INTRODUÇÃO
Os Cateteres Centrais de Inserção Periférica (Peripherally Inserted Central Catheter - PICC) são amplamente utilizados em unidades neonatais quando as crianças necessitam de uma linha venosa por tempo prolongado( 1 ). Seu uso permite que sejam oferecidos nutrição parenteral, medicamentos ou soluções em altas concentrações, irritantes e/ou vesicantes( 1 ), e ainda reduzir a necessidade de múltiplas punções venosas e trocas( 2 ).
O fino calibre dos cateteres e a utilização de uma técnica de inserção a partir de vasos periféricos contribuem para que sejam menos invasivos e, consequentemente, ofereçam menor risco aos pacientes no momento da introdução, se comparados aos dispositivos inseridos cirurgicamente e em vasos calibrosos( 2 - 3 ).
Entretanto, os resultados de estudos científicos têm mostrado um conjunto de complicações não infecciosas e infecciosas em recém-nascidos (RN). As primeiras correspondem à obstrução do cateter, formação de trombos, sangramento, flebite mecânica, migração, fratura do cateter, extravasamento, perfuração cardíaca ou do vaso, dentre outras( 4 ). As infecciosas incluem flebites infecciosas, infecção do sítio de inserção e infecção sanguínea (sepse)( 2 , 5 - 6 ).
Dentre as complicações relacionadas ao uso do cateter central, as infecciosas destacam-se como uma importante causa de morbimortalidade na população neonatal( 7 ). Sua prevalência, entretanto, varia de 0 a 40% em decorrência das diferenças de conceitos e terminologias que são utilizados pelos autores para caracterizá-las( 5 ).
Os fatores de risco associados à infecção sanguínea determinada por cateter venoso central podem estar relacionados a doenças pré-existentes e a fatores clínicos, como admissão em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), uso de ventilação mecânica e monitoramento hemodinâmico invasivo. Acresce-se aos fatores de risco o tipo e o material do cateter, o local de escolha para inserção e o não seguimento da técnica preconizada na inserção e na manutenção do cateter( 5 ). Segundo achados de investigações científicas, alguns fatores aumentam significativamente a susceptibilidade a infecções: tempo de uso do cateter, infusão de nutrição parenteral, transfusão sanguínea( 8 ), ausência de infecção subjacente no momento da inserção, mais de uma indicação para uso do dispositivo( 2 )e sítio de inserção femoral( 9 ).
Dentre as repercussões das infecções relacionadas ao cateter há que considerar o aumento significativo do custo com as internações hospitalares( 9 ).
Embora possam ser identificados na literatura, os estudos realizados que tratam das infecções relacionadas ao uso de PICC possuem delineamentos e populações variados, sendo em sua maioria descritivos e referentes a indivíduos em idades pediátrica e adulta( 2 , 5 - 6 , 10 ). Além disso, verifica-se que o PICC é incluído no universo amplo dos cateteres venosos centrais, sem ponderar as especificidades inerentes ao dispositivo e à técnica de inserção e manutenção( 5 - 8 ).
Esse é um tema de grande relevância e interesse para o profissional enfermeiro, tendo em vista sua competência técnica e legal para a inserção e a manutenção do PICC( 11 ), cuja utilização é crescente no cuidado ao RN em UTI. Dessa maneira, o reconhecimento dos fatores de risco para a infecção relacionada ao uso do cateter pode contribuir para o estabelecimento de procedimentos que qualifiquem a assistência do enfermeiro, em conjunto com sua equipe, sustendo uma prática clínica baseada em evidências científicas.
Nesta perspectiva, este estudo teve por objetivo analisar os fatores associados à infecção pelo uso do PICC em RN internados em unidade de terapia intensiva.
MÉTODO
Trata-se de um estudo epidemiológico, longitudinal e analítico, desenvolvido em um hospital de Belo Horizonte, Minas Gerais. A Unidade de Terapia Intensiva Neonatal dessa instituição conta com 40 leitos de internação, como média de admissão de 73 RN por mês no ano de 2010. Foram incluídos no estudo todos os RN que em algum momento da internação utilizaram o PICC com período de inserção entre fevereiro e dezembro de 2010. Estabeleceram-se como critérios de exclusão, inserções sem sucesso ou mais de seis tentativas na instalação do dispositivo, visto que o protocolo institucional recomenda que esse número não seja ultrapassado, com base em indicadores internos de qualidade do hospital.
A coleta dos dados foi realizada por meio de uma ficha estruturada para o registro das informações referentes ao processo de inserção, manutenção e retirada do PICC, utilizando-se como referência a ficha já existente no serviço, adaptada de Camargo( 12 ). Após sua reestruturação, esse instrumento foi submetido à avaliação de dois profissionais com experiência em pesquisa e na inserção e na manutenção do PICC. Realizou-se um teste piloto durante 15 dias para verificar sua adequação. Após ter sido definida a versão final do instrumento, os profissionais responsáveis pela inserção e pela continuidade dos cuidados do dispositivo foram orientados sobre o preenchimento das fichas que, posteriormente, foram verificadas pela equipe de pesquisa. Quando necessário, a consulta ao prontuário do paciente foi realizada para completar as informações referentes à criança e ao dispositivo.
Para caracterizar o perfil das crianças e o processo de inserção, a ficha apresentava variáveis referentes a: sexo; idade gestacional e peso ao nascimento; diagnóstico, dias de vida; idade gestacional e peso no momento da inserção do cateter. No que se refere às características do cateter e sua instalação, coletou-se dados referentes ao tipo e à marca do dispositivo, utilização de métodos para controle da dor, realização de medição, número de tentativas de inserção e posicionamento da ponta do cateter. No que diz respeito à manutenção e retirada, foram registradas a ocorrência de reparo, tentativa de desobstrução, reposicionamento, tempo de uso do cateter (em dias) e motivo do término da terapia.
A indicação de uso do PICC é determinada pela equipe de saúde que assiste a criança e usualmente se destina a administração de antibióticos, nutrição parenteral ou substituição do cateter venoso umbilical. O procedimento de inserção é realizado por enfermeiros capacitados, sob a orientação de um protocolo institucional baseado nas diretrizes da Sociedade Brasileira de Enfermeiros de Terapia Intravenosa( 13 ). A definição do sítio de inserção é feita pelo profissional responsável pelo procedimento e a escolha inicial é majoritariamente pelas veias dos membros superiores. A instalação ocorre à beira do leito e busca-se a localização central da ponta do cateter na veia cava superior ou inferior. A confirmação da localização da ponta é feita por radiografia e o reposicionamento (tração) do cateter acontece quando este se encontra intracardíaco. A manutenção do cateter compreende a troca do curativo a cada sete dias quando do uso de película transparente ou sempre que houver presença de sujidade, umidade, sangramento ou bordas pouco aderidas. Em algumas situações, especialmente em casos de instabilidade clínica com impossibilidade de instalação de novo cateter, tem-se a prática do reparo mediante a ocorrência da ruptura da porção externa do cateter de silicone, que é retirado o mais rapidamente possível. Entretanto, em geral, o PICC é removido somente ao término da terapia ou na presença de efeitos adversos, com destaque para a infecção, variável de desfecho deste estudo.
A literatura acerca das infecções relacionadas à assistência à saúde( 7 , 14 - 15 ), assim como o protocolo adotado pela instituição, sinalizam para a necessidade da realização de exames laboratoriais para confirmar o diagnóstico de infecção relacionada ao cateter venoso central. O Center for Disease Control and Prevention(CDC) sinaliza que, para o diagnóstico da infecção, deve-se observar a existência de manifestações clínicas e a hemocultura positiva colhida do cateter ou periférica( 16 ). Já a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), considera a possibilidade de diagnóstico laboratorial ou clínico da infecção sanguínea. Contudo, para que seja associada ao uso do cateter venoso central, o dispositivo deve estar presente no momento do diagnóstico ou até 48 horas após sua remoção, não havendo tempo mínimo de permanência( 15 ). Entretanto, quando se trata de eventos infecciosos, o que se observa na prática é a retirada do cateter antes da comprovação laboratorial, mediante a presença de sinais clínicos sugestivos de infecção, como febre, hipotermia, apneia, bradicardia e sinais flogísticos no local da inserção e/ou trajeto do PICC, como flebite, endurecimento do tecido subcutâneo e hiperemia.
Considerando-se a prática dos profissionais no local do estudo, a retirada do cateter devido à infecção utilizada neste estudo refere-se à suspensão da terapia em decorrência dos sinais e sintomas descritos anteriormente.
A lista dos potenciais fatores de risco foi identificada por meio de revisão de literatura. Considerou-se para análise estatística as seguintes variáveis: idade gestacional e peso no momento da inserção, material do dispositivo, número de tentativas na inserção, ocorrência de reparo, tentativa de desobstrução e reposicionamento, tempo de uso do cateter (em dias) e motivo de retirada do PICC.
A caracterização da população estudada foi realizada por meio do cálculo das frequências absolutas e relativas das variáveis de interesse segundo o motivo de retirada do PICC. As diferenças estatísticas foram avaliadas por meio dos testes de qui-quadrado de Pearson ou exato de Fisher.
O processo de modelagem baseou-se em duas etapas. Inicialmente foram selecionadas as variáveis que apresentaram um p-valor < 0,20 na análise bivariada. Posteriormente, realizou-se uma análise multivariada na qual foi empregada a técnica de regressão de Poisson com variâncias robustas. As magnitudes das associações foram estimadas pelo cálculo do Risco Relativo (RR) e seu Intervalo de Confiança de 95% (IC 95%). Foram mantidas no modelo final as variáveis que mostraram níveis de significância estatística menor do que 5%, considerando-se o teste de Wald e Razão de Veromassimilhança Parcial.
A avaliação da qualidade do modelo final foi feita pelo cálculo do seu coeficiente de determinação (R2); pelas aplicações do teste da bondade (goodness-of-fit test) e do linktest e pela análise dos resíduos, baseando-se principalmente nos pontos influenciais. Também foram testadas a colinearidade e a interação entre as variáveis que permaneceram no modelo final. Para o processamento e aanálise dos dados, utilizou-se o software STATA (versão 9.0).
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Sofia Feldman sob o parecer nº 03/2008, atendendo à Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, sobre pesquisas que envolvem seres humanos. Ademais, os profissionais que participaram do estudo assinaram o termo de consentimento livre e informado e tiveram suas identidades preservadas por meio do anonimato.
RESULTADOS
Após a aplicação dos critérios de exclusão, foram analisadas as inserções de 291 PICC em 233 crianças durante o período do estudo. A taxa de retirada do cateter devido à ocorrência de infecção foi de 15,8%, correspondendo a 9,7 por 1.000 cateteres-dia.
Em relação ao perfil dos RN que utilizaram o PICC, observou-se que a maioria era do sexo masculino (53,4%). A idade gestacional ao nascimento foi igual ou inferior a 35 semanas em 69,7% dos casos, apresentando valor mínimo de 24 e máximo de 41 semanas. As prevalências de peso ao nascimento menor ou igual a 1.500 gramas, entre 1.501 e 2.500 gramas e maior que 2.501 gramas corresponderam a 42,8%, 27,5% e 29,7%, respectivamente. A maioria dos RN (68,4%) apresentava até 7 dias de vida no momento da inserção; 16,2% apresentavam entre 8 e 30 dias; 7,9% entre 31 e 60 dias e 7,6% idade superior a 61 dias de vida. Os diagnósticos observados no momento da inserção foram sepse (72,5%), prematuridade (70,5%), baixo peso (69,8%) e síndrome do desconforto respiratório (16,5%). A indicação do uso do PICC deveu-se principalmente à antibioticoterapia (72,9%), seguida pela necessidade de administração de nutrição parenteral (31,3%) e aminas vasoativas (11,0%).
Foram utilizados cateteres de silicone em 57,% das inserções e de poliuretano em 42,6%. Os locais da punção foram membros superiores, membros inferiores, região cervical e região cefálica, que apresentaram as seguintes prevalências: 83,1%, 8,6%, 4,1% e 4,1%. O controle da dor foi uma estratégia utilizada em 74,9% das inserções. As tentativas para inserção do dispositivo variaram de uma e seis. A distribuição das prevalências nesse intervalo foi de 25,7% para uma tentativa; 25,7% para duas, 21,1% para três; 13,4% para quatro; 6,3% para cinco e 7,8% para seis tentativas. A localização central da ponta distal do dispositivo foi observada em 80,1% das inserções. O tempo de uso do dispositivo foi de até 7 dias em 22,7% dos casos; entre 8 e 14 dias em 34,4%; entre 15 e 21 dias em 21,3%; entre 22 e 28 dias em 7,6% e maior ou igual a 29 dias em 14,1%. O tempo máximo de uso foi de 68 dias.
Nas tabelas 1 e 2 são apresentados os fatores associados à retirada do cateter por suspeita de infecção: peso ao nascimento até 1.500 gramas (p<0,023) (Tabela 1), uso do cateter de poliuretano (p=0,002), localização não centralizada do cateter (p=0,005) e tempo de uso superior a 30 dias (p<0,001) (Tabela 2).
Tabela 1 Características dos recém-nascidos segundo o motivo de retirada do cateter - Belo Horizonte, MG, 2010
Variáveis | Motivo de retirada do cateter | ||||
---|---|---|---|---|---|
Término da Terapia | Infecção | p-valor | |||
N | % | N | % | ||
Sexo * | 0,574 | ||||
Masculino | 108 | 90,8 | 11 | 9,2 | |
Feminino | 92 | 88,5 | 12 | 11,5 | |
Total | 200 | 89,7 | 23 | 10,3 | |
Idade Gestacional ao nascimento * | 0,058 | ||||
< 35 semanas | 139 | 87,4 | 20 | 12,6 | |
> 36 semanas | 66 | 95,7 | 3 | 4,3 | |
Total | 205 | 89,1 | 23 | 10,9 | |
Peso ao nascimento * | 0,023 | ||||
< 1500 gramas | 82 | 83,7 | 16 | 16,3 | |
1501 - 2500 gramas | 60 | 95,2 | 3 | 4,8 | |
> 2501 gramas | 64 | 94,1 | 4 | 5,9 | |
Total | 206 | 90 | 23 | 10 | |
Dias de vida à inserção | 0,670 | ||||
0 – 7 | 151 | 91,5 | 14 | 8,5 | |
8 – 30 | 30 | 88,2 | 4 | 11,8 | |
30 – 60 | 15 | 88,3 | 3 | 11,7 | |
> 61 | 14 | 87,5 | 2 | 12,5 | |
Total | 210 | 90,1 | 23 | 9,9 | |
Prematuridade | 0,139 | ||||
Sim | 142 | 88,2 | 19 | 11,8 | |
Não | 68 | 94,4 | 4 | 5,6 | |
Total | 210 | 90,1 | 23 | 9,9 | |
Baixo peso | 0,073 | ||||
Sim | 145 | 87,8 | 20 | 12,2 | |
Não | 65 | 95,6 | 3 | 4,4 | |
Total | 210 | 90,1 | 23 | 9,9 | |
Sepse * | 0,636 | ||||
Sim | 152 | 90,5 | 16 | 9,5 | |
Não | 53 | 88,3 | 7 | 11,7 | |
Total | 205 | 89,1 | 23 | 10,9 | |
Síndrome do desconforto respiratório precoce * | 0,580 | ||||
Sim | 35 | 89,7 | 4 | 10,3 | |
Não | 170 | 89,9 | 19 | 10,1 | |
Total | 205 | 89,1 | 23 | 10,9 | |
Indicação do uso * | |||||
Antibioticoterapia | 0,153 | ||||
Sim | 154 | 91,7 | 14 | 8,3 | |
Não | 52 | 85,2 | 9 | 14,8 | |
Total | 206 | 90 | 23 | 10 | |
Nutrição parenteral * | 0,374 | ||||
Sim | 62 | 87,3 | 9 | 12,7 | |
Não | 144 | 85,7 | 14 | 14,3 | |
Total | 206 | 90 | 23 | 10 | |
Administração de aminas vasoativas * | 0,462 | ||||
Sim | 21 | 87,5 | 3 | 12,5 | |
Não | 179 | 89,9 | 20 | 10,1 | |
Total | 200 | 89,7 | 23 | 10,3 |
* Variáveis com valores perdidos.
Tabela 2 Características da inserção e do manuseio do cateter segundo o motivo de sua retirada - Belo Horizonte, MG, 2010
Variáveis | Motivo de retirada do cateter | ||||
---|---|---|---|---|---|
Término da Terapia | Infecção | p-valor | |||
N | % | N | % | ||
Tipo do cateter* | 0,002 | ||||
Poliuretano | 94 | 76,4 | 29 | 23,6 | |
Silicone | 149 | 89,8 | 17 | 10,2 | |
Total | 243 | 84,1 | 46 | 15,9 | |
Local da punção* | 0,082 | ||||
Membro superior | 207 | 85,9 | 34 | 14,1 | |
Membro inferior | 17 | 68 | 8 | 32 | |
Cervical | 9 | 75 | 3 | 25 | |
Cefálica | 11 | 91,7 | 1 | 8,3 | |
Total | 244 | 84,1 | 46 | 15,9 | |
Controle da dor | 0,864 | ||||
Não | 61 | 83,6 | 12 | 16,4 | |
Sim | 184 | 84,4 | 34 | 15,6 | |
Total | 245 | 84,2 | 46 | 15,8 | |
Tentativas de inserção* | 0,284 | ||||
1 | 63 | 86,3 | 10 | 13,7 | |
2 | 62 | 84,9 | 11 | 15,1 | |
3 | 48 | 80 | 12 | 20 | |
4 | 28 | 73,7 | 10 | 26,3 | |
5 | 17 | 94,4 | 1 | 5,6 | |
6 | 20 | 90,9 | 2 | 9,1 | |
Total | 238 | 83,8 | 46 | 16,2 | |
Localização da ponta * | 0,005 | ||||
Central | 194 | 87,8 | 27 | 12,2 | |
Não central | 40 | 72,7 | 15 | 27,3 | |
Total | 234 | 84,8 | 42 | 15,2 | |
Tempo de uso (dias) | < 0,001 | ||||
0 – 7 | 58 | 87,9 | 8 | 12,1 | |
8 – 14 | 96 | 96 | 4 | 4,0 | |
15 – 21 | 52 | 83,9 | 10 | 16,1 | |
22 – 28 | 17 | 77,3 | 5 | 22,7 | |
> 29 | 22 | 53,7 | 19 | 46,3 | |
Total | 245 | 84,2 | 46 | 15,8 |
* Variáveis com valores perdidos.
Após o ajuste multivariado dos dados, os seguintes fatores permaneceram independentemente associados à retirada do cateter por suspeita de infecção: peso inferior a 2.500 gramas no momento da inserção (RR=2,30; IC95%= 1,08 - 4,89; p=0,030); realização de reparo do cateter (RR= 1,99; IC95%=1,06 - 3,73; p=0,031) e tempo de uso do cateter em dias (RR=1,04; IC95% = 1,02 - 1,06; p<0,000) (Tabela 3). A retirada da variável local da punção compromete o ajuste final do modelo, conforme observado após a aplicação do teste estatístico da razão de veromassimilhança. Sendo assim, optou-se por mantê-la no modelo final.
Tabela 3 Variáveis potencialmente associadas à infecção pelo uso do cateter - Belo Horizonte, MG, 2010
Variáveis | RR (IC95%) | p-valor |
---|---|---|
Peso à inserção | ||
> 2.500 gramas | 1 (referência) | - |
< 2.500 gramas | 2,30 (1,08 – 4,89) | 0,03 |
Reparo | ||
Sim | 1 (referência) | - |
Não | 1,99 (1,06 – 3,73) | 0,031 |
Local da punção | ||
Membro superior | 1 (referência) | - |
Membro inferior | 2,04 (0,99 – 4,22) | 0,053 |
Cervical | 1,87 (0,71 – 4,91) | 0,205 |
Cefálica | 0,69 (0,10 – 4,96) | 0,712 |
Tempo de uso (dias) * | 1,04 (1,02 – 1,06) | < 0,001 |
* Variável inserida no modelo de forma contínua, ou seja, para cada dia a mais de uso do PICC o risco de infecção aumentou em 4%.
DISCUSSÃO
A análise dos dados mostra a taxa de infecção pelo uso do PICC foi de 15,8% (9,7 por 1.000 cateteres-dia). Além disso, as variáveis peso do RN no momento da inserção, realização de reparo e tempo de uso do cateter associaram-se independentemente a esse desfecho. Crianças com baixo peso no momento da inserção do PICC apresentaram risco aumentado (RR=2,30) de retirada do dispositivo devido à infecção quando comparadas àquelas com peso superior a 2.500 gramas. Evidenciou-se também que há risco de infecção quando ocorre o reparo do cateter (RR=1,99). Em relação ao tempo de uso, o incremento de um dia no tempo de permanência do cateter aumenta o risco de infecção em 4%.
Contudo, para a análise dos resultados, deve-se considerar que a definição de evento adverso infeccioso relacionado ao PICC apresentou como suporte principalmente a ocorrência de sinais clínicos característicos de infecção, após a eliminação da possibilidade de outros focos infecciosos. Assim, não confirmar o diagnóstico de infecção conforme sinalizado por protocolos de infecções relacionadas à assistência à saúde representa uma limitação deste estudo.
A comparação da taxa de infecção constatada na presente investigação com a de outros torna-se uma tarefa delicada na medida em que há uma grande variação das terminologias utilizadas para definir a infecção pelo uso do cateter e sua retirada. Por exemplo, estudo realizado em Taiwan com RN de muito baixo peso considerou hemocultura positiva de veia periférica, sinais clínicos e ausência de outro sítio de infecção, identificando uma taxa de incidência de 16,3% (8,3 por 1.000 cateteres-dia)( 9 ). Já em uma UTIN inglesa, a retirada do PICC em decorrência da infecção deu-se por hemocultura e/ou ponta de cateter positiva, a qual era removida mediante sinais clínicos, constatando-se uma incidência de 21,0% (17 por 1.000 cateteres-dia)( 16 ). UTIN localizada na Turquia teve como critério para retirada do cateter a infecção relacionada (hemocultura e ponta de cateter positivas e sinais clínicos) e a infecção associada (hemocultura positiva, presença de sinais clínicos e ausência de outro sítio de infecção), com incidência de 6,8%( 3 ).
Estudos recentes sobre complicações relacionadas ao PICC relacionam a prematuridade e o baixo peso como condições usualmente existentes nos casos de infecção relacionada ao cateter( 8 - 9 , 17 - 18 ). O aumento do risco de infecção associado ao baixo peso no momento da inserção do PICC evidenciado em nossos resultados é corroborado por achados de outros estudos realizados com RN de risco( 17 - 19 ). Tal acontecimento pode ser explicado principalmente pela imaturidade do sistema imunológico desses RN. Fatores extrínsecos como permanência em ambiente hospitalar, realização de múltiplos procedimentos invasivos e técnicas de higiene inadequadas dos profissionais também predispõem os RN a infecções nosocomiais( 20 ), sendo a mais frequente a infecção sanguínea associada ao uso de cateter( 15 ).
Na seleção do sítio de inserção do PICC é indicado que sejam considerados o risco e o benefício da escolha, buscando reduzir as complicações infecciosas em relação às mecânicas( 7 ). A recomendação é evitar o uso do sítio femoral devido a maior risco de formação de trombos e maior incidência de infecção sanguínea relacionada ao cateter(9,18-19). Contudo, são limitados os estudos que consideram as veias dos membros inferiores, quais sejam, femoral, grande safena, pequena safena ou veias do arco dorsal do pé, em comparação às veias dos membros superiores. Estudos realizados recentemente apresentaram taxas de complicações infecciosas maiores quando o sítio de inserção do cateter localizava-se nos membros inferiores. Todavia, não houve diferença estatística quando as taxas foram comparadas àquelas obtidas nos membros superiores, o que está em consonância com os resultados da presente investigação( 8 , 16 ). Contrariamente, autores( 17 )concluíram que cateteres inseridos em membros inferiores tiveram menores taxas de infecção relacionada ao PICC e precisaram de tempo superior para desenvolver complicações quando comparados aos cateteres inseridos em outros sítios.
A associação entre o tempo de permanência do dispositivo e a ocorrência de infecção é um achado concordante nos estudos acerca da temática. À medida que progride o tempo de permanência do PICC, aumenta o risco de infecção( 9 - 22 ). Todavia, nesses estudos não há clareza para determinar o momento ideal de retirada do dispositivo de maneira a reduzir os riscos de ocorrência da infecção.
A realização do reparo do PICC não é recomendada pelos protocolos sobre infecções relacionadas à assistência à saúde. Contudo, essa prática é comumente realizada nas instituições de saúde como uma alternativa para possibilitar a continuidade da terapia intravenosa após um dano na porção externa do cateter. Considerando o aumento do manuseio e a exposição do dispositivo no momento do reparo, justifica-se o risco aumentado de infecção (RR=3,25) quando comparado aos dispositivos que não sofreram reparo.
Avaliando a literatura nacional acerca dos fatores relacionados à infecção de PICC em neonatos, verifica-se que os estudos ainda são incipientes. Portanto, os resultados obtidos neste estudo representam uma contribuição significativa para a compreensão de questões relativas ao uso do PICC, principalmente aquelas que dizem respeito aos eventos adversos. Acresce-se às fortalezas deste estudo seu delineamento longitudinal, garantindo a temporalidade e a relação de causa e efeito entre as associações.
CONCLUSÃO
O PICC tem sido amplamente utilizado na população neonatal pelas possibilidades que oferecem no cuidado aos RN de risco. Contudo, verifica-se que apresenta eventos adversos que podem ser decorrentes de condições intrínsecas aos neonatos ou de seu manejo.
No presente estudo, o peso do RN inferior a 2.500 gramas no momento de inserção do cateter, o tempo de uso em dias e a realização de reparo do PICC mostraram-se previsores de infecção pelo uso do dispositivo em RN internados em uma UTI.
Dado que a infecção é o evento adverso que mais contribui para a retirada do cateter antes do término da terapia, estes achados devem ser considerados na prática clínica do enfermeiro e demais membros das equipes de enfermagem e multiprofissional, especialmente no que diz respeito aos fatores modificáveis, ou seja, tempo de uso e reparo do cateter, para maior segurança e eficácia no uso do PICC na população neonatal, garantido assim a prestação de uma assistência de qualidade e livre de danos.
Dentre as complicações relacionadas ao uso do cateter central, as infecciosas destacam-se como uma importante causa de morbimortalidade na população neonatal.