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Enfermeiro Clínico Especialista: um modelo de prática avançada de enfermagem em oncologia pediátrica no Brasil

Enfermero Clínico Especialista: un modelo de práctica avanzada de enfermería en oncología pediátrica en el Brasil

Resumos

O objetivo deste artigo é relatar a experiência de implantação do modelo de prática avançada de enfermagem por meio da incorporação do enfermeiro clínico especialista na composição do quadro de enfermagem. As autoras apresentam o conceito desse modelo e descrevem seu processo de implantação em uma instituição de referência no cuidado à criança e ao adolescente com câncer da cidade de São Paulo, Brasil. Na avaliação das enfermeiras clínicas especialistas, o principal resultado obtido com a adoção do modelo refere-se ao fortalecimento do papel do enfermeiro como profissional de referência para a articulação das diferentes demandas de cuidado à criança, ao adolescente e ao adulto jovem com câncer e sua família. Também destacam a satisfação dos usuários com o estreitamento da relação paciente, família e enfermeira clínica, em todas as etapas do processo de cuidar.

Criança; Adolescente; Neoplasias; Enfermagem oncológica; Gerenciamento da prática profissional; Relações profissional-paciente


El objetivo de este artículo es relatar la experiencia de implantación de un modelo de práctica avanzada en enfermería, por medio de la incorporación del enfermero clínico especialista en la composición del cuadro de personal de enfermería. Las autoras presentan el concepto de este modelo y describen el proceso de implantación en una institución de referencia para el cuidado de niños y adolescentes con cáncer de la ciudad de São Paulo, Brasil. Las enfermeras clínicas especialistas evalúan que el principal resultado de la adopción de este modelo fue el fortalecimiento del rol del enfermero como profesional de referencia para la articulación de las diferentes demandas de cuidado para la atención a los niños, adolescentes y adultos jóvenes con cáncer y su familia. También se destaca la satisfacción de los usuarios por el estrechamiento de la relación paciente, familia y enfermero clínico, en todas las etapas del proceso de cuidar.

Niño; Adolescente; Neoplasias; Enfermería oncológica; Gestión de la práctica profesional; Relaciones profesional-paciente


The objective of this paper is to report the experience of implementing a model of advanced nursing practice that integrates a clinical nurse specialist into the nursing staff. The authors describe the concept of this model and the process of its implementation in a pediatric oncology reference institution in the city of São Paulo, Brazil. The main result achieved in evaluating the clinical nurse specialist was strengthening of the role of the nurse as a reference professional for the articulation of the various demands of care in assisting the child, adolescent or young adult with cancer and his/her family. The satisfaction of these users due to the closer relationship between the patient, family and clinical nurse in all stages of the caring process also stands out.

Child; Adolescent; Neoplasms; Oncologic nursing; Practice management; Professional-patient relations


INTRODUÇÃO

No Brasil, o câncer infanto-juvenil é a segunda causa de morte entre crianças e adolescentes de 1 a 19 anos, sendo superado apenas pelas causas externas. Esse perfil de mortalidade é similar ao de países desenvolvidos ( 1. Brasil. Ministério da Saúde; Instituto Nacional do Câncer. Epidemiologia dos tumores da criança e do adolescente [Internet]. Rio de Janeiro; 2012 [citado 2012 fev. 20]. Disponível em: http://www.inca.gov.br/conteudo_view.asp?id=349
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- 2. Grabois MF, Oliveira EXG, Carvalho MS. Childhood cancer and pediatric oncologic care in Brazil: acess and equity. Cad Saúde Pública [Internet]. 2011 [cited 2012 July 15];27(9):1711-20. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v27n9/05.pdf
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) .

No que se refere à enfermagem, a situação acima exposta, aliada à complexidade da doença e seu tratamento, bem como às repercussões para o paciente e sua família, demanda a necessidade de capacitação específica dos profissionais que atuam na área de oncologia pediátrica, de modo a assegurar um cuidado seguro e eficaz.

Em estudo sobre a evolução da enfermagem em Oncologia Pediátrica afirma que existe pouca documentação sobre os primórdios dessa área de especialidade e estimam seu surgimento no final de 1940, quando os cuidados de enfermagem consistiam basicamente em manter a criança limpa, alimentada, confortável e livre de dor. As oportunidades de ensino e desenvolvimento eram limitadas e as enfermeiras adquiriam habilidades e competências por meio do autoaprendizado e do treinamento à beira do leito ( 3. Foley GV, Fergusson JH. History, issues, and trends. In: Foley GV, Fochtman H, Mooney KH, editors. Nursing care of the child with cancer. Philadelphia: W. B. Saunders; 1993. p. 1-24. ) . Essa realidade também se verificava no Brasil.

A partir de 1960, com o desenvolvimento de estratégias mais eficazes de tratamento, além de avanços em hemoterapia, controle de infecção e cuidados pediátricos intensivos, houve substancial melhora da sobrevida desses pacientes. Esse contexto propiciou o desenvolvimento de uma prática avançada na enfermagem pediátrica que, por sua vez, teve influência significativa no exercício da enfermagem em oncologia pediátrica ( 3. Foley GV, Fergusson JH. History, issues, and trends. In: Foley GV, Fochtman H, Mooney KH, editors. Nursing care of the child with cancer. Philadelphia: W. B. Saunders; 1993. p. 1-24. ) .

Na década de 1990, o movimento das escolas de enfermagem visando à inclusão de conteúdos de oncologia nos cursos de graduação desencadeou a mesma reflexão no âmbito da oncologia pediátrica ( 4. Gutiérrez MGR, Domenico EBL, Moreira MC, Silva LMG. O ensino da cancerologia na enfermagem no Brasil e a contribuição da Escola Paulista de Enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2009;18(4):705-12. ) . Assim, mesmo não existindo cursos formais, os enfermeiros interessados em atender às demandas de cuidado dessa população buscavam o respaldo do conhecimento técnico-científico nos cursos de especialização em Enfermagem Pediátrica e/ou Enfermagem em Oncologia.

Atualmente, apesar da oferta de cursos de especialização convencionais e na modalidade de residência em enfermagem em oncologia, as enfermeiras continuam manifestando a necessidade de maior aprofundamento nas questões relacionadas ao cuidado de crianças e adolescentes com câncer e suas famílias.

O conjunto desses fatos relatados repercute no perfil de enfermeiros requeridos pelos serviços, bem como na estruturação de programas de educação permanente que os auxiliem no desenvolvimento de uma prática avançada relacionada à assistência, ao ensino, à pesquisa e à gestão em Oncologia Pediátrica ( 5. Jesus MCP, Figueiredo MAG, Santos SMR, Amaral AMM, Rocha LO, Thiollent MJM. Permanent education in nursing in a university hospital. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [cited 2012 Feb 20];45(5):1229-36. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n5/en_v45n5a28.pdf
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) .

O Serviço de Enfermagem do Instituto de Oncologia Pediátrica (IOP) do Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (GRAACC) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) implantou uma nova metodologia de organização de trabalho que incorporou atividades que incluíam competências específicas de prática avançada.

Na busca de um modelo que atendesse à realidade institucional, adaptamos o modelo norteamericano de Clinical Nurse Specialist - CNS (Enfermeiro Clínico Especialista - ECE), denominação dada ao enfermeiro que possui

amplo conhecimento técnico-científico, pensamento crítico, capacidade para tomada de decisão e para resolução de problemas, além de sensibilidade e compaixão para com as crianças, adolescentes, adultos jovens, suas famílias e a comunidade em que vivem ( 6. Association of Pediatric Hematology, Oncology Nurses. Why choose Pediatric Hematology/Oncology Nursing? [Internet]. 2008 [cited 2012 Feb 20]. Available from: http://www.aphon.org/education/clinical.cfm
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) .

Para a organização e execução desse modelo, foram adotadas as competências propostas pela Association of Pediatric Hematology/Oncology Nurses (APHON), para que o ECE execute uma assistência qualificada ao paciente e sua família. Tais competências incluem:

o cuidado direto; a consulta de enfermagem; a liderança; a colaboração e cooperação com a equipe de saúde e usuários; o ensino; a pesquisa; e a participação ativa na tomada de decisões éticas e morais ( 7. National CNS Competency Task Force. Clinical Nurse Specialist Core Competencies: executive summary 2006-2008 [Internet]. 2010 [cited 2012 Feb 20]. Available from: http://www.nacns.org/docs/CNSCoreCompetenciesBroch.pdf
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) .

O presente artigo descreve o processo de adaptação e implantação do modelo de assistência do ECE e as ações desenvolvidas pelas enfermeiras que ocupam essa função no IOP/GRAACC-UNIFESP. Seu objetivo é relatar a experiência da adaptação e implantação do modelo de prática avançada de enfermagem por meio da incorporação do ECE em uma instituição de referência no cuidado à criança e ao adolescente com câncer na cidade de São Paulo.

MÉTODO

Para relatar a experiência de implantação desse modelo de prática avançada de enfermagem, optou-se por descrever o contexto em que se desenvolveu seu planejamento e vivência da ação.

Contexto da experiência

A perspectiva de oferecer às crianças e aos adolescentes com câncer o mesmo tratamento oferecido nos países desenvolvidos motivou um grupo de médicos, enfermeiros, empresários, voluntários e representantes da comunidade a constituir, no início de 1990, o GRAACC, cuja missão é garantir a essa população, o direito de alcançar todas as chances de cura, com qualidade de vida, por meio de um atendimento dentro do mais avançado padrão científico ( 8. Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer. Missão, Visão e Valores. [Internet]. 2010 [citado em 2012 jun. 20]. Disponível em: https://www.graacc.org.br/o-graacc/missao,-visao-e-valores.aspx
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) . Essa missão, baseada nos valores de competência, ética, transparência, solidariedade, trabalho em equipe e igualdade nas relações de todos os profissionais envolvidos, levou o GRAACC a se consolidar como centro de referência no tratamento do câncer infantojuvenil por meio de seu hospital IOP, inaugurado em 1998 ( 8. Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer. Missão, Visão e Valores. [Internet]. 2010 [citado em 2012 jun. 20]. Disponível em: https://www.graacc.org.br/o-graacc/missao,-visao-e-valores.aspx
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) .

A demanda crescente e o compromisso com a missão idealizada estimulou os profissionais a buscar um modelo de atendimento multiprofissional que correspondesse às necessidades e atendesse às particularidades dessa população. A premissa do cuidado centrado na criança e na família; o conceito de desospitalização, privilegiando o atendimento ambulatorial/hospital-dia; a disponibilização de recursos técnicos, científicos e humanos adequados, o treinamento e a capacitação profissional constituíram a base para a adoção desse modelo ( 8. Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer. Missão, Visão e Valores. [Internet]. 2010 [citado em 2012 jun. 20]. Disponível em: https://www.graacc.org.br/o-graacc/missao,-visao-e-valores.aspx
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) .

Nesta mesma linha de construção, a enfermagem consolidou-se e estabeleceu como missão:

prestar assistência de enfermagem ao paciente e à família, com conhecimento técnico-científico específico, baseado em valores éticos e de humanização, com o objetivo de garantir o cuidado e a qualidade de vida, assegurando a dignidade em todas as fases do ciclo da vida ( 9. Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer. Manual de normas e rotinas de enfermagem. São Paulo: GRAACC; 2011. ) .

Dessa forma, organizou ações de cuidado pautadas em protocolos pré-estabelecidos, tendo como referência o cuidado integral, porém ainda centradas em necessidades pontuais que demandavam resolução imediata.

As constantes demandas geradas pela complexidade da doença, de seu tratamento e as repercussões causadas nos indivíduos e suas famílias motivaram a enfermagem a repensar o modo de prestação de assistência vigente e as competências esperadas nos diferentes níveis da assistência oferecida na instituição.

Assim, pensou-se em incluir enfermeiros responsáveis pelo planejamento, execução e avaliação do cuidado prestado a um determinado grupo de pacientes, de acordo com o tipo de neoplasia ou modalidade terapêutica, numa visão ampliada, articulada e progressiva na linha de cuidado, caracterizada como prática avançada de enfermagem.

Optou-se pela adoção de uma nova metodologia de organização do trabalho de enfermagem que incluiu o ECE na composição da equipe.

Da ideia à concretização do projeto

A idealização do projeto teve início na década de 1990, com base em experiências pessoais dos profissionais da instituição referentes ao perfil dos ECE no exterior e parcerias com ECE do The Hospital for Sick Children (Toronto – Canadá) e St. Jude Children Research Hospital (Memphis – EUA), mantidas até o presente. Seu delineamento ocorreu em 2009 junto à área de Ensino e Desenvolvimento em Enfermagem (EDEnf) para definição de competências, perfil, processo seletivo e área administrativa/financeira para questões relacionadas aos custos, sendo sua implantação realizada em março de 2010.

O perfil definido pela enfermagem da instituição para a função de ECE tem dez pré- requisitos: ter formação acadêmica de nível superior em Enfermagem, registro no Conselho Regional de Enfermagem do Estado de São Paulo (COREN/SP); título de especialista lato sensu em Oncologia Pediátrica, Enfermagem Oncológica ou Enfermagem Pediátrica; ter ingressado ou estar se preparando para ingressar na pós-graduação strito sensu em Enfermagem; ser sócio da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (SOBOPE); experiência mínima de dois anos na área ambulatorial, além de atuação nas unidades de internação do IOP; aprovação nos cursos de capacitação em quimioterapia antineoplásica e cateter venoso central totalmente implantável existentes na instituição; disponibilidade para trabalho em regime de 40 horas semanais; fluência em inglês e ser aprovado no processo seletivo interno para essa função.

As competências do ECE para a prática da enfermagem no IOP/GRAACC foram elaboradas com base em quatro pilares essenciais: assistência qualificada, educação/ensino (paciente, família, profissionais), pesquisa e gestão.

Na Assistência , adotou-se, em termos conceituais, a competência do cuidado direto proposto pela APHON ( 7. National CNS Competency Task Force. Clinical Nurse Specialist Core Competencies: executive summary 2006-2008 [Internet]. 2010 [cited 2012 Feb 20]. Available from: http://www.nacns.org/docs/CNSCoreCompetenciesBroch.pdf
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) : o ECE interage diretamente com os pacientes e familiares visando promover a saúde, o bem-estar e a qualidade de vida destes, fundamentado em uma perspectiva holística do processo saúde-doença. Nesta perspectiva, espera-se que o ECE seja o profissional de referência para essa população, bem como para a equipe multiprofissional, assumindo a responsabilidade por seu desenvolvimento profissional e educação continuada. Dentre as atividades previstas nesta esfera, destacam- se: consulta de enfermagem, visita clínica, assistência na realização de procedimentos diagnósticos e acompanhamento da terapêutica instituída, monitoramento dos protocolos terapêuticos instituídos e comunicação à equipe médica das alterações identificadas, participação em discussões de casos clínicos e reuniões científicas, seguimento telefônico dos pacientes e famílias nas diversas etapas do tratamento.

Em áreas específicas, como o Transplante de Medula Óssea, o ECE participa da execução de procedimentos técnicos relacionados a aspiração e infusão de medula óssea, cordão umbilical e precursores hematopoiéticos de sangue periférico, assim como da avaliação de complicações nos pacientes transplantados.

Na Educação/Ensino , o ECE é responsável pelo processo de ensino individualizado ao paciente e sua família, por meio do levantamento das necessidades de aprendizagem, utilização de estratégias pedagógicas específicas, avaliação e reavaliação da compreensão das informações fornecidas. Em relação à equipe de enfermagem, responde pelo ensino dos protocolos de tratamento e cuidados específicos de enfermagem. A interface com os membros da equipe multiprofissional é feita por meio da troca de informações a respeito do paciente e sua família. Com os estudantes de graduação e pós-graduação da área da saúde, o ECE interage em aulas, estágios e eventos científicos, contextualizando o câncer infantojuvenil na saúde pública brasileira.

Dentre as atividades nessa área, destacam-se: elaboração e/ou adaptação de materiais educativos apropriados à idade e à capacidade cognitiva dos pacientes e familiares/cuidadores, como brochuras, manuais e brinquedos instrucionais; elaboração e implantação de protocolos de cuidados de enfermagem para prevenção de riscos e agravos, durante todas as fases do tratamento; participação em reuniões clínicas multiprofissionais, promovendo a interdisciplinaridade por meio de discussões de caso e participação na realização dos programas de treinamento e desenvolvimento de enfermagem para os diferentes níveis de formação profissional.

Na área de Pesquisa , os temas investigados surgem de questões advindas da prática de enfermagem em Oncologia Pediátrica. O ECE estimula a busca pelo embasamento científico de sua prática mediante a participação em protocolos de pesquisa clínica; desenvolvimento e participação em projetos de pesquisa vinculados a grupos de pesquisa da Escola Paulista de Enfermagem (EPE – UNIFESP); participação em cursos e eventos científicos nacionais e internacionais relacionados a sua área de atuação, bem como na produção de artigos científicos, divulgando resultados de estudos desenvolvidos na instituição; orientações de trabalhos de conclusão de curso e monografias de cursos de graduação e pós-graduação lato sensu em Enfermagem.

Na Gestão , algumas das atividades do ECE são: gerenciamento das demandas de recursos, custos, ambiente e suporte social para a assistência ao paciente e à família, registro de informações pertinentes às ações de Enfermagem, ressaltando os indicadores de desempenho e de qualidade da assistência.

Após a definição do perfil e das competências para a função, foram definidas as primeiras áreas que seriam contempladas com os ECE, cuja escolha foi baseada nas necessidades de atendimento existentes no cenário institucional. A seguir, foi elaborado um edital para seleção interna dos enfermeiros elegíveis para o cargo. Para participar da seleção o candidato deveria entregar a documentação comprobatória do perfil exigido e apresentar um projeto de trabalho contendo sua proposta de atuação na área, abrangendo os quatro pilares conceituais previstos para o ECE, para posterior avaliação da comissão julgadora.

Vivenciando e avaliando a ação

A área de EDEnf recebeu o primeiro ECE. A seguir as áreas contempladas foram: Dor e Cuidados Paliativos, Tumores do Sistema Nervoso Central e Tumores Ósseos e Retinoblastoma. Esses ECE tornaram-se rapidamente referência na instituição, para o acompanhamento do tratamento das populaçãoes mencionadas. Essa posição evidenciou a necessidade do ECE adquirir novos conhecimentos técnico-científicos, de modo a se fortalecer para o desempenho da função, incorporando saberes específicos. Em decorrência dessa posição e da crescente demanda nos diferentes aspectos envolvidos na linha de cuidado, o ECE ampliou e incorporou novas responsabilidades como gestor do cuidado dessa população junto à equipe de saúde.

Assumir a responsabilidade da tomada de decisão sobre os cuidados a serem prestados ao cliente e a sua família favoreceu a obtenção de respostas e resultados mais efetivos no tratamento. O estreitamento do vínculo entre ECE, paciente e família e o compartilhamento das decisões sobre o cuidado com os demais integrantes da equipe de enfermagem e de saúde, tornou mais visível e proativa sua atuação, otimizando o planejamento e a execução das ações.

O reconhecimento do ECE pelos pacientes e famílias é evidenciado pelo estreitamento da relação cliente/família/enfermeiro em todas as etapas do processo de cuidar, exemplificado pela solicitação constante nos momentos de orientação e tomada de decisão compartilhada, resultando no fortalecimento do vínculo entre paciente, a família e ECE.

O reconhecimento possibilitou, no período de 2011 a 2012, a expansão desse modelo de organização de trabalho de enfermagem para as áreas de Transplante de Medula Óssea, Radioterapia e Diagnóstico por Imagem e Leucemias e Linfomas, resultando atualmente na existência de oito ECE.

Vários fatores favoreceram a implantação e o desenvolvimento do projeto, como a filosofia da instituição e da enfermagem, o comprometimento do grupo de ECE e o apoio irrestrito dos gestores, do corpo clínico e da equipe de enfermagem. Esses fatores possibilitaram o avanço na prestação de um cuidado seguro e de qualidade a uma clientela cuja condição de doença exige uma equipe altamente qualificada para fazer face à diversidade e à complexidade das demandas decorrentes do tratamento e do processo de reabilitação e reinserção social.

Ainda resultante dessa implantação, outro avanço foi a participação e a divulgação em eventos científicos de trabalhos que emergiram de necessidades do cotidiano da prática profissional, de autoria individual do ECE ou em conjunto com a equipe multidisciplinar.

Tendo em vista o caráter inovador da proposta e os desafios próprios de qualquer projeto em implantação, houve necessidade de ajustes nas diversas esferas de competência dos ECs, de modo a atender prioritariamente as demandas advindas da área assistencial e de ensino. Como consequência dessa decisão, as atividades previstas para as esferas relacionadas à pesquisa e à gestão ainda estão aquém do esperado. A busca do equilíbrio no desenvolvimento das competências nos quatro pilares propostos para a atuação do ECE é o desafio enfrentado atualmente.

Outro desafio também evidenciado é o estranhamento de alguns membros da equipe de saúde frente a essa nova proposta de atuação do enfermeiro. Na percepção de uma ECE, para alguns médicos, enfermeiros, nutricionistas, assistentes sociais e fisioterapeutas, lidar constantemente com a presença da enfermeira, participando do atendimento junto ao paciente, foi visto como uma invasão dos seus espaços de atuação. Esta situação foi superada aos poucos por meio de reuniões multiprofissionais em que foram discutidas as especificidades da atuação de cada profissional em relação às demandas de cuidados da população atendida no IOP e, principalmente, a finalidade da inserção do ECE na organização de trabalho da equipe de enfermagem. Esta estratégia, aliada à avaliação positiva do atendimento recebido, verbalizado por pacientes e familiares, tem contribuído para resolução dessa questão.

A percepção da necessidade de utilizar indicadores para avaliar o impacto desse modelo de organização de trabalho de enfermagem na qualidade da assistência ao paciente e à família tem sido objeto de reflexão e discussão do grupo, sendo a próxima etapa a ser implantada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se refletir e suscitar debates acerca da trajetória e da contribuição desse projeto institucional para o aprimoramento da qualidade da assistência de enfermagem no contexto da Enfermagem em Oncologia Pediátrica. Com tal propósito, procurou-se descrever o papel desempenhado pelos ECE nos contextos assistencial, científico, educacional e gerencial.

A necessidade de um atendimento individualizado, qualificado, humanizado e baseado nas necessidades de cada paciente e sua família conduziu-nos ao delineamento desse novo modelo de organização do trabalho de enfermagem.

As possibilidades que foram se delineando ao longo de sua construção e as relações estabelecidas entre ECE/paciente/família e ECE/equipe de saúde condicionaram seu crescimento e sua receptividade. Ao longo desses anos, à medida que o grupo de ECE organiza-se em torno de metas comuns, é inegável que tem resultado em fortalecimento, coesão e solidez na busca de soluções para as questões da assistência à criança, ao adolescente e ao adulto jovem com câncer e sua família.

A experiência aqui relatada indica que o ECE pode ser um modelo de trabalho para o enfermeiro que deseja influenciar positivamente as respostas de seus pacientes e familiares aos cuidados prestados nas diversas situações, assim como melhorar os processos que compõem o sistema de atendimento a essa clientela.

Acreditamos que a enfermagem do IOP/GRAACC-UNIFESP conseguiu ter êxito na implantação desse modelo de organização de trabalho, por contar em seu quadro com enfermeiras qualificadas, capacitadas e comprometidas com o cuidado e um padrão de competência organizacional respeitável e equiparável às instituições internacionais similares que são referência na assistência, no ensino e na pesquisa em oncologia pediátrica.

Agradecimentos

À enfermeira Coordenadora da Área de Ensino e Desenvolvimento de Enfermagem do IOP/GRAACC-UNIFESP, Ana Lygia Pires Melaragno, pela colaboração no desenvolvimento do processo seletivo das ECE e ao superintendente médico, Professor Doutor Antônio Sérgio Petrilli, pelo apoio na realização e concretização deste projeto.

REFERÊNCIAS

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  • 9
    Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer. Manual de normas e rotinas de enfermagem. São Paulo: GRAACC; 2011.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2012
  • Aceito
    24 Maio 2013
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