Acessibilidade / Reportar erro

Representação social da violência doméstica contra a mulher entre Técnicos de Enfermagem e Agentes Comunitários* * Extraído da dissertação "Representações de Técnicos de Enfermagem e Agentes Comunitários acerca da violência doméstica contra a mulher", Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande, 2014.

Resumos

OBJETIVO

Analisar as representações sociais dos Técnicos de Enfermagem e Agentes Comunitários de Saúde acerca da violência doméstica contra a mulher.

MÉTODO

Estudo qualitativo desenvolvido no Município do Rio Grande, RS, cujas evocações e entrevistas foram colhidas entre os meses de julho a novembro de 2013. Para o tratamento dos dados utilizou-se o software EVOC 2005 e a análise de contexto.

RESULTADOS

Percebeu-se que se trata de uma representação estruturada, cujo núcleo central contém elementos conceituais, imagéticos e atitudinais, sendo eles abuso, agressão, agressão física, covardia e falta de respeito. Tais termos fizeram-se presentes no contexto das entrevistas. Os profissionais reconheceram que a violência não se limita a aspectos físicos e expressaram julgamento frente aos atos do agressor.

CONCLUSÃO

Acredita-se que este conhecimento possibilite a problematização do fenômeno estudado com a equipe, bem como facilite a busca de estratégias de prevenção e intervenção junto às vítimas, agressores e gestores dos serviços de saúde.

Violência Contra a Mulher; Violência Doméstica; Agentes Comunitários de Saúde; Papel do Profissional de Enfermagem; Cuidados de Enfermagem


OBJECTIVE

To analyze the social representations of the Nursing Technicians and Community Health Agents about domestic violence against women.

METHOD

A qualitative study carried out in the city of Rio Grande, RS, in which evocations and interviews were collected between July and November 2013. For the treatment of data were used the EVOC 2005 software and the context analysis.

RESULT

It is a structured representation, in which the central nucleus contains conceptual, imaging and attitudinal elements, namely: abuse, aggression, physical aggression, cowardice and lack of respect. Such terms were present in the context of the interviews. The professionals acknowledged that violence is not limited to physical aspects and were judgemental about the acts of the aggressor.

CONCLUSION

This knowledge may enable the problematization of the studied phenomenon with the team, and facilitate the search for prevention and intervention strategies for victims, offenders and managers of health services.

Violence Against Woman; Domestic Violence; Community Health Workers; Nurse's Role; Nursing Care


OBJETIVO

Analizar las representaciones sociales de los Técnicos de Enfermería y Agentes Comunitarios de Salud acerca de la violencia doméstica contra la mujer.

MÉTODO

Estudio cualitativo desarrollado en el Municipio de Rio Grande, RS, cuyas evocaciones y entrevistas fueron recogidas entre los meses de julio y noviembre de 2013. Para el tratamiento de los datos se utilizó el software EVOC 2005 y el análisis de contexto.

RESULTADOS

Se advirtió que se trata de una representación estructurada, cuyo núcleo central contiene elementos conceptuales, de imagen y de actitud, que son el abuso, la agresión, la agresión física, la cobardía y la falta de respeto. Dichos términos estuvieron presentes en el marco de las entrevistas. Los profesionales reconocieron que la violencia no se limita a los aspectos físicos, y expresaron su juicio ante los actos del agresor.

CONCLUSIÓN

Se cree que ese conocimiento posibilite la problematización del fenómeno estudiado con el equipo, así como facilite la búsqueda de estrategias de prevención e intervención junto a las víctimas, agresores y gestores de los servicios de salud.

Violencia Contra la Mujer; Violencia Doméstica; Agentes Comunitarios de Salud; Rol de la Enfermera; Atención de Enfermería


Introdução

O fenômeno social da violência doméstica contra a mulher (VDCM) tem sido enfrentado como um problema universal pelo seu impacto nas áreas econômicas, sociais, educacionais e da saúde. A ocorrência de tal fenômeno e as consequências que suscita para vítimas e agressores chamam a atenção dos meios de comunicação, pesquisadores, entidades, órgãos públicos e jurídicos. Nesse sentido, a Organização Mundial da Saúde revela que a violência perpetrada pelo parceiro íntimo é a forma mais comum, atingindo mundialmente cerca de 30% das mulheres(1World Health Organization. WHO report highlights violence against women as a 'global health problem of epidemic proportions' [Internet]. Geneva; 2013 [cited 2013 Oct 14]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/news/releases/2013/violence_against_women_20130620/en/
http://www.who.int/mediacentre/news/rele...
).

Somente na África, a violência sexual por parceiro íntimo chega a 45,6%, e no sudeste da Ásia, a 40,2%(1World Health Organization. WHO report highlights violence against women as a 'global health problem of epidemic proportions' [Internet]. Geneva; 2013 [cited 2013 Oct 14]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/news/releases/2013/violence_against_women_20130620/en/
http://www.who.int/mediacentre/news/rele...
). No ranking internacional de homicídios de mulheres, entre os anos de 2006 e 2010, os Estados Unidos da América (EUA) ocupam o 24º lugar e a França, o 68º, ao passo que o Brasil é o 7º colocado(2Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2012. Atualização: homicídio de mulheres no Brasil [Internet]. São Paulo: FLACSO; 2012 [citado 2013 out. 14]. Disponível em: http://mapadaviolencia.org.br/pdf2012/MapaViolencia2012_atual_mulheres.pdf
http://mapadaviolencia.org.br/pdf2012/Ma...
). Destaca-se que neste último, desde 2006, vigora a Lei nº 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, que visa coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher(3Brasil. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher [Internet]. Brasília; 2006 [citado 2013 out. 14]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
). O mapa da violência, publicado em 2012, revela que entre os anos de 1980 e 2010 o número de feminicídios no Brasil passou de 1.353 para 4.297, o que corresponde a um aumento de 217,6%. Esse ranking é liderado pelo Espírito Santo, estado onde a taxa é de 9,8 assassinatos para cada 100.000 mulheres, seguido de Alagoas com 8,3 e do Paraná com 6,4. O documento revela ainda que 71,8% dos incidentes ocorreram na própria residência da vítima(2Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2012. Atualização: homicídio de mulheres no Brasil [Internet]. São Paulo: FLACSO; 2012 [citado 2013 out. 14]. Disponível em: http://mapadaviolencia.org.br/pdf2012/MapaViolencia2012_atual_mulheres.pdf
http://mapadaviolencia.org.br/pdf2012/Ma...
). Pesquisa realizada com gestantes revelou que, das 1.120 mulheres registradas no Programa de Saúde da Família, 25,3% relataram algum episódio de violência física com o parceiro atual ou o mais recente durante a atual gravidez(4Silva RA, Araujo TVB, Valongueiro S, Ludermir AB. Facing violence by intimate partner: the experience of women in an urban area of Northeastern Brazil. Rev Saúde Pública. 2013;46(6):1014-22.).

Embora significativos, acredita-se que esses dados não expressem a magnitude do problema, pois inúmeros são os motivos que mantêm os atos violentos restritos ao lar. Por vezes, amigos, familiares, vizinhos e a própria vítima naturalizam a violência doméstica contra a mulher, não a reconhecendo como tal.

Assim, para uma possível desnaturalização da violência doméstica contra a mulher, vislumbram-se as Unidades de Saúde da Família (USF) como aliadas na identificação e no combate a esse fenômeno que afeta a saúde da mulher. Tais unidades contam com uma equipe mínima composta por Enfermeiros, Médicos, Técnicos de Enfermagem (TE) e Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Um estudo realizado com ACS identificou que eles apontaram o vínculo, a escuta e o diálogo com a vítima de violência como ferramentas essenciais para a atenção às necessidades delas(5Hesler LZ, Costa MC, Resta DG, Colomé ICS. Violence against women in the perspective of community health agents. Rev Gaúcha Enferm. 2013;34(1):180-6.). No entanto, a demanda e o limitado número de profissionais são apontados como dificuldades para o alcance desse intento.

O número de TE e ACS nas equipes é superior ao dos demais profissionais, o que lhes possibilita atender mais famílias e manter com elas um contato mais próximo. São exigidos dos TE e ACS, respectivamente, curso técnico e ensino médio, o que os diferencia dos demais membros da equipe, que devem possuir o ensino superior, e que pode gerar representações diferentes sobre o fenômeno estudado. Entre as atribuições dos ACS figura a realização rotineira de ações domiciliares e comunitárias, as quais possibilitam o conhecimento da intimidade dos lares(6Brasil. Lei n. 11.350, de 5 de outubro de 2006. Regulamenta o § 5o do art. 198 da Constituição, dispõe sobre o aproveitamento de pessoal amparado pelo parágrafo único do art. 2o da Emenda Constitucional no 51, de 14 de fevereiro de 2006, e dá outras providências [Internet]. Brasília; 2006 [citado 2013 out. 14]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11350.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
). Esse conhecimento pode ser identificado em um estudo acerca da violência contra mulheres rurais, no qual os profissionais de saúde, dentre eles os ACS, centralizaram sua representação social, principalmente, nos termos medo, álcool e sobrecarga de trabalho da mulher(7Costa MC, Lopes MJM, Soares JSF. Social representations of violence against rural women: unveiling senses in multiple views. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(2):213-21.). Os TE também podem realizar a visita domiciliar e envolver-se com questões problemáticas do espaço doméstico. Ambos fazem a ponte entre a família e a USF, de forma que a proximidade e o convívio podem facilitar a detecção da violência doméstica contra a mulher em suas diferentes formas.

Sabe-se que a representação social é uma forma de conhecimento, construída e compartilhada socialmente, que tem um objetivo prático e contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social(8Jodelet D. As representações sociais. Rio de Janeiro: Ed. UERJ; 2001.). Pressupõe-se que muitos profissionais representam a violência doméstica contra a mulher apenas como aquela que deixa marcas físicas, representando as demais formas como manifestação de ciúme ou uma simples discussão de casal. Pressupõe-se ainda que as representações sociais de TE e ACS acerca da violência doméstica contra a mulher possam influenciar no cuidado prestado às vítimas, bem como na elaboração de estratégias preventivas e de intervenção junto à vítima e ao agressor. Desenvolveu-se o presente estudo com o objetivo de analisar as representações sociais dos TE e ACS acerca da violência doméstica contra a mulher.

Para tanto, adotou-se como fundamentação a abordagem estrutural da Teoria das Representações Sociais. Essa abordagem, também conhecida como a Teoria do Núcleo Central, foi proposta por Jean-Claude Abric em 1989(9Abric JC. A abordagem estrutural das representações sociais. In: Moreira ASP, Oliveira DC, organizadoras. Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia: AB; 1998. p. 27-38.), a qual entende que a representação social se organiza em torno de um Núcleo Central (NC), estável e resistente a mudanças. Como complementos indispensáveis ao NC, estão os elementos de primeira e segunda periferias e os elementos de contraste(9Abric JC. A abordagem estrutural das representações sociais. In: Moreira ASP, Oliveira DC, organizadoras. Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia: AB; 1998. p. 27-38.).

Método

Estudo qualitativo, desenvolvido em 19 USF do Município do Rio Grande/RS, Brasil, sendo 12 localizadas na área urbana e sete na rural. Essas unidades contam com 40 TE e 178 ACS.

A coleta de dados foi efetuada de julho a novembro de 2013, por meio das técnicas de evocações livres e entrevistas em profundidade. Na primeira participaram 154 profissionais, sendo 39 TE e 115 ACS; excluíram-se os que estavam de licença ou férias e os que recusaram o convite. Empregou-se a técnica de evocação ou associação livre, solicitando-se aos participantes que evocassem cinco palavras ou expressões frente ao termo indutor violência doméstica contra a mulher. Essa técnica possibilita evidenciar o verdadeiro significado do objeto estudado de maneira mais rápida, espontânea e dinâmica que os demais métodos(9Abric JC. A abordagem estrutural das representações sociais. In: Moreira ASP, Oliveira DC, organizadoras. Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia: AB; 1998. p. 27-38.).

Das entrevistas participaram 39 profissionais, sendo 12 TE e 27 ACS. Entre os estudiosos das representações sociais há o consenso de que 30 é o quantitativo mínimo para se recuperar, por meio de entrevistas, as representações em um grupo(1010 Santos EI, Gomes AMT,. Oliveira DC Representations of vulnerability and empowerment of nurses in the context of HIV/AIDS. Texto Contexto Enferm. 2014; 23(2):408-16.). Para selecionar as USF onde as entrevistas deveriam ser efetuadas, elaborou-se um mapa com a localização geográfica de cada unidade. Usando como critério a proximidade entre as USF, dividiu-se o referido mapa em quatro áreas na zona urbana, que agregaram 12 USF, e seis áreas na rural, que agregaram sete USF. A distância entre essas unidades impediu maior agrupamento. Acreditando-se que da proximidade resultem representações sociais semelhantes, optou-se por selecionar uma USF por área delineada, ou seja, quatro USF urbanas e seis rurais. Dessas unidades convidou-se, no mínimo, um TE e dois ACS para a entrevista.

O roteiro de entrevista contou com questões abertas que possibilitaram apreender a percepção geral, profissional e pessoal, acerca da violência doméstica contra a mulher. Quanto ao âmbito profissional, resgataram-se práticas de cuidado voltadas a pacientes vitimadas, bem como aos aspetos éticos e legais desse atendimento, incluindo a notificação e as dificuldades em executá-la. Do ponto de vista pessoal, investigou-se uma possível vivência da situação de violência no ambiente familiar, bem como a conduta tomada. As entrevistas foram realizadas individualmente, em uma sala na USF que garantia privacidade, tiveram duração média de 40 minutos, foram gravadas e transcritas na íntegra.

Os dados obtidos pelas evocações foram analisados por meio de duas técnicas. Na primeira, utilizou-se o software Ensemble de Programmes Permettant l´Analyse des Evocations (EVOC) versão 2005, proposto por Pierre Vergès(1111 Pontes APM, Oliveira DC,. Gomes AMT The principles of the Brazilian Unified Health System studied based on similitude analysis. Rev Latino Am Enfermagem. 2014;22(1):59-67.) , que adota como critérios a frequência e a ordem de aparição dos termos evocados. Esse programa possibilita a construção do quadro de quatro casas, constituído pelos elementos centrais, de primeira e segunda periferias e de contraste(1212 Sá CP. Núcleo central das representações sociais. 2ª ed. Petrópolis: Vozes; 2002.).

Com a segunda técnica efetuou-se a análise de similitude, proposta por Claude Flament em 1986. Esta tem por base o cálculo de conexidade entre os elementos da representação(1111 Pontes APM, Oliveira DC,. Gomes AMT The principles of the Brazilian Unified Health System studied based on similitude analysis. Rev Latino Am Enfermagem. 2014;22(1):59-67.-1212 Sá CP. Núcleo central das representações sociais. 2ª ed. Petrópolis: Vozes; 2002.), sendo utilizada para verificar a "quantidade de laços ou conexões que um dado elemento mantém com outros elementos da representação"(1212 Sá CP. Núcleo central das representações sociais. 2ª ed. Petrópolis: Vozes; 2002.). Para tanto, calculou-se a coocorrência dos termos constantes no quadro de quatro casas, considerando somente os sujeitos que evocaram, pelo menos, duas palavras do referido quadro. A seguir elaborou-se a tabela de coocorrência, calculou-se o índice de similitude e construiu-se a árvore máxima.

As entrevistas foram tratadas pela análise de conteúdo(1313 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.). Para a codificação, adotou-se a unidade de contexto, ou seja, das entrevistas foram selecionadas frases ou trechos que continham alguns elementos constantes no quadro de quatro casas, construído pela análise das evocações.

Buscando preservar o anonimato, as falas dos participantes foram identificadas pelas siglas já padronizadas, acrescidas do número arábico correspondente à ordem da coleta das evocações. O estudo seguiu os padrões éticos recomendados pela Resolução 466/2012, obtendo aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde sob o Parecer de nº 020/2013.

Resultados

Dos 154 profissionais de saúde, 140 eram do sexo feminino e 14, do masculino. A idade variou de 24 a 65 anos, predominando a faixa etária dos 30 a 39 anos, com 59 participantes. Quanto ao estado marital, 104 profissionais possuíam companheiro fixo e residiam com ele, sete possuíam companheiro, mas não moravam juntos, e 43 não tinham companheiro. No que se refere ao local de trabalho, 113 exerciam suas atividades em USF da zona urbana e 41, da rural. Em média, esses profissionais tinham de dois a cinco anos de serviço na atual USF e 117 afirmaram ter participado de algum evento sobre violência doméstica contra a mulher, promovido pela unidade.

O corpus formado com as evocações frente ao termo indutor violência doméstica contra a mulher totalizou 767 palavras, sendo 226 diferentes. Em uma escala de 1 a 5, a média das ordens médias de evocação (rang) foi 3, a frequência mínima foi 11 e a frequência média, 19. A análise desse conjunto de dados resultou no quadro de quatro casas (Figura 1).

Figura 1
Quadro de quatro casas formado pela evocação dos TE e ACS frente ao termo indutor violência doméstica contra a mulher - Rio Grande, RS, 2014.

Ao buscar as representações sociais de um grupo sobre algum fenômeno, é imprescindível que se procure identificar a presença das dimensões conceituais, imagéticas e atitudinais. Por isso, buscou-se identificar tais dimensões no NC da representação de TE e ACS acerca da violência doméstica contra a mulher.

O NC, localizado no quadrante superior esquerdo, é duradouro, mais resistente a mudanças, determinado socialmente. É nesse quadrante que se encontram os termos mais significantes para os sujeitos, pois possuem alta frequência e são mais prontamente evocados.

Assim, como possível centralidade da representação, foram evocados os termos agressão, agressão física, abuso, covardia e falta de respeito. A dimensão conceitual dessa representação está contida nos termos agressão, mais frequente e prontamente evocado e agressão física. Este último contém também a dimensão imagética, retratando tanto o ato violento quanto sua consequência, ou seja, as marcas deixadas no corpo da vítima. A atitude faz-se presente nos termos abuso, covardia e falta de respeito e representa o julgamento das ações do agressor. Portanto, os TE e ACS têm uma representação estruturada da violência doméstica contra a mulher, cuja provável centralidade expressa aspectos negativos referentes ao agressor e ao ato violento.

Destaca-se que o NC deve desempenhar o papel avaliativo e pragmático, para isso, nele devem coexistir elementos funcionais e normativos. Os funcionais representados, neste estudo, pelos termos agressão e agressão física, estão associados à caracterização descritiva e à inserção do objeto, em estudo nas práticas sociais. Os elementos normativos, contidos nos termos abuso, covardia e falta de respeito, são originados do sistema de valores dos indivíduos, geram as atitudes ou julgamentos e as decisões quanto ao objeto. Para contextualizar os elementos funcionais e normativos constantes no NC, apresentam-se trechos das entrevistas em que os mesmos foram empregados.

É todo tipo de violência, tanto agressão física, como a verbal... (TE-155).

O desrespeito pela mulher, por eles acharem que somos o sexo fraco... é agressão em geral (ACS-188).

Ela disse que toda vez que seu esposo chega em casa bêbado e ela comenta alguma coisa, ela apanha. É covardia! (TE-95).

Averiguando o grau de conexões dos elementos identificados como participantes da representação analisada, a árvore máxima (Figura 2) aponta o termo agressão, mais frequente e prontamente evocado, como organizador dos outros elementos da representação. Tal termo mantém várias conexões com outros elementos, porém a mais a forte ocorre com o termo agressão física, também presente no NC do quadro de quatro casas. Observa-se que a análise de similitude reafirma a participação dos elementos agressão e agressão física no NC da representação. Dentre os elementos acessórios, aqueles conectados por um baixo índice de similitude, destacam-se os termos tristeza, revolta, medo, baixa autoestima e submissão, que apontam a esfera sentimental. Tais conexões refletem que os profissionais identificam os sentimentos da vítima e, por vezes, compartilham deles.

Figura 2
Árvore máxima da análise de similitude das evocações mais frequentes na análise geral de TE e ACS - Rio Grande, RS, 2014.

Os elementos periféricos são mais flexíveis e localizam-se nos quadrantes superior e inferior direito, sendo a primeira e a segunda periferias, respectivamente. Tais elementos são mais acessíveis, vivos e concretos. Os termos constantes na primeira periferia possuem alta frequência e ordem média de evocação igual ou maior a 3. O termo medo foi o mais frequente e prontamente evocado, seguido de revolta. Medo pode referir-se à esfera emocional tanto da vítima quanto do profissional, e revolta associa-se ao sentimento do profissional frente à ocorrência da violência e ao fato de as vítimas se reconciliarem com o agressor.

Se denunciar, como é que vai continuar trabalhando? Trabalhas com medo, não consegues fazer nada. Ainda mais que botaram que tem que morar no ambiente que trabalha, todo mundo sabe quem eu sou, o endereço! (ACS-13).

A gente tenta explicar para elas, aqui, que tem que denunciar, mas elas têm medo, não adianta... (TE-95).

Às vezes a pessoa vem no outro dia totalmente diferente, já é outra versão, mesmo que a gente saiba que aconteceu aquilo..., que ela foi agredida..., no outro dia troca a versão, isso revolta! (TE-138).

O que eu vejo é o ser humano voltando à época das cavernas, onde a mulher era usada como bicho, arrastada, maltratada. Hoje em dia isso não pode acontecer porque está tudo muito evoluído, quando me deparo com uma situação dessas eu me revolto muito! (ACS-03).

A segunda periferia é composta por elementos menos frequentes e menos prontamente evocados, constitui a interface mais próxima da representação, com as práticas sociais; nela figuram os termos submissão e baixa autoestima com a mesma frequência. Essas palavras evidenciam a forma como os profissionais visualizam as vítimas que se encontram imersas em um relacionamento violento e prejudicial à saúde.

A cara dela deformada, olho roxo, boca cortada que não tinha como esconder com base [maquiagem para cobrir as marcas], aquilo que eu falei, a autoestima! (ACS-100).

A mulher é submissa! É o não do pai, do marido. Ela falou que quando ele não bebia era uma pessoa boa e aí se via a submissão, porque só quando ele bebia era agressivo (ACS-01).

No quadrante inferior esquerdo, encontram-se os elementos de contraste que possuem baixa frequência e ordem de evocação menor que a média. Nele constam os termos: abuso de poder, dor, humilhação, impunidade, sofrimento, tristeza e violência. Os elementos da zona de contraste também são considerados importantes e, possivelmente, reforçam ideias constantes na primeira periferia, ou ainda revelam a existência de um subgrupo minoritário que possui uma representação diferente.

Destacam-se humilhação e tristeza, ambas citadas 15 vezes. O primeiro termo prontamente evocado é dor e o segundo, violência. Observa-se nessa zona a esfera emocional fortemente associada aos sentimentos da vítima frente ao ato violento. Dor surge tanto no sentido psicológico, quanto como uma consequência da violência física.

Conversei com a pessoa, ela estava com dor, tinha caído, a princípio... (ACS-79).

Nem sei o que dói mais, se tu ver a pessoa ou a pessoa que fica totalmente arrasada... (TE-138).

O termo sofrimento refere-se ao sentimento gerado na vítima em decorrência da violência, independentemente da forma.

Presenciei uma violência psicológica, em um relacionamento que tive. Demorei para ver que eu estava sofrendo, quando li um banner que tínhamos, eu disse: ─ Eu estou sofrendo isso! (TE-194).

O termo tristeza surge nas falas dos profissionais como um sentimento deles ao presenciarem uma situação de violência entre familiares ou de algum caso atendido na USF. Por outro lado, o termo humilhação refere-se à vítima e às situações que ela suporta do agressor, mesmo que a vítima seja uma ACS.

Foi de tristeza, por eles não terem equilíbrio de conversar, manter a calma. Ela chegou muito machucada e como eu tenho já esse... [vínculo] fico triste, deprimida por ver essas coisas... (TE-08).

Se eu comprasse algo que na visão dele não era necessário, estava colocando dinheiro dele fora, porque quem trabalhava, quem sustentava a casa era ele, uma humilhação! (ACS-03).

O termo violência reforça a esfera conceitual da VDCM, assim como agressão e agressão física no NC. Abuso de poder, embora não tenha sido citado literalmente, no contexto das falas seu significado fica explicitado e concretiza o exercício do poder que o agressor acredita ter sobre suas vítimas.

O dono da casa, o homem tem poderes e a gente não tem! (ACS-10).

Tem muito isso, o homem pode tudo e a mulher, não (TE-08).

Os TE e ACS empregaram, subjetivamente, o termo impunidade associando-o ao fato de as vítimas deixarem seus agressores livres de punição, seja por não desejarem denunciar ou por denunciarem e voltarem atrás.

Eu acho que é uma impunidade bem grande que acontece, que a gente vivencia (TE-194).

Na última briga deles veio polícia e promotor, meu sogro foi afastado de casa e o que aconteceu? Passou uns seis meses... ela [sogra] pediu para ele voltar, ele está em casa agora, fez tudo de novo... (ACS-157).

Compararam-se os elementos da zona de contraste da totalidade dos participantes com os elementos do NC da representação dos profissionais que atuavam em USF da zona rural, verificando-se a presença em comum dos termos sofrimento e tristeza. Também, ao comparar os elementos da zona de contraste da totalidade dos participantes com os elementos do NC da representação ACS, identificou-se em comum o termo tristeza.

Discussão

Os TE e ACS desenvolvem atividades e ações junto à comunidade, oportunidade em que podem identificar a ocorrência da violência doméstica contra a mulher. O cuidado prestado à vítima pode ser direcionado pela representação que esses profissionais têm da violência doméstica contra a mulher. A partir da análise dessa representação, é possível compreender e intervir no cuidado e na elaboração de intervenções de prevenção e de inclusão do agressor em programas de recuperação. Destaca-se que uma representação social é estruturada quando contém dimensões conceituais, imagéticas e atitudinais(1414 Moscovici S. A psicanálise, sua imagem e seu público. 2ª ed. Petrópolis: Vozes; 2012.), e essas dimensões foram identificadas na representação de TE e ACS acerca da violência doméstica contra a mulher.

O NC de uma representação liga-se "às condições históricas, sociológicas e ideológicas, diretamente associado aos valores e normas, definindo os princípios fundamentais em torno dos quais se constituem as representações"(9Abric JC. A abordagem estrutural das representações sociais. In: Moreira ASP, Oliveira DC, organizadoras. Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia: AB; 1998. p. 27-38.). Os termos agressão e agressão física, presentes neste quadrante, além de indicarem dimensão conceitual e imagética da representação, demonstram que a ocorrência da forma física da violência deixa marcas no corpo da vítima e, mesmo que ela não queira, expõe a situação. A análise de similitude(1111 Pontes APM, Oliveira DC,. Gomes AMT The principles of the Brazilian Unified Health System studied based on similitude analysis. Rev Latino Am Enfermagem. 2014;22(1):59-67.) reitera a conexão entre esses dois termos, agressão e agressão física.

Esses dois termos, também integram o NC da representação de profissionais de saúde, dentre eles os ACS, acerca da violência contra mulheres rurais(7Costa MC, Lopes MJM, Soares JSF. Social representations of violence against rural women: unveiling senses in multiple views. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(2):213-21.). Um estudo identifica que em um hospital Angolano, a suspeita da ocorrência da violência é identificada sobretudo pelas lesões físicas, como queimaduras e fraturas(1515 Nascimento EFGA, Ribeiro AP, Souza ER. Perceptions and practices of Angolan health care professionals concerning intimate partner violence against women. Cad Saúde Pública [Internet]. 2014 [cited 2014 Oct 25];30(6):1229-38. Available from: http://www.scielosp.org/pdf/csp/v30n6/0102-311X-csp-30-6-1229.pdf
http://www.scielosp.org/pdf/csp/v30n6/01...
). Um outro estudo afirma que, se há lesão física nas vítimas, é maior a probabilidade de os profissionais de saúde identificarem a violência por parceiro íntimo, embora elas possam receber o tratamento sem que a causa seja questionada(1616 Garcia-Moreno C. Dilemmas and opportunities for an appropriate health-service response to violence against women. Lancet. 2002;359(9316):1509-14.). O termo generalizado agressão é empregado pelos profissionais para abarcar, possivelmente, as demais formas de violência psicológica, patrimonial, moral e sexual(3Brasil. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher [Internet]. Brasília; 2006 [citado 2013 out. 14]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
), mesmo que estas não sejam assim discriminadas pelos mesmos.

Embora a violência física seja a mais facilmente reconhecida, é a violência psicológica a mais frequente(1717 Al-Atrushi HH, Al-Tawil NG, Shabila NP, Al-Hadithi TS. Intimate partner violence against women in the Erbil city of the Kurdistan region, Iraq. BMC Womens Health [Internet]. 2013 [cited 2014 Jan 24];13:37. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3852841/.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
-1818 Semahegn A, Belachew T, Abdulahi M. Domestic violence and its predictors among married women in reproductive age in Fagitalekoma Woreda, Awi zone, Amhara regional state, North Western Ethiopia. Reprod Health [Internet]. 2013 [cited 2014 Jan 23];10:63. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3879008/
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
), prática realizada sob a forma de ameaças, controle e cenas de ciúmes(1818 Semahegn A, Belachew T, Abdulahi M. Domestic violence and its predictors among married women in reproductive age in Fagitalekoma Woreda, Awi zone, Amhara regional state, North Western Ethiopia. Reprod Health [Internet]. 2013 [cited 2014 Jan 23];10:63. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3879008/
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
). Por outro lado, estudo realizado em um estado da Índia aponta que o tipo mais comum é a combinação da violência física e emocional, seguida de violência física por si só(1919 Mishra A, Patne SK, Tiwari R, Srivastava DK, Gour N, Bansai M. A cross-sectional Study to find out the prevalence of different types of domestic violence in Gwalior city and to identify the various risk protective factors for domestic violence. Indian J Community Med [Internet]. 2014 [cited 2014 Apr 15];39(1):21-5. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3968576/.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
). Independentemente da forma de concretização da violência, os profissionais de saúde podem desempenhar um papel importante na identificação precoce do problema, reduzindo assim as consequências e a probabilidade de vitimização(1616 Garcia-Moreno C. Dilemmas and opportunities for an appropriate health-service response to violence against women. Lancet. 2002;359(9316):1509-14.).

Os termos abuso, falta de respeito e covardia relacionam-se a julgamentos do profissional em relação às ações do agressor. Nesse sentido, um estudo realizado com gestores, enfermeiras, médicos e agentes comunitários de saúde, identificou no NC da representação o termo desrespeito e covardia na segunda periferia(7Costa MC, Lopes MJM, Soares JSF. Social representations of violence against rural women: unveiling senses in multiple views. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(2):213-21.).

Os elementos periféricos "constituem a interface entre o núcleo central e a situação concreta na qual a representação é elaborada ou colocada em funcionamento"(9Abric JC. A abordagem estrutural das representações sociais. In: Moreira ASP, Oliveira DC, organizadoras. Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia: AB; 1998. p. 27-38.). A transformação de uma representação se dá pela modificação dos elementos do sistema periférico, é nele que "poderão aparecer e ser toleradas contradições"(9Abric JC. A abordagem estrutural das representações sociais. In: Moreira ASP, Oliveira DC, organizadoras. Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia: AB; 1998. p. 27-38.). Na primeira periferia, surge o termo revolta e medo. Os sentimentos de medo da reação do agressor, de impotência e incerteza permeiam a atuação profissional(2020 Vieira EM, Ford NJ, De Ferrante FG, Almeida AM, Daltoso D, Santos MA. The response to gender violence among Brazilian health care professionals. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(3):681-90.). Os participantes deste estudo partilham dessas sensações, principalmente os ACS, por residirem na comunidade em que trabalham. Se por um lado isso facilita a aproximação e o vínculo com as famílias, por outro pode prejudicar o processo de cuidar.

Frente à violência presumida ou constatada, a equipe precisa agir com cautela desde a triagem, direcionado as perguntas para esclarecimento da origem de alguns sinais ou sintomas(1616 Garcia-Moreno C. Dilemmas and opportunities for an appropriate health-service response to violence against women. Lancet. 2002;359(9316):1509-14.). Essa cautela envolve desde a escolha de um espaço adequado para o atendimento da vítima, zelo pela sua segurança, privacidade e garantia de confidencialidade(1616 Garcia-Moreno C. Dilemmas and opportunities for an appropriate health-service response to violence against women. Lancet. 2002;359(9316):1509-14.). Além disso, a definição de quais perguntas são necessárias ao esclarecimento da situação, quem deve fazê-las, como deve fazê-las, certamente evitando julgamentos, e quais informações repassar aos demais membros da equipe(1616 Garcia-Moreno C. Dilemmas and opportunities for an appropriate health-service response to violence against women. Lancet. 2002;359(9316):1509-14.). É de igual forma necessária a problematização do significado de violência contra a mulher(1616 Garcia-Moreno C. Dilemmas and opportunities for an appropriate health-service response to violence against women. Lancet. 2002;359(9316):1509-14.), bem como da legislação protetiva e dos recursos da comunidade que podem e devem ser acionados nessas situações(2121 Coles J, Dartnall E, Astbury J. "Preventing the pain" when working with family and sexual violence in primary care. Int J Fam Med [Internet]. 2013 [cited 2014 Aug 11]. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3600345/
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
).

Por outro lado, os TE e ACS contextualizaram o termo medo como um sentimento que a vítima e o próprio profissional têm em relação ao agressor. Uma pesquisa identificou a presença deste sentimento no NC da representação social de profissionais de saúde, dentre eles os ACS, também vinculando-o aos profissionais e as vítimas(7Costa MC, Lopes MJM, Soares JSF. Social representations of violence against rural women: unveiling senses in multiple views. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(2):213-21.). A relação de poder entre agressores e vítimas pode ser geradora do medo, levando-as a viverem em constante alerta. O medo e o estigma permeiam o processo de revelação da ocorrência da violência, pois muitas vítimas desejam proteger sua família do ridículo, não revelando a situação(2222 Oliveira DC, Marques SC, Gomes AMT, Teixeira MCTV. Análise das evocações livres: uma técnica de analise estrutural das representações sociais. In:, Moreira ASP organizador. Perspectivas teórico-metodológicas em representações sociais. João Pessoa: UFPE Ed. Universitária; 2005. p. 573-603.). É importante que os profissionais de saúde mostrem-se disponíveis e, quando as vítimas sentirem vontade ou necessidade de falar sobre a situação violenta, saibam a quem recorrer(1616 Garcia-Moreno C. Dilemmas and opportunities for an appropriate health-service response to violence against women. Lancet. 2002;359(9316):1509-14.).

Os TE e ACS elencaram a revolta como um sentimento que pode ser resultante do apoio dado à vítima para encorajá-la a sair da situação violenta, a qual, muitas vezes, resulta em reconciliações e manutenção da violência. Assim, esse fenômeno é difícil tanto para a vítima quanto para os profissionais envolvidos no cuidado. Entre eles, principalmente os médicos, por vezes não indagam da mulher quanto à ocorrência da violência, por se sentirem incapazes de resolver o problema e por perceberem que a mulher é incapaz de seguir seus conselhos e mudar a situação(1616 Garcia-Moreno C. Dilemmas and opportunities for an appropriate health-service response to violence against women. Lancet. 2002;359(9316):1509-14.).

A revolta também é um sentimento cultivado pelos profissionais frente a todo e qualquer ato violento contra as mulheres, muitas vezes, por já terem passado por situações semelhantes. Ainda, pode indicar que TE e ACS estão cientes da necessidade de modificar e criar estratégias de intervenção junto ao grupo de mulheres de sua comunidade, embora, muitas vezes, as vítimas não desejem. Um estudo aponta as barreiras que médicos enfrentam para investigar se a mulher sofreu violência, como a falta de tempo, de apoio, de formação, medo de ofendê-la, entre outras(1616 Garcia-Moreno C. Dilemmas and opportunities for an appropriate health-service response to violence against women. Lancet. 2002;359(9316):1509-14.).

A baixa autoestima e submissão referem-se à forma como os profissionais visualizam a vítima. Outro estudo desenvolvido com profissionais de saúde, entre eles os ACS, também identifica na primeira periferia da representação o termo submissão(7Costa MC, Lopes MJM, Soares JSF. Social representations of violence against rural women: unveiling senses in multiple views. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(2):213-21.). Questões culturais e patriarcais podem levar os profissionais de saúde a associarem vítima de violência e submissão. Destaca-se que o currículo de formação desses profissionais começou, lentamente, a integrar questões sobre a violência contra a mulher e familiar(1616 Garcia-Moreno C. Dilemmas and opportunities for an appropriate health-service response to violence against women. Lancet. 2002;359(9316):1509-14.). Destaca-se um estudo que defende a premissa de que a educação do profissional de saúde deve atender às necessidades dos pacientes em primeiro lugar, mas as sensações de vulnerabilidade e medo também precisam ser abordadas para que o cuidado à vítima de violência seja eficaz(2121 Coles J, Dartnall E, Astbury J. "Preventing the pain" when working with family and sexual violence in primary care. Int J Fam Med [Internet]. 2013 [cited 2014 Aug 11]. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3600345/
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
).

Os profissionais associam o termo dor ao sentimento da vítima em relação à sensação corporal por consequência da agressão física. Foi possível evidenciar em um estudo que, das mulheres que sofriam violência física, a maioria relatou contusões e dores no corpo, além de ferimentos e ossos quebrados(1818 Semahegn A, Belachew T, Abdulahi M. Domestic violence and its predictors among married women in reproductive age in Fagitalekoma Woreda, Awi zone, Amhara regional state, North Western Ethiopia. Reprod Health [Internet]. 2013 [cited 2014 Jan 23];10:63. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3879008/
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
).

Ainda, os TE e ACS verbalizaram na zona de contraste humilhação, sofrimento e tristeza, como sentimentos gerados em si e na vítima, pela ocorrência da violência doméstica contra a mulher. O agressor inicia o processo de violência com pequenas privações, após provoca situações de constrangimento e humilhação. Tais situações podem ser decorrentes das relações de poder entre homens e mulheres. Acredita-se que o contato com mulheres e crianças que enfrentam tais experiências afeta negativamente a saúde e a perspectiva de vida dos profissionais de saúde e também daqueles que tratam indiretamente, como recepcionistas, supervisores e gerentes(2121 Coles J, Dartnall E, Astbury J. "Preventing the pain" when working with family and sexual violence in primary care. Int J Fam Med [Internet]. 2013 [cited 2014 Aug 11]. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3600345/
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
).

Os elementos da zona de contraste são considerados importantes e, possivelmente, reforçam ideias constantes na primeira periferia, ou ainda revelam a existência de um subgrupo minoritário que possui uma representação diferente(2323 Bibi S, Ashfaq S, Shaikh F, Qureshi PM. Prevalenceinstigating factors and help seeking behavior of physical domestic violence among married women of HyderabadSindh. Pak J Med Sci [Internet]. 2014 [cited 2014 Apr 13];30(1):122-5. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3955555/
from: http://www.nc...
). Neste estudo, identificou-se a existência de dois subgrupos com representações que contêm variações. No entanto, tal variação não modifica os elementos centrais nem a própria representação da totalidade dos informantes(2323 Bibi S, Ashfaq S, Shaikh F, Qureshi PM. Prevalenceinstigating factors and help seeking behavior of physical domestic violence among married women of HyderabadSindh. Pak J Med Sci [Internet]. 2014 [cited 2014 Apr 13];30(1):122-5. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3955555/
from: http://www.nc...
).

Neste estudo, o abuso e abuso de poder foram elencados pelos TE e ACS para demonstrar os julgamentos das ações do agressor. O poder que o agressor acredita ter sobre a vítima é identificado em um estudo pelo controle sobre o acesso dela a amigos, a cuidados de saúde e a locais como mercados(1919 Mishra A, Patne SK, Tiwari R, Srivastava DK, Gour N, Bansai M. A cross-sectional Study to find out the prevalence of different types of domestic violence in Gwalior city and to identify the various risk protective factors for domestic violence. Indian J Community Med [Internet]. 2014 [cited 2014 Apr 15];39(1):21-5. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3968576/.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
). Outro aponta que o fato de a esposa ser desobediente ou discutir com o marido é motivo para violência física(2424 Stockman JK, Lucea MB, Bolyard R, Bertand D, Callwood GB, Sharps PW, et al. Intimate partner violence among African American and African Caribbean women: prevalence, risk factors, and the influence of cultural attitudes. Glob Health Action. 2014 [cited 2014 Oct 26];7:24772. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25226418
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25226...
).

Ainda, o termo impunidade primeiramente faz lembrar a pequena ou demorada resolutividade de medidas que visam punir o agressor. Contudo, no contexto das falas de TE e ACS, a impunidade associa-se ao fato de a vítima solicitar o apoio da equipe de saúde para denunciar o agressor e acabar desistindo de fazê-lo ou até mesmo retirando a queixa. Destaca-se que os profissionais de saúde, antes de prestarem assistência à vítima, devem, em equipe, identificar os serviços de apoio, os espaços seguros na comunidade, mobilizar líderes locais, ações sociais, intervenções para os agressores, abrigos para as vítimas, contato com organizações não governamentais(1616 Garcia-Moreno C. Dilemmas and opportunities for an appropriate health-service response to violence against women. Lancet. 2002;359(9316):1509-14.). Ainda, o profissional deve refletir sobre sua capacidade de prestar o cuidado à vítima de violência, pois nem todos podem estar dispostos e serem capazes de fazê-lo, assim, é essencial conhecer os fornecedores adequados de serviços, cuidados e apoio contínuo(2121 Coles J, Dartnall E, Astbury J. "Preventing the pain" when working with family and sexual violence in primary care. Int J Fam Med [Internet]. 2013 [cited 2014 Aug 11]. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3600345/
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles...
).

Conclusão

A representação social de TE e ACS acerca da violência doméstica contra a mulher possui conotação negativa, identificada pelos termos abuso, agressão, agressão física, covardia e falta de respeito. Trata-se de uma representação estruturada, pois apresenta elementos conceituais, imagéticos e atitudinais.

Identifica-se a existência de dois subgrupos, um formado por profissionais que atuavam em USF da zona rural e outro constituído somente por ACS. O NC do primeiro possui os termos sofrimento e tristeza, este último consta também no NC do segundo subgrupo. A árvore máxima, obtida por meio da análise de similitude, demonstra que o termo agressão é organizador dos outros elementos da representação, a partir do qual se estabelecem as conexões com os demais termos, sendo o maior índice, com o termo agressão física.

Os resultados deste estudo constituem uma primeira análise e de um grupo específico de profissionais da área da saúde, apontando que o fenômeno da violência doméstica contra a mulher precisa ser mais bem investigado, ampliando-se para outras categorias profissionais e de outras localidades. Destaca-se a dificuldade de discutir tais resultados, pelo reduzido número de publicações científicas referentes ao objeto do presente estudo.

Acredita-se que o conhecimento das representações sociais de TE e ACS acerca da violência doméstica contra a mulher possibilite a problematização desse fenômeno com a equipe, bem como facilite a busca de estratégias de prevenção e intervenção junto às vítimas, aos agressores e aos gestores dos serviços de saúde.

  • 1
    World Health Organization. WHO report highlights violence against women as a 'global health problem of epidemic proportions' [Internet]. Geneva; 2013 [cited 2013 Oct 14]. Available from: http://www.who.int/mediacentre/news/releases/2013/violence_against_women_20130620/en/
    » http://www.who.int/mediacentre/news/releases/2013/violence_against_women_20130620/en/
  • 2
    Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2012. Atualização: homicídio de mulheres no Brasil [Internet]. São Paulo: FLACSO; 2012 [citado 2013 out. 14]. Disponível em: http://mapadaviolencia.org.br/pdf2012/MapaViolencia2012_atual_mulheres.pdf
    » http://mapadaviolencia.org.br/pdf2012/MapaViolencia2012_atual_mulheres.pdf
  • 3
    Brasil. Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher [Internet]. Brasília; 2006 [citado 2013 out. 14]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm
  • 4
    Silva RA, Araujo TVB, Valongueiro S, Ludermir AB. Facing violence by intimate partner: the experience of women in an urban area of Northeastern Brazil. Rev Saúde Pública. 2013;46(6):1014-22.
  • 5
    Hesler LZ, Costa MC, Resta DG, Colomé ICS. Violence against women in the perspective of community health agents. Rev Gaúcha Enferm. 2013;34(1):180-6.
  • 6
    Brasil. Lei n. 11.350, de 5 de outubro de 2006. Regulamenta o § 5o do art. 198 da Constituição, dispõe sobre o aproveitamento de pessoal amparado pelo parágrafo único do art. 2o da Emenda Constitucional no 51, de 14 de fevereiro de 2006, e dá outras providências [Internet]. Brasília; 2006 [citado 2013 out. 14]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11350.htm
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11350.htm
  • 7
    Costa MC, Lopes MJM, Soares JSF. Social representations of violence against rural women: unveiling senses in multiple views. Rev Esc Enferm USP. 2014;48(2):213-21.
  • 8
    Jodelet D. As representações sociais. Rio de Janeiro: Ed. UERJ; 2001.
  • 9
    Abric JC. A abordagem estrutural das representações sociais. In: Moreira ASP, Oliveira DC, organizadoras. Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia: AB; 1998. p. 27-38.
  • 10
    Santos EI, Gomes AMT,. Oliveira DC Representations of vulnerability and empowerment of nurses in the context of HIV/AIDS. Texto Contexto Enferm. 2014; 23(2):408-16.
  • 11
    Pontes APM, Oliveira DC,. Gomes AMT The principles of the Brazilian Unified Health System studied based on similitude analysis. Rev Latino Am Enfermagem. 2014;22(1):59-67.
  • 12
    Sá CP. Núcleo central das representações sociais. 2ª ed. Petrópolis: Vozes; 2002.
  • 13
    Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.
  • 14
    Moscovici S. A psicanálise, sua imagem e seu público. 2ª ed. Petrópolis: Vozes; 2012.
  • 15
    Nascimento EFGA, Ribeiro AP, Souza ER. Perceptions and practices of Angolan health care professionals concerning intimate partner violence against women. Cad Saúde Pública [Internet]. 2014 [cited 2014 Oct 25];30(6):1229-38. Available from: http://www.scielosp.org/pdf/csp/v30n6/0102-311X-csp-30-6-1229.pdf
    » http://www.scielosp.org/pdf/csp/v30n6/0102-311X-csp-30-6-1229.pdf
  • 16
    Garcia-Moreno C. Dilemmas and opportunities for an appropriate health-service response to violence against women. Lancet. 2002;359(9316):1509-14.
  • 17
    Al-Atrushi HH, Al-Tawil NG, Shabila NP, Al-Hadithi TS. Intimate partner violence against women in the Erbil city of the Kurdistan region, Iraq. BMC Womens Health [Internet]. 2013 [cited 2014 Jan 24];13:37. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3852841/.
    » http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3852841/
  • 18
    Semahegn A, Belachew T, Abdulahi M. Domestic violence and its predictors among married women in reproductive age in Fagitalekoma Woreda, Awi zone, Amhara regional state, North Western Ethiopia. Reprod Health [Internet]. 2013 [cited 2014 Jan 23];10:63. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3879008/
    » http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3879008/
  • 19
    Mishra A, Patne SK, Tiwari R, Srivastava DK, Gour N, Bansai M. A cross-sectional Study to find out the prevalence of different types of domestic violence in Gwalior city and to identify the various risk protective factors for domestic violence. Indian J Community Med [Internet]. 2014 [cited 2014 Apr 15];39(1):21-5. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3968576/.
    » http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3968576/
  • 20
    Vieira EM, Ford NJ, De Ferrante FG, Almeida AM, Daltoso D, Santos MA. The response to gender violence among Brazilian health care professionals. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(3):681-90.
  • 21
    Coles J, Dartnall E, Astbury J. "Preventing the pain" when working with family and sexual violence in primary care. Int J Fam Med [Internet]. 2013 [cited 2014 Aug 11]. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3600345/
    » http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3600345/
  • 22
    Oliveira DC, Marques SC, Gomes AMT, Teixeira MCTV. Análise das evocações livres: uma técnica de analise estrutural das representações sociais. In:, Moreira ASP organizador. Perspectivas teórico-metodológicas em representações sociais. João Pessoa: UFPE Ed. Universitária; 2005. p. 573-603.
  • 23
    Bibi S, Ashfaq S, Shaikh F, Qureshi PM. Prevalenceinstigating factors and help seeking behavior of physical domestic violence among married women of HyderabadSindh. Pak J Med Sci [Internet]. 2014 [cited 2014 Apr 13];30(1):122-5. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3955555/
    » from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3955555/
  • 24
    Stockman JK, Lucea MB, Bolyard R, Bertand D, Callwood GB, Sharps PW, et al. Intimate partner violence among African American and African Caribbean women: prevalence, risk factors, and the influence of cultural attitudes. Glob Health Action. 2014 [cited 2014 Oct 26];7:24772. Available from: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25226418
    » http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/25226418
  • *
    Extraído da dissertação "Representações de Técnicos de Enfermagem e Agentes Comunitários acerca da violência doméstica contra a mulher", Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande, 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2015

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2014
  • Aceito
    07 Nov 2014
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: reeusp@usp.br