidado ao paciente em morte encefálica e o processo de doação de órgãos, balizado pelas principais ideias do pensamento Lean que possibilitam a melhoria da produção a partir de ciclos de planejamentos e criação de um ambiente propício para o sucesso da sua implementação. O pensamento Lean pode tornar mais eficaz e eficiente o processo de doação de órgãos e contribuir com a sua melhoria, a partir da sistematização das informações e capacitação dos profissionais para a excelência do cuidado. O modelo apresentado configura-se como um referencial disponível para validação e aplicação pelos profissionais e gestores de saúde e enfermagem na prática da gestão do cuidado ao paciente potencial doador de órgãos em morte encefálica e respectiva demanda por transplante.

Descritores: Morte encefálica. Doadores de órgãos. Administração dos cuidados ao paciente. Cuidados de enfermagem. Gestão de qualidade.

RESUMEN

La donación de órganos es un proceso complejo que desafía a profesionales y gerenciadores del sistema de salud. Se objetiva presentar un modelo teórico de organización del cuidado al paciente con muerte encefálica y el proceso de donación de órganos, orientado por las principales ideas del pensamiento Lean que posibilitan la mejora de producción mediante ciclos de planificación y creación de ambiente propicio para el éxito en su implementación. El pensamiento Lean puede mejorar eficacia y eficiencia del proceso de donación de órganos y contribuir a su mejora, a partir de la sistematización de informaciones y capacitación de los profesionales para la excelencia del cuidado. El modelo presentado configura un referencial disponible para validación y aplicación por parte de profesionales y administradores de salud y enfermería en la práctica de la gestión de cuidado al paciente potencial donante de órganos con muerte encefálica y las respectivas solicitudes de transplantes.

Descriptores: Muerte encefálica. Donadores de tejido. Manejo de atención al paciente. Atención de enfermería. Gestión de calidad.

INTRODUÇÃO

O transplante de órgãos é um processo que inicia com a doação de um órgão. Trata-se de uma alternativa terapêutica segura e eficaz no tratamento de diversas doenças que causam insuficiências ou falências de alguns órgãos ou tecidos, tais como insuficiência renal ou cardíaca, determinando melhoria na qualidade e na perspectiva de vida das pessoas acometidas por tais doenças. Constitui-se na retirada de órgãos viáveis de corpos humanos de doador cadáver ou de doador vivo. No caso, dos indivíduos em morte encefálica (doador cadáver), seus órgãos substituirão os órgãos ineficientes de outra pessoa (receptor). O processo de doação de órgãos é complexo, e compreende um conjunto de ações e procedimentos que consegue transformar um potencial doador em um doador efetivo(1-2).

Esse processo de transformação de potencial doador em doador efetivo geralmente se desenvolve numa Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ou em Serviços de Emergência, e exige que a equipe multiprofissional seja qualificada e preparada para lidar com essa situação tanto na dimensão técnico-científica quanto humanística, que são inerentes ao cuidado de enfermagem. O reconhecimento tardio da morte encefálica pode acarretar em infecção, instabilidade hemodinâmica ou parada cardiorrespiratória, acarretando na perda do potencial doador, e, consequentemente na perda da esperança de levar vida a outros pacientes.

O cuidado de um paciente em morte encefálica é vivenciado por enfermeiros como uma situação desafiadora do ponto de vista ético e profissional, pois requer ações que exigem grande responsabilidade onde nada pode dar errado no que se refere ao encontro com a família e em termos de conhecimento e cuidado com o potencial doador(3). Os familiares que vivenciam o processo de doação, por sua vez, sofrem ao receber a notícia da morte encefálica, com a falta de informações e demora na liberação do corpo, o que acena para necessidade dos profissionais de saúde prestarem maior atenção à família e pensarem em estratégias para tornar esse processo menos sofrido, burocrático, desgastante e cansativo(4).

Com base no exposto, e diante dos inúmeros cuidados (ou falta deles) capazes de inviabilizarem um processo de doação, surgiu o interesse de correlacionar o pensamento Lean ou produção enxuta a esse processo de doação de órgãos e suas implicações no cuidado ao paciente em morte encefálica. Partiu-se do pressuposto de que, sendo a doação de órgãos passível de interpretação como um sistema de produção, caberia associar as ideias vigentes relacionadas a este último, na direção de busca da qualidade, eficiência e eficácia na prestação dos cuidados.

O pensamento Lean ou produção enxuta pode acrescentar conhecimento aos processos de produção para torná-los modelos de negócio sustentáveis. Até o final da década de 1990, esse modelo foi aplicado principalmente dentro da área de manufatura. No entanto, os conceitos da produção enxuta podem ser empregados em qualquer setor produtivo, inclusive nos de produção de serviços, como os de saúde, visto que permite alcançar altos níveis de qualidade, baixos custos e prazos de entrega adequados. As organizações usam princípios, práticas e ferramentas Lean para gerar valor aos seus clientes, ou seja, bens e serviços com uma qualidade melhor com menos defeitos. Baseada nos métodos da Toyota, o pensamento Lean leva a melhores resultados com menos esforço, espaço, dinheiro e tempo, em comparação com o sistema tradicional de produção em massa(5).

O pensamento Lean agrega alguns princípios que devem ser considerados aos processos das empresas, que são: resolver o problema do consumidor completamente, assegurando que todos os serviços funcionem juntos; não desperdiçar o tempo e nem o esforço do consumidor; prover exatamente o que o consumidor quer, onde ele quer e quando ele quer(6).

Na saúde, são prestados e consumidos serviços, ou seja, cuidados que visam ao restabelecimento da saúde do ser humano como produto final. No processo de doação de órgãos, o objetivo dos serviços prestados passa a ser a proteção e a perfusão dos órgãos especificamente e a prioridade é garantir o melhor suporte fisiológico possível para potencializar o sucesso dos órgãos transplantados(7).

Uma das características dos serviços é a sua variabilidade, já que dependem de quem os executa e onde são processados. Isso dificulta o controle de qualidade, exigindo muito investimento em treinamento/capacitação e padronização(5). Tratando-se do processo de doação de órgãos, dado o grau de complexidade que este envolve, a equipe multiprofissional deve ser capaz de suprir as necessidades do potencial doador, dispondo de conhecimentos atualizados e realizando uma atuação rápida e segura.

No entanto, faz-se necessário ressaltar que existe uma desproporção cada vez maior no número de pacientes em lista que aguardam por um órgão, relativamente à disponibilidade. Há alguns fatores limitantes nesse processo, entre os quais se destaca a falta de notificação de pacientes com diagnóstico de Morte Encefálica (ME) às Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos; a falta de capacitação dos profissionais de saúde quanto ao processo de doação-transplante por meio da educação continuada, bem como a recusa familiar(1).

No intuito de aprimorar e minimizar essas desproporções no processo de doação de órgãos surgiram algumas inquietações: como podemos melhorar o cuidado ao paciente potencial doador de órgãos que esteja em morte encefálica e consequentemente ajudar na diminuição da fila de espera por transplante? Os princípios do pensamento Lean podem possibilitar melhoria no processo de doação de órgãos?

Neste sentido, objetivou-se apresentar um modelo teórico de organização do cuidado ao paciente em morte encefálica e o processo de doação de órgãos balizado pelas principais ideias do pensamento Lean visando possibilidades de melhoria desse processo.

Processo de Doação de Órgãos

Em 1991, o Conselho Federal de Medicina (CFM) regulamentou o diagnóstico de Morte Encefálica (ME), condição para a doação de múltiplos órgãos, como a situação irreversível de todas as funções respiratórias e circulatórias ou cessação irreversível de todas as funções do cérebro, incluindo o tronco cerebral. Afirmou ainda que a ME deve ser consequência de processo irreversível e de causa conhecida(8).

A identificação de pacientes em ME ocorre principalmente em UTI ou em Pronto Socorro (PS). Nesses serviços, geralmente se encontram pacientes com lesões neurológicas agudas graves, tais como hemorragia intracraniana, traumatismo cranioencefálico e lesão isquêmica, que frequentemente evoluem para ME(9).

A detecção da ME é composta por duas etapas, o diagnóstico clínico e a realização de exame gráfico complementar. O primeiro deve ser realizado com intervalo de tempo conforme faixa etária do potencial doador: a) de sete dias a dois meses incompletos, repetir exame a cada 48 horas; b) de dois meses a um ano incompleto, repetir a cada 24 horas; c) de um ano a dois anos incompletos, repetir a cada 12 horas e acima de dois anos, repetir o exame com um intervalo de 6 horas(8). É importante enfatizar que os exames clínicos devem ser realizados por profissionais médicos diferentes, que não poderão ser integrantes da equipe de remoção e transplante, e que um dos exames deverá ser realizado por um médico neurologista.

A etapa seguinte envolve a realização de exames específicos para morte encefálica, que incluem testes motores, avaliação das respostas pupilares, avaliação do reflexo oculocefálico (fenômeno dos olhos de boneca), avaliação do reflexo oculovestibular (teste calórico com água gelada), avaliação dos reflexos corneal, de tosse e de náusea e teste da apnéia. Os exames comprobatórios de ME, incluem angiografia cerebral completa (para verificar a ausência de fluxo sanguíneo cerebral), angiografia cerebral radioisotópica, eletroencefalograma, Doppler transcraniano, tomografia computadorizada com contraste ou xenônio, SPECT (tomografia por emissão de fóton único para estudar os neurônios pré e pós-sinápticos), entre outros. Os dados clínicos e complementares observados deverão ser registrados no termo de declaração de morte encefálica(2,8,10).

Após a constatação da morte encefálica, descartadas as contra indicações clínicas que representam riscos aos receptores dos órgãos, o paciente é considerado potencial doador de órgãos. É importante destacar que para existir o processo de doação de órgãos é necessária a confirmação do diagnóstico do paciente com ME e a notificação do potencial doador.

Após a detecção do paciente em ME é preciso realizar a manutenção do potencial doador com o objetivo é otimizar a perfusão tecidual, assegurando a viabilidade dos órgãos. Nessa etapa, é recomendado o monitoramento cardíaco contínuo; da saturação de oxigênio; da pressão arterial; da pressão venosa central; do equilíbrio hidroeletrolítico e ácido base; do débito urinário e da temperatura corporal(1).

Ressalta-se a importância de conduzir adequadamente o potencial doador com o mesmo empenho e dedicação que qualquer outro paciente da UTI, pois este paciente não deve ser visto como um ser morto que não necessita de cuidados. Esse ser humano não deve deixar de ser singular e transformar-se em um objeto(11), uma vez que um único potencial doador em boas condições poderá beneficiar através do transplante, mais de dez pacientes(12). Para tanto, ressalta-se que ele deve ser cuidado como um ser que está/esteve inserido em um contexto social, familiar e cultural.

Com a confirmação do diagnóstico de ME, a família deve ser comunicada pelo médico responsável da irreversibilidade do quadro clínico do paciente. Nesse momento, se o hospital tiver mais de 80 leitos, os profissionais que atuam na UTI ou PS comunicam-se coma Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT), que se articula com a Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos do Estado ou Distrito Federal (CNCDO), notificando a presença de um potencial doador. Se o número de leitos for inferior, a comunicação deve ser diretamente com a CNCDO(9,13). É importante destacar que essa notificação é compulsória, independe do desejo familiar de doação ou da condição clínica do potencial doador de se converter em doador efetivo.

A CNCDO encaminhará um profissional de saúde para realizar a entrevista sobre a doação de órgãos e tecidos com o familiar. Caso a família seja favorável a doação, deverá assinar o Termo de Consentimento, o que é solicitado para o familiar e duas testemunhas. Nesse processo, a família pode decidir quais órgãos serão disponibilizados para doação.

A seguir, apresenta-se na Figura 1 a visualização do processo de doação de órgãos:


No processo de doação de órgãos, existem múltiplos entraves que acabam contribuindo para o aumento do número de pacientes em lista de espera por um órgão. Entre eles, destaca-se o desconhecimento do conceito de morte encefálica por parte dos familiares e até mesmo de alguns profissionais de saúde; falta de credibilidade dos benefícios reais da doação e transplantes de órgãos; dificuldades logísticas para a manutenção do potencial doador; parada cardíaca irreversível dos potenciais doadores durante o processo de doação-transplante; contra indicação médica dos potenciais doadores; não reconhecimento ou atraso na determinação da morte encefálica, além da recusa familiar(1,14).

Relacionando algumas ideias do pensamento Lean ou produção enxuta com o processo de doação de órgãos

O termo Lean ou mais conhecido como Lean Thinking (Mentalidade Enxuta, em português) consiste na procura pela maximização do valor através da eliminação de desperdícios por meio da prática de melhorias contínuas. Assim sendo, pode-se dizer que Lean é uma espécie de ferramenta cuja filosofia gerencial é inspirada nas práticas e resultados do Sistema Toyota de Produção(6,15-16).

A produção enxuta é um conjunto integrado de atividades desenhado para obter uma produção de alto volume usando um mínimo de estoques de matéria primas, estoques em processo e produtos acabados. As peças chegam à próxima estação de trabalho na hora certa (just-in-time), são completadas e passam rapidamente pela operação.

A produção enxuta é uma prática para melhorar a produção por meio de ciclos de planejamentos, com habilidade dos gerentes para criar um ambiente propício para o sucesso da implementação(16-17). De modo bem simples, a produção enxuta é uma forma de se produzir mais com cada vez menos (menos esforço humano, menos equipamento, menos tempo e menos espaço) e, ao mesmo tempo, oferecendo aos clientes cada vez mais aquilo que eles desejam(18).

A abordagem enxuta está baseada em uma série de princípios que norteiam as operações de uma organização na busca de maior qualidade, aliada à maior eficiência, o que tem trazido excelentes resultados em termos de excelência operacional e lucratividade nos diversos setores em que tem sido aplicada, seja na indústria de computadores, automobilística e siderúrgica. Alguns estudos têm empregado o Pensamento Lean nos serviços de saúde(5,17,19).

No serviço de saúde, os pacientes esperam e /ou exigem dos profissionais um atendimento cada vez melhor e com mais qualidade e resolutividade, e para isso é necessário maior investimento no treinamento/capacitação em serviço. As instituições de saúde devem olhar para suas operações de forma que seus processos gerem valor para o cliente/usuário sob forma de um produto de qualidade, atendendo as expectativas dos pacientes, familiares, governo e sociedade.

O produto é o resultado de um sistema de produ- um bem ou um serviço. Na área da saúde, o produto é um serviço, na Enfermagem, mais especificamente, o produto é o cuidado. Um serviço é caracterizado por ser um trabalho executado por uma pessoa em benefício da outra; intangível; imaterial e que não pode ser ção que será oferecido aos consumidores que pode ser estocado(20).

A partir do exposto, esboça-se a seguir um quadro que relaciona algumas ideias do pensamento Lean ao processo de doação de órgãos (Quadro 1).


Com base nas relações apresentadas acima, elaborou-se um modelo teórico de organização do cuidado ao paciente em morte encefálica e o processo de doação de órgãos, balizado nas principais ideias do pensamento Lean (Figura 2).


O conhecimento do processo e a execução adequada de suas etapas possibilitam a obtenção de órgãos e tecidos com mais segurança e qualidade, potencializando o diagnóstico de morte encefálica, a captação do órgão doado, o acondicionamento, o transporte até o local do transplante do órgão no receptor. Essa melhoria advém de um planejamento e organização do cuidado a esse paciente uma vez que será realizada a manutenção preventiva dos equipamentos; o tempo de setup será mínimo; o sistema de informação será efetivo; os profissionais estarão atualizados e devidamente capacitados para realizar o cuidado. Dessa forma, pode-se alcançar maior eficiência, qualidade e excelência no cuidar, garantindo melhoria contínua desse processo e beneficiando tanto os profissionais de saúde quanto familiares dos doadores e os receptores.

Cada um destes conceitos pode induzir a um esforço específico de melhoria. Ações coletivas e interativas entre os integrantes das equipes da saúde, aliadas a conhecimentos de gestão operacional, serão capazes de interpretar e associar os conceitos Lean e colocá-los a favor da eficiência do sistema de produção em saúde, neste caso, de doação de órgãos.

CONCLUSÃO

O desenvolvimento desse estudo permitiu uma reflexão e uma melhor compreensão sobre o processo de doação de órgãos e as principais ideias do pensamento Lean. A partir de um breve resgate foi possível contextualizar o processo de doação com esse novo pensamento que tem sido empregado na área da saúde cuja finalidade é atingir melhores resultados com menor esforço. E para isso utilizou-se as principais ideias do pensamento Lean: manutenção; setup; sistema de informação; treinamento/capacitação/multifuncionalidade; máquina multi funcional; automação/automática.

Transpor as principais ideias do pensamento Lean para processo de doação de órgãos foi um desafio, uma vez que esse modelo desenvolveu-se principalmente para área da manufatura. Porém, a partir dessa reflexão teórica foi possível aplicá-lo em diferentes níveis ao processo de doação de órgãos. Destaca-se que o pensamento Lean pode tornar mais eficaz e eficiente o processo de doação de órgãos, contribuindo para sua melhoria, a partir da sistematização das informações, da capacitação dos profissionais, garantindo um cuidado de qualidade ao paciente, sem engessar as condutas, mas fornecendo informações de como agir diante das situações que podem ocorrer. Nesse sentido, este modelo teórico pode trazer contribuições, devendo-se considerar os aspectos relativos à humanização, comunicação, vínculo e ética, os quais são indispensáveis na relação com os pacientes e familiares envolvidos no processo de doação de órgãos.

Acredita-se que este trabalho possa incentivar novas pesquisas acadêmicas na área da saúde utilizando a produção enxuta, tendo em vista que essa área, assim como todos os sistemas de produção, deve estar aberto a melhorias contínuas. No âmbito da prática assistencial em saúde, essas ideias podem contribuir para a melhoria do processo de doação de órgãos; as etapas desse processo devem ser tomadas em detalhe e soluções específicas que podem ser geradas sob o abrigo destes conceitos mais amplos para potencializar melhorias na atuação da equipe multiprofissional.

Recebido: 10/05/2012

Aprovado: 11/07/2012

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  • Correspondência:
    Aline Lima Pestana
    Rua Edson Areas, 18 - Apto. 104 - Trindade
    CEP 88036-070 - Florianópolis, SC, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      10 Maio 2012
    • Aceito
      11 Jul 2012
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