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Formação em Enfermagem na Cruz Vermelha Brasileira na década de 1940: uma abordagem Foucaultiana*

Educación en enfermería en la cruz roja brasileña en la década de 1940: un enfoque foucaultiano

RESUMO

Objetivos

Identificar e analisar os enunciados discursivos que caracterizam a formação de RH em enfermagem, na década de 1940 pela Cruz Vermelha Brasileira.

Método

A abordagem das fontes documentais se deu através dos pressupostos do Método Histórico, problematizado a partir do pensamento de Michel Foucault.

Resultados

Historicamente, a formação dos recursos humanos (RH) em enfermagem, sobretudo na década de 1940, foi influenciada por um modelo peculiar de ensino, o militar. A Cruz Vermelha Brasileira vinculava-se ao Ministério da Guerra e a formação em enfermagem tinha ênfase na conduta moral, na disciplina, no respeito à hierarquia, que culminava na produção de “corpos dóceis” femininos na enfermagem. Os atributos esperados da enfermeira se constituíam na tríade da formação da identidade profissional à época: abnegação, disciplina e obediência.

Conclusão

O referido modelo reverbera práticas na formação ainda arraigadas na atualidade, seja no âmbito da gestão, da assistência e do ensino na enfermagem.

Enfermagem; História da Enfermagem; Recursos Humanos de Enfermagem; Cruz Vermelha

RESUMEN

Objetivos

Identificar y analizar los enunciados discursivos que caracterizan la formación de RH en enfermería, en la década de 1940 por la Cruz Roja Brasileña.

Método

El abordaje de las fuentes documentales ocurrió a través de los supuestos del Método Histórico, problematizado a partir del pensamiento de Michel Foucault.

Resultados

Históricamente, la formación de recursos humanos (RH) en enfermería, sobre todo en la década de 1940, fue influenciada por un modelo peculiar de enseñanza, el militar. La Cruz Roja Brasileña fue vinculada al Ministerio de la Guerra y la formación en enfermería tenía énfasis en la conducta moral, la disciplina, el respeto a la jerarquía, culminando en la producción de “cuerpos dóciles” femeninos en la enfermería. Los atributos esperados de la enfermera constituyeron en la tríada de la formación de la identidad profesional en la época: abnegación, disciplina y obediencia .

Conclusión

El modelo referido reverbera prácticas en la formación enfermera arraigadas en la actualidad, tanto en el ámbito de gestión, asistencia y de enseñanza en enfermería.

Enfermería; Historia de la Enfermería; Recursos Humanos de Enfermería; Cruz Roja

ABSTRACT

Objectives

To identify and analyze the discursive statements that characterizes the training of human resources in nursing in the 1940s by the Brazilian Red Cross.

Method

The approach of the documentary sources was through the assumptions of the Historical Method and they were questioned by using the thought of Michel Foucault.

Results

Historically, a peculiar model, the military teaching model, influenced the training of human resources in nursing, especially in the 1940s. The Brazilian Red Cross was linked to the Ministry of War and its nursing education had an emphasis on moral conduct, discipline, and respect for hierarchy, culminating in the production of nurses’ “docile bodies”. The attributes expected of nurses constituted the triad in the professional formation identity at that time: dedication, discipline and obedience.

Conclusion

The military model still reverberates practices in training of nurses in the present, as in the management, care and education in nursing.

Nursing; History of Nursing; Nursing Staff; Red Cross

INTRODUÇÃO

O campo dos recursos humanos em saúde, sobretudo na perspectiva da enfermagem, tanto no âmbito da formação quanto da prática profissional, é um valioso objeto de estudo para problematizar a constituição de saberes, poderes e práticas de subjetivação dos profissionais de saúde. Nessa direção, os componentes de eficácia, eficiência e efetividade podem historicamente ser refletidos a partir de perspectivas que permitem o entendimento e, mormente, o questionamento de verdades legitimadas ao longo da história da profissão. Nesse sentido, considera-se, em particular, o papel da educação, seja ela na graduação ou em educação permanente, como mola propulsora para constituição dos traços esperados na atuação e representação social do profissional de enfermagem.

A história da enfermagem (HE), mais do que um acesso ao conhecimento do passado, tem sido um caminho para alunos, docentes e profissionais suscitarem novas perguntas para “verdades” postas ou pretensamente “consolidadas”, sobretudo a despeito de práticas atuais na gestão de recursos humanos e constituição da identidade profissional desses agentes ao longo do tempo(11. Carrijo AR. Ensino de história da enfermagem: formação inicial e identidade profissional [tese doutorado]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2012.). A História se faz valer aos profissionais àmedida que os acontecimentos possam ser articulados com o presente, e dessa forma permitirem o estranhamento das práticas que de tão “comuns” e “normais”, ficam na superficialidade e não são questionadas. A história da profissão é uma das disciplinas contemplada na matriz curricular dos cursos de graduação e deve ser o fio condutor para se discutir e fomentar areflexão crítica do enfermeiro conforme preconizada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem. Nesse sentido, a história torna-se uma ferramenta para desconstrução de mitos e inverdades constituídas pelos jogos de interesses de cada época(22. Mecone MCC. O modelo militar no ensino de enfermagem: um olhar histórico sob a perspectiva foucaultiana [tese doutorado]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2014.).

Os aspectos apontados anteriormente corroboram a necessidade de estudos em HE com enfoque em recursos humanos, sobretudo à luz das exigências impostas pelo mercado de trabalho desde o início da profissionalização da categoria. Neste estudo destacam-se aspectos relacionados a um contexto histórico específico, década de 1940, no qual prevaleciam o comportamento e a conduta moral da mulher/enfermeira, e por fim alguns aspectos preconizados como prioritários nos recursos humanos em enfermagem para atender àdemanda de interesses do contexto sociopolítico da época.

No caso dos estudos em recursos humanos em enfermagem, a maioria concentra-se na temática da força de trabalho e educação permanente. A produção nessas vertentes justifica-se pelo quantitativo de recursos humanos em enfermagem inseridos no mercado de saúde e as estratégias de gestão de pessoas. Na enfermagem esse número é estratificado nas três categorias profissionais: os auxiliares de enfermagem somam a maior fatia, seguidos pelos técnicos de enfermagem e pelos enfermeiros. Contudo, percebe-se uma reversão nesses números num futuro não muito distante, pois as políticas públicas voltadas para educação estão permitindo maior acesso ao ensino universitário. Com isso muitos profissionais técnicos e auxiliares de enfermagem estão buscando os cursos de graduação(33. Silva LIMC Peduzzi M. Os recursos humanos de enfermagem da perspectiva da força de trabalho: análise da produção científica. Rev Esc Enferm USP. 2005;39(n.esp):589-96.).

A pesquisa em recursos humanos com enfoque histórico é importante para os enfermeiros como maneira de revisitar o passado e conhecer quais as condições e linhas de forças que foram consolidando as práticas e verdades durante a trajetória da profissão, seja na gestão dos serviços de saúde, nos serviços de enfermagem e/ou na assistência direta ao paciente. Nesse sentido, o contingente humano que atua no cuidado é determinante na produção da atenção à saúde e deve ser entendido, estudado, problematizado e compreendido em detrimento da complexidade que constitui o sistema de saúde atual, seja ele privado ou público(33. Silva LIMC Peduzzi M. Os recursos humanos de enfermagem da perspectiva da força de trabalho: análise da produção científica. Rev Esc Enferm USP. 2005;39(n.esp):589-96.).

Apesar do crescente número de trabalhos produzidos na HE, essa é uma área ainda pouco valorizada pelos enfermeiros em nosso país. A maior parte dos estudos desenvolvidos em HE se destaca pelo viés de questões pontuais e interpretativas de alguns períodos da enfermagem brasileira. Esses estudos alcançariam relevância ainda maior tendo seu objeto analisado e discutido sob um prisma da problematização. A todo o momento deve-se buscar conhecer o passado através das seguintes perguntas: como nos tornamos aquilo que somos? Quais foram as condições de possibilidade que permitem a reafirmação de determinadas atitudes na formação e consolidação dos recursos humanos em enfermagem?

A HE é rica em fontes que poderiam ser submetidas a essa problemática, e assim despertar nos seus agentes um incômodo, ou seja, um olhar crítico sobre forças que imperam a favor de interesses peculiares no quais os profissionais encontram-se inseridos durante o exercício profissional.

Considerando os recursos humanos em enfermagem sob um olhar histórico problematizador, escolheu-se como objeto para o presente estudo o modelo de ensino ensejado pela Escola de Enfermagem da Cruz Vermelha Brasileira, Filial Estado de São Paulo (EECVB-FESP) no início da década de 1940, difundido pela própria instituição e legitimado pelos saberes vigentes à época; a legislação, o discurso médico e os meios midiáticos da época. A escolha se justifica por se tratar de um contexto social e político peculiar na história do Brasil, cuja relevância recai nas maneiras de pensar como as questões e os interesses políticos interferem direta ou indiretamente na enfermagem.

Os primeiros anos da década de 1940 foram marcados pela eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), conflito entre os países do bloco Aliados contra o Eixo, com grande repercussão beligerante na Europa. Vale ressaltar que em 1942 o Brasil envolve-se no conflito como partidário ao Bloco dos países Aliados, no qual pertencia os Estados Unidos. Embora não houvesse guerra propriamente dita em território brasileiro, o governo vigente comandado pelo presidente Getúlio Vargas disseminava o clima de guerra, em que toda a população deveria estar preparada para o conflito(44. Tota AP. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São Paulo: Companhia das Letras; 2000.). Nesse sentido, a enfermagem foi peça-chave para alavancar as mulheres, o contexto da saúde, demarcar espaços (privados e públicos, masculinos e femininos) e alavancar as políticas nacionalistas e ditatoriais em território brasileiro.

Os objetivos da presente investigação foram identificar e analisar os enunciados discursivos que caracterizaram a formação de RH em enfermagem, na década de 1940, pela Cruz Vermelha Brasileira.

Referencial teórico-filosófico

O estudo fundamentou-se no pensamento de Michel Foucault, cujo modo de filosofar consiste na historiografia como ferramenta para pensar o presente, não em busca de verdades, mas na problematização dos saberes e práticas já postas. Foucault é considerado o filósofo das visibilidades, pois sua tarefa não é desvendar o oculto, mas tornar visível aquilo que, de tão próximo e tão intimamente ligado aos agentes, lhes parece invisível. Para o autor, não existe verdade absoluta, mas diferentes verdades sobre a realidade em diferentes momentos, que atendem às necessidades do poder em uma época, em um contexto(55. Foucault M. História da sexualidade: a vontade de saber. 20ª ed. São Paulo: Graal; 2010. v.1.).

Neste estudo, a fim de problematizar os discursos legitimados pela eficiência, eficácia e efetividade na produção saberes, poderes e subjetividades nos recursos humanos em enfermagem,os resultados foram discutidos à luz do poder enquanto relação de forças que atravessa os agentes continuamente e produz efeitos de saber e subjetivação.

São através dos mecanismos sutis de disciplinamento, em jogos visíveis de poder, nos quais se produzem as subjetividades. Poder aqui é tratado como um conjunto de estratégias, táticas, pactos, alianças, cumplicidades, que se manifesta por meio de complexos jogos de posturas, gestos, palavras, silêncios, ameaças, recompensas, formas peculiares de expressão, de redes e atravessamentos de relações(66. Fischer RMB. Trabalhar com Foucault: arqueologia de uma paixão. Belo Horizonte: Autentica; 2012.).

MÉTODO

Considerando o objeto e o objetivo, o estudo foi conduzido pelo Método Histórico, cuja fase heurística decorreu da seleção e organização das fontes e em seguida a fase hermenêutica para problematização e interpretação dos documentos. As fontes foram constituídas de publicações textuais e imagéticas relacionadas à enfermagem veiculadas no jornal “A Gazeta”, no período de 1940 a 1945, bem como outras fontes históricas como o Regulamento da EECVB-FESP de 1940, e diários com matrizes curriculares do período. Os documentos estão preservados no Arquivo Público do Estado de São Paulo e no acervo da Cruz Vermelha – Filial Estado de São Paulo.

A coleta foi realizada nos anos que compreenderam a pesquisa de doutorado de uma das autoras (2010-2013), defendida em 2014 no Programa de Pós-graduação em Gerenciamento em Enfermagem (PPGEn) na Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. A compilação dos documentos foi realizada por meio de planilha digital desenvolvida de acordo com os enunciados identificados durante a coleta que tinham relação direta ou indireta com o discurso de formação de recursos humanos no período, qual seja: aspectos veiculados sobre a enfermeira aluna/egressa da EECVB-FESP representada através do discurso sobre o feminino e o ser enfermeira, e na questão da indumentária, ou seja, os uniformes das enfermeiras.

Por conseguinte, trata-se de um estudo de abordagem histórico-documental. Os documentos consultados são do domínio público e não houve envolvimento com seres humanos. Contudo, atentou-se a todos os princípios éticos em pesquisa, tais como a obtenção de autorização da direção da Cruz Vermelha Brasileira – Filial Estado de São Paulo, na qual foram realizadas as consultas aos documentos. Os demais documentos pertencem a Arquivos Públicos, como o do Estado de São Paulo, sendo os mesmos autorizados para uso e reprodução em pesquisas acadêmicas, pois são também do domínio público.

A análise dos dados pautou-se nos mecanismos metodológicos criados a partir da interpretação dos escritos de Michel Foucault, o qual entende que no trabalho arqueológico existem duas possibilidades a serem consideradas na análise de discurso: a primeira considera a natureza constitutiva dos elementos discursivos e a segunda considera a interdiscursividade e a intertextualidade presentes nas práticas discursivas. Nessa perspectiva, o trabalho de análise do material empírico se deu de acordo com as seguintes etapas: pré-análise (leitura e pré-categorização), releitura e destaque de temas, exercício de questionamento, sustentação teórica, composição/recomposição.

RESULTADOS

Os discursos da Cruz Vermelha Brasileira, como lócus político da formação de recursos humanos em enfermagem na década de 1940, retratam a produção de “corpos dóceis” nessa área. Além disso, os resultados, a seguir, revelaram que a engrenagem do modelo pedagógico da Escola de Enfermagem da Cruz Vermelha – Filial do Estado de São Paulo, não só fomentou a formação de uma pretensa identidade profissional como a desenhou a partir de um modelo, o militar, criando possibilidades para a emancipação feminina.

A partir da seleção e interpretação dos documentos, foi possível compilar neste estudo os seguintes enunciados: a EECVB-FESP como instituição produtora de um modelo específico de recursos humanos em enfermagem, a mulher no discurso político, a produção de corpos dóceis, o modelo pedagógico e a identidade profissional a partir do modelo militar como estratégia de adestramento dessa escola. Diante dos enunciados que emergiram durante o tratamento dos documentos, pode-se entender que a enfermagem foi peça-chave nas estratégias governamentais da ditadura varguista. O apelo às mulheres para o cuidado, e a comparação da enfermeira com a cuidadora e guardiã da pátria buscava a simpatia da população para com o modelo ensejado pelo Estado Novo de Vargas.

Ainda que em um modelo de ensino no qual prevaleciam as regras disciplinares e de conduta moral, no qual o papel servil e a docilidade subserviente à figura masculina norteassem tal conduta, a profissão de enfermeira foi um dos caminhos encontrados pela mulher para ascensão e conquista do espaço público, seja nos estudos, no trabalho e no âmbito político.

Tais enunciados deram pistas e arcabouço intelectual para um olhar histórico no qual é possível problematizar práticas do presente na formação, na gestão e na atuação assistencial dos recursos humanos em enfermagem. Nesse sentido, não se deve perguntar os porquês de tais comportamentos, fenômenos ou determinadas manifestações, mas quais as condições de possibilidade com as quais certas práticas são produzidas, legitimadas e tomadas como verdades quando se trata de entender o contexto dos recursos humanos dentro das instituições.

DISCUSSÃO

A cruz vermelha brasileira: produção de recursos humanos para o cuidado

A Cruz Vermelha é uma instituição reconhecida em âmbito internacional desde sua criação em 1863 por iniciativa de Henry Dunant durante a batalha de Solferino na Itália. Desde então se baseia no princípio da neutralidade e exerce atividades humanitárias livremente em conflitos beligerantes ou situações de calamidade pública. A sede brasileira foi instituída em 1908, e desde 1910 iniciou cursos para formação de recursos humanos em enfermagem informalmente até 1914, quando instituiu oficialmente na capital paulista seu primeiro curso para formação de enfermeiras profissionais e samaritanas ou voluntárias(77. Oguisso T, Dutra VO. Campos PFS. Cruz Vermelha Brasileira filial Estado de São Paulo: formação em tempos de paz. Barueri: Manole; 2008.).

Estudos em HE tratam com maestria a participação e representação da enfermagem nos anos que compreenderam a primeira e a segunda guerra mundial, sobretudo as enfermeiras da CVB. Contudo nas décadas de 1920 e 1930 a escola apresentou um declínio nas suas atividades como centro formador, tendo as retomado com empenho a partir de 1940. A representação da enfermagem em 1914 e1940 é explicada por serem períodos que coincidem com o início das grandes guerras, pois se trata de uma escola que tem como base formar pessoal de enfermagem para atender uma demanda específica de um determinado contexto histórico(22. Mecone MCC. O modelo militar no ensino de enfermagem: um olhar histórico sob a perspectiva foucaultiana [tese doutorado]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2014.,88. Mott ML, Tsunechiro MA. Os cursos de enfermagem da Cruz Vermelha Brasileira e o início da enfermagem profissional no Brasil. Rev Bras Enferm. 2002;55(5):592-9.).

No âmbito do que era ser mulher, ser enfermeira no contexto da época, vale ressaltar que a imprensa escrita capta e difunde acontecimentos, produzindo narrativas que, em vez de descrevê-los, forjam o que ali é apresentado, por meio de um deslocamento do imaterial do acontecimento para uma identidade fixada no interior de um discurso que delimita tanto o dizível quanto o que não é permitido dizer(99. Muchail ST. Foucault simplesmente. São Paulo: Loyola; 2004.).

O discurso jornalístico reitera-se a todo instante como um valioso recurso de “governamentalização” das atitudes e dos valores partilhados pela população no tocante à natureza e ao campo de ação do trabalho da enfermeira, sobretudo no caso da CVB(1010. Porto F, Campos PFS, Oguisso T. Cruz Vermelha Brasileira (filial São Paulo) na imprensa (1916-1930). Esc Anna Nery Rev Enferm. 2009;13(3):492-9.).

A partir dos achados, algumas questões norteiam a problemática das subjetividades. De qual maneira o contexto político influenciou essa formação do RH em enfermagem pela referida instituição? Qual a identidade profissional dessas alunas/egressas? Como se caracterizavam os discursos proferidos na época?

O discurso sobre a mulher/enfermeira legitimava notórias prescrições disciplinares e reguladoras presentes tanto nas matérias jornalísticas como no próprio Regulamento da EECVB-FESP, principalmente, quando veiculados determinados conhecimentos e comportamentos inerentes e esperados da mulher da época, como elas deveriam ser e agir socialmente.

O estudo analítico do período permite entender a EECVB-FESP como campo de poderes e saberes que eram fomentados e instigados por diversas instituições de onde emanavam discursos e práticas no período: a família, a religião, as artes, em especial o cinema, a escola e mais fortemente o hospital, além das práticas discursivas e não discursivas no campo políticos que regimentavam os demais supracitados. Todos legitimados à luz do discurso jornalístico.

A mulher no discurso político e a produção de corpos dóceis

A década de 1940 no Brasil foi alicerçada em um governo ditatorial, cujas ressonâncias demarcavam a divisão social do trabalho, na aliança entre Igreja e Estado nos ditames que determinavam os espaços masculino e feminino, bem como na submissão da mulher e sua reclusão no espaço privado. Nesse sentido, na enfermagem preponderava a presença de mulheres e a CVB, órgão institucionalizado pelo governo vigente e pela igreja, soube assertivamente usufruir das qualidades femininas para reproduzir e legitimar as ocupações adequadas para mulheres.

A EECVB era veiculada diariamente na imprensa jornalística como oportunidade de participação da mulher em prol da pátria. As peculiaridades da mulher como a feminilidade, a doçura e subserviência eram requisitos valorizados pelo Estado e legitimados pela igreja. Ambas, consideradas por Foucault como instituições de sequestro, ou seja, retiram os indivíduos do ambiente familiar, do convívio social, com a finalidade de moldar condutas, disciplinar comportamentos, formatar aquilo que pensam, pois assim controlam o tempo, o espaço e o saber dos sujeitos(1111. Foucault M. Ditos e escritos IV: estratégia, poder-saber. Rio de Janeiro: Forense; 2006. Os intelectuais e o poder; p. 37-47.). Estratégicas úteis na produção de corpos dóceis e úteis aos interesses políticos da época.

Foucault considera que todo sistema educacional é uma maneira política de manter ou de modificar os discursos, por meio de seus saberes e poderes(55. Foucault M. História da sexualidade: a vontade de saber. 20ª ed. São Paulo: Graal; 2010. v.1.). Assim, o filósofo convida a pensar a linguagem para além daquilo que ela quer dizer, como verdade, seja ela provisória ou definitiva, mas verdade. Destaca também as diversas formas pelas quais ela pode ser dita, os modos e a diversidade criativa para dizer esta ou aquela verdade(66. Fischer RMB. Trabalhar com Foucault: arqueologia de uma paixão. Belo Horizonte: Autentica; 2012.).

A “verdade” pode assumir a forma de ciência, modelo científico ou de enunciados produzidos nas instituições e práticas de controle(1010. Porto F, Campos PFS, Oguisso T. Cruz Vermelha Brasileira (filial São Paulo) na imprensa (1916-1930). Esc Anna Nery Rev Enferm. 2009;13(3):492-9.). Nesse caso, os saberes da instituição EECVB-FESP produziam processos de subjetivação com características próprias como parte do discernimento ético, do fazer ou deixar de fazer algo, do servir ou não a pátria(22. Mecone MCC. O modelo militar no ensino de enfermagem: um olhar histórico sob a perspectiva foucaultiana [tese doutorado]. São Paulo: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2014.).

Em 1942, ano em que o Brasil declara participação na guerra, a Revista da Cruz Vermelha Brasileira do mesmo ano veicula várias publicações onde simula a voz das mulheres do Brasil ao presidente Getúlio Vargas. Nessas notas as mulheres declaram apoio incondicional e declaram estar prontas para cumprir o seu “dever de mulher”.

Na perspectiva foucaultiana, pode-se inferir que a EECVB-FESP, de certa forma, funcionava como “instituição de sequestro”, pois, sob esta condição, não interessava controlar o tempo das alunas, mas controlar seus corpos, deveres e sua atuação, amoldando comportamentos.

A EECVB-FESP era uma instituição especializada em ensinar e, para tanto, esse funcionamento implicava disciplina geral da existência dessas alunas, regras que ultrapassavam as finalidades aparentemente precisa.

No contexto da gestão de recursos humanos em enfermagem, ou gestão de pessoas, como são referidas atualmente, as premissas de desenvolvimento de enfermeiros são os imperativos ditados pelo mercado de trabalho, interesses que, na maioria das vezes, se apresentam de maneira tênue e quase sempre imperceptível, mas que tem como objetivo o adestramento dos agentes para atender aos interesses dos jogos de poder vigentes. Nessa linha de raciocínio destacam-se: o disciplinamento, o controle, a demarcação de tempo e espaços e a legitimação de saberes consolidados no âmbito da saúde. No campo dos saberes, a enfermagem quase sempre foi reconhecida mediante o fazer, a conduta moral e o comportamento em detrimento do conhecimento intelectual, esse por excelência reconhecido à outra área da saúde(1212. Foucault M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Trad. de Raquel Ramalhete. 34ª ed. Petrópolis: Vozes; 2007.).

Numa reflexão analítica, o contexto histórico-social tem deser considerado quando a análise se pauta na produção de recursos humanos em enfermagem, ou seja, as possibilidades pelas quais nos tornarmos aquilo que somos é sempre mandatória na análise foucaultiana. As estratégias de produção de corpos dóceis em recursos humanos são direcionadas pelas relações de forças de um determinado jogo de interesse. Tal como a ditadura varguista tinha suas estratégias, a atualidade também tem outras, cabendo aos profissionais o deslocamento passivo para se tornar agentes críticos de seu tempo, do seu saber fazer, saber conhecer e sobretudo saber ser.

O modelo pedagógico e a identidade profissional a partir do modelo militar

O modelo pedagógico da EECVB fomentava, na formação da enfermeira, a construção identitária sob a ótica do ensino marcado por prerrogativas militares propagadas pela escola. A identidade profissional refere-se ao sentimento de agregação a um determinado coletivo profissional, com seu cabedal simbólico comum(1313. Turner J. Sociologia: conceitos e aplicações. São Paulo: Marron Books; 2000.). Nessa direção, a identidade profissional é formada em diferentes momentos, tendo início na sala de aula da vida acadêmica, passando pelos primeiros contatos com o objeto do cuidado (no caso da enfermagem), interagindo com outros agentes, conforme acontecem as experiências na prática cotidiana em um constante aperfeiçoamento profissional(1414. Campos PFS, Oguisso T. Enfermagem no Brasil: formação e identidade profissional pós 1930. São Paulo: Yendis; 2013.).

Embora sendo um termo muito discutido atualmente, torna-se um desafio analisar e discorrer sobre modelo pedagógico numa época em que o conhecimento não era construído a partir do desenvolvimento de competências, o que significa dizer que o ensino, independentemente da área de conhecimento, era reproduzido a partir do detentor do saber – o professor – para o aprendiz, caracterizando assim uma aprendizagem passiva.

A normalização de condutas é visivelmente identificada no enfoque biomédico e de caráter elementar nos quais se referiam as disciplinas curriculares no Regulamento da EECVB-FESP de 1940. O termo “noções” que antecede os nomes das disciplinas destaca a superficialidade com que o conteúdo teórico era ministrado, cabendo a intelectualidade e aprofundidade do conhecimento ao médico(88. Mott ML, Tsunechiro MA. Os cursos de enfermagem da Cruz Vermelha Brasileira e o início da enfermagem profissional no Brasil. Rev Bras Enferm. 2002;55(5):592-9.). As demais disciplinas, como a Ética Profissional, eram pautadas na conduta moral, religiosidade e obediência, destacando assim o perfil dócil esperado nas ações da enfermeira para com o paciente e os demais membros da equipe de saúde(1515. Lunardi VL. Uma crítica da moral da obediência para a busca de uma moral autônoma da enfermeira. Texto Contexto Enferm. 1995;4(2):73-92.).

Cabe retomar que, no Brasil, a identificação da enfermagem ao sexo feminino, devido às qualidades e às habilidades consideradas inatas às mulheres, é bastante evidente no início do século XX(1616. Mott ML. Revendo a história da enfermagem em São Paulo (1890-1920). Cad Pagu. 1999;13(1):327-55.). A causa da subordinação feminina estaria relacionada à atribuição simbólica de que esta está associada à natureza, enquanto o homem é ligado simbolicamente à esfera pública. A mulher estaria vinculada ao símbolo da natureza por ser a provedora da vida e a cuidadora do lar, e seu corpo colocam-na em papéis sociais que são considerados inferiores aos dos homens no processo cultural e nas relações de poder, sendo as mulheres desvalorizadas nos campos de poder.

Dentro de um âmbito familiar, cabe à mulher o papel social, construído culturalmente, de cuidar dos filhos e da casa, um esquema classificatório ligado mais à subjetividade. Quando as mulheres “invadem” o ambiente público, elas podem vir a sofrer processos discriminatórios, pois as mesmas posições dos homens no espaço público podem acarretar uma distribuição desigual de recursos, estes entendidos como poder, prestígio e status(1313. Turner J. Sociologia: conceitos e aplicações. São Paulo: Marron Books; 2000.).

Neste sentido buscou-se refletir sobre os atravessamentos das redes de poder que existiam dentro do campo escolar, e que se constituem, até os dias atuais, sobretudo nos campos de atuação profissional dos profissionais de enfermagem. A passividade e resiliência ainda são competências esperadas e desenvolvidas nos recursos humanos dentro das instituições. Observa-se que os sujeitos estão imersos em instituições desde o momento em que nascem até a morte; seja a família, a escola, a religião, etc. Instituições no sentido etimológico da palavra “instituir” (estabelecer, decidir) significados literalmente ligados aos preceitos religiosos e educacionais.

É possível afirmar que a escolha pela enfermagem representava uma possibilidade de conciliação entre a moral religiosa e a emancipação profissional, motivo que fundamentava decisões de muitas jovens que ingressavam na carreira de enfermagem como uma possibilidade de exploração do espaço público(1414. Campos PFS, Oguisso T. Enfermagem no Brasil: formação e identidade profissional pós 1930. São Paulo: Yendis; 2013.).

De acordo com Foucault(55. Foucault M. História da sexualidade: a vontade de saber. 20ª ed. São Paulo: Graal; 2010. v.1.) “o ponto importante é saber sob que formas, através de que canais, fluindo através de que discursos o poder consegue chegar às mais tênues e mais individuais das condutas. Que caminhos lhe permitem atingir as formas raras ou quase imperceptíveis do desejo, de que maneira o poder penetra e controla o prazer cotidiano – tudo isso com efeitos que podem ser de recusa, bloqueio, desqualificação, mas também de incitação, de insatisfação, em suma, técnicas polimorfas de poder”.

No contexto discriminatório e de segregação de papéis em função do sexo, outras instituições, dentre elas a instituição escolar, continuavam reproduzindo e produzindo espaços para tais desigualdades.

Foucault, ao estudar as articulações entre poder e saber relata que os saberes se engendram e se organizam para se constituir em uma vontade de poder. No seu entendimento, o poder na sua positividade está relacionado à produção de um saber, seja com fins de transformação ou de adestramento. Contudo, o poder age sobre sujeitos livres, em que há sempre a possibilidade virtual da resistência(1212. Foucault M. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Trad. de Raquel Ramalhete. 34ª ed. Petrópolis: Vozes; 2007.).

Sob este prisma de compreensão, a escola pode ser entendida como um campo privilegiado de poder e de produção de subjetividade. É um espaço de permite uma rede de atravessamento de diversos poderes, no qual emergem zonas de tensão, de correlação de forças, do exercício do poder, jogos de poder/saber/verdade institucionais que delimitam e constituem os diferentes níveis de subjetivação do processo de formação; no caso da EECVB-FESP, uma enfermagem marcadamente militarizada(1717. Eizirik MF, Comerlato D. A escola (in)visível: jogos de poder, saber e verdade. 2ª ed. Porto Alegre: Ed. UFRGS; 2004.).

Exemplos de saberes dessa escola podem ser identificados a partir dos documentos legitimados como fonte de conhecimento inerente à “boa mãe”, à “boa enfermeira” e exemplo de mulher produzido pela CVB.

Enfermagem como condições de possibilidade para emancipação feminina

A feminilidade, nos últimos séculos, tem sido terreno sobre o qual proliferam discursos das mais diversas instituições, além de influenciar os próprios sujeitos. O presente estudo está contextualizado em um período marcado por grande mobilização em prol da emancipação feminina, da qual a enfermagem também teve participação ativa em movimentos impulsionados por enfermeiras líderes no período(1414. Campos PFS, Oguisso T. Enfermagem no Brasil: formação e identidade profissional pós 1930. São Paulo: Yendis; 2013.).

Não há indícios claros da EECVB-FESP nas articulações com as questões que fomentavam o movimento feminista da época. Contudo, uma das líderes de destaque na enfermagem no período, Edith de Magalhães Fraenkel, egressa desta escola, era amiga e lutava junto a Bertha Lutz pela causa do feminismo no Brasil(1818. Mancia JR, Padilha MICS. Trajetória de Edith Magalhães Fraenkel. Rev Bras Enferm. 2006;59(n.esp):432-7.). Bertha, desde o início do século XX, dava-se a conhecer ao grande público preconizando a ampliação dos direitos civis e políticos da mulher(1919. Pinto CRJ. Feminismo, história e poder. Rev Sociol Política. 2010;18(36):15-23.).

Embora contraditória, a afirmação de movimentos feministas engendrados pela enfermagem datam desde Florence Nightingale. Nesse sentido, há autores que a consideram uma “feminista”, especialmente pela resistência a sua família quando ela decidiu tornar-se uma enfermeira e pela rejeição, por Nightingale, das expectativas sociais do que se esperava de uma mulher na Era Vitoriana. Contudo, outros autores discordam desta ideia, ao refletirem sobre algumas atitudes de Nightingale contrárias a uma postura feminista na época, tais como, quando não concordava com o ingresso de mulheres na profissão médica e também quando não concordou em participar do movimento Women’s Suffrage Society – o novo sufrágio para as mulheres da sociedade, pelo voto feminino e pela ampliação dos direitos das mulheres na sociedade inglesa(2020. Costa R, Padilha MI, Amante LN, Costa E, Bock LF. O legado de Florence Nightingale: uma viagem no tempo. Texto Contexto Enferm. 2009;18(4):661-9.).

O motivo pelo qual não se encontram registros da EECVB-FESP envolvida pode ser respondido mediante publicaçõesveiculadas na imprensa da época. Os autores de crônicas diárias dos jornais identificavam-se com pseudônimos, e nos seus textos ficavam nítidos que não eram benquistos quaisquer movimentos com traços feministas ou emancipatórios na ditadura varguista. Entretanto, mulheres enfermeiras com feitos ilustres emergiram nesse período de guerra e souberam identificar linhas de fuga na profissão – se fazer notar e usufruir desses benefícios, sobretudo em prol da emancipação feminina na sociedade vigente.

Foi durante o Estado Novo que o presidente Getúlio Vargas regulamentou, entre outras questões, o trabalho das mulheres – o que, além de fortalecer a emancipação da mulher, contribuiu para a sua reconfiguração na sociedade brasileira(2121. Berlofi LM, Sanna MC. Produção científica sobre a enfermagem brasileira na II Guerra Mundial: um estudo bibliométrico. Rev Enferm UFSM. 2013;3(1):17-24.).

A expansão dos meios de comunicação, através de jornais, revistas, rádio, cinemas e telefone, favoreceu o rompimento da imagem feminina tradicional e a estruturação de uma nova ordem social. Ao contrário do que muito se fala, deve-se atentar para a imagem forjada na qual a enfermagem foi representada durante a guerra. “Ainda que rotulada por estereótipos gerados pela dominação masculina, a profissionalização de enfermagem foi preponderante na emancipação da mulher, ressaltada e valorizada por sua nobre missão”(1616. Mott ML. Revendo a história da enfermagem em São Paulo (1890-1920). Cad Pagu. 1999;13(1):327-55.).

A imprensa, durante o período da Segunda Guerra Mundial, ofereceu destaque ao assunto da mulher, sobretudo quando a relacionava com os aspectos bélicos. O jornal “A Gazeta” dedicava uma seção denominada “Página Feminina”, entre os diversos assuntos “adequados para mulheres” na sociedade, oferecia destaque às enfermeiras brasileiras ou norte-americanas, em função das alianças entre Brasil e Estados Unidos que se firmaram no período. Esse destaque dirigido à enfermeira também conferia o efeito apelativo e de consolidação de um perfil esperado da mulher na sociedade, que é explicado por Foucault como linhas de forças oriundas de um discurso que a institucionaliza, a legitima enquanto um dispositivo, uma urgência histórica(2222. Foucault M. O sujeito e o poder. In: Dreyfus H,Rabinow P. Michel Foucault: uma trajetória filosófica (para além do estruturalismo e da hermenêutica). Rio de Janeiro: Forense; 1995. p. 231-49.). Nos jornais diários da época se pode observar o enaltecimento da enfermagem, representado inclusive pela indústria cinematográfica, além dos aspectos dos uniformes militares adaptados para as enfermeiras e veiculados na imprensa local. Vale dizer que sempre inspirados no modelo norte-americano como legitimação do discurso.

A enfermagem não ficou de fora de uma das mais bem-sucedidas empreitadas da Política da Boa Vizinhança nos meios de comunicação, sobretudo no cinema e nos cinejornais sobre os Estados Unidos. Os artifícios empregados nessa conquista orquestravam a produção de empatias recíprocas na área de comunicação(44. Tota AP. O imperialismo sedutor: a americanização do Brasil na época da Segunda Guerra. São Paulo: Companhia das Letras; 2000.).

Importante perceber que, mesmo se tratando de personagens cinematográficos, no caso as enfermeiras, a mídia impressa veiculava uma imagem humanitária e heroica destas profissionais, embora tenham sido representadas também pelas sensuais pin upsa durante as duas grandes guerras. Ressalta-se, assim, o apelo e os interesses dos mais diversos meios midiáticos e campos de atuação da abrangência da profissão em prol do reconhecimento e da identificação dos agentes sociais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo paira sobre três perspectivas históricas, a atuação da CVB na formação de enfermeiras, o papel social esperado da mulher e os caminhos que a enfermagem possibilitou para ascensão da mulher nesse contexto. São linhas de pensamento que permitem refletir desde a reprodução e produção de recursos humanos em enfermagem em um determinado período da historiografia brasileira, e também que algumas estratégias se repetem quase que imperceptíveis nos dias atuais.

O estudo permite observar que, tal como a história de vida, a história das instituições, a história das práticas gerenciais, sobretudo da gestão de recursos humanos em enfermagem, devem receber um olhar histórico problematizador, fomentando assim a reflexão crítica dos profissionais dessa área, quanto dos estudantes de enfermagem em todos os níveis de sua formação.

A análise dos documentos midiáticos e do regulamento da escola da época são ferramentas que podem evidenciar as técnicas de docilidade, disciplina e adestramento com as quais a enfermagem era submetida no intuito de produzir um corpo de trabalho adequado para cumprir premissas de interesses vigentes. Contudo, a enfermagem abriu caminhos para a mulher no espaço público e soube com maestria ressignificar a profissão comum saber próprio, haja vista as conquistas associativas, políticas, científicas e legislativas, obtidas pela categoria na década de 1940 e a partir de então.

Por fim, este estudo alcança seu intuito no sentido de, a partir da história, instigar o profissional de enfermagem a problematizar práticas vigentes, consideradas e tidas como normais, para que elas sejam olhadas por outras perspectivas, neste caso, o olhar foucaultiano, com possibilidades de emergir novas questões sobre as práticas mais comuns no que diz respeito aos recursos humanos em enfermagem na atualidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2015

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2014
  • Aceito
    22 Maio 2015
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