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O cuidado a pessoas com HIV/aids na perspectiva de profissionais de saúde

Cuidado de personas con VIH/sida desde la perspectiva de profesionales de la salud

Resumos

Este estudo teve por objetivo compreender o cuidado as pessoas com HIV/aids, na perspectiva de profissionais de saúde, em Portugal. Foi desenvolvido através do método da história oral, de Thompson, com a participação de 22 profissionais de saúde. Os dados foram obtidos através de entrevista semiestruturada e analisados com base na perspectiva de coletânea de narrativas, propostas pelo autor com o apoio do programa QSR NVivo. Os aspectos éticos foram obedecidos ao longo do estudo. O cuidado foi agrupado em três dimensões: cognitiva, afetiva-relacional e técnico-instrumental. A dimensão cognitiva destacou-se no período da revelação do diagnóstico de HIV/aids e ao longo da evolução da doença. A dimensão afetivo-relacional foi transversal e valorizada em todo o processo, desde o diagnóstico até à morte das pessoas com HIV/aids. A dimensão técnico-instrumental foi mais expressiva na fase mais avançada da doença, em situação de dependência e de terminalidade. Diante do exposto, podemos concluir que estas três dimensões são fundamentais para o cuidado à pessoa com HIV/aids.

HIV; Síndrome de imunodeficiência adquirida; Pessoal de saúde; Cuidados de enfermagem; Pesquisa qualitativa


Este estudio tuvo por objetivo comprender el cuidado de las personas con VIH/SIDA, desde la perspectiva de profesionales de la salud, en Portugal. Fue desarrollado basándose en el método de la historia oral de Thompson, con la participación de 22 profesionales de la salud. Los datos fueron obtenidos a través de la entrevista semiestructurada y analizados desde la perspectiva de agrupación de relatos, propuestas por el autor con el apoyo del programa QSR NVivo. Los aspectos éticos fueron seguidos durante todo el estudio. El cuidado fue agrupado en tres dimensiones: cognitiva, afectivo-relacional y técnico-instrumental. La dimensión cognitiva de cuidado se destacó en el momento de la revelación del diagnóstico de VIH/SIDA y a lo largo de la evolución de la enfermedad. La dimensión afectivo-relacional fue transversal y valorada durante todo el proceso, desde el diagnóstico hasta la muerte de las personas con VIH/SIDA. La dimensión técnico-instrumental fue más expresiva en la etapa más avanzada de la enfermedad, en el momento terminal y de dependencia. Teniendo en cuenta lo anterior, se concluye que estas tres dimensiones son fundamentales para el cuidado de la persona con VIH/SIDA.

VIH; Síndrome de inmunodeficiencia adquirida; Personal de salud; Atención de enfermería; Investigación cualitativa


The present study aimed to understand the care provided to patients with HIV/AIDS in Portugal according to the healthcare providers’ perspective. Thompson’s method of oral history was used in the study, which included 22 healthcare providers. The data were collected by means of semi-structured interviews and were analyzed from the narrative compilation perspective formulated by the author using QSR Nvivo software. The study complied with the ethical precepts for research. Care was analyzed according to three dimensions: cognitive, affective-relational, and technical-instrumental. The participants attributed particular relevance to the cognitive dimension in association with the moment when the diagnosis of HIV/AIDS was established, as well as throughout the course of disease. The affective-relational dimension was cross-sectional and considered to be valuable throughout the course of the disease from its diagnosis to the death of the patients with HIV/AIDS. The technical-instrumental dimension was more expressive in the advanced stages of the disease, in patients suffering from addiction and in terminal illness. As a function of the results, we can conclude that the three investigated dimensions are highly relevant for the care of patients with HIV/AIDS.

HIV; Acquired immunodeficiency syndrome; Health personnel; Nursing care; Qualitative research


INTRODUÇÃO

Na terceira década da epidemia, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (sida/aids) configura-se como uma doença crônica, debilitante e contagiosa, que trouxe consigo a necessidade de reformular a estrutura do cuidado em saúde. Impôs a necessidade de atenção à pessoa como um todo e colocou os(as) profissionais de saúde perante questões que até então eram pouco exploradas no cuidado à saúde, como o exercício da sexualidade, as diferenças, as perdas e a morte. Trouxe também, para primeiro plano, as questões afetivas e sociais, antes renegadas a segundo plano, dando visibilidade ao despreparo e à desorientação de profissionais de saúde no cuidado às pessoas acometidas pela doença. A cronicidade da aids continua a desafiar os serviços e profissionais de saúde a desenvolverem um cuidado à saúde de melhor qualidade.

Após três décadas de experiência no cuidado a pessoas com HIV/aids, ainda nos deparamos com uma lacuna de estudos sobre o tema na perspectiva de profissionais de saúde.

As evidências empíricas apontam para a necessidade de formação dos profissionais, com vistas à aquisição de conhecimento ( 1Salada ML, Matias LO. Os significados atribuídos ao cuidar de pacientes com AIDS. Rev Esc Enferm USP. 2000;34(1):1-8. ) e de conscientização e mudança de comportamento em relação à doença e a pessoa doente ( 1Salada ML, Matias LO. Os significados atribuídos ao cuidar de pacientes com AIDS. Rev Esc Enferm USP. 2000;34(1):1-8. - 2Resuto TJ, Mendes SN, Oliveira MT, Lourenço EL. A assistência de enfermagem aos portadores de HIV/AIDS no vislumbrar da sua epidemia em Ribeirão Preto. Relato de experiência de uma equipe de enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2000;34(3):2333-9. ) . Também destacam que a aids continua a representar um grande desafio para profissionais de saúde e sociedade, devido ao seu caráter estigmatizante e discriminatório ( 3Formozo GA, Oliveira DC. Representações sociais do cuidado prestado aos pacientes soropositivos ao HIV. Rev Bras Enferm. 2010;63(2):230-7. ) . Na relação de cuidado com pessoas com aids, estudos evidenciam ser imperativo aprender a lidar com o sentimento de impotência diante das situações de terminalidade e morte ( 2Resuto TJ, Mendes SN, Oliveira MT, Lourenço EL. A assistência de enfermagem aos portadores de HIV/AIDS no vislumbrar da sua epidemia em Ribeirão Preto. Relato de experiência de uma equipe de enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2000;34(3):2333-9. , 4Alves IC, Padilha MI, Mancia JR. A equipe de enfermagem e o exercício do cuidado a clientes portadores de HIV/AIDS. Rev Enferm UERJ. 2004;12(2):133-9. ) , mediante uma reflexão constante e, às vezes, dolorosa, dos limites enquanto profissionais de saúde ( 2Resuto TJ, Mendes SN, Oliveira MT, Lourenço EL. A assistência de enfermagem aos portadores de HIV/AIDS no vislumbrar da sua epidemia em Ribeirão Preto. Relato de experiência de uma equipe de enfermagem. Rev Esc Enferm USP. 2000;34(3):2333-9. ) . Conforme outro estudo, a experiência profissional leva o(a) profissional a ultrapassar as questões do sofrimento que a aids provoca e a redirecionar o atendimento e tratamento aos aspectos mais subjetivos ( 5Ribeiro CG, Coutinho MP, Saldanha AA, Castanha AR. Profissionais que trabalham com AIDS e suas representações sociais sobre o atendimento e o tratamento. Estudos Psicol (Campinas). 2006;23(1):75-81. ) . Outros estudos detectam as dificuldades de profissionais de saúde em lidar com pessoas consumidoras de drogas ( 3Formozo GA, Oliveira DC. Representações sociais do cuidado prestado aos pacientes soropositivos ao HIV. Rev Bras Enferm. 2010;63(2):230-7. , 6Lima M, Costa JA, Figueiredo WS, Schraiber LB. Invisibilidade do uso de drogas e a assistência de profissionais dos serviços de AIDS. Rev Saúde Pública. 2007;41 Supl.2:6-13. ) . Segundo os(as) profissionais de saúde, esta situação verifica-se devido à baixa adesão ao tratamento antirretroviral e por estas pessoas apresentarem comportamentos indesejáveis, serem indisciplinadas e acarretarem problemas aos serviços ( 6Lima M, Costa JA, Figueiredo WS, Schraiber LB. Invisibilidade do uso de drogas e a assistência de profissionais dos serviços de AIDS. Rev Saúde Pública. 2007;41 Supl.2:6-13. ) . Outro estudo evidencia que enfermeiros(as) que atuam no contexto rural dos Estados Unidos preocupam-se com o risco de se contaminarem a partir da exposição ocupacional e com outras ameaças potenciais para a sociedade, devido a comportamentos das pessoas cuidadas ( 7Mullins IL. How caring for persons with HIV/AIDS affects rural nurses. Issues Ment Health Nurs. 2009;30(5):311-9. ) . Também relatam que a confidencialidade relacionada à soropositividade para o HIV e a adoção de precauções apropriadas são importantes no cuidado a todas as pessoas acometidas pelo HIV/aids ( 7Mullins IL. How caring for persons with HIV/AIDS affects rural nurses. Issues Ment Health Nurs. 2009;30(5):311-9. ) .

Na literatura não encontramos nenhum estudo que explicitasse as dimensões cognitiva, afetivo-relacional e técnico-instrumental do cuidado a pessoas com HIV/aids, em especial em Portugal. Considerando o exposto, este estudo tem por objetivo compreender o cuidado à saúde de pessoas com HIV/aids na perspectiva de profissionais de saúde.

EMBASAMENTO TEÓRICO

Na atualidade, o cuidado à saúde tende a incorporar várias dimensões do cuidado, para que o processo de cuidar vá ao encontro das necessidades das pessoas. Neste estudo, optamos por estudar o cuidado à saúde a partir de três dimensões ( 8Silva AL. O cuidado no encontro de quem cuida e de quem é cuidado. In: Mercado FJ, Gastaldo D, Calderón C. Paradigmas y diseños de la investigación cualitativa en salud: una antologia iberoamericana. Mexico: Universidad de Guadalajara; 2002. p. 285-318. ) : cognitiva, afetivo-relacional e técnico-instrumental, as quais estão intimamente interligadas.

A Dimensão cognitiva está relacionada ao Saber Saber , isto é, à competência científica dos(as) profissionais de saúde para o agir profissional. No campo da saúde, esta dimensão reveste-se de extrema importância em todas as áreas de intervenção, quer seja no âmbito da promoção da saúde e da prevenção da doença, no estabelecimento do diagnóstico e na decisão terapêutica, assim como na recuperação e reabilitação da pessoa. É da responsabilidade dos(as) profissionais de saúde ajudar as pessoas a ampliar os seus conhecimentos para tomarem decisões e mudarem comportamentos em direção à saúde e bem-estar. Para que isso aconteça, os(as) profissionais de saúde devem ter competências profissionais e pessoais para orientar, informar, apoiar e atender as necessidades das pessoas sob seus cuidados.

A dimensão afetivo-relacional está relacionada ao Saber Estar, Saber Ser e resulta de interações que permitem aos seres humanos envolvidos no cuidado expressarem suas subjetividades relacionadas às suas vivências. Está ligada às formas de demonstrar afeto, de estar presente por inteiro e de valorizar o outro ( 8Silva AL. O cuidado no encontro de quem cuida e de quem é cuidado. In: Mercado FJ, Gastaldo D, Calderón C. Paradigmas y diseños de la investigación cualitativa en salud: una antologia iberoamericana. Mexico: Universidad de Guadalajara; 2002. p. 285-318. ) . A demonstração de afeto é identificada como sendo uma forma de cuidado, que se expressa na demonstração de amor, carinho e amizade, que são formas de atenção para com o outro e para o que se faz ( 8Silva AL. O cuidado no encontro de quem cuida e de quem é cuidado. In: Mercado FJ, Gastaldo D, Calderón C. Paradigmas y diseños de la investigación cualitativa en salud: una antologia iberoamericana. Mexico: Universidad de Guadalajara; 2002. p. 285-318. ) . Envolve uma relação de apreço e confiança, em que a responsabilidade, compromisso, respeito e valorização pelo outro estão presentes ( 8Silva AL. O cuidado no encontro de quem cuida e de quem é cuidado. In: Mercado FJ, Gastaldo D, Calderón C. Paradigmas y diseños de la investigación cualitativa en salud: una antologia iberoamericana. Mexico: Universidad de Guadalajara; 2002. p. 285-318. ) . A comunicação verbal e não verbal é essencial nesta relação, pois visa facilitar e contribuir de forma positiva para as ações/relações/interações entre o(a) cuidador(a) e o ser cuidado ( 9Baggio MA, Callegaro GD, Erdmann AL. Compreendendo as dimensões de cuidado em uma unidade de emergência hospitalar. Rev Bras Enferm. 2008;61(5):552-7. ) .

A dimensão técnica-instrumental do cuidado consiste no fazer com qualidade e competência através de intervenções técnicas especializadas, permeadas pelo Saber Fazer ( 8Silva AL. O cuidado no encontro de quem cuida e de quem é cuidado. In: Mercado FJ, Gastaldo D, Calderón C. Paradigmas y diseños de la investigación cualitativa en salud: una antologia iberoamericana. Mexico: Universidad de Guadalajara; 2002. p. 285-318. - 9Baggio MA, Callegaro GD, Erdmann AL. Compreendendo as dimensões de cuidado em uma unidade de emergência hospitalar. Rev Bras Enferm. 2008;61(5):552-7. ) . Requer conhecimento técnico-científico e habilidade no fazer (8).

MÉTODO

Este estudo foi desenvolvido com base no paradigma qualitativo, através do método da história oral, de Paul Thompson ( 1010 Thompson P. A voz do passado: história oral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1992. ) , através da perspectiva de coletânea de narrativas.

Os contextos selecionados para o estudo foram organizações/instituições que atendiam pessoas com HIV/aids e que concordaram com a sua realização. Neste sentido, sete organizações não governamentais, sem fins lucrativos, que prestam cuidados às pessoas com HIV/aids, sediadas no Norte, Centro e Sul de Portugal e uma unidade hospitalar, sediada no Norte do país, viabilizaram a realização deste estudo. As organizações dispõem de serviço de apoio domiciliário, educação no âmbito do HIV/aids e centros de atendimento psicossocial. O hospital dispõe de unidades de internação e consultas ambulatoriais a pessoas com HIV/aids.

Dos profissionais convidados, somente enfermeiros(as) e psicólogas que atendiam pessoas com HIV/aids concordaram em participar do estudo, sendo esta uma amostra de conveniência. Os critérios de inclusão foram: ser profissional de saúde de ambos os sexos, com experiência profissional de no mínimo um ano no cuidado de pessoas com HIV/aids, aceitar participar no estudo e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido.

Os dados foram recolhidos no período de dezembro de 2010 a abril de 2011, através de uma entrevista semiestruturada ( 1010 Thompson P. A voz do passado: história oral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1992. ) . Utilizamos um instrumento contendo duas partes distintas: características dos informantes e uma questão aberta: Fale-me sobre o que significa para você cuidar de pessoas com HIV/aids? As entrevistas foram desenvolvidas numa sala privivativa do local de trabalho dos(as) profissionais, registradas em gravador digital, com uma duração média de 35 minutos.

A análise dos dados compreendeu três fases distintas: organização e estruturação, classificação e interpretação dos dados ( 1010 Thompson P. A voz do passado: história oral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1992. ) . A primeira fase consistiu na transcrição dos dados, na leitura das entrevistas como um todo e posterior reflexão. Esta etapa pressupôs repetidas audições e leituras das entrevistas, na tentativa de aproximar a transcrição, tanto quanto possível, à narrativa proferida e também para possibilitar a análise e a esquematização das ideias mais importantes, tentando compreender os dados como um todo e não de uma forma fragmentada.

A segunda etapa envolveu diversas leituras das entrevistas, para procurar a coerência interna de cada narrativa e identificar as ideias centrais, os momentos chave e as posturas sobre o tema em foco. Deste exercício, foi possível construir as categorias empíricas e respetivas subcategorias a partir dos três eixos do estudo, para mais tarde serem transformadas em categorias analíticas, teoricamente estabelecidas. Cada categoria reuniu excertos das entrevistas, relacionados com uma temática. Ainda na segunda fase, procedemos a uma leitura transversal das entrevistas por categoria, procedendo à sua revisão e alteração, sempre que necessário. A categorização foi auxiliada pelo uso de um programa de análise de dados qualitativos - QSR Nvivo 1.7. Na terceira fase, interpretamos as categorias à luz do quadro teórico e empírico do estudo, tendo como foco o objetivo do estudo.

O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do Hospital (referência 180-CES) e de acordo com as normas previstas no Decreto-lei nº 97/1995 ( 1111 Portugal. Decreto-lei n. 97 de 10 de maio de 1995. Dispõe sobre as normas que regulam as comissões de ética para a saúde. Diário da República, Lisboa, 10 maio 1995. Série I, p. 3. ) . Todo o processo de pesquisa obedeceu criteriosamente aos preceitos éticos, sendo mantido o anonimato dos participantes, a confidencialidade das informações, e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Na intenção de preservar o anonimato de cada participante, utilizamos um código de identificação geral, contendo a categoria profissional, sigla E (Enfermagem) ou P (Psicologia), seguido do tipo de instituição, sigla O (organização de apoio) ou H (hospital) e posteriormente, do sexo, sigla H (sexo masculino) ou M (sexo feminino), numerados por ordem de realização das entrevistas.

O rigor do estudo foi assegurado através dos critérios de credibilidade (respeito à verdade como conhecida e expressa pelos participantes), confirmabilidade (obtenção e validação de dados primários), significado no contexto (profissionais de duas áreas da saúde, que atuam em contextos diversos e/ou similares), padronização (vivências repetidas acerca do objeto estudado), e saturação dos dados (coleta dos dados até o momento em que não foram detectadas novas informações sobre o objeto em estudo) ( 1212 Leininger M. Evaluation criteria and critique of qualitative research studies. In: Morse JM. Critical issues in qualitative research methods. Thousand Oaks, California: Sage; 2008. p. 95-115. ) .

RESULTADOS

Participaram deste estudo vinte e duas pessoas, onze enfermeiros(as) (seis homens e cinco mulheres) e onze psicólogas. Dos enfermeiros(as), sete exerciam funções numa organização de apoio a pessoas com HIV/aids e quatro num hospital especializado. Das psicólogas, dez desenvolviam funções numa organização de apoio e uma num hospital especializado. As idades dos(as) participantes oscilaram entre os 24 e 56 anos (média 33), sendo que para os(as) enfermeiros(as) esteve entre 24 e 56 anos (média 36) e para as psicólogas entre 26 e 40 anos (média 30).

Nas narrativas dos(as) participantes podemos apreender o cuidado em saúde, os quais foram agrupados em três dimensões: cognitiva, afetivo-relacional e técnico-instrumental, as quais se encontram intimamente relacionadas. Por questões de apresentação, foram exploradas separadamente.

Dimensão Cognitiva do Cuidado

A dimensão cognitiva esteve presente nos relatos da grande maioria dos(as) participantes (n=16 -5EH, 3EM e 8P) articulada à educação para a saúde e campanhas de prevenção . Esta dimensão foi mais expressiva no período do diagnóstico, quando as pessoas necessitavam de maiores informações sobre o processo saúde-doença do HIV/aids e ao longo da evolução da doença, acerca do tratamento e estilos saudáveis de vida. A educação para a saúde expressou-se na necessidade de munir as pessoas cuidadas de orientações acerca da infecção pelo vírus HIV e da aids. Tópicos como transmissão, reinfecção e tratamento foram abordados, uma vez que, por vezes, pouco ou nada sabiam sobre estes aspectos. Também era importante passar a informação de que é uma doença que não tem cura, mas que tem tratamento. Além disso, os(as) participantes referiram que era essencial orientar acerca da medicação, especificamente sobre os benefícios da adesão e as consequências da não adesão ao tratamento. Outros aspectos mencionados estiveram relacionados com a evolução da doença, a importância do preservativo e a necessidade de esclarecer as dúvidas, receios e medos das pessoas com HIV/aids. Era, ainda, necessário desmistificar preconceitos e ideias errôneas, explorar as expectativas, desconstruir crenças e adequar a informação segundo as crenças, a cultura e a escolaridade das pessoas cuidadas.

Agora, aquilo que nós tentamos fazer é passar a mensagem de que é de fato uma doença que não tem cura, mas tem tratamento e que se levarem o tratamento de forma assertiva podem viver com esta infecção por muitos anos e com qualidade de vida. (EHM2)

Nós temos que tentar dar a informação de uma maneira que se ajuste às crenças, à cultura e à forma como a pessoa também encara a informação. (POM1)

Para as psicólogas, a adesão ao tratamento e às consultas estava ligada à confiança que as pessoas com HIV/aids tinham no(a) profissional, ao espaço que lhes era dado, à forma como as informações eram abordadas e ao apoio familiar que possuíam. O apoio familiar foi considerado importante na medida em que se constituía um suporte para a pessoa com HIV/aids. Também mencionaram que as pessoas que eram consumidoras de drogas injetáveis tinham mais dificuldade em aderir ao tratamento, uma vez que se encontravam frequentemente desligadas da família, eram marginalizadas e não tinham objetivos de vida definidos.

É diferente se estiver em contexto familiar e que entendam que vale a pena continuar ou se não tiverem nada porque continuar. Como estes homens que nós temos têm história de toxicodependência, em que já abandonaram há muito a família, em que já não têm porque lutar, acabam por ter mais dificuldade em aderir ao tratamento. (POM6)

Em relação à medicação, os relatos indicaram, ainda, que quando as pessoas infectadas iniciavam a terapêutica, por vezes, apresentavam vômitos e diarreias. Estes sintomas levavam a pessoa a desistir da medicação, uma vez que não se sentia doente e pensava que não tinha nada a perder. Por isso, os efeitos secundários da medicação necessitavam de ser trabalhados com estas pessoas, focando não só os efeitos iniciais da terapêutica, como também os que seriam visíveis a longo prazo.

Primeiro, porque numa fase inicial traz às pessoas um mal-estar tremendo, uma série de sintomas, vômitos, diarreias. Muitas vezes, as pessoas acabam por desistir e porquê? Porque não está doente, tem um vírus, mas não está doente. (EOH3)

É importante fazer ensinos relativamente à medicação que a pessoa tem de tomar, relativamente aos efeitos iniciais e a longo prazo, e às consequências que a pessoa vai ter se não tomar. (EOH4)

A educação em saúde deve ir ao encontro das características e das expectativas das pessoas com HIV/aids. Isto é, deve ter-se em conta a capacidade cognitiva da pessoa infectada, o grau de escolaridade, os costumes, a faixa etária, o sexo, a orientação sexual, a raça/etnia, a religião e a classe social, entre muitas outras características. Tal acontece, por tratar-se de um grupo muito diversificado. Para algumas das pessoas com VIH/aids era necessário ensinar os aspectos mais básicos, como, por exemplo, a escovar os dentes, a ir às compras, a fazer comida e a limpar a casa. Nos casais, as orientações deviam, ainda, ir ao encontro da possibilidade de ambos se encontrarem infectados ou não, uma vez que, quando eram soro-concordantes, tinham a tendência a expressar que não necessitavam de se proteger. Logo, era necessário desconstruir esta ideia, já que podiam encontrar-se em fases evolutivas diferentes e possuírem estirpes do vírus distintas. Estas orientações foram consideradas importantes para responsabilizar as pessoas e promover a sua autonomia.

Essas ideias todas que eles próprios vão tendo e que é importante desmistificar, mesmo quando temos duas pessoas que são infectadas, ou seja, um casal que ambos são infectados. Porque eles têm que perceber que podem estar em fases evolutivas da doença completamente diferentes, que podem ter estirpes do vírus completamente diferentes, que pode haver uma coinfecção com outra doença que o outro não tem e é mais facilmente transmissível. Essas questões todas que é preciso refletir com eles e outras, mas há esta despreocupação constante quer antes do contágio, quer depois do contágio. (POM10)

Os(as) profissionais também atuavam nas campanhas de prevenção, as quais estavam associadas à distribuição de preservativos e orientações relativas ao tema, em locais com concentração de pessoas jovens ou adolescentes, por exemplo, discotecas, escolas e festas acadêmicas. Nas escolas, por vezes, realizavam palestras, nas quais os(as) profissionais expunham as suas vivências.

Relativamente a campanhas de prevenção específicas fazemos muito a pedido das escolas e em situações mais concretas como fazer parte de programas em que se insiram estas temáticas. (EOH1)

Principalmente em contextos de festas acadêmicas, dirigidas à população estudantil, e nas comemorações do dia mundial da luta contra a aids, dirigidas à população em geral. (POM6)

Dimensão Afetivo-Relacional do Cuidado

Esta dimensão do cuidado esteve presente nas narrativas da quase totalidade das pessoas entrevistadas (n=19 -5EH, 4EM e 10P), expressando-se ao longo do processo de cuidado, desde o diagnóstico até morte. Os aspectos mais valorizados nesta dimensão foram: respeito , demonstração de afetividade , atenção , proporcionar conforto , relação de confiança e comunicação .

O respeito emergiu como uma forma de consideração em relação às pessoas com HIV/aids. Destacou-se em relação às diversas idades, raças/etnias e religiões. Além disso, os(as) profissionais também referiram respeitar as opções sexuais e o estilo de vida das pessoas adultas idosas.

Devemos respeitar as diferenças de cada um, em relação à religião, à cultura, e às habilitações académicas. (...) Também temos idosos homossexuais que devem igualmente ser respeitados pelas suas opções sexuais e estilos de vida. (POM1)

A demonstração de afetividade surgiu como uma forma de sensibilidade no cuidado à pessoa com HIV/aids, que de um modo geral está afastada da família e da sociedade. Consideraram mesmo que a afetividade é uma forma de substituir a família. Este sentimento também esteve presente na disposição para ajudar a pessoa com HIV/aids. Esteve, ainda, ligado ao dar apoio , ao compreender o outro , à aceitação incondicional do outro , ao carinho , ao cumprimentar com beijos e abraços , ao estar junto e presente e ao dar a mão e valorizar o outro .

Não sei se vocês reparam, mas eles andam sempre agarrados a nós, aos beijinhos, aos abraços e vêm ter conosco. (...) A família somos nós. (...) Mas, também se não têm família nós substituímo-la. (EOM2)

Para mim, cuidar significa ajudar o outro a dar um significado a questões que para ele são difíceis de serem trabalhadas. (...) Cuidar é ajudar, é compreender, é ouvir, é a escuta ativa, é a aceitação incondicional do outro. (PHM1)

A atenção foi outra forma de expressão mencionada pelos(as) profissionais de saúde. A atenção esteve relacionada ao atendimento das necessidades específicas das pessoas cuidadas e à disponibilidade e interesse por estas. A atenção deve estar presente desde a observação das necessidades físicas, biológicas, psicológicas e emocionais, às particularidades que podem ocorrer, decorrentes do sexo, da idade e da classe social. Revelou-se também na preocupação com o outro , que os(as) profissionais demonstravam ao perguntar à pessoa cuidada como é que está ou como se sente e na colocação da pessoa acima dos preconceitos sociais. A atenção emergiu em expressões como: disponibilizarmo-nos para o outro , relacionar-se e estabelecer uma ponte .

O cuidar é estar atento, é disponibilizarmo-nos para o outro, é olharmos para o outro tentando por uns óculos diferentes ou por todo o tipo de óculos. Em vez, de olhar com os meus olhos, com os meus preconceitos, porque, por mais que os combata, vou sempre tendo e vão sempre surgindo. É como a qualquer pessoa, tento identificá-los e debelá-los. Mas, para mim cuidar pessoas é essencialmente estar atento, é relacionar-se, é estabelecer uma ponte. (...) Cada pessoa é uma pessoa, as mesmas coisas afetam as pessoas de maneiras diferentes e é preciso ter um cuidado na atenção que se presta àquela pessoa. (EOH3)

Outro aspecto da dimensão afetivo-relacional prendeu-se ao proporcionar conforto . Para os(as) profissionais de saúde, o proporcionar conforto às pessoas com HIV/aids passava por cuidar do ambiente, que devia ser calmo e agradável. Também era importante estarem confortáveis e terem privacidade. O conforto esteve intimamente ligado às necessidades básicas e ao bem-estar psicológico das pessoas cuidadas, principalmente quando se encontravam numa fase avançada da doença.

E, é um momento também importante, daí no local que eles estão, na residência que eles se encontram, se tentar proporcionar o máximo de conforto, de privacidade. Porque eles têm necessariamente que descansar. É importante ter esse momento de tranquilidade e de paz. (POM1)

A relação de confiança revelou-se de extrema importância para conseguir apoiar uma pessoa que se encontra numa situação vulnerável. Permite também conhecer, compreender e aceitar a pessoa e facilitar a mudança. No entanto, nem sempre era fácil estabelecer uma relação de confiança. Com o grupo dos(as) consumidores(as) de drogas injetáveis, por exemplo, era mais difícil. Na relação de confiança é indispensável o sigilo profissional, uma vez que ele é primordial para que ocorra a criação de uma relação de proximidade.

Uma das primeiras grandes dificuldades que encontrei ao trabalhar com estes doentes foi mesmo dificuldades em termos de relacionamento [toxicodependentes]. (EHH1)

O sigilo profissional é primordial na relação, ou seja, as pessoas deverão sentir que na partilha que fazem, o sigilo é assegurado. (POM1)

Na comunicação, a forma não verbal e a escuta ativa foram aspectos fundamentais. Os profissionais consideraram que deviam estar atentos à comunicação não verbal das pessoas com HIV/aids, pois estas por vezes tinham dificuldade em expor as suas necessidades. A escuta ativa foi mencionada como demonstração de interesse e preocupação pelas pessoas com HIV/aids e como forma de estar presente por inteiro.

Portanto, nós aqui temos de ser mediadores desta situação e temos que estar muito atentos mais à comunicação que a pessoa nos transmitiu, não à verbal, mas àquela não verbal, que é essa a mais complicada. (EHM3)

Daí que refira a disponibilidade interna é muito importante para uma maior autenticidade na relação. Estas pessoas pedem muito em silêncio, muitas vezes, necessitam muito da nossa disponibilidade e precisamos de ser verdadeiramente capazes de o fazer. (POM1)

Dimensão Técnico-Instrumental do Cuidado

Nos discursos das pessoas entrevistadas, a dimensão técnico-instrumental esteve presente somente no relato da totalidade dos(as) enfermeiros(as) e foi mais expressiva nas fases mais avançadas da doença e de maior dependência para o cuidado. Os aspectos mais relevantes nesta dimensão foram: alimentação , dar banho, vestir e despir , proporcionar conforto, fazer curativos, passar sondas e ministrar medicamentos . Essas técnicas foram mencionadas pelos(as) enfermeiros(as) dos dois contextos. Estas intervenções foram desenvolvidas pelos profissionais para dar respostas às necessidades das pessoas com HIV/aids. Ainda de acordo com a alimentação, surgiu a importância de adequar a dieta à pessoa cuidada, satisfazendo, na medida do possível, as suas necessidades e preferências, adequando-a às crenças culturais das pessoas.

Nós, quando somos cuidadores, tanto temos de ser dos que estão doentes e que estão numa fase mais terminal. Portanto, aí serão o ter cuidado com o conforto, com a higiene, com tudo. A pessoa deve estar confortável. Se eu tiver que dar de comer, dou de comer, se tiver que lhes dar o banho, dou banho. (EOM2)

Os(as) enfermeiros(as) que trabalham no contexto hospitalar enfatizaram, ainda, a coleta de sangue para as análises sanguíneas e a sonda nasogástrica.

Muitas vezes, nós pensamos que o cuidar é só o banho, é a alimentação, é a sonda nasogástrica, não. (...) É lógico que aparecem as pessoas quando estou a fazer uma coleta de sangue, tudo isso tem técnicas. (EHM3)

DISCUSSÃO

A dimensão cognitiva, neste estudo, revestiu-se de grande importância tanto no cuidado às pessoas com HIV/aids, através da educação para a saúde, como na prevenção da contaminação, relacionada à participação em campanhas de prevenção. A educação para a saúde , neste estudo, esteve presente na necessidade de munir as pessoas cuidadas de orientações acerca da contaminação e reinfecção pelo vírus HIV, da aids, bem como do seu tratamento. Na literatura, esta dimensão está associada à orientação ( 5Ribeiro CG, Coutinho MP, Saldanha AA, Castanha AR. Profissionais que trabalham com AIDS e suas representações sociais sobre o atendimento e o tratamento. Estudos Psicol (Campinas). 2006;23(1):75-81. , 1313 Neves CL, Amorim WM, Moraes NA, Leite JL. Os cuidados de enfermagem ao cliente com HIV/AIDS em um hospital universitário na década de 1980. Rev Pesq Cuidado Fundam. 2009;1(2):299-316. ) , para que haja adesão ao tratamento e, consequentemente, uma melhoria na qualidade de vida da pessoa com HIV/aids ( 5Ribeiro CG, Coutinho MP, Saldanha AA, Castanha AR. Profissionais que trabalham com AIDS e suas representações sociais sobre o atendimento e o tratamento. Estudos Psicol (Campinas). 2006;23(1):75-81. ) .

Para os profissionais de saúde, foi considerado essencial orientar acerca da medicação e seus benefícios, e as consequências da não adesão ao tratamento, já que a aids não tem cura. Esta orientação e acompanhamento revestiu-se de importância, dados os efeitos colaterais dos medicamentos, como vômitos e náuseas, que tendem a levar a pessoa com HIV/aids a desistir do tratamento ( 1414 Cardoso AL, Silva N, Waidman MA, Marcon SS. Adesão e não-adesão à terapia anti-retroviral: as duas faces de uma mesma vivência. Rev Bras Enferm. 2009;62(2):213-20. ) . A literatura reforçou este dado, tendo em vista que o uso intermitente dos agentes antirretrovirais leva ao desenvolvimento de resistências ( 1515 Bonolo PF, Gomes RR, Guimarães MD. Adesão à terapia anti-retroviral (HIV/Aids): fatores associados e medidas da adesão. Epidemiol Serv Saúde. 2007;16(4):261-78. ) . A dificuldade de adesão ao tratamento antirretroviral, por parte das pessoas toxicodependentes, detectada neste estudo, também foi apoiada pela literatura ( 6Lima M, Costa JA, Figueiredo WS, Schraiber LB. Invisibilidade do uso de drogas e a assistência de profissionais dos serviços de AIDS. Rev Saúde Pública. 2007;41 Supl.2:6-13. ) .

As campanhas de prevenção detectada neste estudo, também emergiu na literatura, a qual destaca que que os(as) profissionais não se podem limitar apenas à disseminação da informação, pois esta por si só não leva à mudança de atitudes e de comportamentos ( 1616 Monteiro MJ, Raposo JV. Reconhecer a problemática da infecção VIH/SIDA para agir. Rev Invest Enferm. 2007 Fev:4-23. ) .

A dimensão afetiva-relacional foi a mais valorizada neste estudo pelos profissionais de ambas as áreas e expressou-se ao longo do processo do cuidado à pessoa com HIV/aids. O respeito , neste estudo, emergiu como uma forma de consideração em relação às pessoas com HIV/aids, independentemente da idade, raça/etnia, religião e decisões tomadas. Na literatura, o respeito relaciona-se com as crenças e valores, os sentimentos, e as capacidades e limitações da pessoa infectada ( 1313 Neves CL, Amorim WM, Moraes NA, Leite JL. Os cuidados de enfermagem ao cliente com HIV/AIDS em um hospital universitário na década de 1980. Rev Pesq Cuidado Fundam. 2009;1(2):299-316. ) .

Os dados deste estudo referentes à demonstração de afetividade são apoiados pela literatura. Estudos realizados no Brasil sobre o cuidado com este grupo social também apontaram como forma de demonstração de afetividade, dar apoio, compreensão ( 5Ribeiro CG, Coutinho MP, Saldanha AA, Castanha AR. Profissionais que trabalham com AIDS e suas representações sociais sobre o atendimento e o tratamento. Estudos Psicol (Campinas). 2006;23(1):75-81. ) , ter empatia ( 4Alves IC, Padilha MI, Mancia JR. A equipe de enfermagem e o exercício do cuidado a clientes portadores de HIV/AIDS. Rev Enferm UERJ. 2004;12(2):133-9. - 5Ribeiro CG, Coutinho MP, Saldanha AA, Castanha AR. Profissionais que trabalham com AIDS e suas representações sociais sobre o atendimento e o tratamento. Estudos Psicol (Campinas). 2006;23(1):75-81. ) ,

dar afeto e carinho, ter paciência, trocar emoções e expectativas, compreender, despir-se de preconceitos ou de ideias pré-concebidas, partilhar, dar as mãos, caminhar junto em busca de amizade e confiança, sorrir, dar e receber calor humano na relação com o próximo no ato de cuidar(13).

Os participantes deste estudo consideraram, ainda, que a afetividade é uma forma de substituir a família, sendo este dado apoiado por outro estudo ( 1Salada ML, Matias LO. Os significados atribuídos ao cuidar de pacientes com AIDS. Rev Esc Enferm USP. 2000;34(1):1-8. ) .

A disposição para ajudar a pessoa com HIV/aids, uma forma de afetividade encontrada neste estudo, foi detectada na literatura como uma resposta humana a um pedido de ajuda ( 1717 Schaurich D, Crossetti MG. O elemento dialógico no cuidado de enfermagem: um ensaio com base em Martin Buber. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008;12(3):544-48. ) . Esta resposta ocorre quando os seres que fazem parte deste Mundo do cuidar estão envolvidos, comprometidos, coresponsabilizados e presentes no cara-a-cara com o outro ( 1717 Schaurich D, Crossetti MG. O elemento dialógico no cuidado de enfermagem: um ensaio com base em Martin Buber. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008;12(3):544-48. ) .

A atenção, outra expressão da dimensão afetivo-relacional, relacionou-se neste estudo, ao atendimento das necessidades específicas das pessoas cuidadas e à disponibilidade e interesse com a outra pessoa. De acordo com as narrativas, esteve presente desde a observação das necessidades físicas, biológicas, psicológicas e emocionais, às particularidades que podem ocorrer, decorrentes do sexo, da idade e da classe social. Na literatura, o cuidado também refere-se ao estar atento a alguém para se ocupar de seu bem-estar ( 6Lima M, Costa JA, Figueiredo WS, Schraiber LB. Invisibilidade do uso de drogas e a assistência de profissionais dos serviços de AIDS. Rev Saúde Pública. 2007;41 Supl.2:6-13. ) , apoiar e ser solidário ( 5Ribeiro CG, Coutinho MP, Saldanha AA, Castanha AR. Profissionais que trabalham com AIDS e suas representações sociais sobre o atendimento e o tratamento. Estudos Psicol (Campinas). 2006;23(1):75-81. ) . Assim sendo, de acordo com a literatura, o cuidado à pessoa com HIV/aids exige que o(a) profissional a veja como um ser humano, com necessidades específicas, que se encontra fragilizado e que merece respeito e atenção ( 1818 Luz PM, Miranda KC. As bases filosóficas e históricas do cuidado e a convocação de parceiros sexuais em HIV/AIDS como forma de cuidar. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15 Supl.1:1143-8. ) .

Para os profissionais de saúde, deste estudo, o proporcionar conforto às pessoas com HIV/aids englobou o cuidar do ambiente. Este devia ser calmo e agradável. O conforto esteve ainda intimamente ligado às necessidades básicas e ao bem-estar psicológico das pessoas cuidadas, que se encontram numa fase avançada da doença. Este dado foi apoiado pela literatura, ao reforçar que o cuidado à pessoa em fase terminal, deve ser redobrado e passa por proporcionar conforto, pela procura de estilos de vida mais saudáveis, por fazer as pessoas lutar pela vida e por estar próximo delas ( 1919 Chaves I. SIDA e cuidados paliativos [Internet]. Lisboa: Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social; 2012 [citado 2012 maio 17]. Disponível em: http://www.cpihts.com/PDF02/In%C3%AAs%20Chaves.pdf
http://www.cpihts.com/PDF02/In%C3%AAs%20...
) . Nesta fase, o conforto também consiste em ajudar a pessoa e a família a enfrentar a doença, aliviar a sintomatologia e permitir que a morte seja vivida com dignidade e conforto ( 1919 Chaves I. SIDA e cuidados paliativos [Internet]. Lisboa: Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social; 2012 [citado 2012 maio 17]. Disponível em: http://www.cpihts.com/PDF02/In%C3%AAs%20Chaves.pdf
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) .

A relação de confiança , neste estudo, revelou-se de extrema importância para conseguir apoiar uma pessoa que se encontra numa situação vulnerável. Permitia também conhecer, compreender e aceitar o(a) outro(a) e facilitar a mudança. Na literatura, o cuidado tem como base uma relação de apreço e confiança, e expressa-se através da responsabilidade, compromisso, respeito e valorização pela outra pessoa ( 8Silva AL. O cuidado no encontro de quem cuida e de quem é cuidado. In: Mercado FJ, Gastaldo D, Calderón C. Paradigmas y diseños de la investigación cualitativa en salud: una antologia iberoamericana. Mexico: Universidad de Guadalajara; 2002. p. 285-318. ) .

Os(as) profissionais de saúde deste estudo consideraram que a escuta ativa implica em demonstração de interesse, preocupação pelas pessoas e estar presente por inteiro. De acordo com a literatura, a comunicação é essencial nesta relação e consubstancia-se no saber ouvir, escutar, entender as angústias e expectativas, diminuir frustrações e medos ( 1313 Neves CL, Amorim WM, Moraes NA, Leite JL. Os cuidados de enfermagem ao cliente com HIV/AIDS em um hospital universitário na década de 1980. Rev Pesq Cuidado Fundam. 2009;1(2):299-316. ) . A comunicação verbal e/ou não verbal possibilita ao ser que cuida e ao ser que é cuidado vivenciarem sentimentos, emoções, percepções e valores em comum ( 9Baggio MA, Callegaro GD, Erdmann AL. Compreendendo as dimensões de cuidado em uma unidade de emergência hospitalar. Rev Bras Enferm. 2008;61(5):552-7. , 1717 Schaurich D, Crossetti MG. O elemento dialógico no cuidado de enfermagem: um ensaio com base em Martin Buber. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2008;12(3):544-48. ) . A comunicação é também importante para encorajar as pessoas com HIV/aids na luta e continuidade do tratamento, visando a melhoria da sua qualidade de vida ( 3Formozo GA, Oliveira DC. Representações sociais do cuidado prestado aos pacientes soropositivos ao HIV. Rev Bras Enferm. 2010;63(2):230-7. ) .

A dimensão técnico-instrumental do cuidado foi mencionada, neste estudo, somente pelos(as) enfermeiros e emergiu de forma mais expressiva na fase mais avançada da doença. Esteve associada à alimentação , ao dar banho , ao vestir e despir , ao proporcionar conforto , aos curativos , às sondas e ao ministrar medicamentos . Nas narrativas dos(as) enfermeiros(as) que trabalham no contexto hospitalar, foi ainda evidente a ênfase na coleta de sangue para as análises sanguíneas e na sonda nasogástrica. Estes dados foram apoiados pela literatura, ao relacionar esta dimensão às intervenções técnicas especializadas, permeadas pelo Saber Fazer ( 8Silva AL. O cuidado no encontro de quem cuida e de quem é cuidado. In: Mercado FJ, Gastaldo D, Calderón C. Paradigmas y diseños de la investigación cualitativa en salud: una antologia iberoamericana. Mexico: Universidad de Guadalajara; 2002. p. 285-318. - 9Baggio MA, Callegaro GD, Erdmann AL. Compreendendo as dimensões de cuidado em uma unidade de emergência hospitalar. Rev Bras Enferm. 2008;61(5):552-7. ) .

CONCLUSÃO

Este estudo teve como objetivo compreender o cuidado à saúde de pessoas com HIV/aids na perspectiva de profissionais de saúde que atuam em Portugal, com base em três dimensões: cognitiva, afetiva-relacional e técnico-instrumental. Somente enfermeiros(as) e psicólogas aceitaram participar do estudo. A dimensão cognitiva destacou-se no período da revelação do diagnóstico de HIV/aids e ao longo da evolução da doença. Esteve direcionada para a educação para a saúde, como para a prevenção da doença, relacionada à participação em campanhas de prevenção. A dimensão afetivo-relacional foi transversal e valorizada em todo o processo, desde o diagnóstico até à morte das pessoas com HIV/aids. Destacaram-se nesta dimensão, o respeito, a demonstração de afetividade, a atenção, o conforto, a confiança e a comunicação. A dimensão técnico-instrumental foi mais expressiva na fase mais avançada da doença, em situação de dependência e de terminalidade. Expressou-se através de vários procedimentos, como proporcionar conforto, fazer curativos, sondagens e coleta de sangue. As narrativas dos(as) enfermeiros(as) e psicólogas foram congruentes no que se refere às dimensões cognitiva e afetiva-relacional do cuidado. No entanto, a dimensão técnico-instrumental emergiu somente nas narrativas dos(as) enfermeiros(as). Em relação ao sexo dos(as) enfermeiros, não houve divergências nas respostas acerca das dimensões. Diante do exposto, podemos concluir que estas três dimensões são valorizadas pelos(as) participantes do estudo e integram o cuidado à pessoa com HIV/aids.

Os resultados deste estudo encontraram respaldo na literatura. Como limitações do estudo podemos destacar a participação de profissionais de somente duas áreas da saúde - enfermeiros(as) e de psicólogas. Dada a lacuna de estudos nesta área com foco nas três dimensões, sugerimos que novos estudos sobre o cuidado sejam desenvolvidos com profissionais de outras áreas da saúde, que atuem em contextos diferenciados, bem como com pessoas com HIV/aids. Desta forma, poderemos ampliar o conhecimento e contribuir para um cuidado de melhor qualidade às pessoas com HIV/aids.

REFERÊNCIAS

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    Salada ML, Matias LO. Os significados atribuídos ao cuidar de pacientes com AIDS. Rev Esc Enferm USP. 2000;34(1):1-8.
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  • 3
    Formozo GA, Oliveira DC. Representações sociais do cuidado prestado aos pacientes soropositivos ao HIV. Rev Bras Enferm. 2010;63(2):230-7.
  • 4
    Alves IC, Padilha MI, Mancia JR. A equipe de enfermagem e o exercício do cuidado a clientes portadores de HIV/AIDS. Rev Enferm UERJ. 2004;12(2):133-9.
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    Baggio MA, Callegaro GD, Erdmann AL. Compreendendo as dimensões de cuidado em uma unidade de emergência hospitalar. Rev Bras Enferm. 2008;61(5):552-7.
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    » http://www.cpihts.com/PDF02/In%C3%AAs%20Chaves.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2013

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2012
  • Aceito
    18 Jan 2013
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