Acessibilidade / Reportar erro

Doença Crônica no Idoso: Espiritualidade e Enfrentamento* * Artigo extraído da Dissertação de Mestrado “A Espiritualidade no Manejo da Doença Crônica” apresentada para obtenção do título de Mestre em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem em 2011.

Resumos

Trata-se de um estudo exploratório, com metodologia qualitativa que teve como objetivo identificar e compreender o papel da espiritualidade no manejo da doença crônica do idoso. A análise dos discursos resultou nos seguintes temas centrais: impacto multidimensional da doença crônica, enfrentamento e expectativas dos idosos. Com relação ao enfrentamento da doença crônica, foram analisados o enfrentamento individual, o suporte social e a espiritualidade/religiosidade/fé. Os resultados evidenciaram as mudanças trazidas pelo diagnóstico da doença crônica e suas implicações na adaptação ao novo modo de vida. O manejo destas alterações é complexo e diversos fatores influenciam positivamente e negativamente no modo de lidar com a nova condição. Os resultados mostraram que a espiritualidade/religiosidade/fé interfere de maneira positiva no enfrentamento dos obstáculos e dificuldades da vida, fortalece a resiliência do paciente, melhorando assim, sua qualidade de vida.

Espiritualidade; Doença Crônica; Idoso; Adaptação Psicológica


This is an exploratory study using a qualitative methodology which aimed to identify and understand the role of spirituality in the management of chronic disease in the elderly. The discourse analysis revealed the following central themes: multidimensional impact of chronic diseases, coping and expectations of the elderly. Regarding coping with chronic diseases, the individual coping, social support and religiosity/spirituality/faith were analyzed. The results showed the changes brought about the diagnosis of chronic disease and its implications for the adaptation to the new way of life. The management of these changes is complex and many factors influence positively and negatively in order to deal with the new condition. The results showed that spirituality/religiosity /faith interfere positively in addressing the barriers and difficulties of life, strengthening the resilience of the patient, thus improving their quality of life.

Spirituality; Chronic disease; Elderly; Psychological Adaptation


Se trata de un estudio exploratorio utilizando una metodología cualitativa que tiene como objetivo identificar y comprender el papel de la espiritualidad en la gestión de las enfermedades crónicas en los ancianos. El análisis reveló los siguientes temas centrales: el impacto multidimensional de la enfermedad crónica, afrontamiento y expectativas de las personas mayores. En lo que respecta a hacer frente a las enfermedades crónicas, el duelo individual, el apoyo social y la religiosidad / espiritualidad / fe fueron analizados. Los resultados mostraron los cambios introducidos por el diagnóstico de la enfermedad crónica y sus implicaciones para la adaptación a la nueva forma de vida. La gestión de estos cambios es compleja y muchos factores influyen positiva y negativamente con el fin de hacer frente a la nueva condición. Los resultados mostraron que la religiosidad/espiritualidad/fe interfiere positivamente en el tratamiento de los obstáculos y las dificultades de la vida, fortalecendo la capacidad de recuperación del paciente, mejorando así su calidad de vida.

Espiritualidad; Enfermedad crónica; Anciano; Adaptación psicológica


Introdução

O envelhecimento e a espiritualidade são áreas de interesse multiprofissionais, portanto temas para discussão são encontrados nas áreas mais diversas. As crenças e a espiritualidade pessoais, como componentes da saúde, são conceitos antigos, porém ao mesmo tempo novos e pouco familiares para a equipe de saúde no cotidiano da assistência à saúde(11. Craig C, Weinert C, Walton J, Derwinski-Robinson B. Spirituality, Chronic Illness, and Rural Life. J Holist Nurs. 2006;24(1):27-35.).

Conceitos como espiritualidade, religiosidade, esperança e suporte social acabam se sobrepondo e apesar do uso cotidiano, religiosidade e espiritualidade não são sinônimas sendo que a religiosidade é uma das formas de expressão da espiritualidade.

O mecanismo pelo qual a espiritualidade influencia a saúde e o bem-estar não é claro e a relação entre a espiritualidade e a doença crônica também não é bem compreendida, ainda que pesquisadores e clínicos acreditem que a espiritualidade e a saúde tenham importantes conexões. O que se sabe é que a doença crônica interrompe muitas áreas da vida da pessoa, o que pode gerar depressão, irritabilidade e perda de esperança(22. Oman D, Thoresen CE. Does religion cause Health? Differing interpretations and diverse meanings. J Health Psychol. 2002;7(4):365-380.).

A espiritualidade pode ser utilizada como uma estratégia de enfrentamento para as situações críticas da vida das pessoas, pois pode aumentar o senso de propósito e significado da vida, que são associados à maior resistência ao estresse relacionado às doenças(33. Panzini RG, Rocha NS, Bandeira DR, Fleck MPA. Qualidade de vida e espiritualidade. Rev Psiq Clin. 2007;34(1):105-155.).

As crenças pessoais dão sentido às situações de sofrimento da vida, por exemplo, a doença crônica é mencionada tanto como um “encontro espiritual” quanto como uma experiência física e emocional. A busca por um propósito na vida e a experiência de conectar-se com Deus e com os outros, parece ser uma importante maneira de enfrentar a doença crônica(44. Koenig HG. Suicide in the elderly: Case Discussion. South Med. 2006;99(10):1188.).

Considerando a espiritualidade como parte do conceito de saúde do ser humano e suas repercussões no viver a doença crônica, o presente estudo teve como objetivo identificar e compreender o papel da espiritualidade no manejo da doença crônica do idoso.

Método

Trata-se de um estudo exploratório, de caráter qualitativo. A metodologia qualitativa foi necessária para a compreensão dos resultados subjetivos encontrados na pesquisa. A amostra não aleatória foi composta por 20 idosos atendidos em consulta multidisciplinar em um Instituto especializado no atendimento de idosos do município de São Paulo, Brasil, no ano de 2011. Os critérios de inclusão foram: ter idade igual ou superior a 60 anos, estar ciente e informado de ser portador de doença crônica, apto a comunicar-se verbalmente e estar de acordo com a participação no estudo, independente do sexo.

Para a coleta de dados foi elaborado um formulário correspondente a um roteiro de entrevista semi-estruturada, com o objetivo de apreender o mecanismo da espiritualidade no processo de enfrentamento da doença crônica.

Todos os participantes do estudo foram informados dos objetivos da pesquisa, concordaram com a gravação das entrevistas, sendo garantido o sigilo e anonimato. A participação se deu a partir da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Escola de Enfermagem da USP, instituição promotora do estudo, obedecendo assim às normas da Portaria 196/96 do Conselho Nacional de Saúde brasileiro, que recomenda os preceitos para o desenvolvimento de pesquisas que envolvem seres humanos.

Resultados

Dos discursos resultantes das entrevistas realizadas e de suas leituras repetidas, emergiram os conteúdos de análise, classificados em três temas centrais que revelaram o impacto multidimensional da doença crônica, o enfrentamento e as expectativas dos participantes, sendo estas adotadas como objeto de análise. A partir de cada tema central surgiram unidades temáticas e unidades de registro que podem ser visualizadas no Quadro 1.

QUADRO 1
DISTRIBUIÇÃO DAS UNIDADES DE REGISTRO, UNIDADES TEMÁTICAS E TEMAS CENTRAIS IDENTIFICADOS. SÃO PAULO, 2011.

A doença crônica mais prevalente nos idosos entrevistados foi a HAS, sendo referida por 45% dos entrevistados, seguida do diabetes mellitus prevalente nos discursos dos idosos entrevistados (35%). Para 30% dos participantes do estudo, as mudanças na alimentação impactaram o estilo de vida após o diagnóstico da doença crônica.

Para muitos idosos, 65%, a doença crônica representou a além da diminuição da atividade física, o aumento da dependência para realizar diversas funções, até mesmo atividades básicas de vida diária. Para pacientes que relataram gostar de sair, passear e viajar, ter “ficado doente” representou uma limitação importante, pois os mesmos passaram a depender de familiares para estas atividades.

Em vários discursos (65%) houve demonstrações de ansiedade, angústia e tristeza decorrentes das alterações causadas pela doença. Na amostra do presente estudo, 70% dos idosos eram completamente independentes e mantinham diversas atividades recreativas e laborais sem dificuldade. Em contrapartida, alguns participantes vivenciavam condições de dependência crescentes em decorrência da doença crônica.

Discussão

IMPACTO MULTIDIMENSIONAL DA DOENÇA CRÔNICA

Receber o diagnóstico da doença crônica e adaptar sua vida a doença e tratamento exigem muita força de vontade e determinação do paciente(55. Martins LM, França APD, Kimura, M. Qualidade de vida de pessoas com doença crônica. Rev Lat Am Enfermagem. 1996;4(3):5-18.).

Ao analisar os discursos sob esta ótica, emergiram três unidades temáticas: estilo de vida, impacto emocional e impacto socioeconômico.

Para alguns participantes do estudo, quando questionados, responderam que a doença crônica não provocou mudanças em suas vidas. Estes discursos demonstram a capacidade ativa de adaptação do ser humano às adversidades e traz à luz o conceito de resiliência.

Os indivíduos que durante sua vida passam por dificuldades e obstáculos acabam desenvolvendo esta capacidade de lidar com o impacto psicológico causado pelos momentos críticos e ao envelhecer, consequentemente aumentam sua capacidade de resiliência.

Para 80% dos idosos desta pesquisa seus filhos, netos e companheiros eram os responsáveis por dar sentido à sua vida e, também, a principal fonte de força para lidar com a doença crônica e seu tratamento. Para os idosos participantes deste estudo, os familiares eram responsáveis por ajudar e suprir necessidades de cuidados de suas patologias, mas principalmente suprir necessidades afetivas. Em 20% dos discursos houve relato de pouco ou nenhum contato com seus familiares, atribuído a distância ou falta de interesse.

Alguns participantes do estudo (45%) referiram estar inseridos na comunidade religiosa, comparecendo com a frequência regular a missas, encontros na igreja e etc, outros apesar de ter uma religião declarada, participavam de atividades religiosas de outras religiões, demonstrando o sincretismo religioso brasileiro.

Estilo de vida

Nesta unidade temática identificaram-se duas unidades de registro: alimentação e limitações/agravos.

a) Alimentação

O controle da ingestão de sódio é uma das medidas necessárias para a manutenção dos níveis pressóricos dentro do padrão de normalidade(66. Molina MCB, Cunha RS, Herkenhoff LF, Mill JG. Hipertensão arterial e consumo de sal em população urbana. Rev Saude Pública. 2003;37(6):743-50.).

Os costumes alimentares dependem diretamente da cultura das pessoas, para muitos pacientes, a comida rica em sódio e gorduras é considerada a alimentação adequada, comida “que sustenta” e que a dieta necessária para o controle da doença crônica é uma “comida fraca”, que faz adoecer. Dificultando para o profissional de saúde conseguir aderência a um estilo de alimentação mais saudável e necessário para o controle e tratamento de doenças como diabetes, hipertensão e dislipidemias.

TO aspecto cultural deve ser considerado no planejamento da assistência com objetivo de minimizar a resistência à nova orientação dietética do paciente e facilitar a criação de alternativas para uma reeducação alimentar.

b) Limitações/Agravos

A prática regular de atividade física é importante para prevenção de doenças crônicas não transmissíveis mas, também, para prevenção de agravos decorrentes destas condições para promoção da saúde e qualidade de vida durante o processo de envelhecimento(77. Matsudo SM, Matsudo VKR, Neto TLB. Atividade física e envelhecimento: aspectos epidemiológicos. Rev Bras Med Esporte. 2001;7(1):2-13.).

Segundo pesquisa realizada no Brasil, estima-se que 10% das pessoas acima de 65 anos necessitam de ajuda para realizar alguma atividade básica de autocuidado, e 40% dos brasileiros com esta idade dependem de ajuda para realizar atividades instrumentais de vida diária(88. Barros MBA, César CLG, Carandina L, Torre GD. Desigualdades sociais na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD-2003. Cien Saúde Colet. 2006;11(4):911-926.,99. Karsh UM. Idosos dependentes: famílias e cuidadores. Cad Saúde Pública. 2003;19(3):861-866.).

Para os idosos que experienciavam o declínio de sua capacidade de autocuidado, depender dos familiares causou impacto bastante negativo na qualidade de vida, sendo um fator gerador de angústia e outros sentimentos negativos.

Impacto emocional

A doença crônica e as limitações trazidas pelo adoecimento trouxeram sentimentos negativos e sofrimento emocional para os idosos participantes do estudo.

As doenças crônicas e a diminuição da funcionalidade têm impacto significativo na qualidade de vida dos idosos, pois interrompem a continuidade do estilo de vida e exigem a utilização de métodos de enfrentamento(1010. Rabelo DF, Neri AL. Recursos psicológicos e ajustamento pessoal frente a incapacidade funcional na velhice. Psicol Estud. 2005;10(3):403-412.).

As limitações trazidas pelas doenças crônicas tendem a prejudicar a avaliação feita pelo indivíduo, diminuindo o seu potencial de experienciar a vida de modo positivo(1111. Smith J, Borchelt M, Maier H, Jopp D. Health and well-being in the young and oldest old. Journal of Social Issues. 2002;58(4):715-732.).

Para idosos participantes (30%), as doenças crônicas levaram a quadro de dependência crescente e diminuição importante da autonomia em atividades básicas e complexas de vida diária, isso foi sempre relatado em contexto de sofrimento psicológico, angústia e consequente declínio da qualidade de vida.

Impacto Socioeconômico

Receber o diagnóstico de uma doença crônica e adaptar sua vida a ela pode interferir na situação financeira da família de maneira negativa.

Para alguns participantes do estudo, a doença crônica levou a aposentadoria precoce e para outros idosos a situação financeira impede na realização de atividades de lazer como passeios e viagens.

A aposentadoria representa uma diminuição do padrão de vida, devido à redução dos vencimentos. Gastos com medicamentos e despesas médicas podem tornar-se onerosos para os idosos. No Brasil, estima-se que metade dos idosos tem renda pessoal menor ou igual a um salário mínimo e o gasto médio mensal com medicamentos compromete aproximadamente um quarto da renda (23%) de metade da população idosa brasileira.(12,13)

ENFRENTAMENTO

O enfrentamento (coping) é definido como um conjunto de estratégias utilizadas para lidar e adaptar-se às adversidades da vida(1414. Antoniazzi AS, Dell’Aglio DD, Bandeira DR. O conceito de coping: uma revisão teórica. Estudos de Psicologia. 1998;3(2):273-294.,1515. Savoia MG. Escala de eventos vitais e estratégias de enfrentamento (Coping). Revista de Psiquiatria Clínica. 1999;26(2).).

Neste tema central foram definidas três unidades temáticas: enfrentamento pessoal, suporte social e espiritualidade. Vários participantes do estudo relataram mais de uma estratégia de enfrentamento, o que é esperado quando se enfrenta algum agravo à saúde, porém neste estudo, estes são apresentados separadamente para melhor visualização e análise.

Enfrentamento pessoal

Nesta unidade temática foram analisados os discursos que mostram a força de vontade individual e a crença em si mesmo, entendidas neste estudo como enfrentamento pessoal.

Vários participantes relataram experiências críticas de vida, em que sua própria força de vontade os levou a superação de obstáculos.

É importante valorizar a força interior e a resiliência dos idosos e doentes crônicos em geral. Os profissionais de saúde devem identificar potenciais e déficits do enfrentamento individual de seus pacientes e entender que a resiliência é fundamental para melhor manejo da doença crônica e seus desdobramentos. Pensando além da doença crônica, aqueles que apresentam maior resiliência estão mais preparados para encarar quaisquer situações de crise que podem acontecer na vida de todos os indivíduos e, consequentemente, terão uma melhor qualidade de vida, independente de doenças, perdas e outras situações geradoras de estresse e sentimentos negativos.

Suporte Social

a) Apoio

Na busca da maior abrangência da espiritualidade, uma abordagem foi sobre “o sentido da vida” e a resposta mais recorrente foi: a família.

No contexto atual da alta prevalência de doenças crônicas e da transição epidemiológica, as famílias cada vez mais assumem a responsabilidade dos cuidados a saúde do idoso portador de condições crônicas, arcando com os cuidados até sua recuperação ou quando esta não acontece, com a doença e suas sequelas(1616. Marcon SS, Radovanovic CAT, Waidman MAP, Oliveira MLF, Sales CA. Vivências e reflexões de um grupo de estudos junto às famílias que enfrentam a situação crônica de saúde. Texto Contexto Enferm. 2005;14(Esp):116-124.

17. Oliveira TC, Araújo TL. Mecanismos desenvolvidos por idosos para enfrentar a hipertensão arterial. Rev Esc Enferm USP. 2002;36(3):276-281.
-1818. Silva, LF, Guedes, MVC, Moreira, RP, Souza, ACC. Doença Crônica, o enfrentamento pela família. Acta Paul Enf. 2002;15(1):40-47.).

O envelhecimento e a doença crônica acarretam diversas perdas aos idosos, como a perda de autonomia e diminuição da qualidade de vida. O suporte social do idoso é muito importante para facilitar sua adaptação neste processo de enfrentamento. Os recursos sociais ajudam a proteger os idosos de sentimentos negativos, depressão e estresse(1919. Guedes MTD, Albuquerque FJB, Tróccoli BT, Noriega JAV, Seabra MAB, Guedea RLD. Relação do bem-estar subjetivo, estratégias de enfrentamento e apoio social em idosos. Psicologia: Reflexão e Crítica. 2006;19(2):301-308.

20. Gomes-Villas Boas, LC. Apoio social, adesão ao tratamento e controle metabólico de pessoas com diabetes mellitus tipo 2 [dissertação]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo; 2009.
-2121. Sena RR, Silva KL, Rates HF, Vivas KL, Queiroz CM, Barreto FO. O cotidiano da cuidadora no domicílio: desafios de um fazer solitário. Cogitare Enferm. 2006;11(2):124-132.).

O sentimento de pertencimento para indivíduos inseridos no seio familiar é importante para boa saúde psicológica e qualidade de vida.

Além da família, o suporte social pode ser oferecido por amigos e colegas de atividades como grupos de terceira idade e promove sentimentos positivos, constituindo-se, também, como uma estratégia de enfrentamento(2222. Trentini M, Silva SH, Valle ML, Hammersdmidt KSA. Enfrentamento de situações adversas e favoráveis por pessoas idosas em condições crônicas. Rev. Lat. Am. Enfermagem. 2005; 13(1):38-45. ).

Infelizmente muitos idosos não dispõem de uma rede de suporte social mínima, e acabam sofrendo com o abandono e distância dos familiares.

b) Abandono

A família é o primeiro referencial de socialização do idoso, quando há ausência ou rompimento dessa inserção, o idoso sente-se ignorado, desvalorizado, excluído. Esta relação depende primordialmente dos vínculos que foram estabelecidos durante a vida e da força destas relações(2323. Herédia VBM, Cortelletti IA, Casara MB. Abandono na velhice. Textos Envelhecimento 8(3), 2005.).

Espiritualidade

A espiritualidade se manifesta na vida do ser humano de infinitas maneiras que podem variar de acordo com idade, religião, cultura e estado de saúde. Para a compreensão do papel da espiritualidade na vida dos idosos participantes do estudo, todos os relatos foram considerados em sua integralidade, não restringindo a análise apenas a temas relacionados à saúde.

O conceito de espiritualidade utilizado nesta pesquisa foi o da espiritualidade enquanto o sentido da vida(2424. Hunter JC. O monge e o executivo. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.) Os participantes responderam à pergunta: O que dá sentido à sua vida? E a partir destas respostas analisamos os conteúdos e os definimos nas unidades de registro a seguir.

Para a análise deste tema central foram definidas três unidades de registro: espiritualidade aumentada, espiritualidade conservada e espiritualidade diminuída.

a) Espiritualidade aumentada

Nos discursos resultantes das entrevistas, a espiritualidade apareceu em situações críticas de agravos à saúde, ajudando o indivíduo a ter serenidade e otimismo. Em momentos como a morte de um ente querido, rompimentos, doenças e limitações, a espiritualidade colabora para o crescimento e amadurecimento do ser humano(2222. Trentini M, Silva SH, Valle ML, Hammersdmidt KSA. Enfrentamento de situações adversas e favoráveis por pessoas idosas em condições crônicas. Rev. Lat. Am. Enfermagem. 2005; 13(1):38-45. ,2525. Batista PSS. A espiritualidade na prática do cuidar do usuário do Programa Saúde da Família, com ênfase na educação popular em saúde. Revista APS. 2007;10(1):74-80.).

Em situações de doença, dor e terminalidade, outros questionamentos são feitos pelos pacientes, como “por que comigo?”, “o que acontecerá após a minha morte?”, e é através de suas crenças pessoais que o indivíduo consegue serenidade para lidar com a ausência das respostas e esperança e otimismo para enfrentar a doença. Para participantes deste estudo, estas crenças foram geradoras de sentimentos de alívio. (2626. Nascimento LC, Rocha SMM, Hayes VH, Lima AG. Crianças com câncer e suas famílias. Rev. Esc. Enferm. USP. 2005;39(4):469-474.,2727. Puchalski C. Spirituality in health: the role of spirituality in critical care. Crit Care Clin. 2004;20:487-504.).

A espiritualidade é uma forma de significar a perda e desta maneira as crenças pessoais auxiliam no enfrentamento do sofrimento e aceitação da morte. Ter um “bom relacionamento” com Deus ou ser superior, independente da religião praticada pelo indivíduo, favorece o entendimento do sofrimento humano.(28,29)

A espiritualidade tem um grande potencial de aliviar o sofrimento de situações de conflito como as relatadas pelos pacientes desta pesquisa, nem sempre a relação entre a saúde física e emocional e as crenças individuais é identificada e valorizada pelos profissionais de saúde na clínica cotidiana, apesar dos inúmeros benefícios que vem sendo discutidos na academia.

b) Espiritualidade conservada

Para a análise, considerou-se a espiritualidade conservada nos idosos que relataram ser a fé em Deus e a espiritualidade o sentido de sua vida e não a buscaram apenas em momentos críticos.

O impacto do enfrentamento de situações críticas acontece quando a espiritualidade do indivíduo faz parte de seus valores, ideais e crenças mais íntimos, e assim, é aplicada em seu cotidiano.

Além da espiritualidade, o ato de rezar ou orar pode mobilizar energias positivas para o processo de enfrentamento e manejo da doença. A prática de fazer orações é benéfica de diversas maneiras e além de pedidos a Deus, muitas vezes são feitas orações de agradecimento, gerando sentimentos de gratidão pela vida, pela saúde, família e etc(3030. Rocha ACAL. A Espiritualidade no manejo da doença crônica do idoso [dissertação]. São Paulo: Escola de Enfermagem. Universidade de São Paulo; 2011.).

Independente da religião referida, os idosos que têm uma boa relação com um “ser superior” têm maior resiliência para enfrentar obstáculos da vida e situações de sofrimento, vendo a vida de maneira mais positiva e otimista.

c) Espiritualidade diminuída

A espiritualidade e a religiosidade não necessariamente estão presentes na vida das pessoas, as crenças, os valores e ideais são aspectos muito íntimos e dependem da percepção que cada indivíduo tem de sua vida e do ambiente a sua volta.

Na amostra do presente estudo, não houve nenhum participante que não fosse pertencente a nenhuma religião ou que não acreditasse na existência de Deus. Apesar disso, houve discursos em que a fé não foi citada como um mecanismo positivo para o enfrentamento de dificuldade e não atribuíam benefícios a sua fé.

EXPECTATIVAS

Quando falamos do sentimento de esperança e otimismo gerados pelos mecanismos de enfrentamento anteriormente discutidos, observou-se como resultado deste estudo que as expectativas com relação ao tratamento e a família e satisfação pessoal são parte do manejo da doença crônica para os idosos participantes da pesquisa.

Expectativas quanto à saúde

Expectativas de melhorias com o tratamento, a esperança e continuar vivendo estiveram presentes nos discursos dos participantes. Para um dos participantes acreditar que Deus iria curá-lo fazia com que o mesmo não aderisse ao tratamento cirúrgico prescrito. Para vários outros participantes as melhoras decorrentes do tratamento para a patologia eram motivos para melhor satisfação com a vida.

Valorizar o tratamento e as melhoras decorrentes deste é importante para que o portador da doença crônica tenha uma boa adesão às mudanças de estilo de vida necessárias para o controle da patologia(2222. Trentini M, Silva SH, Valle ML, Hammersdmidt KSA. Enfrentamento de situações adversas e favoráveis por pessoas idosas em condições crônicas. Rev. Lat. Am. Enfermagem. 2005; 13(1):38-45. ) Experienciar a melhora de sintomas, como a dor, por exemplo, é um dos principais fatores que favorecem a aderência ao tratamento medicamentoso do paciente.

Expectativas quanto ao sentido da vida

No discurso de alguns participantes do estudo (15%), as expectativas que os idosos possuíam foram citadas como o sentido de suas vidas. Para muitos deles ver o sucesso de descendentes era motivo de grande satisfação com a vida.

O ciclo de vida familiar é permeado por diversas expectativas, é esperado que os pais tenham expectativas para o futuro dos filhos. Ocasionalmente e, dependendo da estrutura emocional da família, a doença crônica impacta negativamente estes planos.

Para alguns participantes do estudo, o ato de ajudar os familiares, o próximo, fazer caridade e trabalhos voluntários foi referido como parte do sentido da vida e expectativa importante para o futuro.

De inúmeras maneiras a espiritualidade/religiosidade/fé interfere de maneira positiva no enfrentamento dos obstáculos e dificuldades da vida e fortalecem a resiliência, melhorando sua qualidade de vida e o controle de sua doença crônica. Os profissionais de saúde devem ter atenção para incentivar e promover medidas de educação e responsabilização do tratamento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

For professionals working in public health to obtain the patient’s adherence to treatment and re-educate them to a healthy lifestyle is a constant challenge. Brazil is a country of continental dimensions, where migrations are intense and, consequently, the culture becomes mixed, as its population. The cultural context of the chronic patient interferes directly in relation with the disease and treatment.

The cultural context, beliefs and values influence patient adherence or non-adherence to treatment for chronic disease. The chronic disease causes significant impact on the lifestyle of the patient and requires an active effort so that the management of this new condition is effective.

In this study, subjectivity present in the impact of the diagnosis of chronic disease and ways of coping used by patients became evident.

Numerous contents of the discourses of the participants emerged, but despite its classification as central themes, thematic units and units of record, all categories are interrelated when reported by the elderly, highlighting the subjective nature of the topic, in which feelings, expectations and anxieties mix in the context of the participant.

Having a chronic disease changed the lifestyle of study participants, requiring changes in diet and bringing limitations and aggravation that have undermined the autonomy of the elderly, implying negative feelings in performing basic and instrumental activities of daily living. This impact on independence of patients related to the emotional aspect of these elderly, because for most of them, dealing with the limitations resulting from chronic diseases was a factor that generated suffering, anguish and sadness, having significant negative impact on quality of life.

The main aspect to be considered is coping with limitations and control of chronic disease. The data revealed an individual way of coping, in which the inner strength of patients stimulates self-care and accountability for the management of pathology.

From the perspective of the concept of spirituality as giving “meaning to life”, the family was reported as the meaning of existence for many participants in the study, highlighting the importance of the presence of family members in the social context of the elderly, patients with or without chronic disease.

Social support from family and friends favors patients when facing difficulties, because it is finding meaning to life that the elderly overcome critical moments and without this kind of belief, suffering and existence does not make sense. Unfortunately, elderly do not always have this kind of family support and end up suffering from abandonment.

Following the idea of “meaning of life”, the analysis of conserved spirituality, we considered the elderly who reported their beliefs as the meaning of their existence and have not sought faith or just more intensely in times of difficulties. Participants who reported regular participation at Masses, worship and religious gatherings also obtained benefits of social support received by living in these environments.

Beyond spirituality, praying mobilizes positive energies for the coping process, prayers of thanksgiving promote feelings of gratitude for life and generate positive feelings of well-being and relaxation. Belonging to a particular religion is not what defines the benefits or losses of spirituality, while having a “good relationship with a Higher entity of their belief is what strengthens the resilience of the elderly.

Although all participants declare themselves belonging to a religion, for some study participants, faith offered no benefits in coping, and religious practice did not promote social interactions and social support.

Regarding expectations in health, God appears with the health provider and He is cited as the most important aspect of life. For these patients, faith helps in treatment adherence and practice of self-care. The act of helping families, helping others, to practice charity and volunteer work have also been referred to as part of the meaning of life, and important expectation for the future.

Health teams engaged in assisting elderly people with chronic diseases should have the sensitivity to understand the elderly within their cultural context and facilitate understanding and accountability of the patient and their condition.

The definitions of spirituality become large when analyzing the subject in this light, broad approaches regarding this theme may also be conducted by nursing and the health professional in general. Studies with spirituality in Brazil are gaining ground in scientific field and should be taken into clinical practice in order to ensure a holistic care to our patients, regardless of disease, chronic or acute, and regardless of age, from children to elderly.

References

  • 1
    Craig C, Weinert C, Walton J, Derwinski-Robinson B. Spirituality, Chronic Illness, and Rural Life. J Holist Nurs. 2006;24(1):27-35.
  • 2
    Oman D, Thoresen CE. Does religion cause Health? Differing interpretations and diverse meanings. J Health Psychol. 2002;7(4):365-380.
  • 3
    Panzini RG, Rocha NS, Bandeira DR, Fleck MPA. Qualidade de vida e espiritualidade. Rev Psiq Clin. 2007;34(1):105-155.
  • 4
    Koenig HG. Suicide in the elderly: Case Discussion. South Med. 2006;99(10):1188.
  • 5
    Martins LM, França APD, Kimura, M. Qualidade de vida de pessoas com doença crônica. Rev Lat Am Enfermagem. 1996;4(3):5-18.
  • 6
    Molina MCB, Cunha RS, Herkenhoff LF, Mill JG. Hipertensão arterial e consumo de sal em população urbana. Rev Saude Pública. 2003;37(6):743-50.
  • 7
    Matsudo SM, Matsudo VKR, Neto TLB. Atividade física e envelhecimento: aspectos epidemiológicos. Rev Bras Med Esporte. 2001;7(1):2-13.
  • 8
    Barros MBA, César CLG, Carandina L, Torre GD. Desigualdades sociais na prevalência de doenças crônicas no Brasil, PNAD-2003. Cien Saúde Colet. 2006;11(4):911-926.
  • 9
    Karsh UM. Idosos dependentes: famílias e cuidadores. Cad Saúde Pública. 2003;19(3):861-866.
  • 10
    Rabelo DF, Neri AL. Recursos psicológicos e ajustamento pessoal frente a incapacidade funcional na velhice. Psicol Estud. 2005;10(3):403-412.
  • 11
    Smith J, Borchelt M, Maier H, Jopp D. Health and well-being in the young and oldest old. Journal of Social Issues. 2002;58(4):715-732.
  • 12
    IBGE. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 1998. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Rio de Janeiro: IBGE.
  • 13
    Lima-Costa MF, Barreto SM, Giatti L. Condições de saúde, capacidade funcional, uso de serviços de saúde e gastos com medicamentos da população idosa brasileira: um estudo descritivo baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Cad Saúde Pública. 2003;19(3):735-743.
  • 14
    Antoniazzi AS, Dell’Aglio DD, Bandeira DR. O conceito de coping: uma revisão teórica. Estudos de Psicologia. 1998;3(2):273-294.
  • 15
    Savoia MG. Escala de eventos vitais e estratégias de enfrentamento (Coping). Revista de Psiquiatria Clínica. 1999;26(2).
  • 16
    Marcon SS, Radovanovic CAT, Waidman MAP, Oliveira MLF, Sales CA. Vivências e reflexões de um grupo de estudos junto às famílias que enfrentam a situação crônica de saúde. Texto Contexto Enferm. 2005;14(Esp):116-124.
  • 17
    Oliveira TC, Araújo TL. Mecanismos desenvolvidos por idosos para enfrentar a hipertensão arterial. Rev Esc Enferm USP. 2002;36(3):276-281.
  • 18
    Silva, LF, Guedes, MVC, Moreira, RP, Souza, ACC. Doença Crônica, o enfrentamento pela família. Acta Paul Enf. 2002;15(1):40-47.
  • 19
    Guedes MTD, Albuquerque FJB, Tróccoli BT, Noriega JAV, Seabra MAB, Guedea RLD. Relação do bem-estar subjetivo, estratégias de enfrentamento e apoio social em idosos. Psicologia: Reflexão e Crítica. 2006;19(2):301-308.
  • 20
    Gomes-Villas Boas, LC. Apoio social, adesão ao tratamento e controle metabólico de pessoas com diabetes mellitus tipo 2 [dissertação]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo; 2009.
  • 21
    Sena RR, Silva KL, Rates HF, Vivas KL, Queiroz CM, Barreto FO. O cotidiano da cuidadora no domicílio: desafios de um fazer solitário. Cogitare Enferm. 2006;11(2):124-132.
  • 22
    Trentini M, Silva SH, Valle ML, Hammersdmidt KSA. Enfrentamento de situações adversas e favoráveis por pessoas idosas em condições crônicas. Rev. Lat. Am. Enfermagem. 2005; 13(1):38-45.
  • 23
    Herédia VBM, Cortelletti IA, Casara MB. Abandono na velhice. Textos Envelhecimento 8(3), 2005.
  • 24
    Hunter JC. O monge e o executivo. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.
  • 25
    Batista PSS. A espiritualidade na prática do cuidar do usuário do Programa Saúde da Família, com ênfase na educação popular em saúde. Revista APS. 2007;10(1):74-80.
  • 26
    Nascimento LC, Rocha SMM, Hayes VH, Lima AG. Crianças com câncer e suas famílias. Rev. Esc. Enferm. USP. 2005;39(4):469-474.
  • 27
    Puchalski C. Spirituality in health: the role of spirituality in critical care. Crit Care Clin. 2004;20:487-504.
  • 28
    Araújo MMT. Quando “uma palavra de carinho conforta mais que um medicamento”: necessidades e expectativas de pacientes sob cuidados paliativos [dissertação]. São Paulo: Escola de Enfermagem. Universidade de São Paulo; 2006.
  • 29
    Elias ACA, Giglio JS. Sonhos e vivências de natureza espiritual relacionados à fase terminal. Mudanças – Psicologia da Saúde. 2002;10(17):83-106.
  • 30
    Rocha ACAL. A Espiritualidade no manejo da doença crônica do idoso [dissertação]. São Paulo: Escola de Enfermagem. Universidade de São Paulo; 2011.
  • *
    Artigo extraído da Dissertação de Mestrado “A Espiritualidade no Manejo da Doença Crônica” apresentada para obtenção do título de Mestre em Ciências pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem em 2011.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2014
  • Aceito
    16 Jul 2014
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: reeusp@usp.br