Acessibilidade / Reportar erro

Fatores associados às internações não eletivas em crianças dependentes de tecnologia

Resumo

OBJETIVO

Identificar os fatores associados à hospitalização não eletiva em crianças dependentes de tecnologia, no município de Ribeirão Preto-SP.

MÉTODO

Estudo transversal, com abordagem quantitativa. Após busca ativa, foram identificadas 124 crianças que se enquadravam nos critérios de inclusão, ou seja, crianças entre 0 e 12 anos de idade. Os dados foram coletados durante visita domiciliária com mães ou responsáveis pelas crianças, por meio da aplicação de um questionário. A análise dos dados seguiu os pressupostos da técnica de Modelos Lineares Generalizados.

RESULTADOS

Participaram do estudo 102 crianças dependentes de tecnologia, com idade entre 6 meses e 12 anos, das quais 57% eram do sexo masculino. A média de internações não eletivas no último ano, entre as crianças estudadas, foi de 0,71 (±1,29). No modelo final, permaneceram significativamente associadas ao desfecho as seguintes variáveis: idade (OR=0,991; IC95%=0,985-0,997) e número de dispositivos (OR=0,387; IC95%=0,219-0,684), as quais se configuraram como fatores de proteção e quantidade de medicamentos (OR=1,532; IC95%=1,297-1,810), representando fator de risco para as internações não eletivas em crianças dependentes de tecnologia.

CONCLUSÃO

Os resultados constituem-se em subsídio para se pensar o processo de cuidado às crianças dependentes de tecnologia ao fornecer um modelo explicativo para as internações não eletivas para esta clientela.

Descritores
Criança; Hospitalização; Enfermagem Pediátrica

Abstract

OBJECTIVE

To identify the factors associated with involuntary hospital admissions of technology-dependent children, in the municipality of Ribeirão Preto, São Paulo State, Brazil.

METHOD

A cross-sectional study, with a quantitative approach. After an active search, 124 children who qualified under the inclusion criteria, that is to say, children from birth to age 12, were identified. Data was collected in home visits to mothers or the people responsible for the children, through the application of a questionnaire. Analysis of the data followed the assumptions of the Generalized Linear Models technique.

RESULTS

102 technology-dependent children aged between 6 months and 12 years participated in the study, of whom 57% were male. The average number of involuntary hospital admissions in the previous year among the children studied was 0.71 (±1.29). In the final model the following variables were significantly associated with the outcome: age (OR=0.991; CI95%=0.985-0.997), and the number of devices (OR=0.387; CI95%=0.219-0.684), which were characterized as factors of protection and quantity of medications (OR=1.532; CI95%=1.297-1.810), representing a risk factor for involuntary hospital admissions in technology-dependent children.

CONCLUSION

The results constitute input data for consideration of the process of care for technology-dependent children by supplying an explanatory model for involuntary hospital admissions for this client group.

Descriptors
Child; Hospitalization; Pediatric Nursing

Resumen

OBJETIVO

Identificar los factores asociados con la hospitalización no electiva en niños dependientes de tecnología, en el municipio de Ribeirão Preto-SP.

MÉTODO

Estudio transversal, con abordaje cuantitativo. Después de búsqueda activa, fueron identificados 124 niños que se encuadraban en los criterios de inclusión, es decir, niños entre 0 y 12 años de edad. Los datos fueron recogidos durante visita domiciliaria con madres o responsables por los niños, mediante aplicación de un cuestionario. El análisis de los datos siguió los supuestos de la técnica de Modelos Lineales Generalizados.

RESULTADOS

Participaron del estudio 102 niños dependientes de tecnología, con edad entre 6 meses y 12 años, de los que el 57% eran del sexo masculino. El promedio de ingresos hospitalarios no electivos el último año, entre los niños estudiados, fue de 0,71 (±1,29). En el modelo final, permanecieron significativamente asociadas al resultado las siguientes variables: edad (OR=0,991; IC95%=0,985-0,997) y número de dispositivos (OR=0,387; IC95%=0,219-0,684), las que se configuraron como factores de protección y cantidad de fármacos (OR=1,532; IC95%=1,297-1,810), representando factor de riesgo para las hospitalizaciones no electivas en niños dependientes de tecnología.

CONCLUSIÓN

Los resultados se constituyen en subsidio para pensarse el proceso de cuidados a los niños dependientes de tecnología al suministrar un modelo explicativo para los ingresos hospitalarios no electivos para esa clientela.

Descriptores
Niño; Hospitalización; Enfermería Pediátrica

Introdução

Conceitua-se crianças dependentes de tecnologia como aquelas que necessitam de algum dispositivo para compensar a perda de uma função vital, tais como ventiladores mecânicos, diálise peritoneal, gastrostomia, traqueostomia, dentre outros. Inúmeras condições clínicas podem acarretar o uso desses dispositivos tecnológicos, por exemplo, a paralisia cerebral, a mielomeningocele, as síndromes genéticas, as malformações congênitas, dentre outras(11 Mesman GR, Kuo DZ, Carroll JL, Ward WL. The impact of technology dependence on children and their families. J Pediatr Health Care. 2013;27(6):451-9.).

As crianças dependentes de tecnologia encontram-se no grupo das crianças com necessidades especiais de saúde (CRIANES), pois possuem saúde debilitada e necessitam de atenção contínua dos familiares e profissionais de saúde, para além do que é necessário a outras crianças da mesma faixa etária(22 Kuhlthau KA, Bloom S, Van Cleave J, Knapp AA, Romm D, Klatka K et al. Evidence for family-centered care for children with special health care needs: a systematic review. Acad Pediatr. 2011;11(2):136-43.). Na literatura, diversas denominações coexistem ao se referir a essas crianças, como crianças clinicamente frágeis (medically fragile ) - correspondendo àquelas que possuem problemas de saúde graves e que frequentemente necessitam de dispositivos tecnológicos para manter suas funções vitais(33 Buescher PA, Whitmire JT, Brunssen S, Kluttz-Hile CE. Children who are medically fragile in North Carolina: using medicaid data to estimate prevalence and medical care costs in 2004. Matern Child Health J. 2006;10(5):461-6.), e crianças com complexidade médica - aquelas que possuem doenças multissistêmicas de ordem congênita ou adquirida, requerem cuidados intensivos e podem depender de dispositivos tecnológicos(44 Cohen E, Kuo DZ, Agrawal R, Berry JG, Bhagat SK, Simon TD et al. Children with medical complexity: an emerging population for clinical and research initiatives. Pediatrics. 2011;127(3):529-38.).

Estima-se que de 15% a 20% das crianças norte-americanas entre 0 e 17 anos de idade possuam alguma necessidade especial de saúde(55 Bethell CD, Newacheck PW, Fine A, Strickland BB, Antonelli RC, Wilhelm CL et al. Optimizing health and health care systems for children with special health care needs using the life course perspective. Matern Child Health J. 2014;18(2):467-77.). Estudo que objetivou estimar o número de crianças clinicamente frágeis, bem como o custo com os serviços de saúde, demostrou que 0,25% das crianças da Carolina do Norte, Estados Unidos, se adequavam a essa definição. O estudo apontou ainda que, embora representassem uma pequena parcela, foram responsáveis pela maior parte dos gastos com os serviços de saúde(33 Buescher PA, Whitmire JT, Brunssen S, Kluttz-Hile CE. Children who are medically fragile in North Carolina: using medicaid data to estimate prevalence and medical care costs in 2004. Matern Child Health J. 2006;10(5):461-6.). O custo elevado pode ser decorrente do acompanhamento com especialistas, frequentes intervenções cirúrgicas e atendimentos em serviços de atenção terciária(44 Cohen E, Kuo DZ, Agrawal R, Berry JG, Bhagat SK, Simon TD et al. Children with medical complexity: an emerging population for clinical and research initiatives. Pediatrics. 2011;127(3):529-38.). Com relação ao Brasil, não há estimativa do número de CRIANES, têm-se apenas registros isolados de incidência em determinadas localidades, dando destaque para os estudos realizados no Rio de Janeiro - RJ e Santa Maria - RS(66 Neves ET, Cabral IE, Silveira A. Family network of children with special health needs: implications for Nursing. Rev Latino Am Enfermagem. 2013;21(2):562-70.).

Em decorrência do estado de saúde frágil, essas crianças necessitam de hospitalizações frequentes(77 Hudson SM. Hospital readmissions and repeat emergency department visits among children with medical complexity: an integrative review. J Pediatr Nurs. 2013;28 (4):316-39.). Todavia, estudiosos sugerem que a fragilidade clínica, associada às internações prolongadas e a tratamentos agressivos, frequentemente leva ao agravamento do estado de saúde da criança(88 Moraes JRMM, Cabral IE. The social network of children with special healthcare needs in the (in)visibility of nursing care. Rev Latino Am Enfermagem. 2012;20(2): 282-8.). Na mesma direção, estudo norte-americano indica que as internações frequentes e prolongadas podem agravar o quadro clínico e gerar novas demandas de dispositivos tecnológicos(99 Elias ER, Murphy NA. Home care of children and youth with complex health care needs and technology dependencies. Pediatrics. 2012;129(5):996-1005.). Para além da dimensão biológica, as hospitalizações frequentes de um filho podem desencadear uma série de desajustes familiares, como sobrecarga materna, dificuldades financeiras e tristeza dos irmãos saudáveis(1010 Okido ACC, Pizzinacco TMP, Furtado MCC, Lima RAG. Technology-dependent children: the maternal care experience. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(5):1065-72.).

Diante do exposto, a presente investigação justifica-se pela necessidade de se conhecer os elementos que contribuem para a prevenção de hospitalizações nessa população. Assim, o estudo tem como objetivo identificar os fatores associados à hospitalização não eletiva entre crianças dependentes de tecnologia, no município de Ribeirão Preto - SP.

Método

Estudo com delineamento transversal e abordagem quantitativa. A investigação foi realizada no município de Ribeirão Preto, situado na região nordeste do estado de São Paulo.

Os participantes foram identificados por meio de busca ativa, pois as informações referentes a esse grupo de crianças não estavam sistematizadas nas unidades de saúde. A busca ativa ocorreu nos serviços de saúde da Secretária Municipal de Saúde, nas instituições de apoio às CRIANES cadastradas junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e em duas instituições privadas de saúde que prestavam assistência domiciliar, das quais uma recusou-se a participar. Contou-se ainda com a estratégia de informantes-chave, ou seja, à medida que era feito contato com uma família, buscávamos saber se conheciam outras crianças na mesma condição.

Após busca ativa, foram identificadas 124 crianças que se enquadravam nos critérios de inclusão, ou seja, crianças entre 0 e 12 anos de idade, dependentes de algum dispositivo tecnológico para manutenção da vida e residentes no município de Ribeirão Preto - SP. Destas, participaram do estudo 102 crianças dependentes de tecnologia, uma vez que ao contatar as famílias, 20 crianças haviam deixado de fazer uso do dispositivo tecnológico e três tinham falecido. Somente uma mãe recusou-se a participar da pesquisa. As visitas domiciliares para coleta de dados foram realizadas por uma única pesquisadora, no período de janeiro a abril de 2011, com duração de 30 minutos, em média. Ressalta-se ainda, que cinco dessas crianças, residiam em uma instituição filantrópica que presta assistência multidisciplinar 24 horas por dia a crianças com paralisa cerebral.

O instrumento de coleta de dados foi organizado com dados de identificação da criança e questões relacionadas às condições clínicas e sociodemográficas. O instrumento foi preenchido utilizando-se como fonte os relatos das mães ou responsáveis, portanto, são dados referidos. Os prontuários foram utilizados somente para preenchimento do instrumento das crianças institucionalizadas, totalizando cinco.

Com relação às informações referentes às internações, as mães ou responsáveis mencionaram o número de hospitalizações no último ano e os motivos. A partir desses dados, as internações foram categorizadas em eletivas e não eletivas. Para este estudo, desconsideraram-se as internações programadas previamente, ou seja, que não correspondiam a um agravamento da condição clínica da criança, como cirurgias eletivas e internações para administração periódica de medicamentos. De maneira similar, estudo norte-americano cujo objetivo era analisar a associação entre o acompanhamento ambulatorial das crianças com complexidades médicas e as reinternações nos primeiros 30 dias após alta hospitalar também desconsiderou as internações planejadas(1111 Brittan MS, Sills MR, Fox D, Campagna EJ, Shmueli D, Feinstein JA et al. Outpatient follow-up visits and readmission in medically complex children enrolled in Medicaid. J Pediatr. 2015;166(4):998-1005.).

Considerou-se como variável dependente ou variável resposta o número de internações não eletivas no ano anterior (considerando-se o período de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2010), classificada como numérica. Foram consideradas como variáveis independentes a idade em meses da criança (variável numérica), a etiologia da condição de saúde da criança (variável categórica: causa adquirida relacionada ao nascimento, causa congênita, causa adquirida não relacionada ao nascimento e mais de uma causa), uso contínuo de medicamentos (Sim/Não), quantidade de medicamentos (variável numérica), uso de dispositivo tecnológico para alimentação (Sim/Não), uso de dispositivo tecnológico para eliminação (Sim/Não), uso de dispositivo tecnológico para respiração (Sim/Não), uso de dispositivo tecnológico para outras finalidades (Sim/Não), número de dispositivos (variável numérica), realização de atividades de desenvolvimento, tais como fisioterapia, fonoaudiologia, equoterapia (Sim/Não), atendimento domiciliar (Sim/Não) e renda familiar, em reais (variável numérica).

Os dados foram codificados e lançados em banco formatado no editor de planilhas Excel, mediante dupla digitação. O processo de validação do banco de dados foi realizado mediante comparação das variáveis das duas planilhas, por meio da operação de subtração. A partir dessa operação, as células em que apareceram valores diferentes de zero foram consideradas como indicativas de dados inconsistentes, sendo consultado o instrumento de coleta original e efetuadas as devidas correções. Após a validação, o banco de dados foi exportado para o Software SPSS, versão 16.0, no qual foram realizadas as análises. Os testes estatísticos foram realizados por um estatístico, após análise do material empírico.

Na fase descritiva da análise estatística, as crianças participantes foram caracterizadas segundo as variáveis do estudo. Para as variáveis categóricas foram utilizadas as medidas de frequência absoluta e relativa, enquanto para a descrição das variáveis numéricas, as medidas de tendência central, variabilidade e posição. Após análise descritiva, foi realizada a comparação das médias de internações não eletivas entre as categorias das variáveis independentes por meio do teste de Mann-Whitney para as variáveis dicotômicas e do teste de Kruskal-Wallis para aquelas com mais de duas categorias. Foi também calculado o coeficiente de correlação de Spearman para as variáveis numéricas. Adotou-se, para os testes, um nível de significância de 5%(1212 Fisher LD, Belle GV. Biostatistics: a methodology for the health sciences. New York: John Wiley & Sons; 1993.).

Por fim, foi realizada análise de regressão múltipla utilizando a técnica de Modelos Lineares Generalizados de Nelder e Wedderburn(1313 Paula GA. Modelos de regressão: com apoio computacional. São Paulo: IME-USP; 2004.). Essa técnica consiste em abrir o leque de opções para a distribuição da variável resposta, permitindo que a mesma pertença à família exponencial de distribuições, possibilitando maior flexibilidade para a relação funcional entre a média da variável resposta e as variáveis independentes(1313 Paula GA. Modelos de regressão: com apoio computacional. São Paulo: IME-USP; 2004.). Como a variável resposta (ou dependente) do estudo é uma variável de contagem, foi assumido que ela segue a distribuição de Poisson(1212 Fisher LD, Belle GV. Biostatistics: a methodology for the health sciences. New York: John Wiley & Sons; 1993.).

O processo de inserção e retirada das variáveis no modelo de regressão foi realizado em duas etapas. Primeiramente, foram inseridas todas as variáveis independentes e feito uma primeira seleção pelo processo denominadostepwise . Como critério de seleção foi utilizado o teste de Wald, permanecendo no modelo aquelas variáveis que apresentaram valoresp <0,05. Em seguida, adicionaram-se ao modelo da primeira etapa as variáveis: renda familiar eetiologia da condição de saúde da criança , para fins de controle. O modelo final, portanto, foi composto pelas variáveis que apresentaram valoresp <0,05 para o teste de Wald e pelas variáveis de controle. Para as variáveis do modelo final escolhido foi calculado o aumento relativo médio no número de internações não eletivas.

O desenvolvimento do estudo atendeu às normas nacionais e internacionais de ética em pesquisa envolvendo seres humanos e teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (Protocolo 405/2010).

Resultados

Participaram do estudo 102 crianças dependentes de tecnologia, com idade entre 6 meses e 12 anos, das quais 57% eram do sexo masculino.

A caracterização dos participantes é apresentada nas Tabelas 1(segundo variáveis categóricas) e 2(segundo variáveis numéricas). A renda familiar média foi de R$ 1.700,00. As condições congênitas, tais como as malformações craniofaciais, as cardiopatias e as síndromes genéticas configuraram-se como as principais causas da necessidade de uso da tecnologia, sendo frequente a combinação de mais de uma causa. Os dispositivos tecnológicos para alimentação, como sonda nasogástrica e gastrostomia, foram as tecnologias mais frequentes utilizadas, sendo mais comum o uso de apenas um dispositivo. As crianças utilizavam, em média, cerca de dois medicamentos e a maioria fazia uso contínuo de medicamento. A realização de atividades de desenvolvimento, tais como fisioterapia e fonoaudiologia foram comuns entre os participantes, contudo, a maior parte das crianças não recebia atendimento domiciliar por profissionais de saúde.

A média do número de internações não eletivas no ano anterior, entre as crianças estudadas, foi de 0,71 (±1,29), 67 crianças (65,7%) não foram hospitalizadas devido a causas não eletivas, 19 (18,6%) foram hospitalizadas uma vez e 16 (15,7%) tiveram entre duas e seis hospitalizações não eletivas no ano anterior.

Ainda naTabela 1, são apresentadas as médias de internações não eletivas entre as crianças participantes do estudo, segundo as variáveis exploratórias categóricas. A média de internações não eletivas foi maior entre as crianças que faziam uso de algum dispositivo tecnológico para alimentação (0,89 vs 0,29, p=0,028) ou que realizavam alguma atividade de desenvolvimento (0,81 vs 0,47, p=0,029). Em relação ao uso de dispositivos para outras finalidades, como a derivação ventrículo-peritoneal, a média de internações não eletivas foi maior entre aquelas que não os possuíam (0,77vs 0,00, p=0,039).

Tabela 1
Caracterização das crianças dependentes de tecnologia, segundo as variáveis categóricas - Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2011.

Tabela 2
Caracterização das crianças dependentes de tecnologia, segundo variáveis numéricas - Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2011.

A matriz de correlação envolvendo as variáveis numéricas e o desfecho é apresentada naTabela 3. A quantidade de medicamentos apresentou correlação positiva fraca com o número de internações não eletivas (0,30,p <0,01) e com o número de dispositivos (0,38,p <0,01).

Tabela 3
Correlações de Spearman entre as internações não eletivas em crianças dependentes de tecnologia e as variáveis numéricas - Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2011.

Os resultados da análise de regressão são apresentados naTabela 4. Apenas as variáveis: idade, quantidade de medicamentos e número de dispositivos utilizados foram significativas no modelo final. Tais variáveis não perderam significância estatística mesmo após a adição das variáveis: renda familiar eetiologia da condição de saúde da criança ao modelo. Ressalta-se que o efeito de cada variável foi ajustado para o efeito de todas as outras do modelo final, incluindo renda familiar eetiologia da condição de saúde da criança , as quais não foram significativas, mas permaneceram no modelo para fins de ajuste.

Tabela 4
Fatores associados às internações não eletivas de crianças dependentes de tecnologia - Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2011.

Idade e número de dispositivos apresentaram uma associação negativa com o número médio de internações, enquanto a quantidade de medicamentos apresentou uma associação positiva. Com relação à idade, para cada mês a mais se espera uma diminuição relativa no número médio de internações de 0,9% (OR=0,991). Já para a quantidade de medicamentos, para cada medicamento que a criança usava tem-se um aumento relativo médio de 53,2% (OR=1,532) no número de internações. Por fim, para o número de dispositivos, a cada dispositivo que a criança possuía a mais se espera uma diminuição relativa de 61,3% (OR=0,387) no número médio de internações.

Discussão

A partir dos resultados verificamos que a idade e o número de dispositivos tecnológicos configuraram-se como fatores de proteção e a quantidade de medicamentos como fator de risco para as internações não eletivas em crianças dependentes de tecnologia. Considera-se que tais fatores exerçam sua influência sobre o número de internações mesmo diante de diferentes condições econômicas e de diversas causas para a dependência de tecnologia, o que confirma sua força de associação com o evento de interesse.

Estudo norte-americano(1414 Neuman MI, Hall M, Gay JC, Blaschke AJ, Williams DJ, Parikh K et al. Readmissions among children previously hospitalized with pneumonia. Pediatrics. 2014;134(1):100-9.), cujo objetivo foi identificar os fatores associados com a readmissão hospitalar nos primeiros 30 dias após a criança receber alta hospitalar devido ao tratamento de pneumonia, apresentou resultados que corroboram com os achados deste estudo. As crianças menores de 1 ano de idade estiveram mais sujeitas às readmissões hospitalares comparadas às crianças na faixa etária de 1 a 4 anos, reafirmando o papel de proteção da idade. Os autores apontaram ainda que as crianças com condições crônicas apresentaram um índice de readmissões maior quando comparadas às crianças que não tinham condições crônicas. Nesse sentido, 20,4% das crianças participantes do estudo, consideradas com condições crônicas e dependentes de algum dispositivo tecnológico, necessitaram de hospitalização no período de 30 dias após alta hospitalar por pneumonia.

Estudo que tinha como objetivo descrever as condições de saúde e o uso de recursos hospitalares pelas crianças submetidas à traqueostomia, verificou que 11% dessas crianças necessitaram de quatro ou mais internações no período de 6 meses após o procedimento. Enfatizou-se a importância de se considerar a condição clínica da criança, haja visto que, normalmente, as crianças que requerem traqueostomia possuem outras comorbidades que justificam a necessidade de hospitalizações frequentes, tais como comprometimento neurológico e doença pulmonar crônica. Nesse contexto, a taxa de readmissão hospitalar aumenta à medida que o comprometimento clínico da criança é maior(1515 Berry JG, Graham DA, Graham RJ, Zhou J, Putney HL, O'Brien JE et al. Predictors of clinical outcomes and hospital resource use of children after tracheotomy. Pediatrics. 2009;124(2):563-72.).

Em contrapartida, o presente estudo identificou que a maioria das crianças dependentes de tecnologia não foi internada no ano anterior por causa não eletiva. Revelou ainda a importante contribuição do uso dos dispositivos como forma de evitar tais hospitalizações, ultrapassando a magnitude de 60% de redução no número médio de internações a cada dispositivo utilizado. Esse resultado é compatível com a experiência profissional das pesquisadoras, pois, na prática clínica, observam que, na maioria das vezes, os episódios de internações frequentes diminuem após procedimentos como traqueostomia e gastrostomia, na medida em que os mesmos contribuem para a melhora clínica da criança.

Nessa direção, estudo que analisou a ocorrência de doenças respiratórias antes e depois da inserção da gastrostomia em crianças com paralisia cerebral corrobora com os resultados apresentados ao identificar que o uso da gastrostomia possibilita ganho de peso, melhora a qualidade de vida das crianças e familiares e reduz significativamente o número de hospitalização por infecção respiratória(1616 Sullivan PB, Morrice JS, Vernon-Roberts A, Grant H, Eltumi M, Thomas AG. Does gastrostomy tube feeding in children with cerebral palsy increase the risk of respiratory morbidity? Arch Dis Child. 2006;91(6):478-82.).

A melhora clínica da criança após a instalação de um dispositivo tecnológico depende, todavia, dos cuidados domiciliares oferecidos pelos familiares. Segundo literatura norte-americana, o período de adaptação dos pais ao regime terapêutico após a transição de uma criança submetida à traqueostomia pode ser um fator que influencia o número de reinternações. À medida que os familiares experienciam o cuidado diário à criança e vão desenvolvendo as habilidades necessárias para o cuidado deste dispositivo as reinternações podem se tornar menos frequentes(1111 Brittan MS, Sills MR, Fox D, Campagna EJ, Shmueli D, Feinstein JA et al. Outpatient follow-up visits and readmission in medically complex children enrolled in Medicaid. J Pediatr. 2015;166(4):998-1005.).

Com relação ao número de medicamentos utilizados pelas crianças do presente estudo, a variável representou um risco para o desfecho. O uso de medicamentos, embora também vise à melhora da condição clínica, contribuiu para o aumento do número de internações não eletivas na população estudada.

Corrobora com este resultado um estudo realizado nos Estados Unidos cujo objetivo foi caracterizar os atendimentos relativos aos eventos adversos por uso de medicamentos nas crianças com condições crônicas complexas, determinar quais os medicamentos que estavam associados aos eventos adversos e identificar se os eventos adversos aumentavam a probabilidade de internação das crianças com condições crônicas complexas em comparação às crianças sem condições crônicas complexas. O estudo concluiu que as crianças com doenças crônicas complexas apresentaram um risco maior de necessitar de atendimento médico e hospitalização devido aos eventos adversos dos medicamentos utilizados, em comparação com as demais crianças. Dentre as drogas com as taxas mais elevadas de eventos adversos encontravam-se os psicotrópicos, os antimicrobianos, os anticonvulsivantes, os hormônios/esteroides e os analgésicos. Por fim, os autores afirmaram que pouco se sabe sobre as consequências negativas do uso desses medicamentos nesta clientela e que novos estudos são necessários para compreender os mecanismos que ocasionam o aumento no risco de eventos adversos nas crianças com condições crônicas complexas(1717 Feinstein JA, Feudtner C, Kempe A. Adverse drug event-related emergency department visits associated with complex chronic conditions. Pediatrics. 2014;133 (6):e1575-85.).

Outra perspectiva abordada na literatura internacional refere-se aos erros na administração dos medicamentos diante de um regime terapêutico complexo. Nessa direção, um estudo buscou descrever a frequência de erros na administração de anticonvulsivantes entre crianças com epilepsia hospitalizadas por razões não relacionadas às convulsões e descrever os fatores associados com a ocorrência dos erros. Os resultados mostraram que 24% das crianças participantes tiveram experiência com erros na administração dos anticonvulsivantes, sendo os mais comuns a não administração da droga por esquecimento e os erros relacionados à dose. A frequência na administração dos anticonvulsivantes e a mudança de cuidador responsável foram os fatores mais fortemente associados à chance de erros(1818 Jones C, Missanelli M, Dure L, Funkhouser E, Kaffka J, Kilgore M et al. Anticonvulsant medication errors in children with epilepsy during the home-to-hospital transition. J Child Neurol. 2013;28(3):314-20.).

Conclusão

Os resultados apresentados constituem em subsídio para o planejamento do cuidado às crianças dependentes de tecnologia, ao identificar os fatores associados às internações não eletivas nesta clientela. Assim, diante do conhecimento dos fatores de risco e proteção que estão associados às hospitalizações, é possível propor novas estratégias preventivas que certamente propiciarão uma redução no número de internações e consequente redução do agravamento clínico e dos desajustes familiares.

Partindo-se da perspectiva de que a equipe de enfermagem tem papel fundamental no manejo do regime terapêutico dessas crianças, recomenda-se a participação efetiva no processo de transição para o domicílio e posterior acompanhamento, com atenção prioritária às crianças com menor idade e regime terapêutico complexo, em especial o medicamentoso. Embora o número de dispositivos tecnológicos tenha sido considerado um fator de proteção, faz-se necessária também, a implementação de ações educativas relacionadas ao manuseio e cuidados específicos de cada dispositivo.

Embora os resultados do presente estudo encontrem respaldo na literatura e na experiência clínica das pesquisadoras, é pertinente apontar algumas limitações. A principal refere-se ao delineamento transversal, que impossibilita a identificação de relações de causa e efeito. Assim, embora se assuma o efeito de risco e proteção a partir das associações observadas, não é possível estabelecer uma relação causal entre os fatores analisados e as internações não eletivas. Ademais, os dados foram coletados a partir do relato da mãe ou responsável, de maneira pregressa, sujeitando os resultados a vieses de causalidade reversa e de memória. Tais limitações, contudo, não invalidam os resultados da pesquisa, mas indicam a necessidade de estudos futuros, com delineamento longitudinal e maior acurácia das informações coletadas.

References

  • 1
    Mesman GR, Kuo DZ, Carroll JL, Ward WL. The impact of technology dependence on children and their families. J Pediatr Health Care. 2013;27(6):451-9.
  • 2
    Kuhlthau KA, Bloom S, Van Cleave J, Knapp AA, Romm D, Klatka K et al. Evidence for family-centered care for children with special health care needs: a systematic review. Acad Pediatr. 2011;11(2):136-43.
  • 3
    Buescher PA, Whitmire JT, Brunssen S, Kluttz-Hile CE. Children who are medically fragile in North Carolina: using medicaid data to estimate prevalence and medical care costs in 2004. Matern Child Health J. 2006;10(5):461-6.
  • 4
    Cohen E, Kuo DZ, Agrawal R, Berry JG, Bhagat SK, Simon TD et al. Children with medical complexity: an emerging population for clinical and research initiatives. Pediatrics. 2011;127(3):529-38.
  • 5
    Bethell CD, Newacheck PW, Fine A, Strickland BB, Antonelli RC, Wilhelm CL et al. Optimizing health and health care systems for children with special health care needs using the life course perspective. Matern Child Health J. 2014;18(2):467-77.
  • 6
    Neves ET, Cabral IE, Silveira A. Family network of children with special health needs: implications for Nursing. Rev Latino Am Enfermagem. 2013;21(2):562-70.
  • 7
    Hudson SM. Hospital readmissions and repeat emergency department visits among children with medical complexity: an integrative review. J Pediatr Nurs. 2013;28 (4):316-39.
  • 8
    Moraes JRMM, Cabral IE. The social network of children with special healthcare needs in the (in)visibility of nursing care. Rev Latino Am Enfermagem. 2012;20(2): 282-8.
  • 9
    Elias ER, Murphy NA. Home care of children and youth with complex health care needs and technology dependencies. Pediatrics. 2012;129(5):996-1005.
  • 10
    Okido ACC, Pizzinacco TMP, Furtado MCC, Lima RAG. Technology-dependent children: the maternal care experience. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(5):1065-72.
  • 11
    Brittan MS, Sills MR, Fox D, Campagna EJ, Shmueli D, Feinstein JA et al. Outpatient follow-up visits and readmission in medically complex children enrolled in Medicaid. J Pediatr. 2015;166(4):998-1005.
  • 12
    Fisher LD, Belle GV. Biostatistics: a methodology for the health sciences. New York: John Wiley & Sons; 1993.
  • 13
    Paula GA. Modelos de regressão: com apoio computacional. São Paulo: IME-USP; 2004.
  • 14
    Neuman MI, Hall M, Gay JC, Blaschke AJ, Williams DJ, Parikh K et al. Readmissions among children previously hospitalized with pneumonia. Pediatrics. 2014;134(1):100-9.
  • 15
    Berry JG, Graham DA, Graham RJ, Zhou J, Putney HL, O'Brien JE et al. Predictors of clinical outcomes and hospital resource use of children after tracheotomy. Pediatrics. 2009;124(2):563-72.
  • 16
    Sullivan PB, Morrice JS, Vernon-Roberts A, Grant H, Eltumi M, Thomas AG. Does gastrostomy tube feeding in children with cerebral palsy increase the risk of respiratory morbidity? Arch Dis Child. 2006;91(6):478-82.
  • 17
    Feinstein JA, Feudtner C, Kempe A. Adverse drug event-related emergency department visits associated with complex chronic conditions. Pediatrics. 2014;133 (6):e1575-85.
  • 18
    Jones C, Missanelli M, Dure L, Funkhouser E, Kaffka J, Kilgore M et al. Anticonvulsant medication errors in children with epilepsy during the home-to-hospital transition. J Child Neurol. 2013;28(3):314-20.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2016

Histórico

  • Recebido
    27 Ago 2015
  • Aceito
    17 Nov 2015
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: reeusp@usp.br