EDITORIAL
Centro Brasileiro para o Cuidado à Saúde Baseado em Evidências: Centro Afiliado do Instituto Joanna Briggs
Alan PearsonI; Cassia Baldini SoaresII
IDiretor Executivo do Instituto Joanna Briggs. Adelaida, Australia
IIDiretora do Centro Brasileiro para o Cuidado à Saúde Baseado em Evidências: Centro Afiliado do Instituto Joanna Briggs. Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil. cassiaso@usp.br
A ideia de tomar decisões relacionadas à saúde com base em evidências científicas não caracteriza uma inovação por si só. Analisando os cuidados à saúde de forma retrospectiva, pode-se concluir que decisões relacionadas à saúde foram guiadas historicamente por uma lista considerável de evidências de diversas fontes, como: conhecimento científico produzido em estudos desenvolvidos com rigor metodológico; síntese de experiência pessoal ou profissional; discussões com a equipe de saúde, especialmente sobre casos incomuns; opiniões de colegas e/ou especialistas, publicadas pela mídia ou em eventos focados no assunto; percepções de pacientes e profissionais que problematizaram o assunto. Tudo isso depende dos recursos disponíveis e, dessa forma, nem sempre segue a lógica de pautar decisões pelas melhores evidências disponíveis.
Com base na teoria de que o processo de saúde/doença é amplamente explicado de forma social e, dessa forma, suas expressões envolvem as estruturas e dinâmicas da sociedade, pode-se dizer que encontrar evidências para a ação em saúde precisa envolver a busca por respostas para além dos ensaios clínicos projetados para minimizar vieses. Defendemos que as evidências do cuidado em saúde podem, legitimamente, ter como fontes vários tipos de estudos mesmo as opiniões de especialistas quando essas representam a melhor evidência disponível. As experiências e sentimentos daqueles que sentem os efeitos de problemas de saúde são fontes de evidências e tais opiniões são normalmente capturadas somente por estudos qualitativos.
O campo da enfermagem colabora com a construção do conhecimento em saúde a partir de diferentes correntes de pensamento epistemológico e inova, principalmente, por desenvolver conhecimento de forma dialética para responder às dimensões sociais e relacionais do cuidado. Resultados de estudos com desenhos metodológicos de pesquisa que se correlacionam com várias correntes de produção de conhecimento revelam diferentes aspectos de um tema em saúde; eles integram e articulam várias compreensões de um assunto em questão e, dessa forma, buscam gerar um conjunto diverso de evidências através do uso de métodos quantitativos, qualitativos e mistos. Pearson sugere que ...profissionais da saúde consideram evidências mais amplas do que evidências de efetividade para orientar sua prática diária(1). Pearson, e outros autores, argumentam que os profissionais de saúde
...estão interessados nas evidências de viabilidade, adequação, significatividade e/ou efetividade (FAME, em inglês):
Evidência de viabilidade o grau até o qual uma atividade é prática e pode ser realizada. A viabilidade clínica tem a ver com o fato de uma atividade ou intervenção ser física, cultural ou financeiramente prática ou possível dentro de um determinado contexto.
Evidência de adequação o grau até o qual uma intervenção ou atividade se enquadra ou está apta em uma situação. A adequação clínica se refere a como uma atividade ou intervenção está relacionada ao contexto no qual o cuidado é fornecido.
Evidência de significatividade como uma intervenção ou atividade é experimentada de forma positiva pelo paciente. A significatividade está relacionada à experiência pessoal, opiniões, valores, pensamentos, crenças e interpretações de pacientes ou clientes.
Evidência de efetividade é o grau até o qual uma intervenção, quando usada de forma apropriada, alcança seu efeito desejado. A efetividade clínica se refere à relação entre uma intervenção e resultados clínicos ou de saúde(2).
Embora a enfermagem apresente um perfil de pesquisa cada vez maior e haja crescimento notável na área, é amplamente reconhecido que há poucos investimentos em estudos de implementação de resultados de pesquisas nas políticas e práticas(3). Nos Estados Unidos, foi observado que embora o público em geral acredite que resultados de pesquisa científica sejam prontamente usados em serviços de saúde, na verdade existe uma lacuna considerável entre a produção e difusão de conhecimentos e sua adoção por serviços de saúde(3).
Muitas críticas podem ser feitas à prática de adotar evidências como a única base para tomada de decisões relacionadas à saúde, e concordamos com muitas delas. Concordamos com a opinião de que evidências obtidas através de estudos científicos não devem se tornar camisa-de-força para o profissional. Ao invés disso, tais evidências devem em nossa opinião apoiar a tomada de decisões, ao fornecer conhecimentos produzidos pela ciência. Os efeitos da divisão social e técnica do trabalho em saúde apresentam pouca probabilidade de serem remediados pelo uso de evidências na prática, que pode, no entanto, constituir uma ferramenta para disseminar conhecimento e discussões entre profissionais, o que pode melhorar a saúde.
Quando são bem construídas, com síntese clara de estudos científicos, bem traduzidas, baseadas em teorias que pautam as ações e processos recomendados como as melhores práticas, além de bem implementadas, de forma adequada para diferenciar situações, realidades e ambientes, as evidências podem ajudar os profissionais na tomada de decisões. Muitos profissionais são ocupados, dependentes do uso de rotinas e com pouca chance de indagar sobre sua prática ou buscar as descobertas científicas, muitas vezes se sentindo desafiados pelas decisões que tomam no trabalho.
O Instituto Joanna Briggs (ou JBI, como é conhecido internacionalmente) busca apoiar a síntese de evidências provenientes de diferentes fontes de produção de conhecimento. Ele também busca promover e facilitar a transferência de tais evidências para práticas de saúde e fornecer recursos para auxiliar na implementação de evidências de forma sistemática e monitorada(2).
O Instituto inicialmente se concentrava em questões de enfermagem, mas gradualmente se tornou um recurso para a maioria dos profissionais de saúde e criadores de políticas/planejadores de serviços que desejam acessar e utilizar as melhores evidências possíveis ao tomar decisões para atender a necessidades de saúde em diferentes dimensões(4).
O JBI é uma organização internacional de desenvolvimento e pesquisa especializada no desenvolvimento e treinamento de pesquisadores e profissionais de saúde para sintetizar e implementar as melhores práticas em saúde ou baseadas em evidências(5). O Centro Brasileiro para o Cuidado à Saúde Baseado em Evidências: Centro Afiliado do Instituto Joanna Briggs (CCJBI Brasil) é a primeira entidade colaboradora do JBI no Brasil e na América Latina(6).
Situado na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, o CCJBI-Brasil realiza várias atividades, especialmente treinamento, oferecendo anualmente a professores e estudantes de pós-graduação o Treinamento em Revisão Sistemática Integral. Esse curso certifica os participantes a registrarem protocolos de revisão sistemática no JBI. Com isso, revisores podem acessar métodos padronizados, através de softwares para realizar revisões sistemáticas de evidências quantitativas, qualitativas, textuais e econômicas(7).
O CCJBI-Brasil compreende que revisões sistemáticas, e o treinamento para seu desenvolvimento, é o foco de seu trabalho neste momento da implementação do centro no Brasil, mas também reconhece o desafio de dar início ao desenvolvimento de atividades relacionadas à transferência e implementação de evidências em hospitais e unidades de tratamento de saúde primárias ligadas às atividades de ensino, pesquisa e extensão da Universidade. O centro convida a todos para discutir o papel de evidências no cuidado à saúde, suas limitações e desafios para melhorar o controle pelo profissional do processo de trabalho e do processo de produção de saúde como um todo.
- 1. Pearson A. Balancing the evidence: incorporating the synthesis of qualitative data into systematic reviews. JBI Reports. 2004;2(2):45-64.
- 2. Pearson A, Wiechula R, Court A, Lockwood C. The JBI model of evidence based healthcare. Int J Evid Based Healthc. 2005;3(8):207-15.
- 3. Hopp L. Professional nursing and evidence-based practice. In: Hopp L, Rittenmeyer L, editors. Introduction to evidence-based practice: a practical guide for nursing. Philadelphia: Davis; 2012.
- 4. Jordan Z, Donnelly P, Pittman P. A short history of a BIG idea: the Joanna Briggs Institute 1996-2006. Melbourne: AUSMED; 2006.
- 5. Pearson A, Field J, Jordan Z. Evidence based practice in nursing and health care: Assimilating research, experience and expertise. Oxford: Blackwell; 2007.
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6The Joanna Briggs Collaboration. The Brazilian Centre for Evidence-Based Healthcare: an Affiliate Centre of the Joanna Briggs Institute [Internet]. São Paulo: EEUSP; 2013 [cited 2013 Feb 6]. Available from: http://www.ee.usp.br/pesq/nucleo/jbi/
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7The Joanna Briggs Institute. Joanna Briggs Institute Reviewers' manual [Internet]. Adelaide, Australia; 2011 [cited 2013 Feb 6]. Available from: http://www.joannabriggs.edu.au/Documents/sumari/Reviewers%20Manual-2011.pdf
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
04 Jun 2013 -
Data do Fascículo
Abr 2013