Acessibilidade / Reportar erro

Governmental surveillance system of healthcare-associated infection in Brazil* * Extraído da dissertação "Sistemas de informação sobre infecção relacionada à assistência à saúde (IRAS): delineando a realidade das regiões sudeste e sul do Brasil", Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2013.

Resumos

Objetivo:Este estudo objetivou descrever a estrutura dos sistemas governamentais de vigilância de Infecções relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) nos Estados do Sudeste e Sul do Brasil. Método: Estudo transversal, descritivo e exploratório, com coleta de dados por meio de duas fases: caracterização das estruturas de assistência à saúde e do sistema de vigilância de IRAS. Resultados: As equipes governamentais para a prevenção e controle de IRAS em cada Estado variou de um a seis membros, tendo pelo menos um enfermeiro. Todos os Estados implantaram um sistema de vigilância próprio. Os sistemas de informação foram classificados em cadeia (n=2), círculo (n=4) e roda (n=1). Conclusão: Foram identificadas variações na estrutura e fluxo de informação dos sistemas governamentais de vigilância, podendo limitar sua uniformização em âmbito nacional. O presente estudo aponta a necessidade de estabelecer requisitos mínimos em políticas públicas para orientar o desenvolvimento dos sistemas de vigilância de IRAS.



Vigilância
; Infecção hospitalar; 
Programas Governamentais





Objective: This study aimed to describe the structure of governmental surveillance systems for Healthcare Associated Infection (HAI) in the Brazilian Southeastern and Southern States. Method: A cross-sectional, descriptive and exploratory study, with data collection by means of two-phases: characterization of the healthcare structure and of the HAI surveillance system. Results: The governmental teams for prevention and control of HAI in each State ranged from one to six members, having at least one nurse. All States implemented their own surveillance system. The information systems were classified into chain (n=2), circle (n=4) or wheel (n=1). Conclusion: Were identified differences in the structure and information flow from governmental surveillance systems, possibly limiting a nationwide standardization. The present study points to the need for establishing minimum requirements in public policies, in order to guide the development of HAI surveillance systems.



Surveillance
; Cross infection
; Government Programs





Objetivo: El presente estudio ha tenido como objetivo describir la estructura de los sistemas gubernamentales de vigilancia de las Infecciones Relacionadas con la Atención a la Salud (IRAS) en Sureste y Sur de Brasil. Método: Estudio transversal, descriptivo y exploratorio, con recolección de datos en dos fases: caracterización de las estructuras de asistencia a la salud y del sistema de vigilancia de las IRAS. Resultados: Los equipos gubernamentales para la prevención y el control de las IRAS en cada Estado variaron de uno a seis miembros, con al menos un enfermero. Todos los Estados implantaron su propio sistema de vigilancia. Los sistemas de información fueron clasificados en cadena (n = 2), círculo (n = 4) y rueda (n = 1). Conclusión: Se han identificado variaciones en la estructura y el flujo de información de los sistemas gubernamentales de vigilancia que pueden limitar su uniformización en ámbito nacional. Este estudio apunta la necesidad de establecer requisitos mínimos en políticas públicas para guiar el desarrollo de los sistemas de vigilancia de las IRAS.



Vigilancia; Infección hospitalaria; Programas de Gobierno




Introdução

A formação de um sistema consistente de vigilância para o monitoramento de infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) é medida essencial para prevenir estes eventos, favorecendo um fidedigno diagnóstico da situação para a formulação de ações eficazes no controle do problema(101 1.Lin MY, Hota B, Khan YM, Woeltje KF, Borlawsky TB, Doherty JA, et al. Quality of traditional surveillance for public reporting of nosocomial bloodstream infection rates. JAMA. 2010;304(18):2035-2041-202 2.Thacker SB, Qualters JR, Lee LM. Public health surveillance in the United States: evolution and challenges. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:3-9).

Desde a década de 70 sistemas de vigilância de IRAS se encontram em processo de construção em diversas regiões ou países do mundo. Cabe destaque aos sistemas norte-americano e dos países europeus, pioneiros deste movimento e que vêm obtendo resultados favoráveis(303 3.Dudeck MA, Horan TC, Peterson KD, Allen-Bridson K, Morrell G, Pollock DA, et al. National Healthcare Safety Network (NHSN) report, data summary for 2010, device-associated module. Am J Infect Control. 2011;39(5):798-816

04 4.Dudeck MA, Horan TC, Peterson KD, Allen-Bridson K, Morrell G, Pollock DA, et al. National Healthcare Safety Network (NHSN) report, data summary for 2009, device-associated module. Am J Infect Control. 2011;39(5):349-67

05 5.Mertens R, Van Den Berg JM, Fabry J, Jepsen OB. HELICS: a European project to standardise the surveillance of hospital acquired infection, 1994-1995. Euro Surveill. 1996;1(4):28-30

06 6.Coello R, Gastmeier P, de Boer AS. Surveillance of hospital-acquired infection in England, Germany, and The Netherlands: will international comparison of rates be possible? Infect Control Hosp Epidemiol. 2001;22(6):393-7

07 7.Gastmeier P. European perspective on surveillance. J Hosp Infect. 2007;65 Suppl 2:159-64
-808 8.Hansen S, Sohr D, Geffers C, Astagneau P, Blacky A, Koller W, et al. Concordance between European and US case definitions of healthcare-associated infections. Antimicrob Resist Infect Control. 2012;1(1):28).

O Brasil, um país de dimensões continentais, é constituído por Estados com autonomia relativa e os princípios organizativos do seu Sistema Único de Saúde (SUS) garantem um processo de descentralização. Assim sendo, diversas iniciativas em busca da concepção de sistemas de vigilância de IRAS podem e estão sendo formadas nos seus Estados. Entretanto, esta é uma realidade ainda parcialmente desconhecida, o que pode gerar a formação de redes desintegradas e individualizadas(909 9.Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011;377(9779):1778-97).

Apesar do processo de desenvolvimento de sistemas governamentais de vigilância de IRAS no cenário mundial, não são encontradas publicações científicas sobre suas características. Deste modo, procurando contribuir com esta área do conhecimento, o presente estudo teve como objetivo caracterizar os sistemas de vigilância de IRAS implantados pelos Estados das regiões Sudeste e Sul do Brasil, procurando entender como estes sistemas estão estruturados e quais as características do fluxo de informação.

Método

Desenho do estudo

Estudo transversal, descritivo e exploratório para caracterização dos sistemas governamentais de vigilância de IRAS implantados pelos Estados das regiões Sudeste e Sul do Brasil. Estas regiões foram selecionadas por concentrarem mais da metade dos serviços de saúde disponíveis no país.

Local e população

As regiões Sudeste e Sul do Brasil possuem sete Estados – quatro no Sudeste e três no Sul. O estudo foi realizado junto a divisão/departamento responsável pelo controle e prevenção de IRAS em cada Secretaria Estadual de Saúde (SES). Foram convidados a participar do estudo cada Coordenador Estadual responsável pelo sistema de vigilância de IRAS nestas regiões. Nenhum dos gestores convidados recusou participar do estudo, o que totalizou sete gestores que concordaram por meio de termo de consentimento livre e esclarecido.

Coleta de dados

O estudo foi desenvolvido em duas partes: I) caracterização das estruturas de assistência à saúde em cada Estado; II) caracterização do sistema de vigilância de IRAS dos Estados.

Um instrumento semiestruturado foi usado para a coleta de dados, que foi submetido a um teste piloto para ajustes em sua estrutura e composição. Este teste aconteceu em uma das SES em estudo, selecionada por conveniência. Fase I: as informações foram obtidas por meio de consulta a dados secundários de acesso público nas páginas eletrônicas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, www.ibge.gov.br) e do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES, cnes.datasus.gov.br), em 04 de junho de 2012. Fase II: os dados foram obtidos por meio de entrevistas com os gestores estaduais dos programas de controle e prevenção de IRAS, no período de junho a agosto de 2012.

Análise de dados

Os dados foram analisados a partir de três principais variáveis: 1) estrutura assistencial em saúde, que incluiu a caracterização do número absoluto e da razão entre população e estabelecimentos de saúde (abrangendo serviços de atenção primária, secundária e terciária); 2) estrutura operacional do serviço estadual de vigilância de IRAS, que inclui a identificação de seus componentes estruturais, como recursos humanos, físicos e organizacionais; 3) caracterização dos sistemas de vigilância de IRAS, com foco nos seus componentes, fluxos de informação e estratégias adotadas para a melhoria contínua. Os sistemas de informação foram classificados em três categorias, segundo seu fluxo de informação: 1) cadeia (no qual a informação é transmitida entre os níveis governamentais sem retroalimentação aos serviços notificantes); 2) círculo (no qual a informação é transmitida através dos níveis governamentais com retroalimentação aos serviços notificantes); 3) roda (no qual a informação é transmitida para um ponto central, por meio de um software, que a retransmite aos diversos níveis governamentais simultaneamente)(1010.Buono AF, Bowditch JL. Elementos de comportamento organizacional. São Paulo: Pioneira; 1992).

A melhoria contínua destes sistemas foi considerada como presente quando se identificou: a existência de processos de manutenção e/ou revisão do sistema para a detecção e correção de erros no procedimento de obtenção de informações; a estruturação de ciclos de auditoria dos dados; e o planejamento e implantação de práticas educacionais direcionadas ao pleno funcionamento o sistema.

Aspectos éticos

O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo com aprovação pelo parecer nº 7887. Um dos Estados exigiu também apreciação de seu comitê, com parecer favorável em 19 de junho de 2012.

Resultados

Estrutura assistencial

As regiões Sudeste e Sul são compostas por sete Estados, que apesar de representarem pouco mais de 17% do território nacional concentram mais de 55% de toda a população do país(909 9.Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011;377(9779):1778-97,1111.Brasil. Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Coordenação de Trabalho e Rendimento. Pesquisa Nacional por amostras de Domicílio: Síntese de Indicadores, 2008. Rio de Janeiro: IBGE; 2009). Os dados obtidos através dos sites governamentais brasileiros demostraram que, além deste elevado quantitativo populacional, estes Estados também possuem um grande número de estabelecimentos de saúde (mais de 65% dos estabelecimentos de saúde brasileiros), administrados principalmente pela esfera privada, o que representa uma complexa estrutura assistencial com elevada concentração de serviços. A razão de estabelecimentos de saúde por população foi verificada, apontando que a oferta destes serviços é desigual nos diferentes Estados (Tabela 1).

Tabela 1
Tabela 1 – Características e aspectos da estrutura assistencial em saúde nos Estados das Regiões Sudeste e Sul do Brasil - São Paulo, 2013

Estrutura operacional dos serviços de vigilância

Três dos sete Estados possuem uma unidade organizacional independente para a vigilância de IRAS; os demais efetuam o manejo epidemiológico das IRAS em conjunto com outras atividades, acumulando funções de outra natureza.

O quadro de recursos humanos dos serviços estaduais variou de um a seis profissionais, e os profissionais que ocupam estas posições foram farmacêuticos, médicos, dentistas, médicos veterinários, enfermeiros e técnicos administrativos. Em todos os Estados houve a presença de pelo menos um enfermeiro nesta equipe.

Sobre os recursos físicos e materiais, três Estados possuem uma área exclusiva para a vigilância de IRAS e quatro compartilham uma mesma área com outros setores. Estão disponíveis em todas as SES equipamento de projeção multimídia e televisores para propósitos educacionais. Apenas três SES possuem profissional para suporte administrativo. O número de computadores variou de um a seis, de acordo com o tamanho da equipe. Somente três SES tem acesso livre à internet; em quatro SES este acesso é restrito. A existência de regimento interno para o serviço foi citada por quatro SES.

Sistemas de Vigilância de IRAS

Métodos de vigilância

Todos os Estados realizam notificações de incidência de IRAS, porém apenas dois utilizam notificações de prevalência. Entre os estabelecimentos de saúde que reportam dados para a SES estão principalmente os hospitais de cuidados agudos, tanto gerais quanto especializados. Além destes serviços, quatro SES mencionam coleta de dados por outros estabelecimentos de saúde: unidades de atendimento misto (atenção básica e especializada), hospitais-dia isolados, pronto socorro geral ou especializado, centro de parto normal e laboratório de saúde pública (informações sobre exames laboratoriais).

Todos as SES monitoram as Infecções Primárias de Corrente Sanguínea associada a Cateter Venoso Central (IPCS/CVC), cuja notificação é recomendada pela Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

Cinco Estados também monitoram Infecção de Trato Urinário associado ao uso de Cateter Vesical de Demora (ITU/CVD), Pneumonia associada à Ventilação Mecânica (PAVM) e Infecção de Sítio Cirúrgico (ISC). Outros indicadores adicionais têm sido utilizados em algumas SES, como: Microrganismos isolados em Infecção Primária de Corrente Sanguínea (dois Estados); Infecção e Colonização por Germes Multirresistentes (um Estado); Consumo de Antimicrobianos (um Estado); Infecção em Parto Normal e Cesárea (um Estado); e indicadores específicos para Instituições de Longa Permanência - Pneumonia, Escabiose e Gastroenterites (um Estado).

Sistemas de Informação

A periodicidade de envio de dados variou entre semanal, mensal ou semestral. Três Estados possuem legislação específica obrigando esta notificação periódica.

Em relação aos meios de transmissão de dados, uma SES refere utilizar formulários impressos; três SES utilizam mídia eletrônica (em duas destas com o envio de planilhas por e-mail e em uma por transmissão direta - sistema online). Nas demais SES a transmissão ocorre através de formulários impressos ou mídia eletrônica (planilhas).

A retroalimentação dos resultados aos hospitais notificantes acontece habitualmente, exceto por duas SES. Em três SES esta resposta acontece por meio de reuniões ou eventos científicos anuais, e nas demais são utilizados formulários impressos ou mídia eletrônica para este fim.

A análise detalhada das características operacionais dos sistemas de informação nos permitiu entender o fluxo de informação em cada SES e, assim, classificá-los de acordo com categorias previamente definidas. Este fluxo de informação foi classificado como círculo em quatro SES, como cadeia em duas SES, e como roda em uma.

Qualidade dos dados

A manutenção periódica ou revisão do sistema foi citada por cinco SES. A frequência deste procedimento destes pode variar em cada SES desde mensal (um), anual (um), ou irregular (três). Na maioria das situações os profissionais das SES são os responsáveis por esta atividade, apenas uma SES terceiriza este método.

Apenas dois Estados realizam auditoria dos dados; contudo, os gestores relataram que esta auditoria representa uma avaliação eventual dos dados informados e discussão com os hospitais participantes dos valores discrepantes, ao invés de um processo sistemático.

O planejamento e execução de práticas educativas focadas no sistema de vigilância são estabelecidos em todas as SES. Estas atividades podem ocorrer por meio de cursos presenciais ou virtuais (webconferências), com periodicidade variável (semestral, anual ou indeterminada), dependendo de cada SES.

Discussão

Este estudo pretende oferecer um ponto de vista crítico para a formação governamental de sistemas de vigilância de IRAS com vistas a uniformização de práticas, trazendo reflexões sobre a relevância deste tema no âmbito da saúde pública. O conhecimento das características destes sistemas podem orientar políticas públicas que favoreçam iniciativas de homogeneização ou unificação de alguns sistemas.

O Estado normalmente desempenha um papel estratégico na qualidade da vigilância de IRAS. É o principal responsável pela estruturação dos recursos mínimos necessários para orientar o planejamento de vigilância, dirigindo ações-chave para a prevenção e controle de IRAS(202 2.Thacker SB, Qualters JR, Lee LM. Public health surveillance in the United States: evolution and challenges. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:3-9,1212.St Louis M. Global health surveillance. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:15-9-1313.Rolka H, Walker DW, English R, Katzoff MJ, Scogin G, Neuhaus E; Centers for Disease Control and Prevention. Analytical challenges for emerging public health surveillance. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:25-9). O sistema de vigilância deve ser planejado de tal forma que permita a integração com outras estruturas governamentais para a promoção de ações conjuntas com eficácia e oportunidade.

As regiões brasileiras aqui estudadas representam grandes áreas territoriais, com intensas variações culturais, estruturais e econômicas, concentrando elevados contingentes populacionais e de estruturas de saúde(909 9.Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011;377(9779):1778-97). Tendo em conta estas características, os Estados brasileiros são, em certa medida, comparáveis a muitos outros países do mundo em termos de complexidade. Além disso, a organização do sistema de saúde brasileiro concede a estes Estados, por meio da descentralização de ações, autonomia para determinar o seu processo de controle de doenças. Portanto, este nível de governo passa a desempenhar um papel como formulador de ações e políticas, o que inclui a prevenção e controle de IRAS. Além deste papel intrínseco na prevenção, o Estado funciona como componente central na articulação de uma rede, composta por instituições públicas e privadas de saúde, municípios, e também pelo nível federal.

É relevante iniciar as discussões sobre qual seria a estrutura mínima para a vigilância governamental de IRAS, tendo em conta a dimensão de cada aparelho estatal. Considerando o caráter multicausal da ocorrência de IRAS, esta estrutura deve ser suficiente para garantir a integração com outras áreas do conhecimento.

Daí a natureza complexa das dimensões técnicas e políticas que determinam a responsabilidade pela estruturação de serviços e equipes para trabalhar com a prevenção e controle de IRAS. No entanto, frente a grande diversidade encontrada, a questão que se coloca é qual seria o aparato mínimo de recursos físicos e humanos para estruturar uma equipe de vigilância de IRAS em nível governamental? Além disto, quais seriam as categorias e competências profissionais necessárias e recomendáveis para a composição destas equipes? Todas as equipes estaduais de prevenção e controle de IRAS incluíram enfermeiros em sua formação. Historicamente, desde os trabalhos de Florence Nightingale, a prática de enfermagem foi amplamente intercalada por atividades de prevenção e controle de infecção(1414.Gill CJ, Gill GC. Nightingale in Scutari: her legacy reexamined. Clin Infect Dis. 2005;40(12):1799-805). Desde então, a vigilância de doenças tem sido intrinsecamente ligada às atividades de enfermagem; apesar disso, neste estudo, o papel dos enfermeiros nos Estados não pode ser distinguido, o que sugere a necessidade de outras investigações.

Normas e padrões consensuais foram publicados recomendando os principais componentes para estruturar um programa eficaz de controle e prevenção de IRAS em nível nacional; apesar disso, estudos específicos discutindo a estrutura mínima para compor estes programas não foram encontrados e estas perguntas continuam sem resposta(1515.Seto WH, Otaíza F, Pessoa-Silva C. Core components for infection prevention and control programs: a world health organization network report. Infect Control Hosp Epidemiol. 2010;31(9):948-50-1616.Moro ML, Jans B, Cookson B, Fabry J. The burden of healthcare-associated infections in European long-term care facilities. Infect Control Hosp Epidemiol. 2010;31 Suppl 1:559-62).

Este estudo revelou diferenças nas características de desenvolvimento dos sistemas de vigilância de IRAS, trazendo à tona a diversidade de posições que ocupa a prevenção de infecção nos Estados. Quanto as semelhanças, estes sistemas possuem em comum a tendência em se espelhar em grandes modelos mundiais, principalmente no modelo norte-americano National Nosocomial Infections Surveillance (NNIS), atualmente incorporado pela National Healthcare Safety Network (NHSN), precursor deste processo e principal referência para o mundo(303 3.Dudeck MA, Horan TC, Peterson KD, Allen-Bridson K, Morrell G, Pollock DA, et al. National Healthcare Safety Network (NHSN) report, data summary for 2010, device-associated module. Am J Infect Control. 2011;39(5):798-816-404 4.Dudeck MA, Horan TC, Peterson KD, Allen-Bridson K, Morrell G, Pollock DA, et al. National Healthcare Safety Network (NHSN) report, data summary for 2009, device-associated module. Am J Infect Control. 2011;39(5):349-67).

Em todo o mundo, a vigilância de IRAS, com poucas exceções, ainda está fortemente focada em coletas de incidência, onde essencialmente são monitorados indicadores de resultados de determinadas topografias infecciosas(1212.St Louis M. Global health surveillance. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:15-9,1717.Drehobl PA, Roush SW, Stover BH, Koo D. Public health surveillance workforce of the future. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:25-9-1818.Bryce EA, Scharf S, Walker M, Walsh A. The infection control audit: the standardized audit as a tool for change. Am J Infect Control. 2007;35(4):271-83). Esta realidade também foi encontrada no contexto brasileiro. Sistemas pioneiros, como sistemas europeus - modelo alemão Krankenhaus Infektions Surveillance System (KISS), avançaram no monitoramento de IRAS, por meio da inclusão de outros indicadores além dos indicadores de resultado, tais como indicadores de processo e de estrutura(606 6.Coello R, Gastmeier P, de Boer AS. Surveillance of hospital-acquired infection in England, Germany, and The Netherlands: will international comparison of rates be possible? Infect Control Hosp Epidemiol. 2001;22(6):393-7-707 7.Gastmeier P. European perspective on surveillance. J Hosp Infect. 2007;65 Suppl 2:159-64,1919.Gastmeier P, Geffers C, Sohr D, Dettenkofer M, Daschner F, Rüden H. Five years working with the German nosocomial infection surveillance system (Krankenhaus Infektions Surveillance System). Am J Infect Control. 2003;31(5):316-21

20.Mannien J, Van den Hof S, Brandt C, Behnke M, Wille JC, Gastmeier P. Comparison of the national surgical site infection surveillance data between The Netherlands and Germany: PREZIES versus KISS. J Hosp Infect. 2007;66(3):224-31
-2121.Nogueira-Junior C, Mello DS, Padoveze MC, Boszczowski I, Levin AS, Lacerda RA. Characterization of epidemiological surveillance systems for healthcare-associated infections (HAI) in the world and challenges for Brazil. Cad Saúde Pública. 2014;30(1):11-20). Outros sistemas, como o holandês Preventie van Ziekenhuisinfecties door Surveillance (PREZIES), também incorporaram estudos anuais de prevalência, sem detrimento dos estudos rotineiros de incidência(606 6.Coello R, Gastmeier P, de Boer AS. Surveillance of hospital-acquired infection in England, Germany, and The Netherlands: will international comparison of rates be possible? Infect Control Hosp Epidemiol. 2001;22(6):393-7-707 7.Gastmeier P. European perspective on surveillance. J Hosp Infect. 2007;65 Suppl 2:159-64,2020.Mannien J, Van den Hof S, Brandt C, Behnke M, Wille JC, Gastmeier P. Comparison of the national surgical site infection surveillance data between The Netherlands and Germany: PREZIES versus KISS. J Hosp Infect. 2007;66(3):224-31

21.Nogueira-Junior C, Mello DS, Padoveze MC, Boszczowski I, Levin AS, Lacerda RA. Characterization of epidemiological surveillance systems for healthcare-associated infections (HAI) in the world and challenges for Brazil. Cad Saúde Pública. 2014;30(1):11-20
-2222.Geubbels EL, Mintjes-de Groot AJ, Van den Berg JM, de Boer AS. An operating surveillance system of surgical-site infections in The Netherlands: results of the PREZIES national surveillance network. Infect Control Hosp Epidemiol. 2000;21(5):311-8). Como vantagem, estudos de prevalência podem beneficiar um olhar complementar, estimulando uma investigação uniforme das topografias infecciosas em todas as unidades de internação e não exclusivamente nas unidades de cuidados intensivos.

Em geral, os sistemas governamentais de vigilância de IRAS têm tanto características em comum quanto características divergentes. A identificação destes aspectos pode ser o primeiro passo para construir um plano de ação para unificá-los, respeitando suas diversidades econômicas e culturais e buscando integrar suas informações(202 2.Thacker SB, Qualters JR, Lee LM. Public health surveillance in the United States: evolution and challenges. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:3-9,1212.St Louis M. Global health surveillance. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:15-9-1313.Rolka H, Walker DW, English R, Katzoff MJ, Scogin G, Neuhaus E; Centers for Disease Control and Prevention. Analytical challenges for emerging public health surveillance. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:25-9).

Para permitir essa unificação potencial entre diferentes sistemas de vigilância as ações desenvolvidas devem ser articuladas, incluindo coleta de dados, formas e meios de transmissão de dados, análise e até mesmo a retroalimentação aos participantes, trazendo eficiência e eficácia ao processo(1212.St Louis M. Global health surveillance. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:15-9-1313.Rolka H, Walker DW, English R, Katzoff MJ, Scogin G, Neuhaus E; Centers for Disease Control and Prevention. Analytical challenges for emerging public health surveillance. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:25-9,2323.Savel TG, Foldy S. The role of public health informatics in enhancing public health surveillance. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:20-4). Sistemas ágeis e amparados por mecanismos de transmissão, como softwares, ou até mesmo planilhas eletrônicas tendem a ser mais eficazes, pela velocidade e confiança em todo o processo de vigilância(1313.Rolka H, Walker DW, English R, Katzoff MJ, Scogin G, Neuhaus E; Centers for Disease Control and Prevention. Analytical challenges for emerging public health surveillance. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:25-9,2323.Savel TG, Foldy S. The role of public health informatics in enhancing public health surveillance. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:20-4). No entanto, somente este aspecto não garante a qualidade do produto final; um mínimo de características padronizadas precisam ser adoptadas de acordo com o que se pretende monitorar.

Além disso, a educação permanente dos alimentadores do sistema é essencial para que os padrões básicos de aquisição de dados sejam atendidos. Esta ação em conjunto com a implementação de outras ferramentas de apoio à qualidade dos dados, tais como a auditoria, são ações fundamentais para melhorias e confiabilidade no processo(1313.Rolka H, Walker DW, English R, Katzoff MJ, Scogin G, Neuhaus E; Centers for Disease Control and Prevention. Analytical challenges for emerging public health surveillance. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:25-9,1818.Bryce EA, Scharf S, Walker M, Walsh A. The infection control audit: the standardized audit as a tool for change. Am J Infect Control. 2007;35(4):271-83). Esta auditoria não deve ser pensada apenas como ações isoladas visando somente a verificação da consistência dos dados. Sua implementação deve ser ampla e educacionalmente planejada através de ciclos de melhoria contínua(2424.Hay A. Audit in infection control. J Hosp Infect. 2006;62(3):270-7). No entanto, nas regiões brasileiras avaliadas, as ações de auditoria de dados ainda são incipientes. Possivelmente isso pode ocorrrer devido às dificuldades de incorporação de atividades de auditoria em um sistema que ainda está passando pelo processo de estruturação.

Agências governamentais devem trabalhar em conjunto com as diversas unidades de saúde, integrando redes eficazes de investigação especializada e acompanhamento permanente. Tanto a confiabilidade dos dados quanto a eficácia do processo de prevenção são dependentes da qualidade desta rede(202 2.Thacker SB, Qualters JR, Lee LM. Public health surveillance in the United States: evolution and challenges. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:3-9,2121.Nogueira-Junior C, Mello DS, Padoveze MC, Boszczowski I, Levin AS, Lacerda RA. Characterization of epidemiological surveillance systems for healthcare-associated infections (HAI) in the world and challenges for Brazil. Cad Saúde Pública. 2014;30(1):11-20).

Conclusão

O Brasil vive um processo relativamente recente de construção de sistemas de vigilância de IRAS em âmbito governamental. O presente estudo pode servir como referência para países que estão também desenvolvendo os seus sistemas de vigilância, ou mesmo regiões que almejam estabelecer sistemas unificados. Apresenta-se também como um modelo de reflexão para a definição do processo de construção governamental de sistemas de vigilância de IRAS.

Agradecimento

Nós agradecemos as pessoas que foram essenciais para que este estudo pudesse ser concretizado: os gestores estaduais de controle e prevenção de IRAS dos Estados das Regiões Sudeste e Sul do Brasil. Este estudo foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), sendo assim totalmente subvencionado por esse, com número de processo 2012/02700-7, com despacho emitido em 09 de maio de 2012.

References

  • 01
    1.Lin MY, Hota B, Khan YM, Woeltje KF, Borlawsky TB, Doherty JA, et al. Quality of traditional surveillance for public reporting of nosocomial bloodstream infection rates. JAMA. 2010;304(18):2035-2041
  • 02
    2.Thacker SB, Qualters JR, Lee LM. Public health surveillance in the United States: evolution and challenges. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:3-9
  • 03
    3.Dudeck MA, Horan TC, Peterson KD, Allen-Bridson K, Morrell G, Pollock DA, et al. National Healthcare Safety Network (NHSN) report, data summary for 2010, device-associated module. Am J Infect Control. 2011;39(5):798-816
  • 04
    4.Dudeck MA, Horan TC, Peterson KD, Allen-Bridson K, Morrell G, Pollock DA, et al. National Healthcare Safety Network (NHSN) report, data summary for 2009, device-associated module. Am J Infect Control. 2011;39(5):349-67
  • 05
    5.Mertens R, Van Den Berg JM, Fabry J, Jepsen OB. HELICS: a European project to standardise the surveillance of hospital acquired infection, 1994-1995. Euro Surveill. 1996;1(4):28-30
  • 06
    6.Coello R, Gastmeier P, de Boer AS. Surveillance of hospital-acquired infection in England, Germany, and The Netherlands: will international comparison of rates be possible? Infect Control Hosp Epidemiol. 2001;22(6):393-7
  • 07
    7.Gastmeier P. European perspective on surveillance. J Hosp Infect. 2007;65 Suppl 2:159-64
  • 08
    8.Hansen S, Sohr D, Geffers C, Astagneau P, Blacky A, Koller W, et al. Concordance between European and US case definitions of healthcare-associated infections. Antimicrob Resist Infect Control. 2012;1(1):28
  • 09
    9.Paim J, Travassos C, Almeida C, Bahia L, Macinko J. The Brazilian health system: history, advances, and challenges. Lancet. 2011;377(9779):1778-97
  • 10
    Buono AF, Bowditch JL. Elementos de comportamento organizacional. São Paulo: Pioneira; 1992
  • 11
    Brasil. Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão; Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Coordenação de Trabalho e Rendimento. Pesquisa Nacional por amostras de Domicílio: Síntese de Indicadores, 2008. Rio de Janeiro: IBGE; 2009
  • 12
    St Louis M. Global health surveillance. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:15-9
  • 13
    Rolka H, Walker DW, English R, Katzoff MJ, Scogin G, Neuhaus E; Centers for Disease Control and Prevention. Analytical challenges for emerging public health surveillance. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:25-9
  • 14
    Gill CJ, Gill GC. Nightingale in Scutari: her legacy reexamined. Clin Infect Dis. 2005;40(12):1799-805
  • 15
    Seto WH, Otaíza F, Pessoa-Silva C. Core components for infection prevention and control programs: a world health organization network report. Infect Control Hosp Epidemiol. 2010;31(9):948-50
  • 16
    Moro ML, Jans B, Cookson B, Fabry J. The burden of healthcare-associated infections in European long-term care facilities. Infect Control Hosp Epidemiol. 2010;31 Suppl 1:559-62
  • 17
    Drehobl PA, Roush SW, Stover BH, Koo D. Public health surveillance workforce of the future. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:25-9
  • 18
    Bryce EA, Scharf S, Walker M, Walsh A. The infection control audit: the standardized audit as a tool for change. Am J Infect Control. 2007;35(4):271-83
  • 19
    Gastmeier P, Geffers C, Sohr D, Dettenkofer M, Daschner F, Rüden H. Five years working with the German nosocomial infection surveillance system (Krankenhaus Infektions Surveillance System). Am J Infect Control. 2003;31(5):316-21
  • 20
    Mannien J, Van den Hof S, Brandt C, Behnke M, Wille JC, Gastmeier P. Comparison of the national surgical site infection surveillance data between The Netherlands and Germany: PREZIES versus KISS. J Hosp Infect. 2007;66(3):224-31
  • 21
    Nogueira-Junior C, Mello DS, Padoveze MC, Boszczowski I, Levin AS, Lacerda RA. Characterization of epidemiological surveillance systems for healthcare-associated infections (HAI) in the world and challenges for Brazil. Cad Saúde Pública. 2014;30(1):11-20
  • 22
    Geubbels EL, Mintjes-de Groot AJ, Van den Berg JM, de Boer AS. An operating surveillance system of surgical-site infections in The Netherlands: results of the PREZIES national surveillance network. Infect Control Hosp Epidemiol. 2000;21(5):311-8
  • 23
    Savel TG, Foldy S. The role of public health informatics in enhancing public health surveillance. MMWR Surveill Summ. 2012;61 Suppl:20-4
  • 24
    Hay A. Audit in infection control. J Hosp Infect. 2006;62(3):270-7
  • *
    Extraído da dissertação "Sistemas de informação sobre infecção relacionada à assistência à saúde (IRAS): delineando a realidade das regiões sudeste e sul do Brasil", Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2013.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2014

Histórico

  • Recebido
    27 Maio 2014
  • Aceito
    11 Jun 2014
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: reeusp@usp.br