Acessibilidade / Reportar erro

Prevalência de constipação intestinal autorreferida em adultos da população geral

Resumos

OBJETIVO

Estimar a prevalência de constipação intestinal autorreferida e os fatores associados na população geral de uma cidade brasileira.

MÉTODO

Análise secundária de um estudo epidemiológico, de base populacional e transversal, sobre o hábito intestinal na população brasileira. Foram entrevistados 2.162 indivíduos utilizando-se dois instrumentos: dados sociodemográficos e hábito intestinal na população.

RESULTADOS

Obteve-se prevalência de 25,2% para a constipação autorreferida, sendo 37,2% para mulheres e 10,2% entre homens. Acidente Vascular Encefálico e idade avançada apresentaram associação com constipação nos três modelos estatísticos utilizados.

CONCLUSÃO

A prevalência encontrada mostrou-se similar aos achados na literatura internacional, embora alguns fatores associados aqui obtidos nunca tenham sido investigados.

Constipação Intestinal; Prevalência; Epidemiologia; Enfermagem; Estudos Transversais


OBJECTIVE

To estimate the prevalence of self-reported constipation and associated factors in the general population of a Brazilian city.

METHOD

Secondary analysis of an epidemiological study, population-based, cross-sectional study, about bowel habits of Brazilian population. A total of 2,162 individuals were interviewed using two instruments: sociodemographic data and the adapted and validated Brazilian version of the "Bowel Function in the Community" tool.

RESULTS

There was a prevalence of 25.2% for the self-reported constipation, 37.2% among women and 10.2% among men. Stroke and old age were associated with constipation in the three statistical models used.

CONCLUSION

The prevalence found showed to be similar to the findings in the literature, although some associated factors obtained here have never been investigated.

Constipation; Prevalence; Epidemiology; Nursing; Cross-Sectional Studies


OBJETIVO

Estimar la prevalencia de estreñimiento autorreferido y los factores asociados en la población general de una ciudad brasileña.

MÉTODO

Análisis secundario de un estudio epidemiológico, de base poblacional y transversal, acerca del hábito intestinal en la población brasileña. Fueron entrevistados 2.162 individuos utilizándose dos instrumentos: datos sociodemográficos y hábito intestinal en la población.

RESULTADOS

Se logró prevalencia del 25,2% para el estreñimiento autorreferido, siendo el 37,2% para mujeres y el 10,2% entre los hombres. Accidente Vascular Encefálico y edad avanzada presentaron asociación con constipación en los tres modelos estadísticos utilizados.

CONCLUSIÓN

La prevalencia encontrada se mostró similar a los hallazgos de la literatura internacional, aunque algunos factores asociados aquí obtenidos nunca se hayan investigado.

Constipación; Prevalencia; Epidemiología; Enfermería; Estudios Transversales


Introdução

Constipação intestinal (CI) é uma síndrome baseada em sintomas, definida como defecação insatisfatória, caracterizada por dificuldade na passagem das fezes ou fezes infrequentes, fezes duras ou sensação de evacuação incompleta, que pode ocorrer isolada ou secundariamente a uma doença subjacente(1Bharucha A, Pemberton J, Locke G. American Gastroenterological Association technical review on constipation. Gastroenterology. 2013;144(1):218-38.). Segundo o autorrelato, caracteriza-se por queixa subjetiva influenciada por costumes culturais(2Sanchez MI, Bercik P. Epidemiology and burden of chronic constipation. Can J Gastroenterol. 2011;25(Suppl B):11B-15B.). De acordo com os critérios de Roma III(³), define-se CI quando dois ou mais dos seguintes sintomas estão presentes por, pelo menos, durante três meses, nos últimos seis meses antes do diagnóstico: esforço evacuatório em >25% das evacuações; sensação de evacuação incompleta em >25% das evacuações; menos de três evacuações por semana; sensação de obstrução de saída em >25% das evacuações; manobras manuais facilitadoras de evacuação em >25% das evacuações, por exemplo, manobras digitais, apoiar o assoalho pélvico. Salienta-se ainda que fezes amolecidas estão raramente presentes sem o uso de laxativos e o paciente possui critérios insuficientes para síndrome do intestino irritável.

As prevalências de CI variam entre 2,6% e 30,7%, conforme indicam alguns estudos(4Schmidt FMQ, Santos VLCG. Prevalence of constipation in the general adult population: an integrative review. J Wound Ostomy Continence Nurs. 2014;41(1):70-6.

Suares NC, Ford AC. Prevalence of, and risk factors for, chronic idiopathic constipation in the community: systematic review and meta-analysis. Am J Gastroenterol. 2011;106(9):1582-91.

Wasserman MS, Francisconi C, Olden K, Paíz LA, Bustos-Fernández L, Cohen H, Passos MC et al. The Latin-American Consensus on Chronic Constipation. Gastroenterol Hepatol. 2008;31(2):59-74.

Peppas G, Alexiou VG, Mourtzoukou E, Falagas ME. Epidemiology of constipation in Europe and Oceania: a systematic review. BMC Gastroenterol. 2008;8:5.
-8Jun DW, Park HY, Lee OY, Lee HL, Yoon BC, Choi HS, et al. A population-based study on bowel habits in a Korean community: prevalence of functional constipation and self-reported constipation. Dig Dis Sci. 2006;51(8):1471-7.), destacando-se o sexo feminino e a idade avançada como fatores associados(4Schmidt FMQ, Santos VLCG. Prevalence of constipation in the general adult population: an integrative review. J Wound Ostomy Continence Nurs. 2014;41(1):70-6.).

Com o intuito de fornecer recomendações para avaliação, diagnóstico e tratamento da CI, e a partir de uma revisão sistemática da literatura realizada por especialistas de toda a região, publicou-se o Consenso Latino-Americano de Constipação Crônica, em novembro de 2005, que aponta a existência de poucos estudos epidemiológicos sobre o tema na América Latina(6).

Um histórico completo, incluindo cirurgias, hábitos alimentares e medicamentos em uso, fazem parte da avaliação do paciente com CI realizada pelo enfermeiro(9Woodward S. Assessment and management of constipation in older people. Nurs Older People. 2012;24(5):21-6.). A compreensão adequada sobre os sintomas dos distúrbios gastrointestinais, funcionais (DGIFs) ou não, faz-se necessária por parte dos profissionais de saúde, para reconhecer o impacto sobre os pacientes e uma base racional para saber diagnosticá-los e tratá-los(1010 Drossman DA. The functional gastrointestinal disorders and the Rome III process.. Gastroenterology 2006;130(5):1377-90.).

Devemos levar em consideração que a CI pode causar graves complicações, como fecaloma, pseudodiarreia, úlcera estercoral, volvo e perfuração intestinal, principalmente nos pacientes com megacólon e megarreto. Portanto, o reconhecimento desse sintoma e o tratamento precoce são indispensáveis para se evitar complicações e melhorar a qualidade de vida dos pacientes(1111 Chehter L. Constipação intestinal funcional crônica. RBM Rev Bras Med. 2012;69 (12):121-24.). Ademais, dentro da área especializada da Enfermagem em Estomaterapia, as incontinências incluem a constipação como uma de suas subáreas de expertise. O cuidado de pessoas com constipação - que pode ocorrer em qualquer cenário de atenção à saúde, principalmente nas instituições hospitalares e de longa permanência e nos extremos de vida - constitui relevante área de atenção para a Enfermagem, especializada ou não.

Diante do exposto e frente à escassez de estudos epidemiológicos na América Latina, especificamente no Brasil, justifica-se a realização deste estudo que objetivou estimar a prevalência de CI autorreferida e identificar os fatores associados a essa ocorrência em adultos da população geral.

Método

Trata-se de análise secundária, desenvolvida a partir de um estudo epidemiológico de base populacional, descritivo, exploratório, transversal, com abordagem quantitativa, realizado entre 2008 e 2009, na área urbana do município de Londrina - Paraná, sobre o hábito intestinal dessa população(1212 Domansky RC. Avaliação do hábito instestinal e fatores de risco para incontinência anal na população geral [tese doutorado]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009.). À época da coleta de dados, o município contava com uma população de 447.065 habitantes, dos quais, 305.695 indivíduos com idade igual e superior a 18 anos, de acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE de 2000. Fizeram parte da população do estudo todos os indivíduos residentes na área urbana desse município, subdividido em 390 setores censitários, agrupados em cinco regiões (norte, sul, leste, oeste e centro). A população foi estratificada por sexo e idade. A amostra do estudo foi composta de todos os moradores presentes nos domicílios, selecionados por meio de amostragem probabilística por conglomerado e que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ter idade igual ou superior a 18 anos, ter condições para responder às perguntas da entrevista e aceitar participar do estudo. Tendo-se acesso ao mapa do município, contendo todos os logradouros e os 390 setores censitários segundo o IBGE; às informações sobre a população geral por setor censitário; e ao número de elementos de cada região, segundo a idade e o sexo, obteve-se o cálculo da amostra constituída de 2.000 indivíduos. Em seguida, a seleção dos conglomerados foi realizada por meio de sorteio, sendo primeiramente sorteados os setores censitários de cada uma das regiões, seguindo-se do sorteio da rua do setor censitário a ser visitada, ou seja, o conglomerado. Ao final, a amostra foi constituída de 2.162 indivíduos, majoritariamente mulheres (1.203 - 56%); brancos (1.591 - 73,6%); pessoas em união estável (59,7% - 1.290); alfabetizados (97,5% - 2.108), com 0 a 33 anos de estudo referidos (média 9,4; DP=4,5 anos); 809 (37,4%) entrevistados não possuíam ocupação definida. A idade variou de 18 a 93 anos (média 40,6; DP=16,4 anos); a renda familiar mensal média dos participantes era de 3,8 (DP=3,3) salários mínimos; e o número de dependentes da renda mensal familiar variou de 1 a 13 pessoas (média 3,1; DP=1,4).

O projeto de pesquisa do estudo primário foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (processo nº 485/2005/CEPEEUSP) e contou com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo nº 2006/50006-1.

A coleta de dados foi realizada nos meses de abril e maio de 2008, por dez alunos de graduação do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual de Londrina - UEL, previamente submetidos a um processo de capacitação envolvendo os objetivos e procedimentos da pesquisa, com ênfase na coleta de dados, por meio da técnica de entrevista. Durante a coleta dos dados, todos os residentes ocupantes dos domicílios que compuseram os conglomerados foram entrevistados. Os participantes do estudo foram esclarecidos acerca dos objetivos da pesquisa, manifestando seu consentimento em participar por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Foram utilizados dois instrumentos para a coleta dos dados. O primeiro foi constituído dos dados demográficos dos sujeitos (nome, idade e data de nascimento, sexo, cor da pele, escolaridade, profissão e ocupação, situação conjugal, renda mensal familiar e número de dependentes desta renda). E o segundo instrumento, Hábito Intestinal na População, em sua versão adaptada e validada para o Brasil(1313 Domansky R,. Santos VLCG Cross cultural adaptation and validation of The Bowel Function in the Community toll to Brazil. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2009 [cited 2014 Oct 13];43(n.spe):1114-29. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43nspe/en_a16v43ns.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43nspe/...
), destinou-se à avaliação do hábito intestinal da amostra. Esse instrumento contém 68 questões, das quais 67 são de múltipla escolha (2 a 9 alternativas de resposta). A última questão inclui 17 sintomas gerais não relacionados com o hábito intestinal. Embora o instrumento não possua escores, cada alternativa de resposta recebe uma pontuação que varia de 0 a 9. As questões são subdivididas em: hábito intestinal geral; presença de incontinência anal; sintomas urinários; história de doenças anorretais e histórico cirúrgico; uso de serviços médicos e fatores de risco para incontinência anal. Considerando-se que o presente estudo objetivou a avaliação da prevalência da CI (questão 14) e de seus fatores associados, utilizaram-se os itens contidos nos agrupamentos hábito intestinal geral, história de doenças anorretais e histórico cirúrgico (questões 46 a 50 e 53 a 59).

Os dados provenientes de ambos os instrumentos foram analisados empregando-se o software R 3.1.1, R Core Team (2013).

A prevalência de CI foi analisada segundo o autorrelato, considerando-se constipado o indivíduo que verbalizou a alternativa de resposta 1 (tive constipação intestinal com frequência, mais de 25% das vezes) ou a resposta 2 (às vezes tive constipação, menos de 25% das vezes), e a questão número 14 do instrumento específico, que trata da regularidade ou frequência com que a pessoa evacuou no ano passado.

Para o estudo dos fatores associados (variáveis independentes), os dados foram submetidos inicialmente à análise univariada, empregando-se o Teste Qui-Quadrado (X²) de Pearson, com nível de significância de 5%. Para a análise univariada, foram apresentados, como medidas de efeito, os Odds Ratio (OR) brutos. Para melhor elucidar essas relações e analisar o efeito de cada variável ajustado para o efeito das demais, realizou-se regressão logística multivariada. As associações finais foram medidas pelo Odds Ratio ajustado (ORaj), com respectivos Intervalos de Confiança 95% (IC95%). Para estabelecer as relações entre as variáveis demográficas e clínicas e entre todas as variáveis significantes, desenvolveram-se três modelos de análise multivariada: um modelo geral, com todos os indivíduos constipados e dois modelos estratificados por sexo. No modelo geral, foram testadas as variáveis radioterapia, abscesso ou infecção, fístula, fissura anal, cirurgia no reto ou ânus, acidente vascular encefálico - AVE, prolapso retal, hemorroidas, trauma ou ferimento ao redor do ânus, diabetes mellitus, reduzir ou empurrar hemorroidas e distúrbios do sistema nervoso. No modelo para o sexo feminino incluíram-se também: história de parto, presença de lesão ou laceração do ânus durante o parto e antecedente de histerectomia ou retocele, além das demais variáveis incluídas também nos outros dois modelos. O p valor utilizado foi de 5%.

A qualidade e o poder discriminante dos modelos ajustados foram analisados por meio da curva Receiver Operating Characteristics (ROC)(14) para cada um dos três modelos. A curva ROC mede a acurácia das probabilidades estimadas ao predizer CI.

Resultados

Dos 2.162 entrevistados, 546 foram considerados constipados segundo o autorrelato; 340 (62,3% / 15,7%) dos quais afirmando que já tiveram CI com frequência e 206 (37,7% / 9,5%), às vezes.

A prevalência estimada de CI foi de 25,2% (IC 23,4% - 27,1%), sendo de 37,2 % para as mulheres e de 10,2% entre os homens.

A Figura 1 mostra que a CI aumenta conforme a idade, tanto no sexo masculino como para toda a amostra, a partir dos 60 anos. Para todos os grupos, a CI mostra as maiores prevalências entre os mais idosos (75 a 100 anos).

Figura 1
Prevalência de CI conforme idade e sexo - Londrina, PR, Brasil, 2008

Dentre as variáveis demográficas associadas à CI, a Tabela 1 destaca que as mulheres têm 4,8 (IC 95% 3,8 - 6,2) vezes mais chances de referir constipação comparativamente aos homens; indivíduos entre 75 e 100 anos apresentam 1,8 (IC 95% 1,0 - 3,2) mais chances comparativamente aos de idades menores. Para os fatores clínicos, destacam-se a presença de fístula (OR = 2,9 / IC 95% 1,1 - 7,9); fissura anal (OR = 1,8 / IC 95% 1,1 - 3,0); cirurgia do reto ou ânus (OR = 2,2 / IC 95% 1,2 - 6,0); trauma ou ferimento ao redor do ânus (OR = 2,6 / IC 95% 1,2 - 6,0); hemorroidas (OR = 1,9 / IC 95% 1,4 - 2,6); distúrbios do sistema nervoso central (OR = 1,6 / IC 95% 1,2 - 2,0); e AVE (OR = 3,9 / IC 95% 1,7 - 9,6).

Tabela 1
Odds Ratio (OR) observada e estimada e IC 95 % para a associação entre CI autorreferida e as variáveis sociodemográficas e clínicas - Londrina, PR, Brasil, 2008

A Tabela 2 mostra que a etnia negra (OR = 1,3 / IC 95% 0,8 - 2,1) e a faixa etária entre 75 e 100 anos (OR = 0,8 / IC 95% 0,4 - 1,5) destacam-se como fatores demográficos associados à CI entre as mulheres e a faixa etária entre 75 e 100 anos (OR = 7,6 / IC 95% 3,3 - 17,0), entre os homens. Em relação às variáveis clínicas, apenas o AVE manteve associação estatisticamente significante em ambos os sexos. Fissura anal, cirurgia no ânus ou reto, trauma ou ferimento ao redor do ânus, retocele e hemorroidas destacam-se entre as mulheres e, para os homens, o distúrbio no sistema nervoso e AVE. As variáveis idade e AVE repetiram-se nos três modelos.

Tabela 2
Odds ratio estimada e observada e IC 95% para as associações entre a presença de CI e as variáveis sociodemográficas e clínicas, segundo o sexo - Londrina, PR, Brasil, 2008

Os modelos mostraram-se precisos ao obter valores de C que variaram de 0,74 (para o modelo geral) a 0,64 e 0,63, respectivamente para os modelos no sexo masculino e feminino, caracterizando precisão muito boa e boa respectivamente.

Discussão

Estudos epidemiológicos de base populacional são de extrema importância, uma vez que a partir deles pode-se estudar a ocorrência e o mapeamento de doenças nas populações humanas e definir estratégias de prevenção e controle, proporcionando, dessa forma, grande contribuição à melhoria da saúde das populações(1515 Bonita R, Beaglehole R, Kjellstrom T. Epidemiologia básica. São Paulo: Santos; 2012.).

No presente estudo, a prevalência de CI obtida (25,2%) assemelha-se às taxas encontradas na literatura sobre o tema quando se utiliza o autorrelato.

Estudo americano prospectivo de coorte, de base populacional, sobre a constipação crônica na comunidade, utilizou o questionário The Talley Bowel Disease Questionnaire, enviado aos participantes em diferentes períodos (1988 a 1994, 2003, 2004, 2008 e 2009). O total de 2.853 indivíduos responderam, no mínimo, dois questionários enviados em dois períodos diferentes, mostrando constipação persistente em 3%, constipação não persistente em 21% e sem CI para 76%(1616 Choung RS, Locke GR, Rey E, Schleck CD, Baum C, Zinsmeister AR, et al. Factors associated with persistant and non-persistant chronic constipation, over 20 years. Clin. Gastroenterol Hepatol 2012;10(5):494-500.). Em estudo populacional brasileiro(1717 Collete VL, Araújo CL, Madruga SW. Prevalência e fatores associados à constipação intestinal: um estudo de base populacional em Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública. 2010;26(7):1391-402.), com amostra sistemática de 2.946 participantes (idade ≥ 20 anos), a prevalência de CI autorreferida (25,6%) foi bastante similar àquela obtida no presente estudo. Prevalência um pouco superior (29,5% para o autorrelato) aos resultados de ambos os estudos foi encontrada em uma publicação espanhola (N=349)(1818 Garrigues V, Galvez C, Ortiz V, Ponce M, Nos P, Ponce J. Prevalence of constipation: agreement among several criteria and evaluation of the diagnostic accuracy of qualifying symptoms and self-reported definition in a population-based survey in Spain. Am J Epidemiol. 2004;159(5):520-6.).

Algumas revisões de literatura têm abordado a epidemiologia da CI. Em revisão de literatura, incluindo 100 estudos de coorte de base populacional, estudos de caso controle, transversais e ensaios clínicos randomizados, extraídos das bases MEDLINE, EMBASE e EMBASE clássico, de 1947 a 2010, empregando-se critérios de ROMA I, II e III ou o diagnóstico médico para a definição de CI, os autores(5Suares NC, Ford AC. Prevalence of, and risk factors for, chronic idiopathic constipation in the community: systematic review and meta-analysis. Am J Gastroenterol. 2011;106(9):1582-91.) estimaram a prevalência global de 14% para a CI em pessoas com idade ≥ 15 anos. Em outra revisão integrativa(4Schmidt FMQ, Santos VLCG. Prevalence of constipation in the general adult population: an integrative review. J Wound Ostomy Continence Nurs. 2014;41(1):70-6.), que incluiu somente estudos de base populacional (2005 a 2011), nas bases CINAHL, LILACS e MEDLINE, as autoras encontraram prevalências de CI variando de 2,6% a 26,9%.

A variação nos resultados dos estudos de prevalência está diretamente relacionada aos critérios utilizados na definição de CI, por meio do autorrelato ou dos Critérios de Roma(3Longstreth GF, Thompson WG, Chey WD, Houghton LA, Mearin F, Spiller RC. Functional bowel disorders.. Gastroenterology 2006;130(5):1480-91.).

Diversos fatores associaram-se à ocorrência da CI neste estudo, seja para toda a amostra, seja particularmente para mulheres e homens. O sexo feminino mostrou-se fortemente associado à CI, o que é corroborado por inúmeros outros estudos epidemiológicos(8Jun DW, Park HY, Lee OY, Lee HL, Yoon BC, Choi HS, et al. A population-based study on bowel habits in a Korean community: prevalence of functional constipation and self-reported constipation. Dig Dis Sci. 2006;51(8):1471-7.-9Woodward S. Assessment and management of constipation in older people. Nurs Older People. 2012;24(5):21-6.,1818 Garrigues V, Galvez C, Ortiz V, Ponce M, Nos P, Ponce J. Prevalence of constipation: agreement among several criteria and evaluation of the diagnostic accuracy of qualifying symptoms and self-reported definition in a population-based survey in Spain. Am J Epidemiol. 2004;159(5):520-6.) e revisões de literatura(4Schmidt FMQ, Santos VLCG. Prevalence of constipation in the general adult population: an integrative review. J Wound Ostomy Continence Nurs. 2014;41(1):70-6.

Suares NC, Ford AC. Prevalence of, and risk factors for, chronic idiopathic constipation in the community: systematic review and meta-analysis. Am J Gastroenterol. 2011;106(9):1582-91.

Wasserman MS, Francisconi C, Olden K, Paíz LA, Bustos-Fernández L, Cohen H, Passos MC et al. The Latin-American Consensus on Chronic Constipation. Gastroenterol Hepatol. 2008;31(2):59-74.
-7Peppas G, Alexiou VG, Mourtzoukou E, Falagas ME. Epidemiology of constipation in Europe and Oceania: a systematic review. BMC Gastroenterol. 2008;8:5.,1919 Higgins PD, Johanson JF. Epidemiology of constipation in North America: a systematic review.. Am J Gastroenterol 2004;99(4):750-9.-2020 Nellesen D, Yee K, Chawla A, Lewis BE, Carson RT. A systematic review of the economic and humanistic burden of illness in irritable bowel syndrome and chronic constipation. J Manag Care Pharm. 2013;19(09):755-64.). A CI em mulheres parece ser mais comum por razões como a gravidez e o parto(4Schmidt FMQ, Santos VLCG. Prevalence of constipation in the general adult population: an integrative review. J Wound Ostomy Continence Nurs. 2014;41(1):70-6.). Alterações hormonais próprias do sexo feminino, bem como fatores comportamentais, histórias de abuso sexual, físico e emocional, podem estar relacionados a distúrbios do sistema digestório(1717 Collete VL, Araújo CL, Madruga SW. Prevalência e fatores associados à constipação intestinal: um estudo de base populacional em Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública. 2010;26(7):1391-402.).

Outra variável demográfica importante na epidemiologia da CI é a idade, sendo maior entre os idosos(4Schmidt FMQ, Santos VLCG. Prevalence of constipation in the general adult population: an integrative review. J Wound Ostomy Continence Nurs. 2014;41(1):70-6.,1919 Higgins PD, Johanson JF. Epidemiology of constipation in North America: a systematic review.. Am J Gastroenterol 2004;99(4):750-9.,2121 Costilla VC, Foxx-Orenstein AE. Constipation: understanding mechanisms and management. Clin Geriatr Med. 2014;30(1):107-15.-2222 Ebling B, Gulić S, Jurcić D, Martinac M, Gmajnić R, Bilić A, et al. Demographic, anthropometric and socioeconomic characteristics of functional constipation in Eastern Croatia. Coll Antropol. 2014;38(2):539-46.). Não só as alterações fisiológicas do envelhecimento como mobilidade reduzida, condições de saúde e uso de medicamentos predispõem os idosos ao desenvolvimento de CI(2323 Gardner A. Constipation: Causes, assessment and mana gemer. Nurs Resid Care. 2013;15(6):410-15-2424 McCrea L, Miaskowski C, Stotts N, Macera L, Varma MG. Pathophysiology of constipation in the older adult. World J Gastroenterol. 2008;14(17):2631-8.), demandando avaliação diagnóstica mais precisa e tratamento específico da CI nessa população(1010 Drossman DA. The functional gastrointestinal disorders and the Rome III process.. Gastroenterology 2006;130(5):1377-90.,2525 Roger J. Management of constipation in the community. J Community Nur. 2013;27(2):20-4.)..

Doenças, alterações ou cirurgias anorretais prévias também mostraram associações estatisticamente significativas com a presença de CI, tanto na amostra geral de constipados como entre as mulheres. Similarmente a esses achados, em estudo de coorte retrospectivo(2626 Arora G, Mannalithara A, Mithal A, Triadafilopoulos G, Singh G. Concurrent conditions in patients with chronic constipation: a population-based study. PLoS One. 2012;7(10):e42910.), as hemorroidas foram uma condição prevalente nos pacientes constipados. Associações com fissuras, fístulas e traumas não foram encontradas em outros estudos epidemiológicos de base populacional sobre CI. Dor e medo resultam em maiores dificuldades evacuatórias. Doenças como hemorroidas e fissura anal, nos casos menos avançados, podem ser tratadas clinicamente com mudanças na dieta, consumo de fibras e líquidos e adequada higienização da região anal, que são cuidados fundamentais para a evolução do quadro, assim como o uso de medicamentos tópicos(2727 Sobrado CW. Tratamento tópico das doenças anorretais.. RBM Rev Bras Med 2013; 71(1):34-42).

As associações entre CI e AVE, obtidas nos três modelos de regressão realizados neste estudo, também têm sido documentadas em outras publicações, em cenário de reabilitação (22,9%)(28) ou em unidades hospitalares (7%)(29). Alguns autores(30) verificaram CI em 30% de pacientes com demência.

Contribuições e limitações do estudo

A presente investigação constitui um dos poucos estudos epidemiológicos de base populacional delineados com esse objetivo específico em nosso meio. Desse modo, além da contribuição inerente à própria avaliação da prevalência de CI em amostra populacional brasileira, alguns dos fatores de associação aqui analisados (doenças anorretais e do sistema nervoso) não são usualmente testados na população geral, mas apenas em grupos específicos.

Por tratar-se de um estudo secundário, que utilizou um instrumento padronizado para a coleta dos dados (Hábito Intestinal na População), constatou-se ausência de itens relevantes para a avaliação específica da CI, como os hábitos de vida, incluindo os alimentares, que influenciam o funcionamento intestinal.

Diante das contribuições e limitações do estudo, da grande variação na prevalência de CI encontrada na população geral, bem como das lacunas apontadas no Consenso Latino-Americano sobre Constipação Crônica, reiteram-se as recomendações destacadas sobre a necessidade de realização de outros estudos epidemiológicos sobre CI na América Latina e, principalmente, no Brasil, em outras regiões além da sul e sudeste. Certamente, a caracterização epidemiológica do hábito intestinal da população brasileira, incluindo as disfunções como a CI, possibilitarão o desenvolvimento de políticas públicas relacionadas ao diagnóstico precoce dessas condições, assim como o controle dos fatores a elas associados.

Salienta-se a importância do enfermeiro no desenvolvimento de estudos epidemiológicos, bem como na elaboração das políticas públicas relacionadas aos distúrbios gastrointestinais. O enfermeiro é o profissional que faz o primeiro contato com o paciente e através da anamnese e de um exame físico minucioso deve estar apto a reconhecer e levantar os fatores associados à CI, desenvolvendo um papel fundamental na orientação dos pacientes e no alívio dos sintomas. Desta maneira, torna-se imprescindível o estudo e o conhecimento sobre CI, suas causas e principais fatores associados, por parte do profissional de enfermagem, visando assim à detecção precoce desse sintoma, ao tratamento adequado e à prevenção de complicações, repercutindo positivamente sobre o controle dos sintomas e a qualidade de vida das pessoas acometidas por essa condição.

Conclusão

No presente estudo, a prevalência de CI da população geral de Londrina, Paraná, de acordo com o autorrelato, foi de 25,2%, sendo de 37,2% para as mulheres e de 10,2% para os homens, mostrando-se crescente conforme o aumento da idade. AVE e idade apresentaram associação com CI nos três modelos estatísticos utilizados.

  • 1
    Bharucha A, Pemberton J, Locke G. American Gastroenterological Association technical review on constipation. Gastroenterology. 2013;144(1):218-38.
  • 2
    Sanchez MI, Bercik P. Epidemiology and burden of chronic constipation. Can J Gastroenterol. 2011;25(Suppl B):11B-15B.
  • 3
    Longstreth GF, Thompson WG, Chey WD, Houghton LA, Mearin F, Spiller RC. Functional bowel disorders.. Gastroenterology 2006;130(5):1480-91.
  • 4
    Schmidt FMQ, Santos VLCG. Prevalence of constipation in the general adult population: an integrative review. J Wound Ostomy Continence Nurs. 2014;41(1):70-6.
  • 5
    Suares NC, Ford AC. Prevalence of, and risk factors for, chronic idiopathic constipation in the community: systematic review and meta-analysis. Am J Gastroenterol. 2011;106(9):1582-91.
  • 6
    Wasserman MS, Francisconi C, Olden K, Paíz LA, Bustos-Fernández L, Cohen H, Passos MC et al. The Latin-American Consensus on Chronic Constipation. Gastroenterol Hepatol. 2008;31(2):59-74.
  • 7
    Peppas G, Alexiou VG, Mourtzoukou E, Falagas ME. Epidemiology of constipation in Europe and Oceania: a systematic review. BMC Gastroenterol. 2008;8:5.
  • 8
    Jun DW, Park HY, Lee OY, Lee HL, Yoon BC, Choi HS, et al. A population-based study on bowel habits in a Korean community: prevalence of functional constipation and self-reported constipation. Dig Dis Sci. 2006;51(8):1471-7.
  • 9
    Woodward S. Assessment and management of constipation in older people. Nurs Older People. 2012;24(5):21-6.
  • 10
    Drossman DA. The functional gastrointestinal disorders and the Rome III process.. Gastroenterology 2006;130(5):1377-90.
  • 11
    Chehter L. Constipação intestinal funcional crônica. RBM Rev Bras Med. 2012;69 (12):121-24.
  • 12
    Domansky RC. Avaliação do hábito instestinal e fatores de risco para incontinência anal na população geral [tese doutorado]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2009.
  • 13
    Domansky R,. Santos VLCG Cross cultural adaptation and validation of The Bowel Function in the Community toll to Brazil. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2009 [cited 2014 Oct 13];43(n.spe):1114-29. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43nspe/en_a16v43ns.pdf
    » http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43nspe/en_a16v43ns.pdf
  • 14
    Hosmer DW, Lemeshow S. Applied logistic regression. New York: John Wiley & Sons; 1989.
  • 15
    Bonita R, Beaglehole R, Kjellstrom T. Epidemiologia básica. São Paulo: Santos; 2012.
  • 16
    Choung RS, Locke GR, Rey E, Schleck CD, Baum C, Zinsmeister AR, et al. Factors associated with persistant and non-persistant chronic constipation, over 20 years. Clin. Gastroenterol Hepatol 2012;10(5):494-500.
  • 17
    Collete VL, Araújo CL, Madruga SW. Prevalência e fatores associados à constipação intestinal: um estudo de base populacional em Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública. 2010;26(7):1391-402.
  • 18
    Garrigues V, Galvez C, Ortiz V, Ponce M, Nos P, Ponce J. Prevalence of constipation: agreement among several criteria and evaluation of the diagnostic accuracy of qualifying symptoms and self-reported definition in a population-based survey in Spain. Am J Epidemiol. 2004;159(5):520-6.
  • 19
    Higgins PD, Johanson JF. Epidemiology of constipation in North America: a systematic review.. Am J Gastroenterol 2004;99(4):750-9.
  • 20
    Nellesen D, Yee K, Chawla A, Lewis BE, Carson RT. A systematic review of the economic and humanistic burden of illness in irritable bowel syndrome and chronic constipation. J Manag Care Pharm. 2013;19(09):755-64.
  • 21
    Costilla VC, Foxx-Orenstein AE. Constipation: understanding mechanisms and management. Clin Geriatr Med. 2014;30(1):107-15.
  • 22
    Ebling B, Gulić S, Jurcić D, Martinac M, Gmajnić R, Bilić A, et al. Demographic, anthropometric and socioeconomic characteristics of functional constipation in Eastern Croatia. Coll Antropol. 2014;38(2):539-46.
  • 23
    Gardner A. Constipation: Causes, assessment and mana gemer. Nurs Resid Care. 2013;15(6):410-15
  • 24
    McCrea L, Miaskowski C, Stotts N, Macera L, Varma MG. Pathophysiology of constipation in the older adult. World J Gastroenterol. 2008;14(17):2631-8.
  • 25
    Roger J. Management of constipation in the community. J Community Nur. 2013;27(2):20-4.
  • 26
    Arora G, Mannalithara A, Mithal A, Triadafilopoulos G, Singh G. Concurrent conditions in patients with chronic constipation: a population-based study. PLoS One. 2012;7(10):e42910.
  • 27
    Sobrado CW. Tratamento tópico das doenças anorretais.. RBM Rev Bras Med 2013; 71(1):34-42
  • 28
    Doshi VS, Say JH, Young SH, Doraisamy P. Complications in stroke patients: a study carried out at the Rehabilitation Medicine Service, Changai General Hospital. Singapore Med J. 2003;44(12):643-52.
  • 29
    Ingeman A, Andersen G, Hundborg H, Svendsen M, Johnsen S. Processes of care and medical complications in patients with stroke. Stroke. 2011;42(1):167-72.
  • 30
    Stubendorff K, Aarsland D, Minthon L, Londos E. The impact of autonomic dysfunction on survival in patients with dementia with Lewy bodies and Parkinson's disease with dementia.. PLoS One 2012;7(10):454-51.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    20 Out 2014
  • Aceito
    02 Mar 2015
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: reeusp@usp.br