INTRODUÇÃO
A temática sobre avaliação está diretamente relacionada à qualidade, ou seja, a essência do conceito de avaliação implica a ideia de qualidade. A avaliação é um processo em que se elabora um julgamento explícito. A partir daí desencadeia-se um movimento de transformação na direção da qualidade desejada(1)
A avaliação dos serviços de saúde se tornou movimento relevante a partir do final do século XX, diante das mudanças no cenário político, econômico, tecnológico e social, contribuindo sobremaneira para o aumento da competitividade nas organizações(2). A avaliação expandiu-se impulsionada por fatores como o elevado custo da assistência à saúde, o aumento dos processos judiciais por erros médicos, a maior exigência por parte dos usuários e a precisão de melhor organização dos serviços. Na atualidade outro movimento, mais recentemente desencadeado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), também está implicitamente ligado à qualidade na assistência à saúde, referente aos desafios globais para a segurança do paciente(3-4).
O controle e prevenção de infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS) insere-se entre os parâmetros de avaliação da assistência à saúde, sendo considerado, inclusive, paradigma da qualidade da assistência em hospitais(5). Por extensão, é uma das práticas mais implicadas com o movimento de segurança do paciente, haja vista que o primeiro desafio global da OMS está focado na prevenção dessas infecções, sob o lema “Uma assistência limpa é uma assistência mais segura”(3), envolvendo ações de melhoria da higienização das mãos. Do mesmo modo, o segundo desafio, “cirurgias seguras salvam vidas”(4), inclui ações de prevenção de infecções do sítio cirúrgico.
As práticas de controle e prevenção de IRAS são deliberadas pelos Programas de Controle e Prevenção de Infecção Relacionadas a Assistência à Saúde (PCIRAS), cuja existência no Brasil é obrigatória pela Lei(6) e seu processo de trabalho é orientado por Portaria, a qual recomenda implantação de uma Comissão e de um Serviço de Controle de IRAS (CCIH e SCIH)(7). Contudo, as principais avaliações desses programas se reduzem predominantemente às taxas de sua ocorrência e prevalência, insuficientes para reconhecer a estrutura e o processo de trabalho desses programas, assim como suas conformidades com recomendações legais e fundamentações científicas. Outra questão, as avaliações nesse campo nem sempre utilizam modelos teóricos pertinentes e instrumentos que favoreçam reconhecimento de aspectos problemáticos, reaplicações e retroalimentações entre intervenções para melhorias.
Considerando tais questões, este estudo teve a finalidade de realizar avaliação de PCIRAS, baseada no referencial teórico proposto por Donabedian(8), e que permite conhecimento da conformidade desses programas em relação a recomendações legais e fundamentações científicas existentes, assim como identificar fatores intervenientes que ensejam ações locais e de órgãos governamentais de saúde. Optou-se pela por esta avaliação junto a PCIRAS de hospitais do estado do Paraná, Brasil. Em razão da Secretaria de Estado da Saúde desse estado apresentar políticas de incentivo nessa problemática, considerou-se como hipótese uma conformidade geral mínima razoável, de 75%, conforme tem sido aceito em estudos de avaliações desses programas(9)
MÉTODO
Estudo transversal, de avaliação de PCIRAS junto a hospitais do estado do Paraná, Brasil, acima de 50 leitos (capacidade mínima exigida para a existência de PCIRAS completo, de acordo recomendação governamental). A partir da relação presente no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, 2011, sendo excluídos aqueles não encontrados ou não ativos, a amostra total de acesso correspondeu a 110 instituições. A coleta de dados ocorreu de 2012 a 2014, junto a enfermeiros das Comissões de Controle de IRAS (CCIH) e ou dos Serviços de Controle de IRAS (SCIH) desses hospitais, pela aplicação de dois instrumentos. Um deles, correspondeu ao sistema de avaliação propriamente dito, previamente construído e validado quanto ao seu conteúdo, construto, discriminante e confiabilidade (consistência interna)(9-10), sendo composto por quatro indicadores clínicos:
1) Estrutura do PCIRAS (PCET): avaliação estrutural de sua formação e suporte técnico-operacional, tais como recursos humanos, infraestrutura e instrumentos técnicos e administrativos para identificar, definir, discutir e divulgar eventos de IRAS; 2) Diretrizes operacionais de controle e prevenção de IRAS (PCDO): avaliação estrutura sobre a existência dessas diretrizes, em áreas ou serviços do hospital, nas formas de manuais, normas e procedimentos operacionais, resoluções, entre outros, elaborados ou incorporados pelo PCIRAS; 3) Sistema de vigilância epidemiológica de IRAS(PCVE): avalia se o PCIRAS possui e executa esse sistema, por busca ativa, notificação, elaboração e divulgação de indicadores epidemiológicos de casos de IRAS, assim como realização de assessoria, consultoria; 4) Atividades de controle de prevenção de IRAS (PCCP): avaliação processual dessas atividades nos diversos serviços e setores, pelos profissionais do SCIH, compreendendo inspeções, orientações e diretrizes introduzidas, participação em reuniões, consultas e esclarecimentos por ocasião de demandas espontâneas, entre outras.
Cada indicador orienta o processo de avaliação, tanto para coletar e comprovar informações, quanto para estabelecer sua conformidade ou índice de desempenho. O conteúdo sob avaliação é identificado com níveis de evidência, a partir de literatura científica e determinações governamentais vigentes no Brasil. Para o cálculo da conformidade, cada unidade de análise apresenta um valor de relevância, obtido a partir de sua validação de conteúdo por julgamento de especialistas, em escala psicométrica de valoração, de 0 a 4(9)
O outro instrumento buscou a caracterização dos hospitais e seus PCIRAS, de modo a correlacionar seus achados com as conformidades gerais obtidas na avaliação desses programas, pelo teste de Mann-Whitney, sendo a regra de decisão p-valor inferior a 0,05. As varáveis elencadas foram: I) Entidade mantenedora (privada/filantrópica/pública; II) Serviços críticos (UTI, Centro Cirúrgico, Neonatologia, transplante, hemodiálise); III) Acreditação/certificação/Auditorias internas; IV) Serviços mínimos representantes na CCIH; V) Enfermeiro exclusivo para atuar em controle de IRAS; VI) Tipo de vínculo do enfermeiro e médico do SCIH; VII) Carga diária de trabalho exclusivo do enfermeiro e do médico no SCIH; VIII) Maior tempo de experiência do enfermeiro e do médico no SCIH; IX) Conhecimento prévio para atuar no SCIH; X) Capacitação em controle e prevenção de IRAS na admissão de recursos humanos.
Os dados foram obtidos por meio de entrevista e análise documental; neste último caso, para comprovar informações e estabelecer níveis de conformidade dos indicadores.
Pela natureza dos dados foram empregados métodos não paramétricos para associar os resultados das conformidades dos indicadores com as variáveis eleitas. Tabelas de contingências foram construídas e avaliadas com testes com níveis significância de 5%, utilizando como regra de decisão para as hipóteses o p -valor. Para obtenção dos resultados utilizou-se o método estatístico R. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da EE/USP, em 14 de agosto de 2012, sob o protocolo nº 74386, e os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foram apresentados e assinados em cada ocasião da entrevista, junto ao profissional responsável em fornecer as informações.
RESULTADOS
Do total da amostra de acesso, de 110 instituições, 50 (45,5%) concordaram participar, constituindo a amostra final, com representação de todas as macrorregionais de saúde do estado do Paraná. Demais instituições, apesar das várias tentativas de contato, por e-mail e por telefonemas, não retornaram respostas, ou recusaram a participação. Dentre as participantes, quanto às entidades mantenedoras, empatadas, eram privadas e mistas 15 (30%) cada, seguidas daquela classificada como “outra”, ou seja, instituições filantrópicas que totalizaram 13 (26,0%) dos hospitais. As instituições mantidas pelo Estado totalizaram 4 (8,0%) e apenas 3 (6,0%) eram hospitais públicos
Os PCIRAS apresentaram conformidade geral de 71%, com dp de 23,8%. Isoladamente, o indicador 1-PCET apresentou a maior conformidade (79,4%) e menor dp (18,9%), seguindo o indicador 3-PCVE, 76,0% de conformidade e dp de 30,0%. Os demais obtiveram conformidade abaixo de 70%, sendo 65,5% para o 2-PCDO, com dp de 26,9%, e 63,2% para o 4-PCCP, com a maior dp, de 39,5 (Tabela 1).
Tabela 1 Distribuição dos hospitais quanto à conformidade dos indicadores de avaliação dos PCIRAS – Estado do Paraná, Brasil, 2013.
Indicadores | n | MÉDIA (dp) | Mediana | Min-Máx | p-valor |
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PCET | 50 | 79,4 (18,9) | 80,8 | 38,4/100 | 0,0002 |
PCDO | 50 | 65,5 (26,9) | 69,0 | 0/100 | 0,0010 |
PCVE | 50 | 76,0 (30,5) | 90,0 | 0/100 | <0,0001 |
PCCP | 50 | 63,2 (39,5) | 87,8 | 0/100 | <0,0001 |
GERAL | 50 | 71,0 (23,8) | 79,5 | 16,11/100 | 0,0002 |
1-PCET: Estrutura técnico-operacional; 2-PCDO:Diretrizes operacionais; 3-PCVE: Sistema de vigilância epidemiológica; 4-PCCP: Atividades de controle e prevenção de infecção hospitalar.
As conformidades das unidades de análise do PCET, que avalia a estrutura de um PCIRAS, variaram de 34% a 98% A unidade PCETMS (CCIH representada, no mínimo, por membros do serviço médico, enfermagem e administração) obteve o maior índice (98%), e a unidade PCETDO (há outro profissional com nível superior, que atua exclusivamente no serviço pelo menos 4 horas/dia), o menor (34%) (Tabela 2).
Tabela 2 Distribuição das conformidades dos componentes do indicador 1-PCET: Estrutura Técnico-Operacional do Programa de IRAS em Hospitais do Estado do Paraná, Brasil, 2013.
Código | Unidade de Análise | Nível de Evidência | Relevância | Conformidade |
---|---|---|---|---|
PCETMS | A CCIH é representada, no mínimo, por membros do serviço médico, enfermagem e administração. | B/C | 4 | 98,0 |
PCETRG | Há um regimento que determina o funcionamento da CCIH e/ou SCIH | B/C | 4 | 96,0 |
PCETPE | Há dois profissionais, de nível superior, que executam ações exclusivas de prevenção e controle de IRAS, para cada 200 leitos, sendo que um deles é o enfermeiro (consorciado ou não) | B/C | 4 | 62,0 |
PCETDE | O enfermeiro atua com dedicação exclusiva no serviço, pelo menos 6 horas/dia | B/C | 4 | 68,0 |
PCETDO | Há outro profissional, com nível superior, que atua com dedicação exclusiva no serviço, pelo menos 4 horas/dia | B/C | 4 | 34,0 |
PCETRP | A CCIH realiza reuniões periódicas com participação dos membros executivos e lideranças | B/C | 3 | 94,0 |
PCETMP | Há suporte de laboratório de microbiologia e patologia, próprio ou terceirizado | B/C | 4 | 94,0 |
PCETEF | Há espaço físico delimitado e exclusivo para as atividades diárias, arquivos, etc. da CCIH ou do SCIH | B/C | 4 | 64,0 |
PCETRI | Há disponibilização de recursos informatizados para as atividades desenvolvidas pela CCIH ou SCIH | B/C | 4 | 88,0 |
PCETRE | A administração disponibiliza dados estatísticos (nº de admissões, altas, óbitos, pacientes-dia, etc.) Para realização de relatórios da CCIH ou SCIH | B/C | 4 | 96,0 |
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Total | 39 |
O indicador PCDO, que avalia a existência de diretrizes operacionais de controle e prevenção de IRAS, suas unidades de análise variaram de 38% a 92%. A maior correspondeu à PCDOLM (há recomendações de técnica de higienização de mãos) e a menor foi a PCDOLV (recomendação para lavagem e higienização de roupas) (Tabela 3).
Tabela 3 Distribuição das conformidades dos componentes do indicador 2- PCDO: Diretrizes Operacionais de Controle e Prevenção de IRAS em hospitais do Estado do Paraná, Brasil, 2013.
Código | Unidade de Análise | Nível de Evidência | Relevância | Conformidade |
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Fator 1 – Recomendações para prevenção de IH | ||||
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PCDORS | Há recomendações para descarte de resíduos de serviço de saúde (RSS) | B/C | 4 | 82,0 |
PCDOIR | Há recomendações para controle e prevenção de infecções respiratórias | B/C | 4 | 54,0 |
PCDOIU | Há recomendações para controle e prevenção de infecções urinárias | B/C | 4 | 54,0 |
PCDOCS | Há recomendações para controle e prevenção de infecções de corrente sanguínea | B/C | 4 | 62,0 |
PCDOSC | Há recomendações para controle e prevenção de infecções de sítio cirúrgico | B/C | 4 | 52,0 |
PCDOLM | Há recomendação de técnica de higienização de mãos | B/C | 4 | 92,0 |
PCDOCU | Há recomendação das técnicas de curativos e periodicidade de trocas dos mesmos | B/C | 4 | 52,0 |
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Fator 2 – Recomendações para Padronização de Procedimentos de Profilaxia | ||||
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PCDOPB | Há recomendação para avaliação e encaminhamento de acidentes com perfuro-cortantes e outras exposições a material biológico | B/C | 4 | 72,0 |
PCDOAB | Há recomendação para o uso de antibióticos profiláticos para prevenção de infecção de sítio cirúrgico | B/C | 4 | 64,0 |
PCDOGA | Há padronização de soluções germicidas e anti-sépticos | B/C | 4 | 54,0 |
PCDOME | Há recomendação de técnicas de limpeza, desinfecção e esterilização de materiais e equipamentos | B/C | 4 | 74,0 |
PCDOLS | Há recomendação da rotina de limpeza e desinfecção de superfícies | B/C | 4 | 82,0 |
PCDOLV | Há recomendação para lavagem e higienização de roupas utilizadas na instituição | B/C | 4 | 38,0 |
PCDOMC | Há recomendação da técnica para coleta de material para realização de culturas | B/C | 4 | 54,0 |
PCDOPI | Há recomendação para isolamentos de pacientes com doenças infecto-contagiosas ou imunodeprimidos | B/C | 4 | 86,0 |
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Total | 60 |
O indicador PCVE, que avalia se o SCIH possui e executa um sistema de vigilância epidemiológica de IRAS, apresentou conformidade variando de 64% a 88%. As mais altas, de 88%, corresponderam às unidades PCVEIH (realiza vigilância epidemiológica - global ou por componente - com periodicidade determinada) e PCVEMI (monitora, com periodicidade e registros regulares, resultados de culturas que identificam cepas ou espécies de microrganismos) A menor conformidade, 64%, foi obtida pela unidade PCVEAL (os relatórios analisam e informam alterações dos perfis epidemiológico-descritivos e/ou gráficos) (Tabela 4).
Tabela 4 Distribuição das conformidades dos componentes do indicador 3 - PCVE: Sistema de Vigilância Epidemiológica de IRAS em hospitais do Estado Paraná, Brasil, 2013.
Código | Componente | Nível de Evidência | Relevância | Conformidade |
---|---|---|---|---|
PCVEIH | Realiza vigilância epidemiológica de IRAS (global ou por componente) com periodicidade determinada | B/C | 4 | 88,0 |
PCVEBA | Realiza VE de IRAS por meio de busca ativa de casos | B/C | 4 | 82,0 |
PCVEUR | Realiza busca ativa de casos de IRAS nas unidades de maior risco (uti, berçário, queimados, etc.) | B/C | 4 | 76,0 |
PCVEMI | Monitora, com periodicidade e registros regulares, resultados microbiológicos de culturas, que identificam cepas ou espécies de microorganismos, inclusive os resistentes | B/C | 4 | 88,0 |
PCVECD | Há critérios pré-determinados para diagnóstico de IRAS | B/C | 4 | 82,0 |
PCVERE | Produz relatório periódico dos resultados da vigilância epidemiológica (níveis endêmicos) | B/C | 4 | 80,0 |
PCVEAL | Os relatórios analisam e informam alterações do perfil epidemiológico (descritivos e/ou gráficos) | B/C | 4 | 64,0 |
PCVECP | Os relatórios correlacionam resultados com estratégias de controle e prevenção adotada (intervenção) | B/C | 4 | 70,0 |
PCVESS | Os relatórios são regularmente disponibilizados aos diversos setores e lideranças da instituição | B/C | 4 | 74,0 |
PCVEOP | Os relatórios são regularmente disponibilizados para os órgãos públicos concernentes (gestores) | B/C | 4 | 84,0 |
| ||||
Total | 40 |
No indicador PCCP, que avalia atividades de prevenção e controle de IRAS nos serviços/setores do hospital, as conformidades variaram de 10% a 80%, sendo as mais altas nas unidades PCCPUI (setor de internação) e PCCPCC (centro cirúrgico), com 80% cada. A menor foi encontrada na PCCPAP (laboratório de anatomia patológica) (Tabela 5).
Tabela 5 Distribuição das conformidades dos componentes do indicador 4 - PCCP: Atividades de Controle e Prevenção de IRAS em hospitais do Estado do Paraná, Brasil, 2013.
Código | Componente | Nível de Evidência | Relevância | Conformidade |
---|---|---|---|---|
Fator 1 – Interface com unidades de tratamento | ||||
| ||||
PCCPDI | Unidade de diálise | B/C | 4 | 16,0 |
PCCPBS | Banco de sangue | B/C | 4 | 24,0 |
PCCPUI | Unidades de internação | B/C | 4 | 80,0 |
PCCPUT | Unidades de terapia intensiva (Adulto, Infantil e Neo) | B/C | 4 | 64,0 |
PCCPCM | Central de material e esterilização | B/C | 4 | 78,0 |
PCCPCC | Centro cirúrgico | B/C | 4 | 80,0 |
PCCPPS | Pronto socorro | B/C | 4 | 66,0 |
| ||||
Fator 2 – Interface com Unidades de Apoio | ||||
| ||||
PCCPAC | Laboratório de análises clínicas | B/C | 4 | 48,0 |
PCCPAP | Laboratório de anatomia patológica | B/C | 4 | 10,0 |
PCCPBE | Berçário | B/C | 4 | 24,0 |
PCCPAM | Ambulatório | B/C | 3 | 62,0 |
PCCPSF | Serviço de farmácia | B/C | 3 | 70,0 |
PCCPSN | Serviço de nutrição e dietética | B/C | 4 | 64,0 |
PCCPDT | Participa nas decisões técnicas para especificação e aquisição de produtos e correlatos | B/C | 4 | 72,0 |
| ||||
Total | 54 |
Na correlação das conformidades gerais obtidas pelos PCIRAS com as variáveis estudadas somente apresentaram associação significativa para melhor desempenho dos PCIRAS as características das instituições hospitalares relacionadas à realização de auditorias internas (p=0,0099) e obtenção de certificação de qualidade (p=0,0194), assim como a presença de enfermeiro exclusivo para atuar no SCIH (p<0,0001), presença de profissionais médicos contratados e ou concursados (p=0,0005), maior carga horária de dedicação exclusiva dos médicos, 4 horas (p=0,0001), e maior tempo de experiência de médicos (p=0,0028) e enfermeiros (p=0,0094).
DISCUSSÃO
Há ampla literatura sobre avaliação em saúde. Mas ela está distante de apresentar consenso sobre melhores métodos, apesar de autores demandarem por uma abordagem conceitual integradora entre as diversas áreas, como a econômica, a epidemiológica e a prática clínica, bem como as ciências sociais, para dar conta de demonstrar não só da efetividade e os resultados de uma intervenção, mas de melhorar a qualidade dos serviços para atender às necessidades de um público cada vez mais exigente(11-13). A existência legal do Sistema Único de Saúde (SUS), no Brasil, gerou, ano a ano, densa e complexa teia de experimentos normativos, programáticos e operacionais que dizem respeito a modelos de atenção, gestão, prestação de serviços, trabalho na saúde, financiamento e participação social(14). Por isso que, sob a lógica dos rumos maiores , tornou-se inadiável a avaliação e acompanhamento dos rumos adicionais, nem sempre explicitamente debatidos. Avaliações de programas em saúde, realizadas em 2014(15), considera a necessidade de se buscar compreensão da amplitude desta área do conhecimento, principalmente quando a intervenção é complexa, com múltiplas facetas, conforme o presente estudo. O avaliador precisa identificar os processos ligados à produção dos efeitos de intervenção, a partir do conhecimento sobre a sua totalidade e trazendo à luz as distâncias entre o que foi planejado e realizado(16).
Soma-se ao movimento de qualidade na assistência os desafios globais para a segurança do paciente, demandados pela OMS. Acreditando que as práticas de controle e prevenção de IRAS respondem diretamente a essa demandas, a proposta deste estudo foi reconhecer o desempenho de PCIRAS em hospitais do estado do Paraná, associando fatores que contribuam ou dificultem seus resultados. Para tanto foi utilizado um sistema de avaliação previamente construído e validado quanto ao seu conteúdo e propriedades de medidas(9-10), na modalidade de indicadores clínicos, contemplados no sistema de avaliação(8).
Há também crescente interesse pelo reconhecimento da qualidade das práticas de controle e prevenção de IRAS, por meio de avaliações mais abrangentes, para além de resultados de sua incidência e prevalência, que incluam métodos processuais e estruturais. Isso porque tais métodos favorecem identificar problemas encontrados e determinar ações diretamente a eles dirigidas. Alguns estudos apontam nessa direção, por exemplo, ao utilizar indicadores de processo para avaliar o uso de antibioticoprofilaxia em cirurgias, seja aplicando todos seus parâmetros (momento de início, tipo de droga, dose, duração, redose(17-18), seja incluindo apenas um deles (uso de redose em cirurgias longas)(19). Indicadores de processo também foram construídos e validados para avaliar a qualidade de práticas de controle de riscos ocupacionais biológicos(20), higiene bucal(21), infecções do trato urinário(22) e corrente sanguínea(23). Quanto à qualidade dos próprios PCIRAS encontrou-se quatro avaliações que aplicaram os mesmos indicadores do presente estudo, em hospitais de cidades do Brasil. Um deles, em São Paulo, responsável, inclusive, pela validação desses indicadores(10). Os outros, em Ribeirão Preto(24), Aracaju(25) e Teresina(26).
A conformidade geral junto aos 50 hospitais do estado do Paraná (71%) foi inferior somente ao obtido em 50 hospitais do município de São Paulo, com escores acima de 90,0% de todos os indicadores(10). Mas foi superior ao desempenho em 13 hospitais de Ribeirão Preto, com média geral de 69,0%(24), e 16 hospitais de Aracaju, uma vez que nenhum dos 4 indicadores obteve conformidade acima de 68%(25). Em Teresina, a conformidade variou de 60% a 100% entre 10 hospitais(26).
No presente estudo o indicador de maior conformidade correspondeu ao PCVE, relativo ao sistema de vigilância epidemiológica de IRAS (90%). O PCVE também obteve a maior conformidade dentre os demais indicadores nos hospitais de São Paulo (99,%)(10) e Ribeirão Preto (82%)(24). Resultado diferente foi obtido nos hospitais de Aracaju, cujos melhores desempenhos tiveram os PCET e PCDO (68%, cada)(25). Pode-se inferir, com esses resultados, que os PCIRAS dos hospitais do estado do Paraná e cidades de São Paulo apresentaram melhor desempenho processual, por meio de realização de vigilância epidemiológica (PCVE). Já, na cidade de Aracaju, os PCIRAS apresentaram melhor desempenho estrutural(25)
A presença de outro profissional com atuação exclusiva no SCIH, além do enfermeiro, e espaço físico exclusivo para suas atividades foram os aspectos de menor conformidade na avaliação da estrutura técnico operacional (PCET) dos PCIRAS (34% e 64%, respectivamente). No estudo de Ribeirão Preto, as conformidades menores se referiram a espaço físico (30%), enfermeiro sem exclusividade no SCIH (38%), carência de médico (46%)(24). Em Aracaju, os desempenhos mais críticos foram reuniões com membros executivos do SCIH e lideranças (31%), outro profissional no SCIH com dedicação exclusiva e carga horária mínima de 4horas/dia (44%) e suporte de laboratório de microbiologia e patologia (56%)(25). Ao que parece, a presença de profissionais com atividades exclusivas foi questão mais comum nesses estudos. Já, nos hospitais de São Paulo, o componente de menor conformidade foi de 92%, indicando a excelente estrutura desses PCIRAS(10).
Recomendação para lavagem e higienização de roupas da instituição obteve o pior desempenho (38%) na avaliação estrutural do PCDO. Outras diretrizes também contribuíram para o desempenho apenas regular: técnicas de curativo e prevenção de infecções de sítio cirúrgico (52% cada), controle de infecções respiratórias e urinárias, padronização de soluções germicidas e antissépticas, técnica para coleta de material para realização de culturas (54% cada). Nos hospitais de Ribeirão Preto, a menor conformidade também foi a recomendação para lavagem e desinfecção das roupas (30%), além de padronização de soluções germicidas e antissépticos (46%)(24). Nos hospitais de Aracaju a recomendação da técnica para coleta de material para culturas obteve o menor desempenho (44%), além de técnicas de limpeza, desinfecção e esterilização de materiais e equipamentos (50%), padronização de soluções germicidas e antissépticas (56%) e limpeza e desinfecção de superfícies (56%)(25). Nos PCIRAS dos hospitais de São Paulo esse indicador apresentou boa conformidade, sendo que o seu menor desempenho coincidiu com os estado do Paraná e da cidade de Ribeirão Preto, referente à recomendação para lavagem e higienização de roupas utilizadas na instituição (64%)(10).
Observa-se que a questão da padronização de soluções germicidas e antissépticas foi comum aos três primeiros estudos citados. As menores conformidades encontradas em recomendação para lavagem e desinfecção das roupas, de forma geral, sugerem a questão do crescimento da terceirização de serviços nos hospitais, que incluem a lavanderia hospitalar. Mesmo assim, e talvez principalmente, não se isenta a necessidade de estabelecer padrões de serviços, que podem interferir na qualidade das atividades fins.
No processo de vigilância epidemiológica (PCVE) as atividades de elaboração e divulgação de relatórios foram as que apresentaram menor conformidade, principalmente relativos a conteúdos sobre perfil epidemiológico (64%) e correlação dos resultados com estratégias de controle adotadas (70%), além de disponibilização dos mesmos nos diversos setores (74%). Nos hospitais de Ribeirão Preto o menor desempenho se referiu aos relatórios, na correlação dos resultados de ocorrências de IRAS com estratégias de controle e prevenção (46%)(24). Nos hospitais de Aracaju, apenas 1% disponibilizava os relatórios à vigilância sanitária; outros baixos desempenhos também se referiram aos relatórios, seja quanto a correlação de resultados com estratégias de controle e prevenção adotadas (31%), seja disponibilizando-os aos setores da instituição (38%)(25). Constata-se, portanto, que a questão em comum mais problemática sobre atividades de vigilância epidemiológica se refere à realização dos relatórios, exceto junto a hospitais da cidade de São Paulo, cujas conformidades variaram de 98% a 100%(10).
As atividades de Controle e Prevenção de IRAS (PCCP) apresentaram conformidades baixas em alguns serviços ou setores, contribuindo para que a avaliação desse indicador apresentasse o pior desempenho nos hospitais do estado do Paraná. Foi o caso dessas atividades junto ao setor de anatomia patológica (10%), unidades de diálise (16%), banco de sangue (24%), laboratório de análises clínicas (48%). Nos hospitais de Ribeirão Preto essas atividades foram nulas nos laboratórios de análises clínicas e de patologia, e baixas no banco de sangue (20%) e decisões técnicas (38%)(24). Nos hospitais de Aracaju também foram nulas essas atividades junto ao laboratório de anatomia patológica, e baixas na unidade de diálise (10%), laboratório de análises clínicas (38%), serviço de farmácia (43%), banco de sangue (44%)(25). Já, nos hospitais da cidade de São Paulo, novamente obteve-se alto desempenho, com exceção no laboratório de anatomia patológica (64%)(10).
Observa-se que os PCIRAS, nesses estudos, concentram suas atividades em setores onde há presença de pacientes, como unidades de internação e centro cirúrgico, onde foram obtidos os desempenhos mais altos. No entanto, atividades de controle e prevenção de IRAS e setores de apoio, com muito baixa conformidade, ou mesmo nula, podem comprometer a qualidade das atividades fins, e não isenta a responsabilidade dos PCIRAS. Exemplos disso são os laboratórios de análises clínicas e microbiológicas, fundamentais para o reconhecimento de cepas microbianas e testes de resistência a antibióticos.
Os resultados de conformidade junto a hospitais do Paraná apresentaram correlação significativa para melhor desempenho dos PCIRAS apenas nos aspectos relacionados à realização de auditorias internas (p=0,0099) e obtenção de certificação de qualidade (p=0,01949) pelas instituições, assim como a presença de enfermeiro exclusivo para atuar no SCIH (p<0,0001), profissionais médicos contratados e ou concursados (p=0,0005), maior carga horária de dedicação exclusiva dos médicos, 4 horas (p=0,0001), e maior tempo de experiência de médicos (p=0,0028) e enfermeiros (p=0,0094).
A conformidade geral associada à capacitação de recursos humanos à admissão não apresentou diferença significativa para afirmar que os enfermeiros que realizam treinamentos aos funcionários o escore seja maior para aqueles que não realizam. Mas o fato do tempo de experiência dos enfermeiros e médicos no SCIH obter significância estatística denota que a experiência nessa área é fundamental, pois envolve conhecimentos diversos.
CONCLUSÃO
O presente estudo avaliou PCIRAS em hospitais do estado do Paraná. De acordo com a conformidade geral obtida, de 71%, é possível considerar que esses programas apresentam um desempenho razoável. Contudo, ao identificar isoladamente cada indicador e suas unidades de análise constata-se alta variação nos resultados de suas conformidades. Os valores médios entre os indicadores foram de 63,2% a 79,4%. Já, os valores de suas unidades de análise atingiram variações extremas, de 10% a 98%. Pelos resultados de conformidade geral de cada indicador constata-se que esses programas apresentam adequação mínima de estrutura para sua operacionalização (79,4%) e realização de vigilância epidemiológica de IRAS (76%). Por outro lado, necessitam de melhoria no desenvolvimento de diretrizes de controle e prevenção (65,5%), assim como ações de controle e prevenção de IRAS junto a determinados setores (65,5%) dos hospitais, particularmente, aqueles que prestam assistência indireta, ou seja, em que não há presença de pacientes. Contudo, não há justificativa para essas diferenças, uma vez que praticamente todas as unidades desses indicadores possuem o mesmo nível (4) de relevância. Ao que parece, alguns fatores estão associados ao melhor desempenho desses programas, como a busca de qualificação pelas instituições e melhores condições de trabalho (dedicação exclusiva, maior carga horária) dos enfermeiros e médicos do SCIH.
Finalmente, há que se ressaltar a relevância da participação e implementação de políticas de órgãos governamentais de saúde dos municípios, estado e nação frente aos cenários encontrados.