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Prevalência da síndrome de burnout em profissionais da saúde de um hospital oncohematológico infantil* * Extraído da dissertação "A prevalência da síndrome de Burnout em profissionais da saúde trabalhadores de um hospital oncohematológico infantil na cidade de Campinas/SP", Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, 2013.

Resumos

OBJETIVO

Identificar a prevalência da Síndrome de Burnout em profissionais médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem que trabalham em um hospital oncohematológico infantil no estado de São Paulo.

MÉTODO

Estudo exploratório, descritivo, com delineamento transversal e abordagem quantitativa, cuja amostra foi composta 188 profissionais de saúde. Os dados foram coletados utilizando-se dois instrumentos de autopreenchimento: o Maslach Burnout Inventory (MBI-HSS) e um formulário de dados biossociais, além de um roteiro de observação não participante.

RESULTADOS

Apresentaram alta despersonalização 29,8% dos enfermeiros e baixa realização profissional 27,8% dos médicos e 25,5% dos técnicos de enfermagem. Foram identificados com altos escores em pelo menos dois domínios do Burnout 19,2% de enfermeiros, 16,8% dos técnicos de enfermagem e 16,6% dos médicos.

CONCLUSÃO

Existe importante vulnerabilidade dos profissionais de saúde para a Síndrome de Burnout, potencializada pela identificação da presença elevada de cada uma de suas dimensões no ambiente de trabalho hospitalar.

Esgotamento profissional; Pessoal de Saúde; Saúde do Trabalhador


OBJECTIVE

To identify the prevalence of Burnout Syndrome in medical professionals, nurses and nursing technicians working in an Onco-Hematological Pediatric Hospital in São Paulo.

METHOD

An exploratory, descriptive study with cross-sectional design and quantitative approach, with a sample of 188 health professionals. Data were collected using two self-report instruments: the Maslach Burnout Inventory (MBI-HSS) which is a biosocial data form, and a non-participant observation guide.

RESULTS

High depersonalization for nurses (29.8%), low job performance for physicians (27.8%), and of nursing technicians (25.5%). High scores were identified in at least two domains of Burnout in 19.2% of nurses, 16.8% of nursing technicians, and 16.6% of doctors.

CONCLUSION

Health professionals are highly vulnerable to each of the dimensions of Burnout syndrome - namely emotional exhaustion, alienation, and low job performance/satisfaction- in the hospital work.

Burnout, Professional; Health Personnel; Occupational Health


OBJETIVO

Identificar la prevalencia del Síndrome de Burnout en profesionales médicos, enfermeros y técnicos de enfermería que trabajan en un hospital oncohematológico infantil en el Estado de São Paulo.

MÉTODO

Estudio exploratorio, descriptivo, de corte transversal y abordaje cuantitativo, cuya muestra estuvo compuesta de 188 profesionales de salud. Los datos fueron recogidos utilizándose dos instrumentos de autorelleno: el Maslach Burnout Inventory (MBI-HSS) y un formulario de datos biosociales, además de un guión de observación no participante.

RESULTADOS

Presentaron alta despersonalización el 29,8% de los enfermeros y baja realización profesional el 27,8% de los médicos y el 25,5% de los técnicos de enfermería. Fueron identificados con altos puntajes en por lo menos dos dominios del Burnout el 19,2% de los enfermeros, el 16,8% de los técnicos de enfermería y el 16,6% de los médicos.

CONCLUSIÓN

Existe una importante vulnerabilidad de los profesionales de salud para el Síndrome de Burnout, potenciada por la identificación de la presencia elevada de cada una de sus dimensiones en el ambiente de trabajo hospitalario.

Agotamiento Profesional; Personal de Salud; Salud Laboral


Introdução

Estudar o estresse dos profissionais da saúde no ambiente hospitalar permite uma melhor compreensão de suas causas, o que contribui para elucidar questões cotidianas relacionadas à saúde mental e frequentemente enfrentadas por esses profissionais(1Guido LA, Linch GFC, Pitthan LO, Umann J. Stress, coping and health conditions of hospital nurses. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2011 [cited 2014 Mar 26]; 45(6):1434-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n6/en_v45n6a22.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n6/en...
) .

A síndrome de Burnout (SB) é um fenômeno psicossocial que surge como resposta aos estressores interpessoais crônicos presentes no trabalho. No contexto da Psicologia, a definição mais utilizada tem sido a de Maslach e Jackson, em que o burnout é referido como "uma síndrome multidimensional constituída por exaustão emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal no trabalho"(2Maslach C, Jackson SE, Leiter MP. Maslach Burnout inventory. 3rd ed. Palo Alto (CA): Consulting Psychologists; 1996.-3Maslach C,. Jackson SE The measurement of experienced burnout. J Occup Behav. 1981;2(2):99-113.).

A SB tem sido reconhecida como uma condição experimentada por profissionais que desempenham atividades nas quais está envolvido alto grau de contato com outras pessoas, entre os quais os profissionais da saúde, cuja tarefa envolve uma atenção intensa e prolongada a pessoas que estão em situação de necessidade ou dependência(2Maslach C, Jackson SE, Leiter MP. Maslach Burnout inventory. 3rd ed. Palo Alto (CA): Consulting Psychologists; 1996.).

O quadro clínico é variado e pode incluir sintomas psicossomáticos, psicológicos e comportamentais entre os profissionais, e produzir consequências negativas nos níveis individual, profissional, familiar e social. No âmbito das instituições de saúde destacam-se altos índices de absenteísmo por doença(4França FM, Ferrari R, Ferrari DC, Alves ED. Burnout and labor aspects in the nursing teams at two medium-sized hospitals. Rev Latino Am Enfermagem 2012;20(5):961-70.), e presenteísmo(5Hyeda A, Handar Z. Avaliação da produtividade na síndrome de Burnout. Rev Bras Med Trab. 2011;9(2):78-84) com consequente comprometimento na qualidade do serviço prestado nas instituições.

A principal ação do trabalho em saúde é o cuidado ao paciente. As ações de cuidar vão além dos procedimentos técnicos e conhecimento e envolvem constante carga emocional dos profissionais de saúde, para aliviar o sofrimento, manter a sua dignidade e o controle e facilitar meios de lidar com as crises nas situações de desfechos negativos.

Os profissionais de saúde que trabalham na área de oncologia pediátrica defrontam-se diariamente com situações de sofrimento, dor e perda. Realizar investigações diagnósticas, apresentar o prognóstico, decidir e acompanhar o tratamento e todas as suas vicissitudes, juntamente com a incerteza de cura e a possibilidade de morte, são atividades que colocam o profissional diante de situações de forte carga emocional(6Ramalho MAN, Nogueira-Martins MCF. Vivências de profissionais de saúde da área de oncologia pediátrica. Psicol Estudo. 2007;12(1):123-32.).

Em geral, estudos sobre a SB nas instituições de saúde avaliam apenas uma categoria profissional, por exemplo, os trabalhadores de enfermagem(7Lautert, L. O desgaste profissional: estudo empírico com enfermeiras que trabalham em hospitais. Rev Gaúcha Enferm. 1997;18(2):133- 44.

Lorenz VR, Benatti MCC, Sabino MO. Burnout and stress among nurses in a university tertiary hospital.. Rev Latino Am Enfermagem 2010;18(6):1084-91.

Carlotto MS. O impacto de variáveis sociodemográficas e laborais na síndrome de Burnout em técnicos de enfermagem. Rev SBPH. 2011;14(1):165-85.
-1010 Ferreira NN, Lucca SR. Síndrome de burnout em técnicos de enfermagem de um Hospital Público do Estado de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(1):68-79.) ou os profissionais médicos(1111 Nogueira-Martins LA. Saúde mental dos profissionais de saúde.. Rev Bras Med Trab 2003;1(1):56-68.

12 Machado MH. Os médicos no Brasil, o retrato de uma realidade. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 1997.
-1313 Tucunduva LTCM, Garcia AP, Prudente FVB, Centofanti G, Souza CM, Monteiro TA, et al. A síndrome da estafa profissional em médicos cancerologistas brasileiros. Rev Assoc Med Bras. 2006;52(2):108-12.), ou analisam os profissionais de saúde sem distinção da profissão. A revisão da literatura sobre o tema evidenciou que no Brasil há escassez de estudos sobre o conjunto dos profissionais de saúde de uma mesma instituição, a fim de se obter uma caracterização de adoecimento psíquico no contexto do trabalho como um todo.

Face ao exposto, destaca-se a relevância da escolha do contexto hospitalar como campo de estudo, frente à importância de se investigar os aspectos laborais associados à SB na equipe de saúde composta por médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem que atuam em cuidados de doenças graves (oncohematologia) em pacientes vulneráveis (crianças). Os profissionais compartilham algo em comum no seu dia a dia: o lidar com a criança doente. É um momento de extremo significado pessoal para o paciente e sua família devido à dependência dos cuidados e a fragilidade emocional em que frequentemente se encontram.

Considerando-se o estresse envolvido em lidar com o sofrimento, a dor e a morte, a questão que norteou esta investigação foi: Qual a prevalência da SB entre profissionais da saúde que lidam diariamente com pacientes vulneráveis (crianças) e doenças graves (oncohematologia)?

Assim, este estudo teve por objetivo identificar a prevalência da SB em profissionais médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem de um hospital oncohematológico infantil no estado de São Paulo.

Método

Estudo exploratório, descritivo, com delineamento transversal e abordagem quantitativa. Foi desenvolvido em um hospital infantil localizado na cidade de Campinas/SP. O critério para a escolha desse hospital baseou-se na característica peculiar da equipe de saúde que trabalha em um contexto específico de cuidado ao paciente oncohematológico infantil. A coleta de dados foi realizada entre os meses de março a setembro de 2012.

Considerando-se a cronicidade e a intensidade do estresse para a manifestação da SB, a população do estudo foi constituída por médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, cujos critérios de inclusão foram: trabalhar na instituição há mais seis meses, com jornada de no mínimo 20 horas semanais. O critério de exclusão foi devolver o questionário incompleto.

Conforme a listagem de funcionários fornecida, o hospital possuía 265 profissionais de saúde, sendo 67 médicos, 65 enfermeiros e 133 técnicos de enfermagem. Destes, 41 não preencheram os critérios de trabalhar no mínimo seis meses e pelo menos 20 horas na instituição, por isso não fizeram parte da pesquisa, ou seja, a amostra elegível foi de 224 sujeitos.

Dentre os 120 técnicos de enfermagem elegíveis, cinco estavam em licença médica, oito estavam em licença-maternidade, oito não foram localizados após três tentativas e quatro recusaram-se a participar da pesquisa, resultando em uma amostra final de 95 técnicos de enfermagem. Dos 59 enfermeiros elegíveis, dois não foram localizados após três tentativas, dos 45 médicos considerados elegíveis, porque possuíam carga horária de no mínimo 20 horas semanais, dois recusaram-se a participar da pesquisa e sete não foram localizados após três tentativas, resultando em 36 médicos. Assim, participaram do estudo 188 profissionais (perda amostral de 16%).

Foram utilizados dois instrumentos de coleta de dados de autopreenchimento: um questionário biossocial, com base em outros estudos sobre o tema(5Hyeda A, Handar Z. Avaliação da produtividade na síndrome de Burnout. Rev Bras Med Trab. 2011;9(2):78-84

Ramalho MAN, Nogueira-Martins MCF. Vivências de profissionais de saúde da área de oncologia pediátrica. Psicol Estudo. 2007;12(1):123-32.

Lautert, L. O desgaste profissional: estudo empírico com enfermeiras que trabalham em hospitais. Rev Gaúcha Enferm. 1997;18(2):133- 44.
-8Lorenz VR, Benatti MCC, Sabino MO. Burnout and stress among nurses in a university tertiary hospital.. Rev Latino Am Enfermagem 2010;18(6):1084-91.), e o Maslach Burnout Inventory (MBI) versão HSS (Human Services Survey)(2Maslach C, Jackson SE, Leiter MP. Maslach Burnout inventory. 3rd ed. Palo Alto (CA): Consulting Psychologists; 1996.). O MBI-HSS foi elaborado por Christina Maslach e Susan Jackson(2Maslach C, Jackson SE, Leiter MP. Maslach Burnout inventory. 3rd ed. Palo Alto (CA): Consulting Psychologists; 1996.), traduzido e validado em português por Lautert(7Lautert, L. O desgaste profissional: estudo empírico com enfermeiras que trabalham em hospitais. Rev Gaúcha Enferm. 1997;18(2):133- 44.), com 22 itens, distribuídos em três domínios: desgaste emocional, despersonalização e baixa realização profissional. A escala de frequência de cinco pontos vai de um (nunca) até cinco (sempre)(7Lautert, L. O desgaste profissional: estudo empírico com enfermeiras que trabalham em hospitais. Rev Gaúcha Enferm. 1997;18(2):133- 44.). O escore em cada uma das dimensões é calculado pela somatória dos pontos dos itens relativos a cada uma das dimensões. Altas pontuações em desgaste emocional e despersonalização, associadas à baixa pontuação em realização profissional, indicam SB(7Lautert, L. O desgaste profissional: estudo empírico com enfermeiras que trabalham em hospitais. Rev Gaúcha Enferm. 1997;18(2):133- 44.).

No intuito de conhecer as características do contexto laboral, do ambiente de trabalho e as relações interpessoais no hospital onde ocorreu a pesquisa, fizeram-se observações não participantes por amostragem de tempo, totalizando 20 períodos de observação, registrados em diário de campo, com duração de três horas cada.

Após os profissionais responderem individualmente ao questionário quantitativo, a pesquisadora permaneceu nos setores, juntamente com os trabalhadores, sempre respeitando as normas de segurança e do controle de infecção hospitalar. Foram observadas as clínicas médicas, a unidade de terapia intensiva, o setor de transplante de medula óssea, de aplicação de quimioterapia, de coleta de exames, a brinquedoteca, a sala de jogos, o refeitório, o posto de enfermagem e do médico, os quartos dos pacientes e a sala de espera.

A observação não participante e o diário de campo foram utilizados para verificar os comportamentos e relações interpessoais nas rotinas diárias dos profissionais médicos e da equipe de enfermagem com o paciente e seus familiares e com os outros profissionais da equipe, a fim de identificar algumas singularidades do trabalho em oncohematologia infantil que pudessem auxiliar na explicação das dimensões da SB dos trabalhadores. Estes dados foram incorporados na discussão do presente estudo, a fim de enriquecê-la.

Os resultados quantitativos foram analisados por meio de estatística descritiva dos dados (média, desvio-padrão, mediana e percentagem) e apresentados sob a forma de tabelas, utilizando-se os recursos do programa software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS)®versão 20.

Para estudar os fatores de interesse relacionados com os três domínios do MBI-HSS (desgaste emocional, despersonalização e baixa realização profissional), os cálculos foram feitos separadamente para cada categoria profissional. Os pontos de corte foram realizados através dos quartis para os três domínios, sendo a amostra dividida em quatro partes iguais de 25%.

As variáveis categóricas foram descritas por meio de razões e proporções. As variáveis numéricas foram descritas por meio de medidas de tendência central e dispersão. O nível de significância (α) adotado foi de 5%, sendo considerados significativos valores de p<0,05 e intervalos de confiança - IC com 95% de confiança estatística. As diferenças nas proporções foram testadas pelo teste de Pearson (Qui-quadrado).

As diferenças nas médias de variáveis numéricas foram testadas pelo teste de Kruskall-Wallis. Para testar o efeito independente das variáveis do questionário biossocial nos desfechos para Burnout para cada domínio, foi utilizada a regressão logística, modelos univariado e múltiplo, com critério stepwise de seleção de variáveis.

Para analisar a consistência interna dos três domínios do MBI-HSS, foi utilizado o coeficiente alfa de Cronbach. Nos testes psicométricos do presente estudo, a confiabilidade foi de 0,86 para o desgaste emocional; 0,62 para a despersonalização e 0,73 para a realização profissional.

O projeto de pesquisa foi submetido ao Instituto de Pesquisa e ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do hospital pesquisado e teve sua realização aprovada sob o parecer n° 20486/2012.

Resultados

Em relação às características biossociais, entre os sujeitos da pesquisa estudados, 50,5% eram técnicos de enfermagem; 30,3% enfermeiros e 19,1% médicos. Salienta-se a porcentagem elevada do gênero feminino, com 71,6% de mulheres entre os técnicos de enfermagem, 78,9% entre os enfermeiros e 58,3% entre os médicos. No que diz respeito ao estado civil, a maioria era casada, ou vivia com companheiro, sendo 52,6 % entre os técnicos de enfermagem, 57,9% entre os enfermeiros e 63,8% entre os médicos. Dos profissionais técnicos de enfermagem, 60% não possuíam filhos, entre os enfermeiros o percentual sem filhos foi de 52,6% e entre os médicos de 47,2%.

Quanto às características profissionais, pode-se salientar que a maior média de idade foi encontrada na profissão médica (39,5 anos), seguida pela dos enfermeiros (35,9 anos) e pela dos técnicos de enfermagem (34,5 anos). Os médicos também obtiveram a maior média no tempo de formado (14,9 anos), tempo de profissão (14,2 anos) e tempo de instituição (8,7 anos). Os enfermeiros obtiveram a média de 13,1 anos no tempo de profissão, seguido dos técnicos com 11,9 anos.

Com relação ao tempo de trabalho na instituição, os enfermeiros obtiveram a média de 7,6 anos, os técnicos de enfermagem 5,6 anos e os médicos 8,7 anos de trabalho no hospital. A maioria dos profissionais mantinha o vínculo de trabalho pela CLT: 98,9% entre os técnicos; 96,5% entre os enfermeiros e 55,6% entre os médicos. Quanto aos profissionais que possuíam dois empregos ou mais, foram observados 51,6% entre os técnicos; 35,1% entre os enfermeiros e 61,1% entre os médicos.

Constatou-se que 17,6% dos enfermeiros associaram problemas de saúde com o trabalho no hospital. Entre os médicos este percentual foi de 11,1% e entre os técnicos de enfermagem, de 9,5%. Os problemas de saúde mais relatados entre as três profissões foram lombalgia e depressão. Foram encontrados 40,4% de casos de afastamentos em enfermeiros, 25,0% entre os médicos e 23,2% em técnicos de enfermagem. As causas dos afastamentos mais citadas foram as doenças osteomusculares, seguidas de procedimentos cirúrgicos e problemas relacionados à gestação. Salienta-se que os problemas ligados à gestação surgiram como uma das principais causas nas três categorias profissionais.

Foram tabuladas as distribuições das três dimensões com os respectivos percentuais de acometimento em cada categoria profissional. Dentre as três categorias profissionais, os médicos tiveram a maior porcentagem para alto desgaste emocional e para sentimentos de baixa realização profissional, e os enfermeiros para alta despersonalização (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das três dimensões do MBI-HSS com os respectivos percentuais para cada categoria profissional - Campinas, SP, 2012.

Para o diagnóstico sugestivo de SB é necessário obter pontos de corte superiores para as três dimensões que a caracterizam(6Ramalho MAN, Nogueira-Martins MCF. Vivências de profissionais de saúde da área de oncologia pediátrica. Psicol Estudo. 2007;12(1):123-32.). Isoladamente, cada um dos domínios também apresentam informações valiosas sobre a situação da amostra estudada. A fim de identificar a porcentagem de profissionais que obtiveram altos escores em uma, duas ou três dimensões, foi construída a Tabela 2.

Tabela 2
Distribuição dos três domínios do MBI-HSS com os respectivos percentuais por categoria profissional - Campinas, SP, 2012.

A Tabela 3 apresenta correlações entre as variáveis biossociais e os domínios do MBI-HSS (p ≤ 0,05) com os domínios do MBI-HSS para cada categoria profissional. Os técnicos de enfermagem apresentaram quatro correlações, os enfermeiros duas e os médicos três. Esses resultados serão analisados individualmente na Discussão.

Tabela 3
Correlações entre as variáveis biossociais e os domínios do MBI-HSS para as categorias profissionais estudadas - Campinas, SP, Brasil 2012.

Discussão

Para facilitar a compreensão dos resultados, e considerando-se as especificidades de trabalho dos profissionais, a discussão foi realizada separadamente por categoria profissional. Pela compreensão de que, embora trabalhem na mesma instituição, a natureza das demandas e o grau de autonomia e controle do trabalho apresentam especificidades próprias para enfermeiros, técnico de enfermagem e médicos.

Técnicos de enfermagem

A análise dos dados referentes aos técnicos de enfermagem demonstrou associação entre a variável problema de saúde que relaciona ao trabalho no hospital (p ≤ 0,05) com os domínios desgaste emocional e despersonalização. Ou seja, os técnicos que relacionaram ter tido algum problema de saúde ao trabalho no hospital sentiam-se mais desgastados emocionalmente e apresentaram mais sintomas de despersonalização. Estes dados corroboram os resultados de um estudo(1010 Ferreira NN, Lucca SR. Síndrome de burnout em técnicos de enfermagem de um Hospital Público do Estado de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(1):68-79.) realizado na cidade de Campinas com técnicos de enfermagem, em que foram obtidas as mesmas correlações entre essa variável e os domínios despersonalização e desgaste emocional. A sobrecarga laboral pode contribuir para o profissional desenvolver despersonalização e torna-o mais suscetível a problemas de saúde.

Parte dos problemas de saúde citados pelos profissionais pode ter causa psicossomática e contribuir para o desenvolvimento da SB. Os sintomas podem manifestar-se de imediato ou permanecer silenciosos até gerar processos patológicos importantes no indivíduo. Cada pessoa reage de forma singular ao estresse crônico e pode apresentar uma gama de reações psicossomáticas que afeta vários aspectos de sua vida(1414 Silva JLL, Dias AC, Teixeira LR. Discussão sobre as causas da síndrome de burnout e suas implicações à saúde do profissional de enfermagem. Aquichán. 2012;12(2):144-59.).

Para o domínio baixa realização profissional, as variáveis que apresentaram valores de correlação significativa foram o estado civil casado e o gênero masculino. Pesquisa realizada(9Carlotto MS. O impacto de variáveis sociodemográficas e laborais na síndrome de Burnout em técnicos de enfermagem. Rev SBPH. 2011;14(1):165-85.) com técnicos de enfermagem de hospitais de Porto Alegre-RS verificou que as mulheres em geral apresentavam menor realização profissional que os homens, diferentemente dos dados encontrados no presente estudo. Trata-se de um fato que admite poucas afirmações, tendo em vista o número restrito de participantes do sexo masculino.

A maioria dos técnicos de enfermagem com altas pontuações na dimensão baixa realização profissional viviam com o companheiro (40,9%), dado que difere de outro estudo(1010 Ferreira NN, Lucca SR. Síndrome de burnout em técnicos de enfermagem de um Hospital Público do Estado de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(1):68-79.). Contudo, não há consenso quanto a essa questão, uma vez que a qualidade do relacionamento, ter filhos e tempo para cuidar pode exercer influência positiva ou negativa(1010 Ferreira NN, Lucca SR. Síndrome de burnout em técnicos de enfermagem de um Hospital Público do Estado de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(1):68-79.).

Outro fator que parece contribuir para a insatisfação no trabalho é a falta de plano de carreira para a equipe de enfermagem (técnicos e enfermeiros), no hospital pesquisado. Devido ao não reconhecimento, na forma de promoção e gratificação, por parte da organização, os profissionais tendem a sentir que seu trabalho não é valorizado, apesar da dedicação e do longo tempo de trabalho na instituição(1515 Stacciarini JM, Tróccoli BT. O estresse na atividade ocupacional do enfermeiro.. Rev Latino Am Enfermagem 2001;9(1):17-25.).

A insatisfação e a SB comprometem a qualidade do trabalho executado e podem contribuir para o aumento de acidentes ocupacionais e erros, conflitos, falta de humanização no atendimento e insatisfação dos pacientes. Além disso, os profissionais com SB evitam o contato direto com as pessoas-alvo de sua assistência, podendo desenvolver despersonalização(1616 Grazziano ES, Bianchi ERF. Impacto do stress ocupacional e burnout para enfermeiros. Enferm Global. 2010;(18):1-20.).

O presente estudo verificou que cinco técnicos de enfermagem apresentaram os três domínios sugestivos de SB cuja prevalência foi de 5,3% nesse grupo específico. Ao todo, 16 técnicos apresentaram dois domínios com pontuação alta, o que é sugestivo de SB (16,8%). Esse percentual é considerado elevado, já que significa que estes profissionais estão submetidos a estresse crônico e, se nenhuma intervenção for feita, ou se falharem as estratégias defensivas individuais, podem desenvolver a SB.

Estudo com técnicos de enfermagem(1010 Ferreira NN, Lucca SR. Síndrome de burnout em técnicos de enfermagem de um Hospital Público do Estado de São Paulo. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(1):68-79.) encontrou 5,9% com os três domínios sugestivos de SB, prevalência semelhante à da presente investigação. Em outro estudo(6Ramalho MAN, Nogueira-Martins MCF. Vivências de profissionais de saúde da área de oncologia pediátrica. Psicol Estudo. 2007;12(1):123-32.) realizado com pessoal de saúde de uma instituição hospitalar de oncologia infantil, com desenho qualitativo, os aspectos relacionados ao diagnóstico, ao tratamento e à morte foram mencionados entre os fatores estressantes no cuidado da criança no hospital. O tratamento foi visto pelos profissionais como muito penoso para a criança, e lidar com o sofrimento muitas vezes pode ser pior que presenciar a morte.

Os profissionais sentem que não estão preparados para lidar com as perdas, a ponto de se sentirem culpados pela dor, natural e humana, frente à morte(1717 Nogueira-Martins LA,. Ramalho MAN Aspectos psicológicos relacionados ao profissional: burnout. In: Camargo B, Kurashima AY. Cuidados paliativos em oncologia pediátrica. São Paulo: Lemar; 2007. p. 187-97.). Na relação com os colegas, percebem como imprópria ou inaceitável a necessidade humana de compartilhar sua dor no ambiente do trabalho(1717 Nogueira-Martins LA,. Ramalho MAN Aspectos psicológicos relacionados ao profissional: burnout. In: Camargo B, Kurashima AY. Cuidados paliativos em oncologia pediátrica. São Paulo: Lemar; 2007. p. 187-97.). Esses fatores podem ter uma grande influência no desencadeamento da SB, bem como nas suas respectivas dimensões. A equipe de enfermagem que se encontra em um estado de suscetibilidade para a SB costuma avaliar o cuidado como algo penoso e estressor(1515 Stacciarini JM, Tróccoli BT. O estresse na atividade ocupacional do enfermeiro.. Rev Latino Am Enfermagem 2001;9(1):17-25.).

Aspectos observados nos estudos citados revelaram-se preditores da SB na realidade hospitalar pesquisada. Isso pôde ser averiguado por meio da observação do ambiente de trabalho.

O fato de ser um hospital especializado em oncologia e hematologia infantil faz com que haja intensa pressão e exigência no desempenho das funções profissionais. Os técnicos de enfermagem precisam utilizar técnicas e manusear e medicamentos quimioterápicos complexos, lidar com crianças muito debilitadas, bem como com seus familiares, já que no hospital é permitida a presença de acompanhantes 24 horas. Entre os aspectos positivos observados verificou-se que a implementação de Procedimentos Operacionais Padrão (POP) que, apesar de diminuírem a autonomia do profissional, delimitam e padronizam as técnicas a serem adotadas, reduzindo a possibilidade de iatrogenias.

Enfermeiros

Nesta categoria profissional foram encontradas correlações significativas (p ≤ 0,05) entre o desgaste emocional, o estado civil (com companheiro) e os problemas de saúde relacionados ao trabalho. Em relação à variável estado civil, resultados semelhantes foram observados outro estudo(1818 Moreira DS, Magnago RF, Sakae TM, Magajewski FRL. Prevalência da síndrome de burnout em trabalhadores de enfermagem de um hospital de grande porte da região sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2009;25(7):1559-68.), que também verificou que os casados eram mais propensos a ter alto desgaste emocional.

Entretanto, há estudos indicando que os solteiros são mais propensos a desenvolver SB, pelo fato de pessoas casadas ou com companheiro(a) estável experimentarem sentimentos de responsabilidade familiar e maior resistência à síndrome, por uma associação com a capacidade de enfrentar problemas emocionais(1919 Oliveira V, Pereira T. Ansiedade, depressão e burnout em enfermeiros: impacto do trabalho por turnos. Rev Enf Ref. 2012;serIII(7):43-54.). De fato, não há consenso na literatura sobre o desenvolvimento da SB e a situação conjugal.

Quanto à variável problemas de saúde que se relaciona ao trabalho, outro estudo(8Lorenz VR, Benatti MCC, Sabino MO. Burnout and stress among nurses in a university tertiary hospital.. Rev Latino Am Enfermagem 2010;18(6):1084-91.)encontrou associação com o desgaste emocional. Esta percepção deve ser ressaltada, pois pode ser um indicativo de que o trabalhador, ao compreender as relações entre saúde e trabalho e suas consequências, possa procurar auxílio o mais breve possível, em caso de sofrimento relacionado ao trabalho. Tanto a dimensão despersonalização quanto a dimensão baixa realização profissional não apresentaram associação estatística com nenhuma variável. Entretanto, quando comparada aos outros profissionais da instituição pesquisada e com outros estudos com enfermeiros(8Lorenz VR, Benatti MCC, Sabino MO. Burnout and stress among nurses in a university tertiary hospital.. Rev Latino Am Enfermagem 2010;18(6):1084-91.,2020 Galindo RH, Feliciano KVO, Lima RAS, Souza AI. Burnout Syndrome among General Hospital Nurses in Recife. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(2):420-7.), a presente investigação verificou um nível elevado de despersonalização.

Compreende-se que é a partir das vivências que as pessoas elaboram e reelaboram suas estratégias para enfrentar os estressores e o sofrimento. Assim, alguns indivíduos podem apresentar menos habilidades para superar o desgaste proveniente de situações pessoais e profissionais, sobretudo no que diz respeito ao fato de lidar, por um lado, com o estabelecimento de vínculos afetivos com seus pacientes, e por outro, um distanciamento afetivo que lhes permita prestar assistência(2121 Guido LA, Silva RM, Goulart CT, Bolzan MEO, Lopes LFD. Burnout Syndrome in multiprofessional residents of a public university. Rev Esc Enferm USP[Internet] . 2012 [cited 2014 Oct 12];46(6):1477-83. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v46n6/en_27.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v46n6/en...
). A dificuldade em lidar com o sofrimento do outro pode fazer com que os profissionais utilizem estratégias defensivas como a despersonalização, evidenciada no presente estudo.

Dois enfermeiros (3,5%) apresentaram os três domínios sugestivos da SB. Um estudo realizado apenas com enfermeiros em um hospital universitário na cidade de Campinas(8Lorenz VR, Benatti MCC, Sabino MO. Burnout and stress among nurses in a university tertiary hospital.. Rev Latino Am Enfermagem 2010;18(6):1084-91.)mostrou que 7,3% deles apresentavam os três domínios sugestivos da SB. Outra pesquisa realizada na cidade do Recife com enfermeiros de um hospital geral(1818 Moreira DS, Magnago RF, Sakae TM, Magajewski FRL. Prevalência da síndrome de burnout em trabalhadores de enfermagem de um hospital de grande porte da região sul do Brasil. Cad Saúde Pública. 2009;25(7):1559-68.) também encontrou resultados semelhantes, com 4,7% de acometimento da SB. Salienta-se que o critério utilizado para comparabilidade entre os estudos citados foi avaliar a prevalência da SB a partir da presença de níveis altos nas três dimensões da síndrome, como indicado também pela criadora do instrumento MBI(2Maslach C, Jackson SE, Leiter MP. Maslach Burnout inventory. 3rd ed. Palo Alto (CA): Consulting Psychologists; 1996.), bem como comparar a prevalência dessa síndrome somente entre as mesmas categorias profissionais.

Critérios muito rígidos para detectar a SB podem contribuir com a subestimação da prevalência(2020 Galindo RH, Feliciano KVO, Lima RAS, Souza AI. Burnout Syndrome among General Hospital Nurses in Recife. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(2):420-7.). Além disso, reitera-se que o presente estudo foi realizado com enfermeiros que trabalham com oncohematologia infantil e não foram encontrados outros estudos que estimassem a prevalência de SB nesta situação de trabalho.

Algumas características do contexto laboral podem contribuir para o desenvolvimento da síndrome ou de suas dimensões. O trabalho de enfermagem no hospital estudado exige concentração e atenção constantes. Devido a essa pressão e à exigência inerente ao tipo de especialidade, houve relatos de elevado absenteísmo nos finais de semana e mesmo durante a semana, na equipe de enfermagem. Esse fato gera advertências para tentar amenizar as excessivas faltas.

No presente estudo, relatos dos sujeitos da pesquisa e as observações da dinâmica e organização do trabalho dos setores, permitiram identificar algumas situações de trabalho que poderiam agir como fatores minimizadores para o desenvolvimento da SB nos profissionais da saúde estudados como, por exemplo, o fato de que cuidar de crianças traz satisfação pessoal e reconhecimento social, inspira força e é exemplo de vida e superação, em que pese o sentimento de tristeza ao ver o sofrimento ou o falecimento de uma criança.

Os profissionais também verbalizaram o sentimento de orgulho de trabalhar no hospital devido à imagem positiva da instituição, por sua idoneidade, pelo tipo de serviço que oferece à população e pelo compromisso com os pacientes, além da instituição ser referência internacional no tratamento do câncer infantil. Estes dados podem influenciar positivamente a dimensão de realização profissional.

Médicos

Obteve-se uma associação significativa da variável problemas de saúde que relaciona ao trabalho com a dimensão desgaste emocional. Como já comentado, é importante que o profissional considere a possibilidade do trabalho desencadear ou agravar o adoecimento físico e mental. Nessa perspectiva, a conscientização e o conhecimento do trabalhador e da instituição sobre as doenças ocupacionais é um aspecto necessário para o diagnóstico e o tratamento precoces e a prevenção.

Encontrou-se correlação positiva entre a dimensão baixa realização profissional com tipo de contrato de trabalho e com o número de empregos. O tipo de contrato denominado terceirizado teve significância estatística, o que leva a supor que a precarização do tipo de vínculo com a instituição faça o profissional se sentir menos valorizado, comparado com os contratados pela CLT. Ademais, o profissional "terceirizado" não recebe alguns benefícios como, por exemplo, o plano de carreira.

Os médicos que possuíam maior número de empregos apresentaram mais sintomas relacionados com baixa realização profissional. Isso pode ser consequência de uma carga horária semanal excessiva, maior tempo de deslocamento e maior cansaço físico e mental, com prejuízo para os momentos de descanso e lazer.

Os profissionais médicos têm aumentado sistematicamente suas horas de trabalho em múltiplos empregos, como mecanismo de compensação para perdas de remuneração e substituição da ocupação autônoma. Melhores salários são necessários para que para que as pessoas não necessitem de tantos empregos e se concentrem em um local de trabalho(6Ramalho MAN, Nogueira-Martins MCF. Vivências de profissionais de saúde da área de oncologia pediátrica. Psicol Estudo. 2007;12(1):123-32.,1111 Nogueira-Martins LA. Saúde mental dos profissionais de saúde.. Rev Bras Med Trab 2003;1(1):56-68.).

Outro fator que pode influenciar na baixa realização profissional é a falta de reconhecimento no trabalho. Em um estudo qualitativo com profissionais de saúde de um hospital oncológico infantil(6Ramalho MAN, Nogueira-Martins MCF. Vivências de profissionais de saúde da área de oncologia pediátrica. Psicol Estudo. 2007;12(1):123-32.), os entrevistados relataram como grande fonte de estresse a falta de reconhecimento de seu trabalho na instituição. O profissional percebia seu investimento no trabalho, mas não tinha o reconhecimento dos colegas ou dos superiores para levar à frente seus projetos e para a criação de formas satisfatórias de atendimento ao público.

Essas observações indicam que o atual modelo de trabalho das instituições hospitalares é insatisfatório e tem como agravantes o excesso de trabalho, os múltiplos empregos, a baixa remuneração e a alta responsabilidade profissional, o que traz dificuldades na relação com os pacientes(1212 Machado MH. Os médicos no Brasil, o retrato de uma realidade. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 1997.). Este desgaste crônico potencializa a ação de fatores que afetam a integridade física e psíquica dos trabalhadores.

O presente estudo encontrou dois dos médicos com os três domínios sugestivos de SB, prevalência de 5,6%. Um estudo realizado com médicos oncologistas(1313 Tucunduva LTCM, Garcia AP, Prudente FVB, Centofanti G, Souza CM, Monteiro TA, et al. A síndrome da estafa profissional em médicos cancerologistas brasileiros. Rev Assoc Med Bras. 2006;52(2):108-12.) encontrou em 3,0% dos profissionais com altas pontuações nas três dimensões da SB. Outro estudo(1111 Nogueira-Martins LA. Saúde mental dos profissionais de saúde.. Rev Bras Med Trab 2003;1(1):56-68.) menciona comportamentos nocivos dos médicos em relação à própria saúde, tendendo a minimizar os riscos, a ter medo do diagnóstico, do tratamento e perda da autoestima.

Entretanto, há inúmeras gratificações psicológicas inerentes à profissão médica: aliviar a dor e o sofrimento, curar doenças, salvar vidas, diagnosticar corretamente, sentir-se competente, ensinar, aconselhar, educar, prevenir doenças, receber reconhecimento e gratidão(1717 Nogueira-Martins LA,. Ramalho MAN Aspectos psicológicos relacionados ao profissional: burnout. In: Camargo B, Kurashima AY. Cuidados paliativos em oncologia pediátrica. São Paulo: Lemar; 2007. p. 187-97.) são algumas características psicológicas que podem contribuir para a prevenção da SB e tornar a profissão muito gratificante. Esses sentimentos positivos, quando aplicados a oncohematologia infantil, podem ser ainda mais acentuados, pois como salientaram os próprios profissionais, o cuidado às crianças inspira força, coragem e gratificação.

Um aspecto que também merece ser destacado em relação à SB em médicos oncologistas é a questão da vivência do luto. Há uma expectativa de que sejam honestos, compassivos e capacitados a aconselhar e confortar os pacientes e familiares em seus momentos de desespero. No entanto, muitas vezes não têm tempo ou espaço para elaborar seu próprio pesar pelo sofrimento e a morte de seus pacientes. O luto não elaborado pode transbordar, interferindo na capacidade de compaixão e investimento emocional nos pacientes(1111 Nogueira-Martins LA. Saúde mental dos profissionais de saúde.. Rev Bras Med Trab 2003;1(1):56-68.).

A instituição estudada é uma referência internacional no tratamento de câncer e doenças hematológicas de crianças e adolescentes e apresenta índice de cura de cerca de 80% dos pacientes. Neste contexto, os profissionais de saúde do hospital se orgulham de fazer parte da equipe multidisciplinar, com índice de satisfação superior a 92%, dado encontrado no presente estudo.

Para atingir estes resultados são exigidos dos seus profissionais de saúde dedicação, excesso de responsabilidade e esforço constante. Na percepção dos profissionais, a administração é rígida e centralizadora e não admite falhas ou falta de comprometimento profissional no cuidado e na assistência à saúde e às necessidades dos usuários, que são pacientes vulneráveis e com doença grave. Para evitar falhas e conflitos nas condutas, a equipe de enfermagem estabeleceu Procedimentos Organizacionais Padrão (POP). As faltas em finais de semana e horas extras sem aviso prévio são passíveis de advertências.

Entre as três categorias profissionais, os enfermeiros apresentaram o maior percentual com um domínio sugestivo de Burnout (50,8%), quando comparado com os técnicos de enfermagem (47,3%) e os médicos (38,8%). Os enfermeiros também apresentaram pontuação elevada para dois domínios da SB (19,2%), seguida dos técnicos (16,8%) e dos médicos (16,6%). Entretanto, os domínios desgaste profissional e baixa realização profissional apresentaram maior nível de correlações com variáveis biossociais para os técnicos de enfermagem, seguido dos médicos e enfermeiros.

Na percepção dos profissionais, a variável problemas de saúde relacionados com o trabalho foi a única que apresentou significância estatística para as três profissões, com alguma das dimensões da SB. Estudo(2222 Palazzo LS, Carlotto MS, Aerts DRC. Burnout Syndrome: population-based study on public servants. Rev Saúde Pública 2012;46(6):1066-73.) demonstra que a percepção dos trabalhadores sobre seu trabalho é fundamental no surgimento da SB, principalmente quando a atividade é vista como estressante.

Com relação aos afastamentos por doença 23,2% da amostra afirmaram pelo menos um afastamento nos últimos dois anos com destaque para lombalgias, estresse e depressão. Esses transtornos mentais podem estar associados como desencadeadores ou precursores de burnout(3Maslach C,. Jackson SE The measurement of experienced burnout. J Occup Behav. 1981;2(2):99-113.).

Conclusão

Nas três categorias profissionais investigadas neste estudo, houve a predominância do sexo feminino, da faixa etária entre 35 e 40 anos de idade, que viviam com o companheiro e que não possuíam filhos. A maioria havia sido contratada pela CLT, trabalhava em turnos e, entre os técnicos de enfermagem e os médicos, mais da metade possuía mais de dois empregos. A média do tempo de trabalho na instituição variou de cinco a nove anos. O índice de satisfação com a profissão, o cargo e o hospital foi elevado.

Verificou-se que nove profissionais estavam com os três domínios sugestivos da SB, uma prevalência de 4,8% para o total da amostra estudada. Constatou-se prevalência sugestiva de SB em 5,3% dos técnicos de enfermagem; 3,5% nos enfermeiros e 5,6% em médicos. Concluiu-se que existe importante vulnerabilidade dos profissionais da saúde para a SB, potencializada pela identificação da presença elevada de cada uma de suas dimensões no ambiente de trabalho hospitalar.

Esses achados podem auxiliar a tomada de decisões quanto à implementação de projetos em educação continuada, a fim de obter melhoria das condições de trabalho, além de servir como fator de conscientização sobre a saúde mental dos trabalhadores. Além disso, sugere-se que outros estudos direcionados à compreensão das relações dos profissionais de saúde e a organização do trabalho, incluindo os fatores internos potencializadores ou protetores da SB, sejam realizados para aprofundar o conhecimento e compreender essa síndrome.

Como limitação do estudo, pontua-se o fato do reduzido número de participantes nas categorias profissionais enfermeiros e médicos (mesmo sendo o total de profissionais da instituição). Outras associações poderiam ser obtidas com um número maior de participantes. Outro aspecto que pode subestimar a prevalência da SB na amostra é o efeito do trabalhador sadio, uma vez que profissionais que não conseguem manejar estratégias defensivas para lidar com o sofrimento de crianças doentes acabam por escolher outro tipo de especialidade e instituição.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2015

Histórico

  • Recebido
    06 Jun 2014
  • Aceito
    12 Jan 2015
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