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Os sentidos construídos na atenção à crise no território: o Centro de Atenção Psicossocial como protagonista* * Extraído da dissertação "Os sentidos atribuídos a atenção à crise nas práticas discursivas dos profissionais de Centros de Atenção Psicossocial: contribuições para a enfermagem psiquiátrica", Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas, 2009.

Los sentidos construidos en la atención de las crisis en campo: el centro de atención psicosocial como protagonista

Resumos

A atenção à crise é um ponto estratégico no processo de mudanças paradigmáticas propostas pela Reforma Psiquiátrica brasileira, exigindo que serviços substitutivos e profissionais utilizem novas tecnologias de cuidado. Este estudo objetiva identificar as ações de atenção à crise no território e os sentidos que as envolvem, partindo das práticas discursivas dos profissionais. Trata-se de um estudo qualitativo que utiliza a perspectiva teórica do Construcionismo Social. No banco de dados da pesquisa Avaliação dos Centros de Atenção Psicossocial da Região Sul do Brasil (CAPSUL), foram analisados 27 entrevistas realizadas com profissionais do Centro de Atenção Psicossocial de Alegrete e três diários de campo com registro de 390 horas de observação. Os resultados evidenciaram o acolhimento e a responsabilização pelo cuidado. Conclui-se que liberdade, reciprocidade, contratualidade e responsabilização pelo cuidado são os novos sentidos necessários aos serviços substitutivos para superação do manicômio e dos sentidos de exclusão e periculosidade.

Transtornos mentais; Intervenção na crise; Serviços de Saúde Mental; Enfermagem psiquiátrica


La atención de crisis es un ítem estratégico en el proceso de cambios paradigmáticos propuestos por la Reforma Psiquiátrica Brasileña, imponiendo que se utilicen nuevas tecnologías de cuidado. Se objetiva identificar acciones de atención de crisis en campo y los sentidos que las involucran, partiendo de las prácticas discursivas de profesionales. Estudio cualitativo utilizando la perspectiva teórica del Construccionismo Social. En los datos de la investigación Evaluación de Centros de Atención Psicosocial de la Región Sur de Brasil (CAPSUL) se analizaron 27 entrevistas realizadas con profesionales del Centro de Atención Psicosocial de Alegrete y tres diarios de campo con registro de 390 horas de observación. Los resultados demuestran la acogida y la responsabilización por el cuidado. Se concluye en que libertad, reciprocidad, contractualidad y responsabilización por el cuidado son los nuevos sentidos necesarios en los servicios sustitutivos para la superación del manicomio y de los sentidos de exclusión y peligrosidad.

Trastornos mentales; Intervención en la crisis; Servicios de Salud Mental; Enfermería psiquiátrica


The attention to a crisis is a strategic point in the process of paradigm changes proposed by the Brazilian psychiatric reform, requiring changes in alternative services and in the professionals that must use new technologies of care. This study aimed to identify the actions of attention to a crisis in the territory and the meanings as they evolved, beginning from the discursive practices of the professionals. It was a qualitative study that used the theoretical perspective of social constructionism. From the database of the research, Evaluation of the Psychosocial Care Centers in Southern Brazil (CAPSUL), 27 interviews were analyzed from the professionals of Psychosocial Care Center for Alegrete, along with field diaries with 390 hours of observation. Results showed patient engagement/welcoming and accountability for care. We concluded that freedom, reciprocity, contractuality and responsibility for care were the new meanings needed for the alternative care services to overcome the asylum and sense of exclusion and dangerousness.

Mental disorders; Crisis intervention; Mental Health Services; Psychiatric nursing


INTRODUÇÃO

Sentidos acerca da loucura e suas representações sociais vêm sendo construídos socialmente desde a Antiguidade. Conhecer e compreender a resposta que a sociedade dá a esse fenômeno subsidia reconstruir e ressignificar saberes e práticas em torno de um novo sentido e um novo lugar para a loucura.

A compreensão das reações e dos sentidos despertados pela loucura no contexto social e suas relações com a construção de práticas de violência e exclusão que marcaram a trajetória do louco no campo da Psiquiatria instigou em alguns sujeitos sociais o desejo de iniciar um processo de desconstrução dos saberes e das práticas manicomiais.

Assim, iniciou-se no Brasil o movimento de Reforma Psiquiátrica, que elegeu a comunidade como espaço privilegiado para um cuidado que respeita os direitos e a dignidade dos indivíduos em sofrimento psíquico.

Para isso, foi instituída uma teia de cuidado em saúde mental composta por múltiplos serviços existentes no território: Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS), Centros Comunitários de Álcool e Drogas, Centros de Atenção à Infância e Adolescência, Unidades Básicas de Saúde, Estratégia Saúde da Família (ESF), Unidades de Saúde Mental em Hospital Geral, Hospital-Dia e Residências Terapêuticas, para que, no conjunto, atendam à complexidade das demandas( 11. Pitta AM. O que é reabilitação psicossocial no Brasil, hoje. In: Pitta AM, organizador. Reabilitação psicossocial no Brasil. São Paulo: Hucitec; 2001. p.19-26. ).

Uma das demandas que mais gera dificuldades nesse contexto de mudanças paradigmáticas é a atenção à crise, considerada um dos aspectos mais difíceis e estratégicos no processo da Reforma Psiquiátrica( 22. Amarante PDC. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2007. ). Ainda é muito presente em nossa sociedade que o indivíduo em crise deve ser guardado ou excluído. Esse é um sentido cujas raízes podem ser encontradas na história da Psiquiatria, que instituiu o tratamento baseado na intolerância aos comportamentos diferentes da loucura, tendo na exclusão dos indivíduos uma opção para afugentar o diferente e proteger a sociedade( 33. Cardoso L, Galera SAF. Psychiatric hospitalization and maintaining the treatment outside the hospital. Rev Esc Enferm USP {Internet}. 2011 {cited 2012 Mar 26};45(1):87-94. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n1/en_12.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n1/en...
).

Por muitos anos a Psiquiatria desempenhou um papel de controle dos sujeitos desviantes e acabou por marginalizá-los e excluí-los da sociedade, retirando sua autonomia e independência( 44. Machado AM, Miasso AI, Pedrão LJ. The fellings of individuals with mental disorders undergoing psychosocial rehabilitation regarding recreational activities. Rev Esc Enferm USP {Internet}. 2011 {cited 2012 Mar 26};45(2):458-64. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n2/en_v45n2a21.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n2/en...
). Nesse modelo, a crise é entendida como uma situação na qual há uma disfunção grave que ocorre exclusivamente em decorrência da doença( 22. Amarante PDC. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2007. ). Em virtude dessa concepção, a resposta à crise está baseada em conter a agressividade e a indisciplina, mantendo as relações de poder e submissão que sustentam o cotidiano do manicômio.

Já no contexto da Saúde Mental, é concebida como expressão de uma crise existencial, social e familiar que envolve a capacidade subjetiva do sujeito em responder às situações desencadeantes( 55. Basaglia F. A psiquiatria alternativa: contra o pessimismo da razão o otimismo da prática: conferências no Brasil. São Paulo: Brasil Debates; 1979. ). Por isso, é considerada uma situação social, mais que biológica ou psicológica, exigindo dos serviços de atenção psicossocial a responsabilização frente às pessoas que estão sendo cuidadas, por meio do acolhimento e da construção de vínculos afetivos e profissionais( 22. Amarante PDC. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2007. ).

Para que as ações de atenção à crise contemplem a complexidade das necessidades dos sujeitos, é necessário que os profissionais lancem mão de novas tecnologias de cuidado. Uma delas é a atenção à pessoa em seu contexto de vida, ou seja, dentro de seu território, que pode ser entendido como o espaço que resulta da inseparabilidade entre sistemas de objetos e sistema de ações ( 66. Santos M. A natureza do espaço. São Paulo: EDUSP; 2004. ). O trabalho no território não significa o estabelecimento de um plano psiquiátrico ou de saúde mental para a comunidade. Pressupõe, na verdade, cuidar da crise em um contexto em que a premissa é a liberdade, com ênfase na expressão dos conflitos e dassubjetividades.

Daí a importância de estudar a atenção à crise no contexto da rede de serviços instituída pela Reforma Psiquiátrica e os novos sentidos que vão se construindo a partir de novas práticas de cuidado. Tendo como ponto de partida o Centro de Atenção Psicossocial, que é o articulador da demanda em Saúde Mental no território, acredita-se ser possível evidenciar a mudança que se estabeleceu no País na forma de cuidar da crise, ou seja, em liberdade, longe dos muros dos hospitais psiquiátricos.

Neste estudo, buscou-se responder a seguinte questão: Quais os sentidos da atenção à crise psíquica grave que está presente nas práticas discursivas dos profissionais dos Centros de Atenção Psicossocial?

MÉTODO

A contraposição ao discurso manicomial, constituído ao longo de séculos, dá-se por meio da construção de novos sentidos e, consequentemente, novas formas de lidar e relacionar-se com o sujeito em sofrimento psíquico. A compreensão do processo de construção da realidade, do conhecimento e de uma nova cultura no campo da saúde mental demanda a interlocução com perspectivas teóricas que nos auxiliem a entender o momento em que vivemos.

O construcionismo social foi eleito como a perspectiva teórica para a compreensão dos sentidos que estão sendo construídos no cotidiano das novas práticas de atenção à crise no território. Tem como pressupostos básicos a construção de sentidos por parte dos sujeitos envolvidos nos fenômenos que se deseja estudar, ou seja, o sentido é construído na interação social, a partir das práticas discursivas situadas em tempo e espaços específicos( 77. Spink MJ, Frezza RM. Práticas discursivas e produção de sentidos: a perspectiva da psicologia social. In: Spink MJ, editora. Práticas discursivas e produção de sentido no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Cortez; 2000. p. 17-40. ).

Os dados utilizados fazem parte do banco de dados da pesquisa Avaliação dos Centros de Atenção Psicossocial da Região Sul do Brasil (CAPSUL), que se dividiu em dois estudos, um quantitativo e outro qualitativo. A avaliação qualitativa foi desenvolvida na forma de um estudo de caso e contou com a participação de usuários, familiares e profissionais, sendo que a avaliação de quarta geração( 88. Guba E, Lincoln Y. Avaliação de quarta geração. Campinas: Ed. UNICAMP; 2011. - 99. Kantorski LP, Wetzel C, Olchowsky A, Jardim VMR, Bielemann VLM, Schneider JF. Avaliação de quarta geração: contribuições metodológicas para a avaliação de serviços de saúde mental. Interface Comum Saúde Educ. 2009;14(1):146-8. ) norteou o processo teórico-metodológico.

A coleta de dados ocorreu de julho a dezembro de 2006 e utilizou a observação de campo e a entrevista semiestruturada, inicialmente composta por três questões norteadoras, sendo que novas perguntas foram incorporadas mediante a utilização do círculo hermenêutico-dialético, em um processo concomitante de análise e coleta dos dados( 88. Guba E, Lincoln Y. Avaliação de quarta geração. Campinas: Ed. UNICAMP; 2011. ).

O projeto de pesquisa foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (Of. 074/05, de 11 de novembro de 2005). Todos os entrevistados concordaram em participar da pesquisa mediante a assinatura de consentimento livre e esclarecido.

Neste estudo foram analisadas as entrevistas dos 27 profissionais do CAPS do município de Alegrete. Após a leitura das entrevistas, identificou-se os repertórios interpretativos ( 1010. Spink MJ, Lima H. Rigor e visibilidade: a explicação dos passos da interpretação. In: Spink MJ, editora. Práticas discursivas e produção de sentido no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Cortez; 2000. p. 93-122. ), que são unidades de construção das práticas discursivas( 1111. Spink MJ, Gimenes MG. Práticas discursivas e produção de sentido: apontamentos metodológicos para a análise de discursos sobre a saúde e a doença. Saúde Soc. 2008;3(2):149-71. ), para determinar os temas mais relevantes e as categorias empíricas que respondessem ao objetivo proposto. Em seguida, foram construídos mapas de associação de ideias ( 1010. Spink MJ, Lima H. Rigor e visibilidade: a explicação dos passos da interpretação. In: Spink MJ, editora. Práticas discursivas e produção de sentido no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Cortez; 2000. p. 93-122. ), que são instrumentos de visualização que têm por objetivo auxiliar a sistematização do processo de análise das práticas discursivas, buscando os aspectos formais da construção linguística, dos repertórios utilizados e a dialogia implícita na produção de sentidos.

RESULTADOS

Nos fragmentos de fala dos profissionais do serviço foram encontrados os seguintes temas em relação às ações de atenção à crise no território:

1. Responsabilização pelo cuidado da crise no território

1.1 A gente sempre procura é pedir para as colegas lá da frente que quando elas atendem o telefone é para perguntar se é urgência ou não. Se é um caso que um paciente está agredindo o familiar ou coisa a gente tem que largar tudo que está fazendo para ir atender (A2).

1.2 Eu acho que não tem como a gente não ficar muito vulnerável. Não tem como a gente separar. É difícil. Mas geralmente quando a gente precisa, a gente tem o apoio de alguém. Mas tem casos que a gente tem que meter a cara. Tem que ir. Tem que ver. Mas a gente fica vulnerável mesmo, às vezes é meio complicado (A7).

1.3 Se vê que o estado é um surto, que ele agrediu, quebrou, que não dá para esperar para o outro dia, é encaminhado ao Pronto Socorro Municipal da cidade, onde ele vai ser medicado, muitas vezes até depois liberado para casa. Se é um caso que dá para esperar para o outro dia a gente combina com o paciente, com o familiar, chega aqui agenda, marca a consulta com o psiquiatra que vai encaminhá-lo para uma psicóloga, ou se for o caso ele começa a freqüentar, a ser do CAPS (A2).

2. Acompanhamento do usuário em crise durante a internação no Hospital Geral

2.1 Depois em outro (surto) que ele teve, há mais ou menos um ano e meio atrás, ele baixou e aí a queixa era que ele não melhorava, e aí eu comecei a ir no hospital. Eu digo: - Não é possível. Será que a gente vai ter que tirar este usuário daqui porque essa criatura não melhora, está sempre com aqueles delírios... Aí eu comecei a ir ao hospital ver o que estava acontecendo. Aí um dia eu fui e encontrei o psiquiatra que disse: - Esse rapaz, medicação é água para ele. Dão, dão medicação não adianta nada. Aí eu entrei lá e digo: - O que está acontecendo? Ele já tomou a medicação? - Não, ele não tomou a medicação. Eu digo: - Por que que ele não tomou a medicação? - Ah! porque a gente dá a medicação as dez da manhã, e esse horário ele não está mais aqui, ele toma o café e sai. Eu digo: - E de noite, como é que acontece? - Ah! ele também nunca toma a medicação, porque ele chega aqui sempre depois das oito e a medicação é às oito. Então, realmente a medicação era água, mas é que não tomava a medicação. E aí a partir daquele dia eu disse: - Gente, vocês estão tratando uma pessoa que sai do hospital, ela tem que tomar, na hora do café vocês já tem que ir lá dar a medicação. Aí falei com a chefia do setor. Aí remodelaram todo o tratamento dele e em um mês ele ficou perfeito que até hoje ele não teve surto (A3).

2.2 (...) se pode ficar, se tem que ficar no pronto socorro já fica, ou no hospital já hospitaliza, fica aquela semana. Passou o surto, melhora ali, uns dois ou três dias e a gente começa, a gente trás para cá. Aí quando... começa a melhorar, a gente traz para passar o dia aqui. Passa o dia, se alimenta, vai para oficina, a enfermagem cuida, a gente conversa. Não fica lá socado no hospital (A11).

3. O CAPS como espaço de construção de uma relação de reciprocidade entre usuário e profissional

3.1 Acho que a gente tem que ter esse cuidado quando a pessoa está em crise, ter sempre alguém que possa estar intensivamente mais perto (A4).

3.2 Então às vezes acontece isso (crise), como aconteceu com o usuário X e aí a gente assume o paciente. Troca de terapeuta e vai fazer uma outra abordagem. Então isso eu acho muito legal na nossa equipe. É uma coisa muito humana (A11).

3.3 A gente vai para desarmar, a gente não vai... se o cara está irritado, violento, eu não vou lá para provocar a violência nele. Pelo contrário, eu quero que ele se apóie em mim, para ver se ele consegue desarmar a tal da violência que está na cabeça dele. É assim que eu procedo nesses assuntos. (...) aí ele vem e: - Ah, disco voador, que não sei o quê... Eu não vou dizer que não existe disco voador... Eu entro na loucura, faço um flerte com a loucura dele para tentar construir um pouco de saúde, ir construindo. Num primeiro momento, não tem como ir contra. (...) Tem coisas que tu não vai conseguir manejar, tem que ter, estar junto com outros. Aí tem que segurar, tem que sentar, tem que acalmar (A6).

4. Prevenção das situações de crise e seu agravamento.

4.1 A estratégia que eu sempre penso e que eu sempre falo para o grupo é a estratégia da prevenção. Se eu sei que um usuário está entrando em crise e eu sei porque ele está todo o dia aqui com a gente, desde lá da recepção até aqui. Se eu sei que um usuário está com um problema mais sério, eu tenho que antecipar isso. (...) se ele começa a ter problemas a gente tem que intervir. (...) Então a gente tem que estar sempre de olho para prevenir o surto (...) A visão que a gente procura ter e discutir nas reuniões de equipe é assim: vamos prevenir. (...) Então, eu acho que a prevenção, se chegou mal aqui, atende logo. Se precisar levar para o pronto-socorro, leva, porque a gente não tem psiquiatra 24 horas, oito horas aqui. Então tem certas coisas que a gente não pode nem querer fazer. Vai estar chamando o psiquiatra... então leva para o pronto-socorro que está ali, o carro está aqui. Se não estiver, vem a ambulância de lá. Se toma uma atitude para evitar (A3).

DISCUSSÃO

Em virtude do novo modelo de atenção à saúde mental que privilegia a desinstitucionalização, propõe-se a discussão acerca das ações de atenção à crise no território desenvolvidas pelo CAPS de Alegrete.

A crise, por ser um momento de conflito, gera muita angústia tanto para o sujeito que a vivencia quanto para as pessoas que estão ao redor, como familiares e amigos. Já o acolhimento da crise pode ser um momento rico na produção de vínculos e de responsabilização, tornando o serviço referência nessas situações. Uma das tecnologias incorporadas à atenção psicossocial é o acolhimento, que se apresenta como reorganizador do serviço de saúde, pois visa à garantia do acesso universal e à melhoria da qualidade da assistência, favorecendo a relação entre o usuário e o trabalhador, ampliando a intervenção em busca de resolubilidade e humanização do cuidado( 1212. Franco TB, Bueno WS, Merhy EE. O acolhimento e os processos de trabalho em saúde: o caso de Betim, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública. 1999;15(2):345-53. - 1313. Coimbra VCC, Kantorski LP. O acolhimento no Centro de Atenção Psicossocial. Rev Enferm UERJ. 2005;13(1):57-62. ).

No depoimento 1.1 percebe-se que os profissionais construíram um sentido de responsabilização pelo cuidado da crise no território e que a comunidade reconhece isso, pois recorre ao serviço quando ocorrem essas situações.

O que se busca nas práticas de saúde é a produção da responsabilização clínica e sanitária e da intervenção resolutiva( 1212. Franco TB, Bueno WS, Merhy EE. O acolhimento e os processos de trabalho em saúde: o caso de Betim, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública. 1999;15(2):345-53. ). Além de resolutiva, precisa ser imediata, pois numa situação de crise não se pode pedir ao sujeito que venha em outro horário. Assim, o pronto acolhimento é a principal ferramenta e tecnologia para transpor as barreiras que costumam impedir o acesso e a inserção dos indivíduos em situação de sofrimento psíquico( 1414. França IG. Reflexões acerca da implantação e funcionamento de um plantão de emergência em saúde mental. Psicol Ciênc Prof. 2005;25(1):146-63. - 1515. Spadini LS, Mello e Souza MCB. A doença mental sob o olhar de pacientes e familiares. Rev Esc Enferm USP. 2006;40(1):123-7. ).

No excerto 1.2 pode-se observar que, embora os profissionais reconheçam que ficam vulneráveis em algumas situações, demonstram comprometimento e disponibilidade para acolher as situações de crise que ocorrem no território, evidenciando o sentido de responsabilização.

Em muitos casos, a simples disponibilidade de ir ao encontro do sujeito em crise consegue evitar impactos traumáticos, tornando a presença do profissional imediatamente tranquilizadora para os familiares, vizinhos e comunidade. Isso contribui para que se possa desdramatizar os conteúdos da crise, angustiantes para o paciente e para todos que lhe estão próximos ( 1616. Merhy EE, Franco TB. Por uma composição técnica do trabalho centrada no campo relacional e nas tecnologias leves. Saúde Debate. 2003;27(65):316-23. ). Portanto, o fato de estar disponível para acolher a crise é de extrema importância para a criação de vínculos com o sujeito, seus familiares e a comunidade, que passam a identificar o serviço como um espaço de apoio, um ponto de referência real para buscar ajuda.

A oferta de escuta e a ajuda concreta, que podem ocorrer no espaço do serviço ou em outros espaços do território, possibilitam a construção de uma relação de confiança entre o profissional e o usuário e o início da tomada de responsabilidade. Esse conceito consiste na disposição em apreender as diversas formas e momentos do sofrimento, o que diz respeito à responsabilidade do serviço sobre a saúde mental de toda a área territorial de referência e pressupõe um papel ativo na sua promoção ( 1616. Merhy EE, Franco TB. Por uma composição técnica do trabalho centrada no campo relacional e nas tecnologias leves. Saúde Debate. 2003;27(65):316-23. ).

No CAPS de Alegrete existe a tomada de responsabilidade pelo cuidado da crise e para isso são utilizados os recursos existentes no território, como o Pronto- socorro, conforme o relato 1.3. Essa é uma diretriz que vem para substituir a lógica dos serviços privados, estruturados para responder à demanda espontânea, pela lógica dos serviços públicos, que têm como eixos a cobertura da assistência e a referência domiciliária( 1515. Spadini LS, Mello e Souza MCB. A doença mental sob o olhar de pacientes e familiares. Rev Esc Enferm USP. 2006;40(1):123-7. ).

Em Alegrete, o CAPS é o responsável pela organização da demanda em saúde mental e, no caso de situações de crise, o serviço é responsável por acolher e prestar um cuidado resolutivo, mesmo que para isso seja necessário encaminhar e acompanhar os sujeitos a outros recursos existentes no território. Como podemos perceber nas falas apresentadas, a equipe do serviço cuida da crise onde quer que ela aconteça: no domicílio, quando ocorre o deslocamento dos profissionais até a casa para avaliar a situação, e no Pronto-socorro, pois os profissionais acompanham as situações de crise e aguardam os encaminhamentos que podem surgir desse atendimento.

É nas situações de crise que muitas vezes se determina o recurso da internação( 1414. França IG. Reflexões acerca da implantação e funcionamento de um plantão de emergência em saúde mental. Psicol Ciênc Prof. 2005;25(1):146-63. ), mas essa precisa buscar não mais o isolamento e a submissão à regras institucionais ou uma abordagem medicalizante e sim uma nova lógica com vistas à desinstitucionalização das situações crônicas ou agudas (as crises).

Em Alegrete, a crise não está sendo mais usada como indicativo de internação no manicômio, pois, quando necessária, a internação é feita em leitos no Hospital Geral. Este fato vai ao encontro da política de saúde mental da atualidade, na qual a internação psiquiátrica tornou-se mais criteriosa, com períodos mais curtos de hospitalização, favorecendo a consolidação de um modelo de atenção à saúde mental mais integrado, dinâmico, aberto e de base comunitária ( 33. Cardoso L, Galera SAF. Psychiatric hospitalization and maintaining the treatment outside the hospital. Rev Esc Enferm USP {Internet}. 2011 {cited 2012 Mar 26};45(1):87-94. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n1/en_12.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n1/en...
).

No Município, o serviço trabalha com a internação parcial, que é uma estratégia importante para que não ocorra o rompimento dos laços sociais e afetivos dos usuários. Assim, o usuário em crise passa a noite no Hospital Geral e durante o dia vai para o CAPS.

No depoimento 2.1 é comentada a situação de um usuário em crise que, internado no Hospital Geral, não demonstrava melhora em seu quadro, o que fez com que um profissional do CAPS fosse conversar com a equipe do hospital para acompanhar o atendimento que estava sendo oferecido. Esse acompanhamento evidencia a importância do diálogo entre os diferentes serviços que compõem a rede substitutiva ao manicômio, pois é necessário saber o que acontece nos diferentes momentos do cuidado para que ele não se torne segmentado e sem sentido.

No caso de Alegrete, devido ao acompanhamento realizado pelos profissionais do CAPS, a internação no hospital geral mostrou-se uma oportunidade de manter os vínculos com o usuário e proporcionar momentos de cumplicidade e confiança, superando a ideia do sentir-se só para enfrentar a crise.

A acolhida das demandas do território reflete a ampliação da concepção de acessibilidade ao serviço de saúde mental. Em contraposição à proposta de hierarquização preconizada pelo SUS para o atendimento na rede básica e hospitalar, o conceito de rede vem sendo desenvolvido na política de saúde mental. Rede de serviços integrados e voltados para o cuidado em qualquer momento e nas diferentes dimensões da vida do sujeito em sofrimento psíquico (família, comunidade e outros serviços).

Encontramos essa realidade no CAPS de Alegrete, que é co-responsável pelo cuidado à crise no Hospital Geral - os profissionais acompanham o desenrolar do cuidado que é ali prestado na durante a noite, e, durante o dia, o sujeito em crise vai para o CAPS e participa das atividades, mantendo os laços sociais e afetivos que construiu com os profissionais e os outros usuários. Essa participação do usuário nas atividades do serviço, mesmo no momento de crise, é relatada na fala 2.2.

Esse fato demonstra que, mesmo em crise, o sujeito possui liberdade para circular no território. Essa prática vai ao encontro do pensamento basagliano( 55. Basaglia F. A psiquiatria alternativa: contra o pessimismo da razão o otimismo da prática: conferências no Brasil. São Paulo: Brasil Debates; 1979. ), que considera a liberdade como um dos recursos terapêuticos mais importantes na atenção à saúde mental. Liberdade para se relacionar com os outros, para expressar a subjetividade, mesmo que seja vigiada. Entende-se a palavra vigiar não no sentido de restrição, mas no sentido de cuidar, velar pelo outro, pois ao defender a liberdade não estamos propondo que os sujeitos sejam deixados tão livres a ponto de serem ignorados. Os sujeitos em crise precisam de profissionais atentos e disponíveis para estar junto, entender o contexto da crise e ser um ponto de apoio, um laço afetivo que ajude nesse momento conflituoso.

Advoga-se a necessidade de comprometimento na construção de práticas de cuidado responsáveis perante a vida dos cidadãos, pois a produção do ato cuidador é imediatamente um responsabilizar-se diante de uma intervenção, que tem uma forte dimensão tutelar, mas que pode e deve estar implicada com ganhos efetivos de autonomia do usuário ( 1717. Silva MB. Atenção psicossocial e gestão de populações: sobre os discursos e as práticas em torno da responsabilidade no campo da saúde mental. Physis Rev Saúde Coletiva. 2005;15(1):127-50. ).

A partir das práticas discursivas dos profissionais reconhece-se que no município de Alegrete as ações de cuidado à crise têm seu eixo no CAPS. Embora sejam utilizados outros recursos e espaços terapêuticos, o serviço é o ponto central do cuidado e suas ações fazem parte de uma relação de reciprocidade entre usuário e profissional. Observa-se que há respeito pela expressão subjetiva do sujeito, mesmo que esta seja agressiva, e o reconhecimento de que no momento de crise há necessidade de apoio e cuidado intensivos, com responsabilidade e humanização.

A relação de reciprocidade entre profissionais e usuários, na qual existe a correlação entre o poder contratual deste último, mostra-se como uma possibilidade de aproximação e construção de uma relação terapêutica( 1818. Merhy EE. Os CAPS e seus trabalhadores: no olho do furacão antimanicomial. Alegria e alívio como dispositivos analisadores. In: Merhy EE, Amaral H, editores. A reforma psiquiátrica no cotidiano II. São Paulo: Aderaldo & Rothschild; 2007. p. 55-66. ).

Uma tecnologia de cuidados em saúde mental precisa ser desenvolvida a partir do compromisso ético de acolher, cuidar e construir com os sujeitos em sofrimento psíquico alianças terapêuticas baseadas na responsabilidade e na solidariedade. Diante disso, a construção de uma relação de reciprocidade e de contratualidade é fundamental, principalmente porque rompe a relação que tradicionalmente o manicômio produziu: de força e submissão. A abordagem ética propõe-se a romper a rigidez institucional e a cronificação, de modo que se consiga criar dispositivos de continência para a angústia dos sujeitos, oferecendo atenção ao sofrimento, em oposição à simples eliminação do sintoma( 1515. Spadini LS, Mello e Souza MCB. A doença mental sob o olhar de pacientes e familiares. Rev Esc Enferm USP. 2006;40(1):123-7. ).

Com isso, o trabalho do enfermeiro psiquiátrico ganha novas perspectivas, pois as mudanças preconizadas pela Reforma Psiquiátrica, as noções de escuta terapêutica, o acolhimento, os planos terapêuticos individualizados e as práticas terapêuticas que visam à reabilitação do sujeito em sofrimento psíquico resgatam um trabalho com características coletivas que prevê intervenções multidisciplinares. Assim, surge a exigência de requalificação e expansão dos papéis profissionais do enfermeiro na prestação do cuidado em saúde mental ( 1919. Kantorski LP Mielke FB Teixeira Junior S. O trabalho do enfermeiro nos Centros de Atenção Psicossocial. Trabalho Educ Saúde. 2008;6(1):87-105. ), inserindo-o em uma prática ampliada na qual são utilizados outros recursos além dos tradicionais e com isso estão sendo construídos novos saberes e instrumentos para cuidar.

A prevenção do agravamento de uma situação de crise a partir da revisão do Plano Terapêutico Individual (PTI) é uma estratégia que demonstra que a relação entre os profissionais e os usuários no CAPS de Alegrete não é estática. É realizada de maneira constante, principalmente na crise, quando emergem conflitos e novas necessidades. O PTI é um tipo de contrato utilizado nos serviços substitutivos que visa a superar as prescrições verticais e autoritárias do modelo psiquiátrico tradicional, que anula o poder contratual do sujeito e que acaba por submetê-lo a suas práticas, como se essa fosse a condição sine qua non para o acesso ao tratamento( 2020. Kantorski LP, coordenador. CAPSUL - Avaliação dos CAPS da Região Sul do Brasil: relatório. Pelotas: Ministério da Saúde/CNPq; 2007. ).

Para olhar o sujeito como pertencente a um território, ou seja, além do sintoma, é necessário disponibilidade para conhecê-lo e entender seus conflitos de maneira que num momento de crise haja a possibilidade de prevenir uma situação extrema de agressividade.

A fala 4.1 traz elementos importantes para a discussão de estratégias de atenção à crise: a prevenção utilizando os recursos do serviço, a revisão do projeto terapêutico; as visitas domiciliárias para acompanhamento; o reconhecimento da urgência nas situações de crise, admitindo a importância do atendimento imediato para prevenir agravos que causem mais sofrimento para o sujeito, e o reconhecimento dos limites que o serviço possui por não funcionar 24 horas e não ter psiquiatra nas oito horas de funcionamento, o que exige dos profissionais conhecimento do território e dos recursos que ele oferece.

Atualmente os CAPS seguem a Portaria Ministerial no336/02, que define novos parâmetros para a área ambulatorial, ampliando a abrangência dos serviços substitutivos de atenção diária em ordem crescente de porte/complexidade - CAPS I, CAPS II e CAPS III, a partir de critérios populacionais( 2121. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 336, de 19 de fevereiro de 2002. Estabelece CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPS i II e CAPS ad II {Internet}. Brasília; 2002 {citado 19 set. 2010}. Disponível em: http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/legislacao/arquivo/39_Portaria_336 _de_19_02_2002.pdf
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). Entretanto, gostaríamos de destacar aqui as diferenças organizacionais entre CAPS II, modalidade de serviço que estamos estudando neste trabalho, e CAPS III. A intenção não é estabelecer uma comparação, mas captar um aspecto das singularidades e especificidades de cada um, mantendo estreita relação com o cuidado à crise, objeto deste estudo.

Além da cobertura populacional, a principal característica que distingue o CAPS III é a de que ele deve oferecer atenção contínua, durante 24 horas por dia, todos os dias, incluindo feriados e finais de semana, enquanto o CAPS II funciona em dois turnos (8 às 18h), durante cinco dias da semana, podendo comportar um terceiro turno (até as 21 horas). Isso se reflete na assistência prestada, pois o CAPS III é responsável pelo acolhimento noturno, nos feriados e finais de semana, com no máximo cinco leitos para eventual repouso e/ou observação.

Diante disso, chamamos a atenção para a importância de uma rede territorial de serviços em saúde mental nos municípios onde há somente CAPS II, pois este não consegue sozinho substituir o manicômio. Destacamos também, e principalmente, a necessidade de interlocução entre os serviços. Nesse aspecto, o CAPS é considerado estratégico porque é responsável por regular a demanda de saúde mental no território. Nas situações de crise, necessita lançar mão de outros recursos existentes no território, o que exige dos profissionais a disponibilidade de cuidar da crise nos diversos espaços em que o sujeito transita.

É necessário tomar iniciativa e assumir a responsabilidade pelo indivíduo diante das situações com as quais ele se depara, pois a atenção em saúde mental precisa ser um projeto aberto às singularidades e especificidades de diversas formas de expressão da condição humana nos contextos de vida( 2222. Barros S, Claro HG. The teaching-learning process in mental health: the student's perspective about psychosocial rehabilitation and citizenship. Rev Esc Enferm USP {Internet}. 2011 {cited 2012 Mar 22};45(3):700-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n3/en_v45n3a22.pdf
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). Por isso, é fundamental a porta aberta, que não significa apenas liberar a entrada e permitir a permanência, mas sim o acolhimento. Trata-se de acolher o sofrimento psíquico sem pretextos para a recusa ou a imposição de condições à hospitalidade, o que, por sua vez, desencadeia o vínculo e a responsabilização pelo cuidado.

CONCLUSÃO

A experiência de atenção à crise desenvolvida no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de Alegrete, aprendida neste estudo, demonstrou que dentre as ações de atenção à crise está o acolhimento das situações de urgência, realizado no serviço e no domicílio (com as visitas domiciliárias); a prevenção das situações de crise e seu agravamento por meio da revisão do PTI e da utilização dos recursos do território; o acompanhamento dos usuários em crise durante sua passagem no Pronto-socorro e no Hospital Geral, demonstrando a responsabilização por esses casos, o que contribui para a formação do vínculo e transforma o CAPS em um espaço de construção de relações de reciprocidade.

Essas ações contribuem para a construção de um olhar que respeita a individualidade e valoriza a subjetividade. A disponibilidade de ir ao encontro das situações de crise onde quer que elas ocorram demonstra que há uma tomada de responsabilidade pelo território, ou seja, existe um sentido de responsabilização pelas situações de crise que ocorrem no Município. O CAPS demonstrou ser um espaço territorializado, aberto e capaz de atender às urgências e acolher os usuários em crise.

No campo da saúde mental, vivenciamos um processo construção e reconstrução de sentidos, de constante enfrentamento, negociação, legitimação e transformação das práticas de cuidado, que pudemos apreender a partir das narrativas dos envolvidos. As práticas discursivas dos profissionais demonstraram os novos sentidos que estão sendo construídos com relação à atenção à crise.

Liberdade, reciprocidade, contratualidade e responsabilização pelo cuidado, demonstradas pela disponibilidade de acolher a crise utilizando os dispositivos do território, são os novos sentidos tão necessários aos serviços substitutivos para que haja a superação do manicômio e dos sentidos de exclusão e periculosidade que este representa.

Esperamos que este estudo contribua para a reflexão sobre as práticas de atenção à crise e os sentidos e posicionamentos que estas estão cotidianamente construindo, pois os sentidos do manicômio existem e estão sempre rondando nosso fazer. E no contexto de trabalho de enfermagem em saúde mental, marcado historicamente pelo modelo disciplinador, espera-se que este trabalho possa demonstrar a potência do trabalho em equipe para a construção de novos sentidos em relação à loucura e à crise psíquica que, tal como outras situações de sofrimento, exigem uma abordagem multiprofissional e interdisciplinar.

Precisamos avaliar constantemente nossas práticas, desconstruindo fazeres antigos e construindo outros mais solidários que respondam e respeitem os direitos das pessoas. Este estudo demonstrou que a Reforma Psiquiátrica é um processo em construção e não algo pronto e acabado, o que traz a necessidade de conhecer a realidade de cada usuário e de cada território e, a partir desse conhecimento, inventar novas formas de fazer diferente e de fazer a diferença.

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    Extraído da dissertação "Os sentidos atribuídos a atenção à crise nas práticas discursivas dos profissionais de Centros de Atenção Psicossocial: contribuições para a enfermagem psiquiátrica", Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Pelotas, 2009.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2013
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