Composição da fumaça produzida pelo bisturi elétrico: revisão integrativa da literatura

Resumo

OBJETIVO

Identificar a composição da fumaça produzida pelo uso do bisturi elétrico durante o ato cirúrgico.

MÉTODO

Revisão integrativa na qual a busca dos estudos primários foi realizada nas bases de dados US National Library of Medicine National Institutes of Health, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde, abrangendo estudos publicados entre 2004 e 2014.

RESULTADOS

A amostra final foi composta por 14 estudos, agrupados em três categorias, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, compostos voláteis e compostos orgânicos voláteis.

CONCLUSÃO

Há evidências científicas de que a fumaça do bisturi elétrico possui compostos voláteis tóxicos, cancerígenos e mutagênicos, e sua inalação constitui-se em riscos químicos potenciais à saúde dos trabalhadores que estão envolvidos no ato cirúrgico.

Descritores:
Exposição Ocupacional; Riscos Ocupacionais; Saúde do Trabalhador; Eletrocirurgia; Fumaça; Revisão

Abstract

OBJECTIVE

To identify the composition of the smoke produced by electrocautery use during surgery.

METHOD

Integrative review with search for primary studies conducted in the databases of the US National Library of Medicine National Institutes of Health, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature, and Latin American and Caribbean Health Sciences, covering the studies published between 2004 and 2014.

RESULTS

The final sample consisted of 14 studies grouped into three categories, namely; polycyclic aromatic hydrocarbons, volatile compounds and volatile organic compounds.

CONCLUSION

There is scientific evidence that electrocautery smoke has volatile toxic, carcinogenic and mutagenic compounds, and its inhalation constitutes a potential chemical risk to the health of workers involved in surgeries.

Descriptors:
Occupational Exposure; Occupational Risks; Occupational Health; Electrosurgery; Smoke; Review

Resumen

OBJETIVO

Identificar la composición del humo producido por el empleo del bisturí eléctrico durante el acto quirúrgico.

MÉTODO

Revisión integradora en la que la búsqueda de los estudios primarios fue llevada a cabo en las bases de datos US National Library of Medicine National Institutes of Health, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature y Literatura Latinoamericana y del Caribe en Ciencias de la Salud, abarcando estudios publicados entre 2004 y 2014.

RESULTADOS

La muestra estuvo compuesta de 14 estudios, agrupados en tres categorías: hidrocarburos policíclicos aromáticos, compuestos volátiles y compuestos orgánicos volátiles.

CONCLUSIÓN

Hay evidencias científicas de que el humo del bisturí eléctrico tiene compuestos volátiles tóxicos, cancerígenos y mutagénicos, y su inhalación se constituye en riesgos químicos potenciales a la salud de los trabajadores que están involucrados en el acto quirúrgico.

Descriptores:
Exposición Profesional; Riesgos Laborales; Salud Laboral; Electrocirugia; Humo; Revisión

Introdução

O centro cirúrgico pode ser considerado como uma das unidades mais complexas da instituição hospitalar pela sua especialidade e pela presença constante de estresse e risco à saúde, tanto em relação aos pacientes que estão sujeitos à intervenção cirúrgica, quanto aos trabalhadores que atuam na equipe multiprofissional.

Os equipamentos geradores de energia, como o bisturi elétrico (BE), são amplamente utilizados no centro cirúrgico. O uso do BE diminui o sangramento intraoperatório e melhora a visibilidade durante as cirurgias(¹), porém a fumaça produzida devido à sua utilização pode ser prejudicial para a saúde dos trabalhadores.

A fumaça produzida pelo uso do BE é formada por compostos químicos em forma de gás (fase gasosa) e sob a forma de componentes de partículas (fase particulada), que podem desencadear efeitos perigosos, locais ou sistêmicos, reversíveis ou irreversíveis àqueles que utilizam este equipamento(²).

Tratando-se da composição química da fumaça do BE, ela pode conter hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA)(³), compostos orgânicos voláteis (COV)(⁴), monóxido de carbono (CO)(⁵), entre outros. Estes compostos químicos podem desencadear mutações genéticas(⁶)e câncer(⁷)ao organismo humano.

Além de mutação e câncer, as partículas presentes na fumaça do BE podem ser inaladas e retidas no trato respiratório dos trabalhadores, ocasionando variados sinais e sintomas respiratórios, incluindo a sensação de corpo estranho na garganta, ardor faríngeo, náuseas e congestão nasal(¹). Complementarmente, podem causar cefaleia e irritação aos olhos(²).

A cada ano, nos Estados Unidos, estima-se que 500.000 trabalhadores, incluindo cirurgiões, enfermeiros, anestesiologistas e instrumentadores cirúrgicos estão expostos à fumaça produzida pelo uso do BE(⁸).

A fumaça gerada pelo BE pode ser retirada do ambiente por meio de um sistema de ventilação, como um exaustor, e por uma ventilação adequada, os quais são imprescindíveis nas salas operatórias(⁹-¹⁰). Pode-se ainda diminuir os riscos à saúde dos trabalhadores da sala cirúrgica por meio do uso da máscara N-95(¹¹).

O equipamento de proteção respiratória, máscara N-95, proporciona a filtração de pelo menos 95% de aerossóis, gases e fumaças(¹¹), incluindo a fumaça produzida pelo BE(¹¹-¹³), contribuindo, assim, para um ambiente de trabalho mais saudável.

Embora existam recomendações para diminuir os riscos produzidos pela fumaça do BE retirando-a por meio de ventilação correta, a prática tem demonstrado que há pouco cuidado para retirá-la do ambiente da sala operatória durante os procedimentos cirúrgicos(¹⁴).

Frente ao exposto, faz-se a seguinte questão de pesquisa: "Quais são as evidências científicas sobre a composição da fumaça produzida pelo uso do BE durante o ato cirúrgico?". Para responder a esta indagação, o presente estudo teve como objetivo identificar a composição da fumaça produzida pelo uso do BE durante o ato cirúrgico.

Enfatiza-se que este estudo é de relevância ímpar, visto a escassez de estudos sobre esta temática, bem como é de fundamental importância compreender os riscos à saúde relacionados à inalação da fumaça produzida pelo uso do BE, a fim de promover saúde aos trabalhadores da equipe cirúrgica e prevenir agravos e doenças.

Método

Trata-se de revisão integrativa da literatura, a qual possibilita a incorporação de evidências na prática clínica(¹⁵). O desenvolvimento desta revisão seguiu seis etapas: elaboração da questão de pesquisa, amostragem ou busca na literatura dos estudos primários, extração de dados, avaliação dos estudos primários incluídos, análise e síntese dos resultados e apresentação da revisão(¹⁶).

A busca dos estudos foi formulada conforme os critérios e manuais de cada base de dados. Utilizaram-se descritores controlados (Medical Subject Headings e Descritores em Ciências da Saúde) - Electrosurgery, Electrocoagulation, General Surgery, Occupational Exposure, Especialidades Cirúrgicas e Terapia a Laser, e os descritores não controlados (palavras-chave) - Monopolar Electrosurgery, Bipolar Electrosurgery, Monopolar Bipolar Electrosurgery, Electrocautery, Monopolar Electrocautery, Bipolar Electrocautery, Surgical Smoke, Smoke Surgical, Surgical Smoke Plume, Electrosurgery Smoke, Electrocautery Smoke, Surgery, Surgery Operative, Occupational Hazards, Occupational Health e Occupational Risk, combinados com operadores booleanos (AND e OR).

Os descritores foram pesquisados, no período compreendido entre setembro e outubro de 2014, nas bases de dados US National Library of Medicine National Institutes of Health (PubMed), Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS).

Outra estratégia utilizada foi a busca manual das referências bibliográficas nas referidas bases de dados dos estudos primários selecionados. Os descritores foram combinados de diferentes formas para garantir uma busca ampla, cujas combinações estão descritas no Quadro 1.

Quadro 1
Cruzamentos realizados nas bases de dados PubMed, CINAHL e LILACS (2004-2014) - Londrina, PR, Brasil, 2015

Os critérios de inclusão dos estudos primários delimitados foram os que retratassem a presença de compostos químicos na fumaça produzida pelo uso do BE, publicados no período de janeiro de 2004 a agosto 2014, e com as seguintes classificações: ensaio clínico controlado randomizado, ensaio clínico sem randomização, estudo de coorte, estudo caso-controle, estudos com delineamento de pesquisa quase-experimental, delineamento de pesquisa não experimental/transversal, pesquisas desenvolvidas com seres humanos; e publicados nos idiomas português, inglês e espanhol. Portanto, foram considerados os níveis de evidência 2, 3, 4 e 6(¹⁷). Os critérios de exclusão estabelecidos foram estudos que retratassem a presença de bioaerossóis (bactérias e vírus) na fumaça gerada pelo uso do BE.

Importante ressaltar que os níveis de evidência variam de 1 a 7, sendo: nível 1 - meta-análise ou revisões sistemáticas; nível 2 - Ensaio Clínico Randomizado Controlado; nível 3 - Ensaio Clínico sem Randomização; nível 4 - Estudos de coorte e de caso-controle; nível 5 - Revisões sistemáticas de estudos descritivos e qualitativos; nível 6 - estudos descritivos ou qualitativos; e nível 7 - opinião de especialistas(¹⁷).

O fluxograma (Figura 1) descreve o percurso de identificação, seleção e inclusão dos estudos primários selecionados, segundo base eletrônica consultada.

Figura 1
Fluxograma de identificação, seleção e inclusão dos estudos da revisão integrativa - Londrina, PR, Brasil, 2015

O processo de seleção e método de concordância dos estudos foi desenvolvido por duas revisoras de forma independente, as quais selecionaram os estudos conforme os critérios de elegibilidade e inclusão. Em caso de discordância, uma terceira revisora foi solicitada.

A extração dos dados da amostra dos estudos primários selecionados foi executada utilizando um instrumento adaptado de coleta de dados, proposto e validado por autoras de pesquisa em enfermagem(¹⁸). Tal instrumento contempla a identificação do artigo, ano e local do estudo, características metodológicas, avaliação do rigor metodológico, nível de evidência, tipo de cirurgia, tempo cirúrgico, método e análise de coleta e tipo de composto químico encontrado na fumaça produzida pelo uso do BE.

A avaliação dos tipos de estudos selecionados foi realizada pautada nos conceitos de estudiosos de metodologia científica(¹⁹), os quais classificam os estudos em dois tipos: observacionais ou ensaio clínico, sendo que os primeiros são divididos em estudo de coorte, transversal e caso-controle.

A análise dos dados foi realizada de forma descritiva, enfatizando os tipos e os níveis ocupacionais dos compostos químicos encontrados em cada estudo, bem como comparações entre estes, destacando diferenças e semelhanças.

Não ocorreu nenhum tipo de financiamento para o estudo. Também não houve conflito de interesse na condução desta revisão integrativa da literatura.

Resultados

Dos 14 estudos primários selecionados, um (7,1%) foi publicado no ano de 2004; dois (14,3%) em 2007; um (7,1%) em 2009; dois (14,3%) em 2010; um (7,1%) em 2011; três (21,4%) em 2012; um (7,1%) em 2013; e três (21,4%) em 2014.

Quanto à origem dos estudos, a totalidade foi publicada no idioma inglês e em periódicos internacionais, revelando a escassez de estudos publicados em periódicos brasileiros. Identificou-se que os autores dos estudos pertencem aos departamentos de cirurgia, cirurgia geral, saúde pública, urologia e saúde ocupacional.

Tratando-se do local de realização dos estudos, a maioria (28,5%) foi realizada na Coreia do Sul. Em três (21,4%) estudos não foram relatados os locais.

No que se refere ao delineamento, a totalidade foi classificada como estudo observacional do tipo descritivo(¹⁹), com abordagem quantitativa. Portanto, têm-se como evidência científica o nível 6(¹⁷).

A partir dos 14 estudos selecionados e incluídos nesta revisão integrativa da literatura, constam no Quadro 2 uma síntese dos estudos primários segundo título, ano, local do estudo, delineamento e nível de evidência científica.

Quadro 2
Síntese dos estudos primários segundo título, ano, local do estudo, delineamento e nível de evidência (2004-2014) - Londrina, PR, Brasil, 2015

Em relação ao tipo de cirurgia em que foram coletadas as fumaças, houve maior predomínio da ressecção transuretral de próstata, seguida das cirurgias do aparelho digestivo e abdominal, vaporização transuretral de próstata, mastectomia, peritonectomia, nefrectomia transperitoneal, ressecção transuretral da bexiga, prostatectomia, mamoplastia e excisão de verrugas e seios paranasais.

O número total de amostras das cirurgias nas quais foram coletadas a fumaça produzida pelo uso do BE variou entre quatro e 40. O tempo médio mínimo e máximo cirúrgico foi de 53 minutos e 614 minutos, respectivamente.

Tratando-se da forma de coleta e análise dos compostos químicos, 50% dos estudos coletaram-nos por uma bomba a vácuo, e a maioria dos estudos (78,5%) analisou-os por cromatografia gasosa. Com relação aos compostos químicos encontrados, houve predomínio do naftaleno, tolueno e benzeno.

Consta no Quadro 3 uma síntese dos estudos primários, segundo objetivo, tipo e tempo médio cirúrgico, coleta e análise dos compostos e principais resultados encontrados.

Quadro 3
Síntese dos estudos primários segundo objetivo, tipo e tempo médio cirúrgico, coleta e análise dos compostos e principais resultados (2004-2014) - Londrina, PR, Brasil, 2015

Tratando-se da composição da fumaça do BE, os estudos foram agrupados em três categorias, a saber: HPA, compostos voláteis e COV. O Quadro 4 apresenta esse agrupamento, sendo que os estudos E1 e E2 foram agrupados na primeira categoria; o estudo E3 na segunda categoria; e os estudos E4 a E14 na terceira categoria.

Quadro 4
Síntese dos estudos primários segundo categoria e compostos encontrados na fumaça do BE (2004-2014) - Londrina, PR, Brasil, 2015

Discussão

Os resultados desta revisão integrativa da literatura indicam que houve um aumento considerado ainda pequeno nas produções científicas sobre a composição da fumaça do BE e seus efeitos sobre a saúde do trabalhador. Além disso, todos os estudos foram produções internacionais, ou seja, não há ainda investigações sobre esta temática no contexto brasileiro.

Os compostos identificados na primeira categoria referem-se aos HPA, os quais foram identificados nos estudos E1(³)e E2(²⁰). O HPA é uma classe ampla de compostos e centenas de substâncias químicas que podem ser liberadas pela combustão incompleta do carvão, petróleo, gás, lixo ou pirólise de substâncias orgânicas como o tabaco. Estes compostos orgânicos contêm dois ou mais anéis aromáticos formados por átomos de carbono (C) e hidrogênio (H)(⁷,³¹). Também tem sido relatado que a fumaça do BE contém HPA entre as substâncias e gases tóxicos que são gerados pelo seu uso(⁸).

Os compostos químicos HPA podem ser prejudiciais à saúde, pois possuem elevado potencial cancerígeno, além de causarem efeitos na pele, no fígado e sistema imunológico(⁷,³¹). Diversos compostos, incluindo o benzo[a]antraceno, benzo[a]pireno, benzo[b]fluoranteno, benzo[j]fluoranteno, benzo[k]fluoranteno, criseno, dibenzo[a,h]antraceno e indeno[1,2,3-c,d]pireno têm causado tumores em animais ao serem inalados ou durante o contato com a pele. Podem também desenvolver câncer em seres humanos(³²).

No estudo E1(³), durante as cirurgias de mastectomias, foram coletadas 10 amostras da fumaça. Nestas amostras foram identificados em maior quantidade no estado volátil o naftaleno (1055 ng/m³ou 0,001055 mg/m3)(³). Seus níveis não ultrapassaram os níveis recomendados por agências internacionais, as quais recomendam o limite de até 50 mg/m3(³³-³⁴).

No estudo E2 foram identificados e quantificados 16 diferentes tipos de HPA durante 40 cirurgias de peritonectomia(²⁰). O naftaleno, assim como no estudo E1(³), foi o mais abundante, apresentando valor médio máximo de 178.66 ng/m³⁽²⁰⁾. Seus níveis também não ultrapassaram os níveis recomendados por agência internacional(³⁴).

Isto nos remete a reflexões preocupantes caso as exposições ocorram em maior quantidade e em período maior de tempo, já que agência internacional(³⁴)não determina o tempo de exposição dos trabalhadores frente ao naftaleno. Além disso, é importante atentar para a presença deste composto químico, pois agência internacional classifica o naftaleno como possível cancerígeno humano(³⁵).

Com relação à segunda categoria, incluiu-se apenas o estudo E3(⁵). Neste estudo foram encontrados diversos compostos voláteis na fumaça do BE durante cirurgias de ressecção colorretal laparoscópica(⁵). Dentre eles, estão o metano, etano, etileno, fluoreto de hidrogênio, traços de monóxido de carbono e o anestésico sevoflurano, sendo que este anestésico apresentou a concentração média (110 ppm) mais abundante dentre todos os compostos mencionados(⁵), ultrapassando os limites permitidos de 2 ppm(³⁶).

Um estudo realizado em ratos constatou que a exposição a longo prazo ao anestésico volátil sevoflurano afeta a fertilidade(³⁷). Enfatiza-se que os efeitos da exposição a longo prazo deste anestésico em seres humanos ainda são desconhecidos(⁵).

Nos estudos da terceira categoria, E4 a E14(⁴,²¹-³⁰), diversos gases foram identificados, entretanto os COV foram os compostos químicos que estavam presentes na totalidade dos artigos. Portanto, os COV predominantes identificados e quantificados foram: benzeno(⁴,²¹-²²,²⁸), etilbenzeno(⁴,²¹,²⁶,²⁸-²⁹), tolueno(⁴,²¹-²³,²⁶,²⁸-³⁰), estireno(⁴,²¹,²⁶,²⁸)e butadieno(²²,²⁴-²⁵,²⁷,³⁰).

Esta diversidade de compostos pode ser justificada pelos diferentes tipos de cirurgias em que foram coletadas as amostras das fumaças, índice de massa corporal dos diferentes pacientes, duração e energia do uso do BE, fatores estes que podem alterar a produção dos compostos(²³,²⁶), aumentando ainda mais o risco de exposição ocupacional, uma vez que, diariamente o trabalhador pode atuar em várias salas cirúrgicas e em diferentes procedimentos cirúrgicos. O uso de medicamentos, como a aspirina, pelos pacientes e pelos trabalhadores envolvidos no ato cirúrgico é um fator que pode também influenciar no efeito dos COV, como o tolueno, ao organismo humano(³⁸).

O benzeno, altamente perigoso para a saúde do trabalhador, é considerado como um mielotóxico regular, leucemogênico, neurotóxico, cancerígeno e mutagênico, mesmo que em baixas concentrações. As exposições ocupacionais repetidas e prolongadas podem ocasionar o benzenismo e desencadear diversas complicações, incluindo irritação das mucosas oculares e respiratórias, edema pulmonar, alterações hematológicas, alterações cromossômicas em linfócitos e células da medula óssea, efeitos tóxicos para o sistema nervoso central, causando, de acordo com a quantidade absorvida, sonolência, cefaleias, taquicardia, convulsões, perda da consciência e morte(³⁹).

O composto benzeno também pode desencadear doenças onco-hematológicas como linfoma não Hodgkin(³⁹), sendo classificado por agência internacional como substância química com evidências suficientes de seu efeito cancerígeno em seres humanos(⁴⁰).

O etilbenzeno, outro COV identificado nos estudos primários desta revisão integrativa, quando presente em níveis elevados, mesmo que em períodos curtos, pode causar tontura e irritação na garganta e nos olhos, além de vertigem(⁴¹). De acordo com agência internacional, este composto foi classificado como possível cancerígeno humano(⁴⁰).

O tolueno, também presente na fumaça do BE, é capaz de afetar o sistema cardiovascular e o sistema nervoso. Em baixa a moderada quantidade, a exposição ocupacional pode causar cansaço, confusão mental, perda de memória, náuseas, falta de apetite. Estes sintomas, geralmente, cessam quando a exposição é interrompida(³⁸).

Quando a exposição ocupacional diária de tolueno ocorrer em longo prazo, pode provocar a perda da audição, visão, controle muscular e equilíbrio, além de tontura e inconsciência. Se a exposição a este composto não for interrompida, pode ocasionar danos permanentes ao cérebro e até a morte. A combinação da exposição ao tolueno e a ingestão de álcool podem afetar o fígado, além de que combinar este composto e medicamentos como aspirina e paracetamol podem aumentar os efeitos do composto sobre a audição(³⁸). Em contrapartida, não há evidências publicadas sobre o efeito cancerígeno do tolueno(³⁸,⁴⁰).

Com relação ao estireno, foi classificado como um possível cancerígeno humano(⁴⁰). A inalação de níveis elevados deste composto pode provocar efeitos no sistema nervoso, incluindo alterações nas cores da visão, cansaço, diminuição do tempo de reação, problemas de concentração ou de equilíbrio(⁴²).

O butadieno ou 1,3-butadieno, outro COV encontrando nos estudos da terceira categoria, é um gás altamente inflamável e como é mais pesado que o ar pode se acumular em ambientes fechados e mal ventilados(⁴³), como é o caso do centro cirúrgico.

Nos seres humanos, a inalação de concentrações muito elevadas de 1,3-butadieno pode resultar em efeitos sobre o sistema nervoso central, incluindo cefaleia, sonolência, ataxia, perda de consciência, coma, depressão respiratória e morte(⁴³). Além disso, foi classificado como um composto cancerígeno para os seres humanos(⁴⁰).

Em relação aos níveis aceitáveis dos COV, recomenda-se que a inalação aguda (curto período de tempo) para o benzeno seja de até 0,09 ppm; 5 ppm de etilbezeno; 1 ppm de tolueno; 5 ppm de estireno(⁴⁴); e 1ppm de butadieno ou 1,3-butadieno(⁴⁵).

Segundo agência internacional, os níveis aceitáveis dos COV são dados em ppm, assim, ao comparar os valores limites ocupacionais com os resultados em ppm da terceira categoria desta revisão, constatou-se alteração nos valores, incluindo os estudos E4(²¹)e E14(³⁰).

No estudo E4(²¹), em cirurgias intra-abdominais laparoscópicas, os níveis dos compostos benzeno e tolueno ultrapassaram os limites permitidos. Os níveis máximos de tolueno encontrados foram de 9,652 ppm(²¹), sendo que o limite é de 1 ppm(⁴⁴). Os valores de tolueno encontrados apresentaram-se maiores na fumaça do BE quando comparados com a fumaça do cigarro e o ar de uma cidade urbana(²¹).

Complementando, no estudo E14(³⁰)da terceira categoria, durante mamoplastias, foram encontradas concentrações de 1,5 ppm para o 1,3-butadieno e 17 ppm de tolueno(³⁰). Estes níveis estavam acima do permitido, sendo recomendado 1 ppm para estes dois compostos(⁴⁴-⁴⁵).

Os efeitos tóxicos dos compostos químicos mencionados nesta revisão integrativa remetem a reflexões e preocupações em relação aos trabalhadores do centro cirúrgico, incluindo as equipes de enfermagem, cirúrgica e anestésica, as quais estão constantemente expostas à fumaça do BE em seu ambiente laboral, tendo como risco o desenvolvimento de sintomas respiratórios, cânceres diversos, mutação genética, bem como depressão do sistema nervoso central. Ainda têm os efeitos que não foram identificados no ser humano, mas comprovados em experimentos com animais(³⁸-³⁹,⁴¹-⁴³).

Cabe ressaltar que a quantidade de compostos gerados pelo uso do BE aumenta significativamente, pois dentro de cinco minutos do início da utilização deste equipamento a quantidade de partículas na sala cirúrgica aumenta de aproximadamente 60.000 partículas/m³para mais de 1 milhão partículas/m³⁽⁴⁶⁾. Outro estudo mostrou que a cauterização de 1 g de tecido libera o mesmo grau de toxinas mutagênicas como se a pessoa fumasse três a seis cigarros por dia(⁶), aumentando ainda mais o risco em trabalhadores fumantes.

Portanto, como forma de proteger o trabalhador da equipe operatória frente à inalação da fumaça faz-se necessária a instalação de ventiladores e exaustores adequados às salas operatórias(⁹-¹⁰). Estes sistemas de extração do ar podem reduzir o número de germes, partículas, bem como o calor gerado e quaisquer substâncias perigosas emitidas(²). Além disso, tem-se a utilização do equipamento de proteção respiratória, máscara N-95, a qual é capaz de proteger o trabalhador e filtrar em pelo menos 95% os microrganismos na forma de aerossóis, além de partículas não biológicas, como a fumaça gerada pelo uso do BE(¹⁰).

Portanto, a partir da análise crítica dos estudos e reconhecendo que os compostos químicos presentes na fumaça do BE são prejudiciais à saúde dos trabalhadores expostos a este risco, sugere-se que sejam realizadas pesquisas experimentais para identificar a causa e o efeito no desenvolvimento de doenças ocupacionais, bem como a realização de protocolos a fim de subsidiar melhorias nas condições laborais na perspectiva e realidade brasileira. E também alertar os trabalhadores de saúde, bem como os gestores sobre os riscos que a equipe intraoperatória está exposta.

Embora o objetivo desta revisão tenha sido alcançado, a mesma apresenta limitações, pois os estudos encontrados não apresentaram metodologias caracterizadas pelos níveis de evidência científica 2, 3 e 4, apenas o nível 6.

Conclusão

A partir dos estudos analisados pode-se afirmar que na fumaça do BE há presença de HPA, compostos voláteis diversos e COV, tanto em níveis ocupacionais aceitáveis como em níveis elevados e nocivos aos trabalhadores da equipe cirúrgica. Pode-se concluir ainda que há evidências científicas de que a fumaça gerada pelo uso do BE e a sua inalação constituem-se em riscos químicos potenciais à saúde dos trabalhadores que estão envolvidos no ato crúrgico, devido à presença de compostos químicos tóxicos presentes nesta fumaça.

Ressalta-se que existe uma lacuna de estudos brasileiros sobre a fumaça produzida pelo BE, permitindo inferir que não há protocolos nacionais aos trabalhadores sobre a prevenção dos riscos e malefícios que podem ser provocados pela fumaça gerada pelo uso do BE. Gestores e trabalhadores de saúde precisam estar atentos sobre este risco ocupacional, bem como para as medidas de prevenção essenciais para a saúde do trabalhador da equipe intraoperatória.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  Fev 2016

Histórico

• Recebido
  24 Mar 2015
• Aceito
  29 Ago 2015