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Carta ao editor

Prezado Editor,

Foi com muito interesse que lemos a metanálise publicada por Taminato et al. (maio/junho 2015) que avaliou o risco de infecção em transplante renal de doador vivo versus doador falecido, publicado por este conceituado periódico 1Taminato M, Fran D, Grothe C, Preira RRF, Belasco A, Barbosa D. Prevalence of infection in kidney transplantation from living versus deceased donor: systematic review and meta-analysis. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2015 [cited 2015 July 16];49(3):502-7. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v49n3/0080-6234-reeusp-49-03-0509.pdf
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Os autores observaram um incremento de risco de infecção entre os pacientes que receberam transplantes renais a partir de doadores falecidos em comparação com os transplantes originários de doadores vivos. A odds ratio encontrada foi de 2,65 [IC 95% 2,05 - 3,41]. Este resultado representa um aumento do risco da ordem de 165%, valor muito diferente do relatado no tópico CONCLUSÃO, de que o risco seria 20% maior para o desenvolvimento de infecção.

Outro problema ainda mais relevante se refere à avaliação da presença de Heterogeneidade. No último parágrafo do tópico MÉTODO, os autores estabelecem que os estudos seriam considerados Heterogêneos caso o valor de I2 fosse maior ou igual a 50%. A Figura 3 apresenta o valor do Teste de Heterogeneidade I2 como sendo da ordem de 93%, o que juntamente com o resultado do Teste de Heterogeneidade chi-quadrado ( p <0,00001) apontam claramente no sentido de que há elevada Heterogeneidade entre os estudos. A mesma Figura 3 nos mostra que o cálculo do efeito sumário foi feito utilizando o Método do Efeito Fixo, o que contraria o princípio de que, diante de elevada Heterogeneidade, devemos usar o Método dos Efeitos Randômicos 2Lau J, Ioannidis JP, Schmid CH. Quantitative synthesis in systematic reviews, Ann Intern Med. 1997;127(9):820-6. . Ao refazermos os cálculos da Metanálise pelo Método dos Efeitos Randômicos utilizando o Programa Comprehensive Meta-Analysis encontramos um resultado completamente diferente do apresentado pelos autores: OR 1,89 [IC95% 0,44 - 8,22] e p =0,39. Assim sendo, apesar de apresentar uma chance de risco aumentada para infecção no receptor renal, quando o doador é falecido, não há significância estatística, e este resultado muda totalmente a conclusão do estudo.

Acreditamos que o principal resultado deste estudo deva ser refeito e as conclusões modificadas.

Resposta ao leitor

Prezado leitor,

Com muita satisfação respondemos seus apontamentos e aproveitamos a oportunidade para esclarecer alguns pontos de nosso estudo.

Para a realização de uma revisão sistemática é imprescindível seguir a metodologia adequada com todo o rigor científico necessário, evitando vieses e imprecisões. A melhor forma de controlar vieses numa revisão sistemática é incluir ensaios clínicos randomizados conforme as orientações da Cochrane Collaboration 3Higgins JPT, Green S, editors. Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Intervention. Version 5.0.1 (updated Mar 2011) [Internet]. Chichester (UK): John Wiley & Sons; 2005 [cited 2015 Jan 30]. Available from: Available from: http://handbook.cochrane.org/
http://handbook.cochrane.org/...
, o que não foi possível nesta revisão, sendo estudos observacionais o delineamento ideal para analisar os desfechos esperados. Uma alternativa para minimizar os vieses a que o estudo está sujeito, foi utilizar o instrumento STROBE 4Von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gotzsche PC, Vandenbroucke JP, et al. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. J ClinEpidemiol. 2008;61(4):344-9. para avaliação da qualidade metodológica de estudos observacionais.

A razão para todas as múltiplas análises de sensibilidade é procurar identificar as possíveis heterogeneidades nas metanálises. A heterogeneidade em revisões sistemáticas é a variabilidade ou diferença entre estudos em relação à estimativa de efeitos 5Clarke M, Horton R. Bringing it all together: Lancet-Cochrane collaborate on systematic reviews. Lancet. 2001;357(9270):1728. .

A utilização do modelo de efeito fixo na estimativa do efeito do tratamento foi uma opção do grupo de pesquisadores envolvidos no estudo. A razão para usá-lo é a existência de um valor real para a variável de interesse; todos os ensaios clínicos estimam este valor único. As diferenças entre as estimativas (variação) são causadas pela variação nos estudos (variação amostral).

Os testes estatísticos de heterogeneidade são usados para determinar se a variabilidade observada nos resultados de um estudo (tamanho de efeito) é maior que o esperado devido ao acaso. Contudo, esses testes possuem limitações e devem ser usados com cautela.

Uma vez que é sabido de antemão que estas heterogeneidades clínicas, metodológicas e estatísticas sempre existem, é necessário que todo projeto de revisão sistemática aborde este assunto. Entretanto, ainda não há consenso entre os grupos Cochrane de revisão sobre como devem ser planejadas estas análises ou como devem ser tratadas as heterogeneidades quando identificadas.

O que se recomenda é que o grupo Cochrane de revisão seja consultado para estabelecer quais procedimentos devem ser adotados, em outras palavras, como deve ser redigido o projeto. As explicações das heterogeneidades, identificadas ou não, devem ser explicitadas na discussão da revisão sistemática.

Salientamos que os preceitos da Cochrane Collaboration é sintetizar informações sobre o tema, diminuir o intervalo de confiança, aumentar a precisão da estimativa dos dados, permitir avaliar as diferenças entre os estudos sobre o mesmo tópico e evitar duplicação de esforços 3Higgins JPT, Green S, editors. Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Intervention. Version 5.0.1 (updated Mar 2011) [Internet]. Chichester (UK): John Wiley & Sons; 2005 [cited 2015 Jan 30]. Available from: Available from: http://handbook.cochrane.org/
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Informamos que o desfecho e infecção para transplante renal doador vivo versus falecido foi classicamente respondido.

Agradecemos as observações e esperamos ter esclarecido as dúvidas sobre o estudo.

  • Taminato M, Fran D, Grothe C, Preira RRF, Belasco A, Barbosa D. Prevalence of infection in kidney transplantation from living versus deceased donor: systematic review and meta-analysis. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2015 [cited 2015 July 16];49(3):502-7. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v49n3/0080-6234-reeusp-49-03-0509.pdf
    » http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v49n3/0080-6234-reeusp-49-03-0509.pdf
  • Lau J, Ioannidis JP, Schmid CH. Quantitative synthesis in systematic reviews, Ann Intern Med. 1997;127(9):820-6.
  • Higgins JPT, Green S, editors. Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Intervention. Version 5.0.1 (updated Mar 2011) [Internet]. Chichester (UK): John Wiley & Sons; 2005 [cited 2015 Jan 30]. Available from: Available from: http://handbook.cochrane.org/
    » http://handbook.cochrane.org/
  • Von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gotzsche PC, Vandenbroucke JP, et al. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. J ClinEpidemiol. 2008;61(4):344-9.
  • Clarke M, Horton R. Bringing it all together: Lancet-Cochrane collaborate on systematic reviews. Lancet. 2001;357(9270):1728.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    26 Nov 2015
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