Resumos
OBJETIVO
Verificar se o tipo de doador é fator de risco para infecção nos pacientes transplantados renais.
MÉTODO
Revisão Sistemática da Literatura com Metanálise realizada nas bases de dados MEDLINE, LILACS, Embase, Cochrane, Web of Science, SciELO e CINAHL.
RESULTADOS
Foram selecionados 198 artigos e incluídos quatro estudos observacionais que descreveram as infecções apresentadas entre os pacientes distinguindo o tipo de doador. Através da metanálise, foi evidenciado que em pacientes submetidos a transplante de doador falecido, o desfecho infecção foi 2,65 maior, em relação aos que recebem o órgão de doador vivo.
CONCLUSÃO
O estudo permitiu verificar que receptores de rim de doador falecido apresentam maior risco para o desenvolvimento de infecções e que emerge a necessidade de estabelecimento e cumprimento de protocolos desde o manejo adequado do tempo de isquemia à prevenção e controle de infecção nesta população.
Transplante de Rim; Doadores de Tecidos; Doadores Vivos; Infecção; Revisão
OBJECTIVE
To verify if the type of donor is a risk factor for infection in kidney transplant recipients.
METHODS
Systematic Review of Literature with Meta-analysis with searches conducted in the databases MEDLINE, LILACS, Embase, Cochrane, Web of Science, SciELO and CINAHL.
RESULTS
We selected 198 studies and included four observational studies describing infections among patients distinguishing the type of donor. Through meta-analysis, it was shown that in patients undergoing deceased donor transplant, the outcome infection was 2.65 higher, than those who received an organ from a living donor.
CONCLUSION
The study showed that deceased kidney donor recipients are at an increased risk for developing infections and so the need for establishing and enforcing protocols from proper management of ischemic time to the prevention and control of infection in this population emerges.
Kidney Transplantation; Tissue Donors; Living Donors; Infection; Review
OBJETIVO
Verificar si el tipo de donante es factor de riesgo para infección en los pacientes trasplantados renales.
MÉTODO
Revisión Sistemática de la Literatura con Metanálisis llevado a cabo en las bases de datos MEDLINE, LILACS, Embase, Cochrane, Web of Science, SciELO y CINAHL.
RESULTADOS
Se seleccionaron 198 artículos y se incluyeron cuatro estudios observacionales que describieron las infecciones presentadas entre los pacientes, distinguiéndose el tipo de donante. Mediante el metanálisis, se evidenció que en pacientes sometidos a trasplante de donante fallecido, el resultado infección fue 2,65 mayor, con relación a quienes reciben el órgano de donante vivo.
CONCLUSIÓN
El estudio permitió verificar que receptores de riñón de donante fallecido presentan mayor riesgo para el desarrollo de infecciones y que emerge la necesidad de establecimiento y cumplimiento de protocolos desde el manejo adecuado del tiempo de isquemia hasta la prevención y el control de infección en esa población.
Trasplante de Riñón; Donantes de Tejidos; Donadores Vivos; Infección; Revisión
Introdução
O transplante renal foi introduzido como terapia substitutiva em larga escala a partir da década de 1960, alcançando expressivo crescimento na década de 1980(11 Sementtili A, David DR, Malheiros D, Visona I, Pegas KL, Franco M, et al. Patologias do transplante renal: achados morfológicos principais e como laudar biopsias. J Bras Patol Med Lab. 2008;44(4):293-304.).
A introdução de novos agentes imunossupressores proporcionou importante diminuição da incidência de rejeição aguda (RA)(11 Sementtili A, David DR, Malheiros D, Visona I, Pegas KL, Franco M, et al. Patologias do transplante renal: achados morfológicos principais e como laudar biopsias. J Bras Patol Med Lab. 2008;44(4):293-304.).
São definidos como critérios para transplante renal: avaliações médica, cirúrgica e
psicossocial do paciente. Realização de exames e a avaliação de compatibilidade com o
possível doador (Antígenos Leucocitários Humanos-HLA)(11 Sementtili A, David DR, Malheiros D, Visona I, Pegas KL, Franco M, et
al. Patologias do transplante renal: achados morfológicos principais e como laudar
biopsias. J Bras Patol Med Lab. 2008;44(4):293-304.
2 Ramos E, Klein CL, Sayegh MH, Brennam DC. Evaluation of the potential
renal transplant recipient [Internet]. [cited 2015 Jan 30]. Available from:
http://www.uptodate.com/contents/evaluation-of-the-potential-renal-transplant-recipient
http://www.uptodate.com/contents/evaluat...
-33 Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Registro Brasileiro de
Transplantes (RBT), 2014 [Internet]. São Paulo: ABTO; 2015 [citado 2015 jan. 30].
Disponível em: http://www.abto.org.br/
http://www.abto.org.br/...
).
As contraindicações absolutas e relativas de transplante ao paciente são: infecção
ativa, prognóstico de sobrevida baixo, problemas psiquiátricos graves, psicose não
controlada, dependência química, doença coronariana, hepatite ativa e possível não
adesão ao tratamento. Não estão incluídas entre as contraindicações: a idade
avançada, o paciente ter sido transplantado anteriormente(11 Sementtili A, David DR, Malheiros D, Visona I, Pegas KL, Franco M, et
al. Patologias do transplante renal: achados morfológicos principais e como laudar
biopsias. J Bras Patol Med Lab. 2008;44(4):293-304.-22 Ramos E, Klein CL, Sayegh MH, Brennam DC. Evaluation of the potential
renal transplant recipient [Internet]. [cited 2015 Jan 30]. Available from:
http://www.uptodate.com/contents/evaluation-of-the-potential-renal-transplant-recipient
http://www.uptodate.com/contents/evaluat...
).
No ano de 2014, segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia, o número de pessoas com insuficiência renal, no Brasil, era na ordem de 54 mil, sendo que uma parcela deste contingente correspondendo a 48.198 necessitou de hemodiálise e somente 6,2% dos pacientes com insuficiência renal crônica foi submetido ao Transplante Renal.
Em 2010, no período de janeiro a junho foram realizados 1.486 transplantes de rins,
um avanço de 21% em relação ao mesmo período do ano anterior. No ano de 2013 foram
realizados 5.433 transplantes de rim no Brasil. Tal aumento pode ser explicado por um
possível crescimento da captação de órgãos em razão de uma maior conscientização da
sociedade brasileira e o crescimento do acesso ao tratamento no período(33 Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Registro Brasileiro de
Transplantes (RBT), 2014 [Internet]. São Paulo: ABTO; 2015 [citado 2015 jan. 30].
Disponível em: http://www.abto.org.br/
http://www.abto.org.br/...
).
O grande desafio em transplantes renais é o manejo das complicações infecciosas que
aumentam significativamente a morbidade e mortalidade para esta população(44 Patel R, Paya CV. Infections in solid-organ transplant recipients. Clin
Microbiol Rev. 1997;10(1):86-124.). Diversos fatores de risco
relacionados com complicações infecciosas estão presentes após o transplante renal,
destacando-se a necessidade de utilização permanente de imunossupressão, condições
socioeconômicas, compatibilidade HLA e tipo de doador(55 Garcia GG, Harden PN, Chapman JR. World Kidney Day 2012: the global role
of kidney transplantation. Am J Kidney Dis. 2012;59(3):319-24.-66 Medina-Pestana JO. Imunossupressão no transplante renal. J Bras Transpl.
2002;5(1):19-45.). A incidência
de complicações infecciosas pós-transplante renal encontrada na literatura varia de
49% a 80%(77 Sousa SR, Galante NZ, Barbosa DA, Pestana JOM. Incidência e fatores de
risco para complicações infecciosas no primeiro ano após transplante renal. J Bras
Nefrol. 2010; 32(1):77-84.
8 Kumar M, Cridge P, Molavi A, Stephan R, Abouna G. Infectious
complications in the first 100 days after rena transplantation. Transplant Proc.
1995;27(5):2705-6.
9 Alangaden GJ, Thyagarajan R, Gruber SA, Morawski K, Garnick J, El-Amm
JM, et al. Infectious complications after kidney transplantation: current
epidemiology and associated risk factors. Clin Transplant.
2006;20(4):401-9.-1010 Pourmand G, Salem S, Mehrsai A, Taherimahmoudi M, Ebrahimi R, Pourmand
MR. Infectious complications after kidney transplantation: a single-center
experience. Transpl Infect Dis. 2007;9(4):302-9.).
Motivados pela problemática das infecções em pacientes transplantados renais e o aumento de significativo de transplantes, em especial receptores renais de doadores falecidos, realizamos uma Revisão Sistemática da Literatura com Metanálise com a finalidade de determinar se o tipo de doador é um fator de risco associado ao desenvolvimento de infecções.
Método
Aspectos éticos: O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo, Unifesp, sob o nº 56526.
Protocolo do estudo
Esta Revisão Sistemática com Metanálise seguiu a metodologia proposta pela colaboração Cochrane(1111 Moher D, Pham B, Jones A, Cook DJ, Jadad AR, Moher M, et al. Does quality of reports of randomised trials affect estimates of intervention efficacy reported in meta-analyses? Lancet. 1998;352(9128):609-13.). A busca dos artigos foi realizada independentemente do idioma ou forma de publicação e com os seguintes delineamentos de pesquisa: ensaios clínicos randomizados, estudos quase-experimentais, estudos observacionais de coorte, prospectivo, retrospectivo e transversais.
Critérios de inclusão: Foram incluídos os artigos que avaliaram o desfecho presença de infecção e o comparador tipo de doador.
Estratégia de pesquisa para identificação dos estudos
Os estudos foram identificados por meio de busca eletrônica no PubMed (janeiro de 1966 a janeiro de 2014), LILACS (janeiro de 1982 a janeiro de 2014), Embase (janeiro de 1985 a janeiro de 2014), SciELO (junho de 1998 a janeiro de 2014), The Cochrane Library (incluindo o Cochrane Controlled Trials Register, contido no The Cochrane Library 2014), Web of Science (1945 a janeiro 2014) e CINAHL (janeiro de 1981 a janeiro de 2014). Foram pesquisados ainda a base de dados www.controledtrials.com e resumos de trabalhos apresentados em congressos, referências de artigos de revisão e revisão sistemática, publicados e referências de ensaios clínicos randômicos identificados até janeiro de 2014.
A estratégia de busca utilizada foi desenvolvida no MEDLINE, via PubMed, conforme mostrado na Figura 1 e, adaptada para todas as outras bases consideradas.
Métodos de revisão
Fotocópias completas de todos os artigos relevantes foram lidas com a finalidade de averiguar se os estudos preenchiam os critérios de inclusão e avaliação da qualidade metodológica por dois revisores independentes, A e B. Em caso de dúvida ou discordância, outro revisor, C, foi solicitado a emitir um parecer.
Avaliação da qualidade metodológica e análise estatística
A avaliação da qualidade metodológica, definida como a confiança que o desenho e o relato do estudo estão livres de viés(1111 Moher D, Pham B, Jones A, Cook DJ, Jadad AR, Moher M, et al. Does quality of reports of randomised trials affect estimates of intervention efficacy reported in meta-analyses? Lancet. 1998;352(9128):609-13.), foi realizada utilizando as recomendações do Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology Statement (STROBE)(1212 Von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gotzsche PC, Vandenbroucke JP, et al. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. J Clin Epidemiol. 2008;61(4):344-9.). Com base nestas recomendações a avaliação dos artigos foi dividida em três categorias: A - nos casos dos estudos preencherem um valor igual ou maior que 80% dos critérios estabelecidos; B - nos casos de cumprimento entre 80% a 50% dos critérios; e C - se houve cumprimento inferior a 50% dos critérios.
O Programa Review Manager 5.1, disponibilizado pela The Cochrane Collaboration,
foi utilizado na análise estatística(1313 RevMan Analyses Version 1.0 for Windows, in Review Manager 5.1.2.
Oxford, England: The Cochrane Collaboration; 2009.-1414 Higgins JPT, Green S, editors. Cochrane Handbook for Systematic Reviews
of Intervention. Version 5.0.1 (updated Mar 2011) . In: The Cochrane Collaboration
[Internet]. Chichester (UK): John Wiley & Sons; 2005 [cited 2015 Jan 30].
Available from: http://handbook.cochrane.org/
http://handbook.cochrane.org/...
).
Para as variáveis dicotômicas utilizamos o odds ratio (OR) com
respectivo intervalo de confiança de 95%, calculado pelo modelo randômico e fixo.
Também calculamos o I-quadrado (I2) de Mantael-Haenzel(1414 Higgins JPT, Green S, editors. Cochrane Handbook for Systematic Reviews
of Intervention. Version 5.0.1 (updated Mar 2011) . In: The Cochrane Collaboration
[Internet]. Chichester (UK): John Wiley & Sons; 2005 [cited 2015 Jan 30].
Available from: http://handbook.cochrane.org/
http://handbook.cochrane.org/...
) para pesquisa de heterogeneidade. Valores de
I2 maior ou igual a 50% são considerados como heterogêneos. O teste
de heterogeneidade só é calculado quando a metanálise contém dois ou mais
estudos.
Resultados
De acordo com os descritores apresentados na Figura 1 foram encontrados 198 estudos nas bases de dados PubMed, LILACS, Embase, SciELO, The Cochrane Library, Web of Science e CINAHL.
A leitura de títulos e resumos dos artigos seguiu a metodologia Cochrane disponível no Handbook(1111 Moher D, Pham B, Jones A, Cook DJ, Jadad AR, Moher M, et al. Does quality of reports of randomised trials affect estimates of intervention efficacy reported in meta-analyses? Lancet. 1998;352(9128):609-13.).
Foram selecionados 14 estudos, todos disponíveis na língua inglesa. Desses, para leitura na íntegra, incluímos cinco estudos. Após contato com um autor, foi excluído um estudo e apenas quatro estudos preencheram os critérios de inclusão e apresentaram o desfecho infecção entre transplantados renais de doadores vivos versus falecido os desenhos.
Os estudos incluídos nesta revisão são observacionais, sendo dois de coorte retrospectivo e dois prospectivos.
No Quadro 1 é apresentada a descrição dos estudos e a qualidade metodológica.
O Quadro 1 apresenta uma descrição dos estudos incluídos e foi observada uma predominância de doadores falecidos, refletindo as políticas nacionais e internacionais para estímulo de doação de órgãos. O estudo brasileiro foi o que incluiu o maior número de participantes, pois o Brasil é o 2º país em números de transplantes e o estudo em questão foi desenvolvido no centro de referência nacional para Transplante Renal.
Dentre as infecções mais comuns descritas nos estudos foram as Infecções de Trato Urinário e o microrganismo relacionado foi a E. coli. Tais dados seguem em concordância com a literatura.
A Figura 3 demonstra uma superioridade de risco para o grupo de pacientes transplantados de doadores falecidos em relação ao grupo de doadores vivos para o desfecho infecção com odds ratio de 2,65 (intervalo de confiança a 95% de 2,05 a 3,41, p <0,00001). A heterogeneidade entre os estudos incluídos foi I2=93%, p <0,00001, que pode ser explicada pelo baixo número de artigos que preencheram os critérios de inclusão.
Discussão
Para a realização de uma revisão sistemática é imprescindível seguir a metodologia
adequada com todo o rigor científico necessário, evitando vieses e imprecisões, o que
a torna diferente da revisão de literatura narrativa e tradicional(1414 Higgins JPT, Green S, editors. Cochrane Handbook for Systematic Reviews
of Intervention. Version 5.0.1 (updated Mar 2011) . In: The Cochrane Collaboration
[Internet]. Chichester (UK): John Wiley & Sons; 2005 [cited 2015 Jan 30].
Available from: http://handbook.cochrane.org/
http://handbook.cochrane.org/...
-1515 Kee T, Lu YM, Vathsala A. Spectrum of severe infections in an Asia renal
transplant population.Transplant Proc 2004;36(7):2001-3.).
A melhor forma de controlar vieses numa revisão sistemática é incluir ensaios clínicos randomizados conforme as orientações da Cochrane Colaboration, o que não foi possível nesta revisão, sendo estudos de observacionais o delineamento ideal para analisar os desfechos esperados. Uma alternativa para minimizar os vieses a que o estudo está sujeito, foi utilizar o instrumento STROBE para avaliação da qualidade metodológica de estudos observacionais. Este instrumento traz recomendações para análise crítica e transparente dos dados deste tipo de estudo para se avaliar quais os resultados podem ser incluídos em uma revisão sistemática(12,17-18,20).
Por meio de metanálise é possível obter-se um maior poder estatístico, pois dados de mais de um estudo são combinados, aumentam o tamanho da amostra e, portanto, o poder estatístico, reduzindo, assim, a possibilidade da aceitação ou rejeição incorreta da hipótese nula(1919 Jüni P, Altman DG,. Egger M Systematic reviews in health care: assessing the quality of controlled clinical trials.. BMJ 2001;323(7303):42-6.).
O número de transplantes no Brasil cresceu de 920, no ano de 1988, para 5.639 no ano
de 2014, destacando-se o Brasil como o segundo grande centro transplantador renal do
mundo(33 Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Registro Brasileiro de
Transplantes (RBT), 2014 [Internet]. São Paulo: ABTO; 2015 [citado 2015 jan. 30].
Disponível em: http://www.abto.org.br/
http://www.abto.org.br/...
). A relação entre o
número de transplantes com órgãos de doadores vivos e falecidos se manteve próximo de
50% entre 1994 e 2007. A proporção de transplantes com órgãos de doador falecido
cresceu substancialmente, sendo que, em 2014, dentre os 5.639 rins transplantados em
todo país, 4.251 foram realizados com órgãos de doadores falecidos(33 Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Registro Brasileiro de
Transplantes (RBT), 2014 [Internet]. São Paulo: ABTO; 2015 [citado 2015 jan. 30].
Disponível em: http://www.abto.org.br/
http://www.abto.org.br/...
).
A proposição primeira do estudo foi analisar se o tipo de doador é fator de risco de infecção para o receptor, e foi evidenciado através do gráfico que o doador falecido foi fator de risco 2,65 para o desfecho infecção em pacientes transplantados renais com odds ratio 2,65, IC 95% (2,05 a 3,41, p <0,00001).
Entre as diversas condições estudadas que apresentaram associação significativa com o risco de desenvolvimento de episódios infecciosos, após o transplante renal, destacaram-se as relacionadas ao tempo de isquemia fria do enxerto e a fatores de ordem imunológica(77 Sousa SR, Galante NZ, Barbosa DA, Pestana JOM. Incidência e fatores de risco para complicações infecciosas no primeiro ano após transplante renal. J Bras Nefrol. 2010; 32(1):77-84.,2121 Fonseca I, Teixeira L, Malheiro J, MartinsS, Dias L, Castro AH, et al. The effect of delayed graft function on graft and patient survival in kidney transplantation: an approach using competing events analysis. Transpl Int. 2015 Feb 16. [Epub ahead of print]).
Um estudo conduzido em um centro de referência em transplante renal no Brasil demonstrou que o incremento de 30 minutos no tempo de isquemia fria do enxerto obtido de doador falecido apresentou também associação significativa e independente com o risco de desenvolvimento de episódios infecciosos (OR 3,29, IC 2,37-4,58)(77 Sousa SR, Galante NZ, Barbosa DA, Pestana JOM. Incidência e fatores de risco para complicações infecciosas no primeiro ano após transplante renal. J Bras Nefrol. 2010; 32(1):77-84.).
É de conhecimento que a isquemia tecidual prolongada facilita e amplifica a exposição de antígenos MHC de classes I e II do órgão transplantado ao sistema imune do receptor, favorecendo o reconhecimento imunológico e elevando as chances de desencadear o processo de rejeição(2020 Guyatt GH, Oxman AD, Vist GE, Kunz R, Falck-YtterY, Alonso-Coello P, et al. GRADE: an emerging consensus on rating quality of evidence and strength of recommendations.. BMJ 2008;336(7650):924-6.). Outra variável importante para a sobrevida do enxerto e paciente é a função retardada do enxerto (DGF), que está diretamente relacionada aos desfechos negativos do transplante, dentre eles a perda do enxerto e risco de infecção(2121 Fonseca I, Teixeira L, Malheiro J, MartinsS, Dias L, Castro AH, et al. The effect of delayed graft function on graft and patient survival in kidney transplantation: an approach using competing events analysis. Transpl Int. 2015 Feb 16. [Epub ahead of print]).
Apesar de a incidência de episódios infecciosos serem muito variáveis entre os diversos estudos, geralmente a incidência de infecções é maior nos primeiros meses de acompanhamento após o transplante e diretamente relacionada com a dose de imunossupressão utilizada. Nos primeiros meses após o transplante renal predominam as infecções hospitalares, principalmente as localizadas no trato urinário e na ferida cirúrgica(77 Sousa SR, Galante NZ, Barbosa DA, Pestana JOM. Incidência e fatores de risco para complicações infecciosas no primeiro ano após transplante renal. J Bras Nefrol. 2010; 32(1):77-84.,99 Alangaden GJ, Thyagarajan R, Gruber SA, Morawski K, Garnick J, El-Amm JM, et al. Infectious complications after kidney transplantation: current epidemiology and associated risk factors. Clin Transplant. 2006;20(4):401-9.-1010 Pourmand G, Salem S, Mehrsai A, Taherimahmoudi M, Ebrahimi R, Pourmand MR. Infectious complications after kidney transplantation: a single-center experience. Transpl Infect Dis. 2007;9(4):302-9.).
A microbiologia das infecções pós-renal em transplante tende a seguir padrões diretamente relacionados com o tipo e intensidade da imunossupressão e a terapêutica profilática estes componentes tem sido eficazes na significativamente redução da incidência de precoce infecções oportunistas(99 Alangaden GJ, Thyagarajan R, Gruber SA, Morawski K, Garnick J, El-Amm JM, et al. Infectious complications after kidney transplantation: current epidemiology and associated risk factors. Clin Transplant. 2006;20(4):401-9.).
Nos pacientes transplantados renais, as infecções consistem em uma das principais causas de readmissões hospitalares e representam 51% das readmissões que ocorrem em até seis meses após o transplante, precedidas somente de complicações cirúrgicas(2222 Moghani Lankarani M, Noorbala MH, Assari S. Causes of re-hospitalization in different post kidney transplantation periods. Ann Transplant. 2009;14(4):14-9.).
Estudo realizado com 280 pacientes transplantados da Universidade Federal de São Paulo demonstrou que a colonização por Enterococcus resistente à Vancomicina nesta população foi de 14,5%(2323 Freitas MCS, Silva AP, Barbosa D, Silbert S, Sader H, Sesso R, et al. Prevalence of vancomycin- resistant Enterococcus fecal colonization among kidney transplant patients. BCM Infect Dis. 2006;6:133.). E, recentemente ficou demonstrado por tipagem molecular das bactérias isoladas desta população que a transmissão cruzada de bactérias multirrestentes acontece entre estes pacientes(2424 Fram D, Castrucci FM, Taminato M, Godoy-Martinez P, Freitas MC, Belasco A, et al. Cross-transmission of vancomycin-resistant Enterococcus in patients undergoing dialysis and kidney transplant. Braz J Med Biol Res. 2010;43(1):115-9.).
Somado a isto, o número de pacientes em lista de espera para o transplante renal é grande e apresenta anualmente uma tendência crescente, isso decorre da progressiva melhora na qualidade e na expectativa de vida proporcionada pelas intervenções dialíticas(2525 Kjellstrand CM, Buoncristiani U, Ting G, Traeger J, Piccoli GB, Sibai-Galland R, et al. Short daily haemodialysis: survival in 415 patients treated for 1006 patient-years. Nephrol Dial Transplant. 2008;23(10):3283-9.-2626 Medina-Pestana JO, Galante N, Tedesco-Silva H Jr, Harada KM, Garcia VD, Abbud-Filho M, Campos H, Sabbaga E. Kidney transplantation in Brazil and its geographic disparity. J Bras Nefrol.2011;33(4):472-84.). Frente a este panorama, há a necessidade de novos estudos visando ao estabelecimento de protocolos para o manejo de transplante de doador falecido, objetivando a redução de infecção relacionada.
Conclusão
Esta revisão sistemática com metanálise permite verificar que os receptores de rim de doador falecido apresentam 20% maior risco para o desenvolvimento de infecções.
Implicação para prática
O presente estudo aponta para a necessidade de novas pesquisas que apontem caminhos para minimizar a redução de infecção em pacientes transplantados com doadores falecidos. Em curto prazo, seria possível a implantação de protocolos para redução do tempo de isquemia fria do órgão e preservação adequada; revisão de protocolos e screening dos doadores falecidos para detecção de condições sorológicas e de integridade do órgão; cumprimento rigoroso dos protocolos vigentes para prevenção e controle de bactérias multirresistentes com a finalidade de reduzir a morbimortalidade relacionada à infecção nesta população de pacientes.
-
1Sementtili A, David DR, Malheiros D, Visona I, Pegas KL, Franco M, et al. Patologias do transplante renal: achados morfológicos principais e como laudar biopsias. J Bras Patol Med Lab. 2008;44(4):293-304.
-
2Ramos E, Klein CL, Sayegh MH, Brennam DC. Evaluation of the potential renal transplant recipient [Internet]. [cited 2015 Jan 30]. Available from: http://www.uptodate.com/contents/evaluation-of-the-potential-renal-transplant-recipient
» http://www.uptodate.com/contents/evaluation-of-the-potential-renal-transplant-recipient -
3Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Registro Brasileiro de Transplantes (RBT), 2014 [Internet]. São Paulo: ABTO; 2015 [citado 2015 jan. 30]. Disponível em: http://www.abto.org.br/
» http://www.abto.org.br/ -
4Patel R, Paya CV. Infections in solid-organ transplant recipients. Clin Microbiol Rev. 1997;10(1):86-124.
-
5Garcia GG, Harden PN, Chapman JR. World Kidney Day 2012: the global role of kidney transplantation. Am J Kidney Dis. 2012;59(3):319-24.
-
6Medina-Pestana JO. Imunossupressão no transplante renal. J Bras Transpl. 2002;5(1):19-45.
-
7Sousa SR, Galante NZ, Barbosa DA, Pestana JOM. Incidência e fatores de risco para complicações infecciosas no primeiro ano após transplante renal. J Bras Nefrol. 2010; 32(1):77-84.
-
8Kumar M, Cridge P, Molavi A, Stephan R, Abouna G. Infectious complications in the first 100 days after rena transplantation. Transplant Proc. 1995;27(5):2705-6.
-
9Alangaden GJ, Thyagarajan R, Gruber SA, Morawski K, Garnick J, El-Amm JM, et al. Infectious complications after kidney transplantation: current epidemiology and associated risk factors. Clin Transplant. 2006;20(4):401-9.
-
10Pourmand G, Salem S, Mehrsai A, Taherimahmoudi M, Ebrahimi R, Pourmand MR. Infectious complications after kidney transplantation: a single-center experience. Transpl Infect Dis. 2007;9(4):302-9.
-
11Moher D, Pham B, Jones A, Cook DJ, Jadad AR, Moher M, et al. Does quality of reports of randomised trials affect estimates of intervention efficacy reported in meta-analyses? Lancet. 1998;352(9128):609-13.
-
12Von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gotzsche PC, Vandenbroucke JP, et al. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. J Clin Epidemiol. 2008;61(4):344-9.
-
13RevMan Analyses Version 1.0 for Windows, in Review Manager 5.1.2. Oxford, England: The Cochrane Collaboration; 2009.
-
14Higgins JPT, Green S, editors. Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Intervention. Version 5.0.1 (updated Mar 2011) . In: The Cochrane Collaboration [Internet]. Chichester (UK): John Wiley & Sons; 2005 [cited 2015 Jan 30]. Available from: http://handbook.cochrane.org/
» http://handbook.cochrane.org/ -
15Kee T, Lu YM, Vathsala A. Spectrum of severe infections in an Asia renal transplant population.Transplant Proc 2004;36(7):2001-3.
-
16Charfeddine K, Zaghden S, Kharrat M, Kamoun K, Jarraya F, Hachicha J. Infectious complications in kidney transplant recipients: a single-center experience. Transplant Proc.2005;37(6):2823-5.
-
17Egger M, Smith GD. Bias in location and selection of studies. BMJ. 1998;316(7124): 61-6.
-
18Pearson A, Soares CB. The Brazilian Centre for Evidence-based Healthcare: an Affiliate Centre of the Joanna Briggs Institute. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2013 [cited 2015 Jan 30];47(2):277-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n2/en_01.pdf
» http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n2/en_01.pdf -
19Jüni P, Altman DG,. Egger M Systematic reviews in health care: assessing the quality of controlled clinical trials.. BMJ 2001;323(7303):42-6.
-
20Guyatt GH, Oxman AD, Vist GE, Kunz R, Falck-YtterY, Alonso-Coello P, et al. GRADE: an emerging consensus on rating quality of evidence and strength of recommendations.. BMJ 2008;336(7650):924-6.
-
21Fonseca I, Teixeira L, Malheiro J, MartinsS, Dias L, Castro AH, et al. The effect of delayed graft function on graft and patient survival in kidney transplantation: an approach using competing events analysis. Transpl Int. 2015 Feb 16. [Epub ahead of print]
-
22Moghani Lankarani M, Noorbala MH, Assari S. Causes of re-hospitalization in different post kidney transplantation periods. Ann Transplant. 2009;14(4):14-9.
-
23Freitas MCS, Silva AP, Barbosa D, Silbert S, Sader H, Sesso R, et al. Prevalence of vancomycin- resistant Enterococcus fecal colonization among kidney transplant patients. BCM Infect Dis. 2006;6:133.
-
24Fram D, Castrucci FM, Taminato M, Godoy-Martinez P, Freitas MC, Belasco A, et al. Cross-transmission of vancomycin-resistant Enterococcus in patients undergoing dialysis and kidney transplant. Braz J Med Biol Res. 2010;43(1):115-9.
-
25Kjellstrand CM, Buoncristiani U, Ting G, Traeger J, Piccoli GB, Sibai-Galland R, et al. Short daily haemodialysis: survival in 415 patients treated for 1006 patient-years. Nephrol Dial Transplant. 2008;23(10):3283-9.
-
26Medina-Pestana JO, Galante N, Tedesco-Silva H Jr, Harada KM, Garcia VD, Abbud-Filho M, Campos H, Sabbaga E. Kidney transplantation in Brazil and its geographic disparity. J Bras Nefrol.2011;33(4):472-84.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jun 2015
Histórico
-
Recebido
30 Abr 2014 -
Aceito
20 Fev 2015