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A utilização do Family Management Style Framework para avaliação do manejo familiar do transplante hepático na adolescência* * Extraído da tese "Manejo familiar no transplante hepático da criança", Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2011.

Resumos

Objetivo: Descrever o comportamento de crianças durante a sessão de brinquedo terapêutico instrucional (BTI) no período pré-operatório e verificar o comportamento apresentado por elas no período transoperatório. Método: Pesquisa descritiva exploratória de abordagem quantitativa, desenvolvida em um hospital particular de grande porte da cidade de São Paulo, na qual os comportamentos apresentados por 30 crianças entre três e cinco anos submetidas à cirurgia de pequeno porte foram observados na unidade de internação durante a sessão de BT e na sala de cirurgia, desde a admissão até despertarem da anestesia. Resultados: A maioria participou efetivamente da sessão de BTI (21; 70%), entrou espontaneamente na sala operatória (22; 73,3%) e sem resistir à separação da mãe (24; 80%), colaborando com o procedimento anestésico (16; 53,3%) e despertando da anestesia tranquilamente (26; 87%).
Conclusão: O uso do BTI propiciou à criança compreender o procedimento cirúrgico, tornando-o menos traumático.



Adolescente; Transplante de fígado
; Família; Enfermagem pediátrica



Objective: To understand the family management experience of liver transplantation during adolescence based on the Family Management Style Framework(FMSF). Method: This is a case study that used the FMSF as theoretical framework and the hybrid model of thematic analysis as methodological reference. The case presented is from an adolescent’s family that lives in Salvador, Bahia. The data were collected through interviews with the mother and the patient charts analysis. Results: The results shows that the family defines the transplantation as threatening and there are divergence between mother and daughter related to the teen’s capabilities perception. Facing those discrepancies, the family assumes a protective posture by believing that the teen cannot take care of herself alone. The perceived consequences reflect how much the uncertainty permeates the family environment. Conclusion: It is concluded that the use of a model to evaluate the management can help professionals to direct and plan specific interventions.



Adolescent; Liver transplantation
; Family; Pediatric nursing



Objetivo: Conocer la experiencia del manejo familiar en el trasplante hepático en la adolescencia a la luz del Family Management Style Framework(FMSF).Método: Estudio de caso, que utilizó el Family Management Style Framework como marco teórico y el modelo híbrido de análisis temático como referencial metodológico. El caso presentado es de la familia de una adolescente trasplantada residente en Salvador, Bahia. Los datos fueron recogidos por medios de entrevistas con la madre y el análisis de registros médicos. Resultados: Los resultados muestran que la familia define el trasplante como una amenaza y que existe divergencia entre la madre e hija acerca de la percepción de las capacidades de la adolescente. Dadas estas discrepancias, la familia asume una postura protectora al creer que la adolescente no sabe cuidar de sí misma. Las consecuencias percibidas reflejan cuánta incertidumbre impregna la cotidianeidad familiar. Conclusión: El uso de modelos para evaluar puede ayudar a los profesionales en la planificación de intervenciones específicas.

Adolescente; Trasplante de hígado
; Familia; Enfermería pediátrica



Introdução

O transplante de órgãos é a intervenção cirúrgica recomendada para o tratamento de disfunções progressivas de órgãos vitais, sendo capaz de aumentar a sobrevida e melhorar a qualidade de vida desses pacientes(101 1.Benden C, Dipchand AI, Danzigger-Isakov LA, Esquivel CO, Ringdén O, Wray J, et al. Pediatric transplantation: ten years on. Pediatr Transplant. 2009;13(3):272-7).

Em 2013 foram realizados 7.649 transplantes de órgãos no País e, desses, 1.723 foram transplantes hepáticos, um aumento de mais de 100% em relação a 2003, em que foram realizados de 816(202 2.Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). Registro Brasileiro de Transplantes. RBT [Internet]. 2013 [citado 2013 set. 22];19(2). Disponível em: http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/file/RBT/2013/rbt2013semestre-parcial.pdf
http://www.abto.org.br/abtov03/Upload/fi...
). Dos transplantes hepáticos de 2013, 204 foram feitos em pacientes com até 18 anos(303 3.Lefkowitz D, Fowler A, Wray J. The transplant journey: psychosocial aspects of the different stages of the transplantation process. Pediatr Transplantat. 2014; 18(2):123-4), indicando um aumento discreto nos últimos cinco anos, visto que em 2008 foram realizados 197 transplantes da mesma modalidade nessa faixa etária.

O crescimento do número de transplantes em crianças e adolescentes no mundo impulsionou a realização de estudos acerca também do impacto psicossocial que o procedimento exerce na criança, no adolescente e em sua família(303 3.Lefkowitz D, Fowler A, Wray J. The transplant journey: psychosocial aspects of the different stages of the transplantation process. Pediatr Transplantat. 2014; 18(2):123-4-404 4.Shellmer D, Brosig C, Wray J. The start of the transplant journey: referral for pediatric solid organ transplantation. Pediatr Transplantat. 2014; 18: 125-33). Considerando a experiência de doença da criança e do adolescente que vivenciam o transplante hepático, a literatura afirma existir duas fases de crise, representadas por saber da necessidade do transplante e receber o transplante, ambas marcadas por desequilíbrio na família, devido às adaptações que são mais intensas nesses períodos; e duas fases marcadas por relativa constância e estabilidade, embora ainda exposta a riscos e incertezas, que são esperar pelo transplante e conviver com ele(303 3.Lefkowitz D, Fowler A, Wray J. The transplant journey: psychosocial aspects of the different stages of the transplantation process. Pediatr Transplantat. 2014; 18(2):123-4-404 4.Shellmer D, Brosig C, Wray J. The start of the transplant journey: referral for pediatric solid organ transplantation. Pediatr Transplantat. 2014; 18: 125-33). A família pode e deve ser ajudada nesse processo em todas as fases – e não apenas nos momentos de crise, que geralmente recebem maior atenção(404 4.Shellmer D, Brosig C, Wray J. The start of the transplant journey: referral for pediatric solid organ transplantation. Pediatr Transplantat. 2014; 18: 125-33

05 5.Mendes-Castillo AMC, Bousso RS. Não podendo viver como antes: a dinâmica familiar na experiência do transplante hepático da criança. Rev Latino Am Enferm. 2009;17(1):74-80.
-606 6.Mendes-Castillo AMC, Bousso RS, Santos MR, Damião EBC. Estilos de manejo familiar: uma possibilidade de avaliação no transplante hepático pediátrico. Acta Paul Enferm. 2012;25(6):867-72).


A fase da adolescência, que, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, compreende o período de 12 a 18 anos de idade(707 7.Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências [Internet]. Brasília; 1990 [citado 2013 set. 22]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
), caracteriza-se por profundas mudanças físicas, psíquicas e sociais, que repercutem no comportamento e que são potencializadas no adolescente portador de uma doença grave e que necessita ser submetido a um transplante. Essa fase apresenta constantes mudanças desde os períodos pré-púbere e púbere, até o pós-púbere, que influenciam significativamente a adesão ao tratamento, a imagem corporal, o enfrentamento dos desafios da idade, da doença e do procedimento, e a sintonia com seus pares e familiares, requerendo maior investigação(808 8.Annunziato RA, Emre S, Shneider BL, Dugan CA, Aytaman Y, McKay MM, et al. Transitioning health care responsibility from caregivers to patient: A pilot study aiming to facilitate medication adherence during this process. Pediatr Transplant. 2008;12(3):309-15).

Como o transplante requer adaptações e ajustes para o resto da vida, a equipe de saúde deveria ver a família como uma unidade de cuidado – e não apenas o paciente. Para assisti-los nessa experiência, é importante que o profissional compreenda como a família responde em seu cotidiano ao cuidado com a criança ou com o adolescente transplantado. Desta forma, a equipe poderá obter subsídios para direcionar intervenções específicas à realidade e às demandas de cada família, tanto nos momentos de crise como nos de maior estabilidade no processo da doença.

Family Management Style Framework (FMSF)


O manejo familiar pode ser definido como o papel da família enquanto responde ativamente à doença e diferentes situações de cuidado à saúde(909 9.Knafl K, Deatrick J. Family management style: concept analysis and development. J Pediatr Nurs. 1990;5(1):4-14). O FMSF foi construído a partir de ampla revisão de literatura, feita para identificar os aspectos-chave de como a família, como unidade, responde à doença de um de seus membros(909 9.Knafl K, Deatrick J. Family management style: concept analysis and development. J Pediatr Nurs. 1990;5(1):4-14-1010.Knafl K, Deatrick J. Further refinement of the family management style framework. J Fam Nurs. 2003;9(3):232-56). Envolve três dimensões principais: definição da situação, comportamentos de manejo e consequências percebidas. Definição da situação é como a família percebe o membro doente e a doença. Comportamentos de manejo incluem os princípios nos quais se baseia para desenvolver uma rotina para conduzir a doença na família. As consequências percebidas são definidas como os resultados reais ou esperados que moldam os comportamentos e, consequentemente, afetam a definição da situação(1010.Knafl K, Deatrick J. Further refinement of the family management style framework. J Fam Nurs. 2003;9(3):232-56).


O FMSF tem sido utilizado para estudar situações de doença crônica em diferentes contextos(1111.Deatrick J, Thibodeaux A, Mooney K, Schmus C, Pollack R, Davey BH. Family Management Style Framework: a new tool with potential to assess families who have children with brain tumors. J Pediatr Oncol Nurs. 2006;23(1):19-27

12.Knafl KA, Knafl GJ, Gallo AM, Angst DB. Parents’ perceptions of functioning in families having a child with a genetic condition. J Genet Couns. 2007;16(4):481-92
-1313.Gallo AM, Hadley EK, Angst DB, Knafl KA, Smith CA. Parents’ concerns about issues related to their children’s genetic conditions. J Soc Pediatr Nurs. 2008;13(1):4-14). No Brasil, já há alguns estudos com o FMSF no contexto da oncologia pediátrica(1414.Misko MD, Bousso RS. Managing cancer and its intercurrences: the family deciding to seek emergency care for the child. Rev Latino Am Enferm. 2007; 15(1):48-54) e dos cuidados paliativos(1515.Bousso RS, Misko MD, Mendes-Castillo AMC, Rossato LM. Family Management Style Framework and its use with families who have a child undergoing palliative care at home. J Fam Nurs. 2012;18(1):91-122). Não foram encontrados estudos nacionais ou internacionais que utilizassem o FMSF quando o membro acometido pela doença crônica é um adolescente e a literatura internacional aponta a tendência a um desequilíbrio familiar importante quando adolescentes precisam de cuidados de saúde por serem acometidos por uma doença crônica, pela resistência que podem oferecer a seguir um regime de tratamento(808 8.Annunziato RA, Emre S, Shneider BL, Dugan CA, Aytaman Y, McKay MM, et al. Transitioning health care responsibility from caregivers to patient: A pilot study aiming to facilitate medication adherence during this process. Pediatr Transplant. 2008;12(3):309-15).

Diante do cenário, em que se vê crescer internacionalmente a relevância de conhecer como a família define a situação e maneja a vida familiar nos variados contextos de doença, e considerando a necessidade de novas investigações em diferentes culturas e estágios do ciclo vital, este estudo pretende explorar a experiência de manejo familiar no transplante na adolescência. Seu objetivo é conhecer a experiência de manejo familiar de uma adolescente transplantada, à luz do FMSF(1010.Knafl K, Deatrick J. Further refinement of the family management style framework. J Fam Nurs. 2003;9(3):232-56).

Método

Trata-se de um estudo de caso qualitativo, recorte de uma pesquisa maior que teve por objetivo conhecer a experiência de manejo familiar quando um filho é submetido ao transplante hepático. Um estudo de caso é

(...) uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos(1616.Yin RK. Case study research: design and methods. 4th ed. Thousand Oaks: Sage; 2009).

Optou-se pelo estudo de caso por permitir a compreensão do fenômeno - a experiência de manejo - dentro de seu contexto - a vida familiar e a trajetória da doença . Para o estudo primário, foram realizados quatro estudos de caso de famílias que tinham um filho que havia recebido o transplante há pelo menos um ano e que realizavam o acompanhamento pós-operatório no ambulatório de gastropediatria de um hospital-escola de Salvador, Bahia.


O presente estudo apresenta o quarto caso estudado, que é da família de uma adolescente, cujo nome fictício é Alice. Na análise dos três casos anteriores foi possível perceber que as famílias temiam a chegada da adolescência das crianças transplantadas, por acreditarem que elas não saberiam assumir o autocuidado. Isso levou à opção metodológica de querer conhecer e analisar o caso de uma família que já lidava com os cuidados decorrentes do transplante na adolescência. A equipe médica indicou a família de Alice, que era a paciente mais velha atendida no ambulatório.


Alice, 16 anos no período da coleta de dados, é filha de E., 42 (mãe), e J., 50 (pai). Realizou o transplante hepático em maio de 2009 de um doador falecido. Tem um irmão, Er., de 17, e duas irmãs, Er., 19, e M., 22. Os pais são separados há 15 anos e Alice mantém contato frequente com o pai, mas ele não é muito participativo nos cuidados. No mesmo ano em que se separou, E. conheceu J., 49, com quem refere ter um relacionamento estável. Alice mora em Salvador com a mãe, o padrasto, que é garçom, e um de seus sobrinhos, Eli, 3 anos. A mãe trabalhava ocasionalmente como faxineira, mas, atualmente, dedica-se exclusivamente ao cuidado de Alice.

O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa para sua realização (protocolo CEP 754/2008). A mãe de Alice foi quem participou do estudo, por ser a cuidadora principal e quem a acompanhava nas consultas. Consentiu livremente em participar, assinando o termo de consentimento livre e esclarecido.

Conforme preconizado pelo delineamento de estudo de caso, foram utilizados múltiplos pontos e estratégias de coleta de dados. Tal abordagem é fundamental nos estudos de caso, para garantir a profundidade necessária ao estudo, à inserção do caso em seu contexto e também para conferir maior credibilidade aos resultados(1616.Yin RK. Case study research: design and methods. 4th ed. Thousand Oaks: Sage; 2009).

Foram realizados três momentos de coleta de dados com a participante:


  • Primeiro momento: após a obtenção de consentimento para inclusão na pesquisa, o primeiro momento destinou-se à realização da coleta de dados de identificação e uma primeira entrevista aberta, com a finalidade de compreender a experiência do transplante e a vida familiar em seu contexto mais amplo.


  • Segundo momento: destinado à realização de entrevista semiestruturada, com perguntas baseadas no FMSF(1010.Knafl K, Deatrick J. Further refinement of the family management style framework. J Fam Nurs. 2003;9(3):232-56), com o propósito de compreender o manejo familiar.

  • Terceiro momento: destinado ao fechamento do caso e ao esclarecimento de dúvidas e para validação de informações.

Os encontros foram marcados nas datas mais convenientes à participante, gravados e transcritos na íntegra logo após sua realização.

Entre o primeiro e o segundo momentos, houve ainda a coleta de dados documentais no prontuário para complementar e aprofundar o conhecimento do caso e fornecer subsídios adicionais para melhor direcionamento da entrevista e eventuais esclarecimentos necessários.


A análise dos dados foi pautada na análise temática, que é uma forma de reconhecimento de padrões dentro dos dados, em que os temas que emergem são reunidos em categorias(1717.Fereday J, Muir-Cochrane E. Demonstrating rigor using thematic analysis: a hybrid approach of inductive and deductive coding and theme development. Int J Qual Methods [Internet]. 2006 [cited 2013 Oct 5];5(1). Available from: https://ejournals.library.ualberta.ca/index.php/IJQM/article/view/4411/3530
https://ejournals.library.ualberta.ca/in...
). Dentro da análise temática, existem diferentes formas de abordagem, dentre as quais destacam-se a dedutiva, baseada em modelos de códigos previamente determinados, e a indutiva, guiada pelos dados. Neste estudo, o método escolhido foi um modelo híbrido de análise temática, que incorpora tanto a dedutiva quanto a indutiva(1717.Fereday J, Muir-Cochrane E. Demonstrating rigor using thematic analysis: a hybrid approach of inductive and deductive coding and theme development. Int J Qual Methods [Internet]. 2006 [cited 2013 Oct 5];5(1). Available from: https://ejournals.library.ualberta.ca/index.php/IJQM/article/view/4411/3530
https://ejournals.library.ualberta.ca/in...
).


Tal escolha permitiu que as diretrizes encontradas no modelo teórico adotado fossem integradas ao processo de análise temática dedutiva e ainda possibilitou que surgissem temas diretamente dos dados usando a codificação indutiva. O modelo híbrido de análise temática tem sido utilizado e recomendado dentro da pesquisa em Enfermagem(1717.Fereday J, Muir-Cochrane E. Demonstrating rigor using thematic analysis: a hybrid approach of inductive and deductive coding and theme development. Int J Qual Methods [Internet]. 2006 [cited 2013 Oct 5];5(1). Available from: https://ejournals.library.ualberta.ca/index.php/IJQM/article/view/4411/3530
https://ejournals.library.ualberta.ca/in...
).


Resultados

A apresentação do caso de Alice


a) A trajetória da doença da adolescente na família



Alice nasceu em 6 de setembro de 1994. Os primeiros sintomas da doença surgiram em dezembro de 1999, de forma repentina: anasarca e ascite, que foram investigadas sem resultados conclusivos. Depois de alguns dias de internação e terapia medicamentosa, o quadro reverteu-se e ela recebeu alta hospitalar. A partir daí, sua mãe relata que os episódios de anasarca foram constantes, requerendo hospitalizações frequentes para tomar medicações que revertiam o quadro.

Apenas em julho de 2006 descobriu-se a existência de deficiência de alfa-1-antitripsina e o transplante foi indicado como única medida terapêutica viável. Foi encaminhada para São Paulo e teve início uma corrida contra o tempo: o período de espera por um doador falecido, que gerou muita angústia e incertezas na família.


Durante o período de espera, Alice teve episódios de hipertensão portal e hematêmese, que foram tratados no hospital em Salvador. Em janeiro de 2008, precisou ser internada na UTI por broncopneumonia, pneumotórax e sangramento de varizes esofágicas. A mãe teve de parar de trabalhar nessa época, por não conseguir conciliar as idas a São Paulo, com as faxinas que realizava.


Em maio de 2009, Alice estava fraca, com ascite importante, incapaz de realizar esforços físicos – por menores que fossem. Depois de uma semana em São Paulo e com todos os exames já realizados, ela e a mãe estavam se preparando para voltar a Salvador quando receberam uma ligação do hospital informando sobre o surgimento de um doador falecido. O transplante foi realizado no mesmo dia, 26 de maio de 2009, com sucesso. A recuperação foi considerada satisfatória, mas sua mãe não estava preparada, dado que desconhecia os procedimentos pós-cirúrgicos corriqueiros: ficou chocada ao saber da necessidade de internação na UTI e só com o tempo foi aprendendo o que deveria esperar dali em diante.


Depois dos três meses, nos quais o acompanhamento pós-transplante foi mais intenso em São Paulo, Alice e a mãe retornaram à Bahia. A mãe ficou muito feliz com a realização do transplante, especialmente porque, depois dele, o convívio familiar voltou a ser mais constante. Para Alice, o transplante possibilitou viver com mais disposição e de forma semelhante às demais adolescentes de sua faixa etária.


Alice está assintomática desde que voltou para a Bahia, faz o acompanhamento periódico em São Paulo, já voltou a frequentar a escola normalmente e não teve intercorrências. A mãe não voltou a trabalhar e diz que não vê possibilidades de voltar, devido aos cuidados com Alice.


b) A experiência de manejo familiar


Ainda que perceba mudanças muito positivas com a realização do transplante, a família de Alice despende enorme esforço na tentativa de manter os cuidados com o transplante sob controle; acredita que a paciente tem uma condição grave e que, por mais que já possa desenvolver atividades compatíveis com a sua idade, sempre terá uma qualidade de vida inferior à de outras adolescentes.

A visão da família é diferente da perspectiva que Alice atualmente tem sobre si. Alice enxerga-se como uma adolescente sem doença, capaz de fazer tudo o que outras em sua idade fazem. Esta perspectiva não é compartilhada por sua mãe e seu padrasto, que acreditam que, mesmo podendo ter uma vida que chamam de normal, sempre haverá privações decorrentes da doença e que precisam ser zeladas. Essa diferença de perspectivas traz conflitos no manejo dos cuidados com o transplante.


(...) Eu tenho que ficar muito de olho nela porque ela fala: Ah, eu fiz o transplante, posso tudo, sou normal... E sei que não é assim, sei que se deixar passar, se deixar pra lá, tudo pode voltar, ela pode ficar ruim e pode perder (o transplante). Então, falo pra ela: Olha, você não é pessoa perfeita, não é pessoa normal, você não é como você era antes de ter toda a doença. Então, tem coisa que você tem que olhar...

No início da trajetória de doença, a falta de conhecimento sobre o transplante deu à família uma visão equivocada acerca da progressão da doença. Para os familiares, o transplante seria a cura para a doença de Alice. À medida que a doença avançava, a família foi se dando conta, principalmente com outras famílias de crianças e adolescentes transplantados, das modificações que a experiência do transplante provocaria em suas vidas. Entenderam as implicações e os cuidados que seriam necessários e hoje têm a crença de que a doença é uma condição grave, com um percurso incerto e que requer grande investimento de tempo.

Ué, não conhecia mais ninguém com transplante, hoje eu conheço já um montão de gente, mas não conhecia. Hoje eu sei que o clima é bem diferente. Mas na época não.


Um ano após o transplante, A família de Alice luta contra o medo de não dar conta de cuidar dela da forma como ela precisa. As recomendações médicas são ouvidas atentamente e seguidas à risca em termos das proibições e restrições que lhe são impostas. A mãe sente-se sobrecarregada, impossibilitada de voltar a trabalhar, embora a filha já tenha completado 16 anos, justamente pela definição que faz da adolescente. Enxerga o transplante como algo muito difícil de ser acomodado às demais rotinas da família, por demandar muito tempo e cuidado e, que impôs sobre ela a responsabilidade maior e mais pesada.


As diferentes perspectivas de Alice e do restante da família acerca do significado do transplante fazem com que os conflitos de opiniões entre eles resultem na crença de que ela ainda não entende a dimensão de seu problema de saúde – e que cabe à mãe guardá-la e protegê-la mesmo de atividades já permitidas pela equipe médica. Para E., é responsabilidade primeiramente dela assumir os cuidados com Alice.


Eu precisava trabalhar, mas não posso trabalhar. Eu posso sair pra fazer uma faxina, coisa básica, mas pro dia a dia sei que tenho que estar ali com ela.


Os pais de Alice adotam uma postura superprotetora, não permitindo que ela desenvolva atividades que são compatíveis com sua idade, por terem medo que algo aconteça. Acreditam que precisam alertá-la constantemente dos perigos a que está exposta, privá-la de atividades que acreditam ser ameaçadoras e controlar com cautela as atividades das quais participa.


Eu dou uma segurada e tento dar uma assustada nela pra... assim... pra de vez em quando ela não abusar, que ela tem que lembrar que ela não é assim tão normal quanto uma pessoa tipo eu ou você. Mas bastante coisa ela já pode fazer.

Ao olhar para o presente, a família foca os resultados positivos atingidos no último ano desde a realização do transplante. Os resultados positivos encorajam e fazem perceber o presente como uma oportunidade de retomar atividades que antes eram impossíveis por conta da doença, como celebrar datas especiais, ter atividades de lazer e mais tempo livre.


Hoje eu já sei o que é passar o Natal em casa de novo, o que é passar o São João em casa, porque com ela antes eu esqueci, era só hospital, era só no hospital!


No entanto, para a mãe, o transplante da filha provocou muitas mudanças na vida familiar e demanda grande investimento de seu tempo. A crença de que é papel da mãe ao assumir os cuidados com a filha faz com que ela não se veja com possibilidade de retomar uma atividade profissional.


(...) Eu volto ao assunto, a esse assunto do trabalhar, eu não posso trabalhar! Eu preciso trabalhar... e já não posso ter um trabalho fixo e vejo que isso interfere às vezes até pra ela mesmo, porque acaba que a gente não tem tanta condição pra dar as coisas pra ela, fazer as coisas pra ela, uma ou outra coisa que ela gosta e que a gente não tem como dar pra ela.


Alice, vivendo a adolescência, encara os problemas característicos dessa fase, ao mesmo tempo em que enfrenta as consequências do transplante em sua vida e em sua autoimagem. Antes, sentia-se envergonhada de sua aparência, devido à doença hepática, e sentia-se discriminada na escola por causa disso. Hoje, com a diminuição do volume abdominal e por ter alcançado feições normais, percebe-se mais segura, menos vulnerável, feliz e mais à vontade para se vestir e relacionar-se. Por outro lado, a cicatriz em seu abdome deixa-a envergonhada e impede-a de usar alguma vestimenta que exponha alguma parte de seu corpo que possa eventualmente fazê-la parecer diferente das outras adolescentes.


(...) Ela tem vergonha da cirurgia que fez. Não veste uma blusinha se for um pouquinho mais curtinha ou se tiver assim uma transparenciazinha boba mesmo que seja; não, não, ela não veste, tem que tapar toda a barriga. Mas, assim, é isso só que acho que deixa ela um pouco diferente.


As perspectivas diferentes de Alice e do restante da família acerca da gravidade da doença não só moldam a postura da família para lidar com o presente, mas também enchem de dúvidas os dias futuros. A família teme que a teimosia de Alice em querer realizar atividades que eles acreditam não serem possíveis persista por toda a adolescência, e também quando ela for jovem, e traga consequências negativas para sua saúde. Temem que ela não tenha a responsabilidade necessária nem seja madura o suficiente para reconhecer suas fragilidades e os cuidados que precisa ter consigo.


Ela é muito teimosa. Aí eu tenho medo... assim... porque não sei se ela vai ser capaz... Não sei se ela vai ser do tipo que vai entender mesmo e ser capaz assim de olhar pra alguma coisa e falar: Não, isso aqui eu não posso. (...) Fico com medo porque ela é teimosa, mas acho e espero que se ela continuar teimosa, que isso dure pouco, sei lá, até uns 20, 21 anos e que depois ela pare, pense e fale mesmo:Olha, eu não posso isso, porque sou assim e isso não vai me fazer bem. Tomara que ela chegue nisso um dia, sem eu ter que ficar olhando o tempo todo, sabe? Mas não sei não... Quando chega nisso, não fico assim muito confiante não!


A suposta teimosia de Alice causa na família a sensação de perda de controle, o que torna os seus integrantes mais inseguros e incertos em relação ao futuro. A adolescência de Alice é vivida pela família como uma ameaça em relação a sua saúde e a família hesita em flexibilizar regras e permitir que a adolescente adquira maior autonomia, temendo que isso traga prejuízos a sua saúde. Temerosos, incorporaram a vigilância ao seu cotidiano e têm dificuldades em afrouxar seus padrões e suas condutas.


Discussão

É inequívoco que a chegada de uma doença na família altera o equilíbrio de todo o sistema familiar. O enfermeiro deve conhecer a forma pela qual a família procura reorganizar-se para manejar as demandas ocasionadas pela doença, a fim de a ajudar a conseguir recuperar o equilíbrio. A utilização do modelo de estilos de manejo familiar(1010.Knafl K, Deatrick J. Further refinement of the family management style framework. J Fam Nurs. 2003;9(3):232-56) proporciona o entendimento aprofundado da experiência vivenciada pela família.


Neste estudo foi possível perceber que a utilização do FMSF(1010.Knafl K, Deatrick J. Further refinement of the family management style framework. J Fam Nurs. 2003;9(3):232-56) possibilita a compreensão organizada acerca da experiência de manejo familiar do transplante em adolescentes, assim como em outros contextos de doença crônica. Além disso, permite ainda pensar em intervenções específicas para a família, focadas em suas reais necessidades.

De acordo com o Modelo, a maneira como a família maneja a experiência de ter um de seus membros com uma condição crônica é determinada principalmente pela dimensão definição da situação(1010.Knafl K, Deatrick J. Further refinement of the family management style framework. J Fam Nurs. 2003;9(3):232-56). No caso de Alice, tal definição exerce grande influência sobre seus comportamentos. Assim, pretende-se discutir os componentes dessa dimensão na experiência da família de Alice, à luz de literatura relevante, e sugerir caminhos para intervenções conforme as demandas apresentadas.


Para a família de Alice, a percepção de que ela ainda é frágil e não pode realizar atividades que as demais adolescentes podem, associada à visão de que ela é teimosa e imatura – por discordar frequentemente da opinião da mãe, gera conflitos e dificuldades na família para se organizar e estabelecer rotina e segurança para manejar os cuidados. Estudos vêm comprovando que a família que tende a definir a criança ou o adolescente doente com foco em suas debilidades e privações, como alguém que apresenta qualidade de vida familiar inferior. Estudos sugerem que tal definição pode até abreviar o tempo de sobrevida do transplantado(303 3.Lefkowitz D, Fowler A, Wray J. The transplant journey: psychosocial aspects of the different stages of the transplantation process. Pediatr Transplantat. 2014; 18(2):123-4,1818.Simons LE, Gilleland J, Blount RL, Amaral S, Berg A, Mee LL. Multidimensional Adherence Classification System: initial development with adolescent transplant recipients. Pediatr Transplant. 2009;13(5):590-8).


Quanto às crenças que definem a visão de doença, há evidências de que tendem a se modificar com o tempo(1919.Rolland JS, Walsh F. Facilitating family resilience with childhood illness and disability. Curr Opin Pediatr. 2006;18(5):527-38). Antes assustados e temerosos, por acreditarem que a doença é grave e assustadora, com o tempo, os membros da família adquirem conhecimentos que desafiam suas crenças anteriores e dão lugar a novos valores e definições.


O desdobramento da doença ao longo do tempo faz com que a família tenha oportunidade de interagir com diferentes elementos na experiência e buscar alternativas e estratégias para enfrentar e conviver com a doença(1919.Rolland JS, Walsh F. Facilitating family resilience with childhood illness and disability. Curr Opin Pediatr. 2006;18(5):527-38). Outros estudos também identificaram que o tempo no contexto da doença crônica é um aliado das famílias para aquisição de competências e habilidades, uma vez que a transformação da visão de doença pode resultar em mais segurança ou controle para manejar os cuidados(505 5.Mendes-Castillo AMC, Bousso RS. Não podendo viver como antes: a dinâmica familiar na experiência do transplante hepático da criança. Rev Latino Am Enferm. 2009;17(1):74-80.,1212.Knafl KA, Knafl GJ, Gallo AM, Angst DB. Parents’ perceptions of functioning in families having a child with a genetic condition. J Genet Couns. 2007;16(4):481-92-1313.Gallo AM, Hadley EK, Angst DB, Knafl KA, Smith CA. Parents’ concerns about issues related to their children’s genetic conditions. J Soc Pediatr Nurs. 2008;13(1):4-14,2020.Conlon KE, Strassle CG, Vinh D, Trout G. Family management styles and ADHD: utility and treatment implications. J Fam Nurs. 2008;14(2):181-200).


O tempo pode proporcionar aos profissionais a oportunidade de desafiar os familiares a repensar e reformular seu sistema de crenças sobre a doença, assim como suas habilidades para manejar os cuidados. Reconhecê-lo como um importante aliado pode fazer com que os profissionais fiquem mais sensibilizados ao olhar para famílias que lidam com a experiência há menos tempo e mais aptos a propiciar os recursos que elas próprias indicam como relevantes. Contribuem para isso as conversas com famílias que vivenciam a mesma situação, o contato rotineiro com a equipe e a vivência pessoal por diferentes momentos da trajetória da doença.

No entanto, na família de Alice, foi justamente a aquisição de conhecimento ao longo do tempo que trouxe para os membros familiares o aumento da incerteza e a crença de que o transplante é uma condição grave e imprevisível. Como a família tinha informações equivocadas no início da trajetória de doença, acreditava que o transplante seria uma alternativa e, consequentemente, a cura definitiva. Ao descobrir tardiamente que não seria assim, o sofrimento intensificou-se, por perceber um caminho desconhecido, cujas demandas e obstáculos a serem vencidos eram maiores do que o esperado.

Em famílias com doentes crônicos, o conhecimento adquirido por meio do saber que deve ser complementado pelo saber como para que tenham habilidades de manejar os cuidados(2121.Chesla CA. Nursing ccience and chronic illness: articulating suffering and possibility in family life. J Fam Nurs. 2005;11(4):371-87). No caso dos familiares de Alice, saber que existiriam cuidados a serem realizados pelo resto da vida dela deixou-os temerosos por ainda não terem adquirido informações para saber como realizar esses cuidados e o que esperar dali para a frente.

A necessidade de informação é uma das principais demandas de famílias com doentes crônicos e exige intervenção por parte da enfermagem(2222.Fisher HR. The needs of parents with chronically sick children: a literature review. J Adv Nurs. 2001;36(4):600-7). A revisão de literatura aponta que a aquisição de informação concede aos pais o conhecimento necessário para serem capacitados para o cuidado: conseguem readquirir controle da situação, sentem-se mais aptos a solicitar a parceria da equipe de saúde nas tomadas de decisão quanto ao tratamento. A sensibilização, a capacitação e o treinamento dos profissionais de Enfermagem são essenciais, para que cada família seja avaliada e suas necessidades de informação sejam reconhecidas, gerando um plano de orientações adequado para cada caso em termos de conteúdo e linguagem.


Conviver com o transplante requer das famílias adaptações também em relação a como definem a normalidade em suas vidas, assim como no contexto de demais doenças crônicas. Neste estudo, a família de Alice foi capaz de dizer que vivia uma vida normal a partir do momento em que redefiniu o conceito de normalidade em face da nova realidade que experimentavam. Embora a vida não havia voltado ao que era antes, a família passou a ter algum controle sobre os cuidados, o que a levou a os incorporar à rotina e reformular a experiência de viver com normalidade.


Porém, este controle é frágil. Ao analisar a dinâmica familiar no transplante hepático de crianças e adolescentes, um estudo identificou fatores que têm o potencial de causar incerteza às famílias nessa situação(505 5.Mendes-Castillo AMC, Bousso RS. Não podendo viver como antes: a dinâmica familiar na experiência do transplante hepático da criança. Rev Latino Am Enferm. 2009;17(1):74-80.). Dentre eles estão as consultas médicas de rotina, as variações clínicas mínimas na saúde do filho (ou sintomas corriqueiros), as mudanças no regime terapêutico, as evidências de prognósticos ou resultados negativos em outras crianças, além de mudanças no estágio de desenvolvimento dos filhos. A equipe de Enfermagem deve ter ciência as ameaças o senso de controle das famílias, que muitas vezes são subestimadas pelos profissionais, por serem consideradas coisas mínimas ou usuais. A avaliação e a comunicação terapêutica contínuas com as famílias facilitam a abertura para o diálogo e o planejamento de medidas preventivas, para que a incerteza não ameace a autonomia do sistema familiar.

Outro conceito importante a ser discutido nesse caso é o de transição, ou seja, a forma pela qual as pessoas respondem à mudança no decorrer do tempo(2323.Kralik D, Visentin K, Van Loon A. Transition: a literature review. J Adv Nurs. 2006;55(3):320-9). Os indivíduos passam por um período de transição quando precisam se adaptar a novas situações ou circunstâncias, com o objetivo de incorporar as mudanças em suas vidas. A transição da criança e do adolescente para a idade adulta preocupa quando há uma condição crônica que demanda seguir um regime de tratamento.


Este processo de transição consiste em duas fases diferentes e relevantes a todas as crianças que possuem uma condição crônica(808 8.Annunziato RA, Emre S, Shneider BL, Dugan CA, Aytaman Y, McKay MM, et al. Transitioning health care responsibility from caregivers to patient: A pilot study aiming to facilitate medication adherence during this process. Pediatr Transplant. 2008;12(3):309-15,2323.Kralik D, Visentin K, Van Loon A. Transition: a literature review. J Adv Nurs. 2006;55(3):320-9). Em primeiro lugar, na fase de adolescência, a coordenação do regime de tratamento e a responsabilidade por tomadas de decisão começam a ser transferidas dos pais ao paciente. Segundo, em algum momento, adolescentes e jovens adultos são transferidos das unidades pediátricas para outras que prestam cuidados de saúde a adultos. Tais etapas precisam ser cautelosamente planejadas, pois os adolescentes podem deixar de seguir o regime de tratamento ao adquirir maior controle sobre as decisões.


Os pais frequentemente sentem-se temerosos quanto à capacidade do filho, ao entrar na adolescência, aderir ao tratamento com o mesmo rigor e zelo que o faziam. Algumas pesquisas indicam que adolescentes transplantados tendem a deixar de tomar suas medicações e seguir o tratamento prescrito; os fatores que mais contribuem para isso estão relacionados ao gosto desagradável das medicações, à frequência constante e aos horários rigorosos de administração, ao desejo de ser como os outros adolescentes, além de problemas familiares, depressão e rebeldia(1818.Simons LE, Gilleland J, Blount RL, Amaral S, Berg A, Mee LL. Multidimensional Adherence Classification System: initial development with adolescent transplant recipients. Pediatr Transplant. 2009;13(5):590-8,2424.Bullington P, Pawola L, Walker R, Valenta A, Briars L, John E. Identification of medication non-adherence factors in adolescent transplant recipients: the patient’s viewpoint. Pediatr Transplant. 2007;11(8):914-21).


A transição da responsabilidade pelo cuidado parece ser um desafio ao adolescente, à família e também à equipe, pois barreiras podem levar esse adolescente a deixar de seguir o tratamento, se não forem identificadas e trabalhadas mediante estratégias específicas de intervenção cognitiva e comportamental(2424.Bullington P, Pawola L, Walker R, Valenta A, Briars L, John E. Identification of medication non-adherence factors in adolescent transplant recipients: the patient’s viewpoint. Pediatr Transplant. 2007;11(8):914-21). Para Alice, por exemplo, a dificuldade em seguir as restrições impostas está relacionada à percepção que hoje ela tem de si mesma, que se considera (e deseja ser) normal como as outras adolescentes de sua idade. Para sua mãe, a atitude da filha é entendida como teimosia e imaturidade. Desenvolver estratégias com a equipe multiprofissional que incentivem mãe e filha a compartilhar suas percepções e experiências pode ajudá-las a compreender a perspectiva uma da outra e fornecer subsídios à equipe com o objetivo de direcioná-las para um caminho convergente.

Conclusão

O caso apresenta a experiência de manejo familiar de uma adolescente transplantada. Com base nas definições que a família faz acerca da adolescente, da doença, das suas habilidades para manejo dos cuidados e do apoio que recebe, seu comportamento é moldado para incorporar o transplante ao cotidiano familiar.


Na família de Alice, a diferença de perspectiva entre os pais e a adolescente traz consequências em relação à forma como todos reagem diante do desafio de conviver com o transplante. A transição do cuidado pediátrico para a idade adulta requer cuidados especiais, que devem ser pensados conjuntamente pela família e a equipe tão logo possível, de forma a proporcionar uma transição na qual o paciente sinta-se competente e motivado para assumir seus cuidados.


A identificação dos componentes e das dimensões propostos pelo FMSF são úteis na prática profissional. A utilização desse modelo teórico na avaliação do manejo familiar pode ajudar os profissionais de saúde no planejamento de intervenções específicas a cada família – e deve ser encorajada.


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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    13 Nov 2013
  • Aceito
    03 Abr 2014
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