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Evidências científicas de adoecimento do trabalhador portuário para o raciocínio clínico da enfermagem* * Extraído tese "Adoecimento osteomuscular de trabalhadores portuários avulsos e o processamento do raciocínio clínico da enfermagem", Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande, 2015.

Resumo

OBJETIVO

Identificar evidências científicas de adoecimento ocupacional do trabalhador portuário publicadas na literatura.

MÉTODO

Revisão sistemática da literatura, construída conforme o método Cochrane. As bases de dados pesquisadas foram Cochrane, LILACS, MEDLINE/PubMed, CINAHL e SciELO. Foram selecionados artigos publicados de 1988 a 2014. Os dados foram analisados conforme o Nível de Evidência e Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology.

RESULTADOS

Foram selecionadas 14 publicações, das quais 11 (78,6%) de revistas internacionais. O ano de 2012 reuniu maior número de publicações no período de estudo. Todas as publicações pertenciam ao Nível de Evidência 4, destacando o câncer pulmonar, doenças osteomusculares e isquêmicas, com nexo causal nos riscos químicos.

CONCLUSÃO

A elaboração de medidas preventivas deve prever especialmente a exposição química do trabalhador, aplicando ao raciocínio clínico do enfermeiro um conhecimento ambiental para a assistência aos adoecimentos.

Descritores
Saúde do Trabalhador; Riscos Ocupacionais; Enfermagem do Trabalho; Revisão

Abstract

OBJECTIVE

To identify scientific evidence of occupational illness of dockworkers published in the literature.

METHOD

systematic review of the literature, developed according to the Cochrane method. The databases searched were: Cochrane, LILACS, MEDLINE/PubMed, CINAHL and SciELO. Studies from 1988 to 2014 were selected. The data were analyzed according to the level of evidence and Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology.

RESULTS

We included 14 studies, in which 11 (78.6%) were from international journals. The year of 2012 showed greater number of studies. All studies were classified as: Level of Evidence 4, highlighting lung cancer, musculoskeletal and ischemic diseases, causal link in chemical risks.

CONCLUSION

The development of preventive measures should especially include chemical exposure of workers applying the clinical reasoning of nurses' environmental knowledge to care for illnesses.

Descriptors
Occupational Health; Occupational Risks; Occupational Health Nursing; Review

Resumen

OBJETIVO

Identificar evidencias científicas de enfermización ocupacional del trabajador portuario publicadas en la literatura.

MÉTODO

Revisión sistemática de la literatura, planteada conforme al método Cochrane. Las bases de datos investigadas fueron Cochrane, LILACS, MEDLINE/PubMed, CINAHL y SciELO. Fueron seleccionados artículos publicados de 1998 a 2014. Los datos fueron analizados conforme al Nivel de Evidencia y Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology.

RESULTADOS

Fueron seleccionadas 14 publicaciones, de las que 11 (78,6%) fueron de revistas internacionales. El año del 2012 reunió mayor número de publicaciones en el período de estudio. Todas las publicaciones pertenecían al Nivel de Evidencia 4, destacando el cáncer pulmonar, las enfermedades osteomusculares e isquémicas, con nexo causal en los riesgos químicos.

CONCLUSIÓN

La elaboración de medidas preventivas debe prever especialmente la exposición química del trabajador, aplicando al razonamiento clínico del enfermero un conocimiento ambiental para la asistencia a las enfermizaciones.

Descriptores
Salud Laboral; Riesgos Laborales; Enfermería del Trabajo; Revisión

Introdução

O raciocínio clínico (RC) da enfermagem compreende processos cognitivos utilizados na coleta e no processamento de informações sobre a saúde do indivíduo assistido, a partir das quais se podem gerar hipóteses e avaliá-las para suprir as necessidades apresentadas11 Carvalho EC, Cruz DA, Herdman TH. Contribuição das linguagens padronizadas para a produção do conhecimento, raciocínio clínico e prática clínica da Enfermagem. Rev Bras Enferm [Internet]. 2013 [citado 2015 nov. 3];66(n.esp):134-41. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reben/v66nspe/v66nspea17.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v66nspe/v...
. Na saúde do trabalhador, visualiza-se a anamnese ocupacional como um dos principais instrumentos de obtenção dessas informações, englobando os condicionantes socioambientais pessoais e aqueles relacionados à organização e ao desenvolvimento do trabalho. No entanto, destaca-se, ainda, a possibilidade de obter informações em saúde por meio da literatura técnica e científica correspondente, identificando a exposição a fatores de risco no trabalho e o possível adoecimento proveniente. Desta forma, orienta-se o RC profissional para definir quais condicionantes socioambientais contribuem para a determinação do adoecimento, elaborando, assim, o nexo causal, entendido como identificador dos fatores de risco ocupacionais, individuais e coletivos que conduzem ao adoecimento ocupacional22 Brasil. Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana da Saúde. Doenças relacionadas ao trabalho: manual de procedimentos para os Serviços de Saúde [Internet]. Brasília; 2001 [citado 2015 nov. 3]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_relacionadas_trabalho1.pdf
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.

No contexto de trabalho portuário na região sul do Brasil, pesquisas em saúde identificaram a prevalência de alguns adoecimentos diagnosticados, como doenças osteomusculares33 Almeida MCV, Cezar-vaz MR, Soares JF, Silva MR. The prevalence of musculoskeletal diseases among casual dock workers. Rev Latino Am Enfermagem [Internet]. 2012 [cited 2015 Nov 3];20(2):243-50. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v20n2/05.pdf
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, hipertensão, lombalgia, doenças pulmonares e episódios depressivos44 Almeida MCV, Cezar-vaz MR, Rocha LP, Cardoso LS. Dock worker: profile of occupational diseases diagnosed in an occupational health service. Acta Paul Enferm [Internet]. 2012 [cited 2015 Nov 3];25(2):270-6. Available from: Available from: http://www2.unifesp.br/acta/pdf/v25/n2/v25n2a18_en.pdf
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-55 Cezar-Vaz MR, Almeida MCV, Bonow CA, Rocha LP, Borges AM, Piexak DR. Casual dock work: profile of diseases and injuries and perception of influence on health. Int J Environ Res Public Health. 2014;11(2):2077-91., além de adoecimentos autorreferidos pelos trabalhadores, como distúrbios osteoarticulares e transtornos mentais66 Cezar-Vaz MR, Soares JFS, Almeida MC, Cardoso LS, Bonow CA. Doenças relacionadas ao trabalho autorreferidas por trabalhadores portuários avulsos. Ciênc Cuid Saúde. 2010;9(4):774-81.. Esses resultados indicam a necessidade de identificar se todas as realidades portuárias conduzem aos mesmos adoecimentos ocupacionais, e de que forma a enfermagem pode se utilizar destas e de outras informações no processamento do seu RC, a fim de amenizá-los e preveni-los.

No Brasil, a atividade portuária é tipificada pelo Art. 40 da lei 12.815/201377 Brasil. Lei n. 12.815, de 5 de junho de 2013. Dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários; altera as Leis n. 5.025, de 10 de junho de 1966, n.10.233, de 5 de junho de 2001, n.10.683, de 28 de maio de 2003, n.9.719, de 27 de novembro de 1998, e 8.213, de 24 de julho de 1991; revoga as Leis n. 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, e 11.610, de 12 de dezembro de 2007, e dispositivos das Leis n. 11.314, de 3 de julho de 2006 e 11.518, de 5 de setembro de 2007; e dá outras providências [Internet]. Brasília; 2013 [citado 2015 nov. 3]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/Lei/L12815.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
em seis categorias de trabalhadores: capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, vigilância de embarcações e bloco. Tais serviços são responsáveis pela movimentação de mercadorias, dentro dos portos organizados, de forma manual e automatizada, por meio de içamento, conferência, arrumação, entre outras ações desempenhadas a bordo das embarcações ou em terra, no cais portuário, armazéns e silos77 Brasil. Lei n. 12.815, de 5 de junho de 2013. Dispõe sobre a exploração direta e indireta pela União de portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários; altera as Leis n. 5.025, de 10 de junho de 1966, n.10.233, de 5 de junho de 2001, n.10.683, de 28 de maio de 2003, n.9.719, de 27 de novembro de 1998, e 8.213, de 24 de julho de 1991; revoga as Leis n. 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, e 11.610, de 12 de dezembro de 2007, e dispositivos das Leis n. 11.314, de 3 de julho de 2006 e 11.518, de 5 de setembro de 2007; e dá outras providências [Internet]. Brasília; 2013 [citado 2015 nov. 3]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/Lei/L12815.htm
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. Essas ações profissionais atuam como condicionantes socioambientais relacionados à organização do trabalho e retratam a dificuldade de estabelecer os nexos causais, pois os postos de trabalho em análise e as atribuições de cada categoria profissional são diferentes, o que expõe os trabalhadores a diferentes riscos ocupacionais, de forma contínua e, por vezes, intermitente, dado o trabalho em rodízio, modificando as equipes e suas ações de trabalho a cada operação portuária conforme a demanda, o que faz por submeter o trabalhador a diferentes condicionantes.

Para identificar os riscos e os adoecimentos que afetam os trabalhadores portuários, esta revisão sistemática apresentou como objetivo geral identificar evidências científicas de adoecimento ocupacional do trabalhador portuário publicadas na literatura científica e, como objetivos específicos, identificar os adoecimentos relacionados ao trabalho portuário publicados na literatura e apresentar os riscos que assinalam nexo causal para o adoecimento dos trabalhadores portuários.

Método

Trata-se de uma revisão sistemática da literatura, que representa um estudo secundário que corrobora a elaboração de diretrizes clínicas, fornece subsídios para a tomada de decisões e contribui para planejamento de intervenções/pesquisas clínicas. Esta revisão seguiu os passos estabelecidos no Cochrane Handbook88 Higgins JP, Green S, editors. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions. Version 5.1.0 [Internet] updated March 2011. [cited 2015 Nov 4]; Available from: Available from: http://handbook.cochrane.org/
http://handbook.cochrane.org/...
: formulação da pergunta; localização e seleção dos estudos; avaliação crítica dos estudos; coleta de dados; análise, apresentação e interpretação dos dados; e aprimoramento e atualização da revisão.

Para determinação da pergunta de pesquisa, utilizou-se da estratégia PICO, que representa um acrônimo ilustrativo de quatro elementos indispensáveis para que a pergunta de pesquisa suporte a busca bibliográfica: Paciente, Intervenção, Comparação e Desfecho (Outcomes)99 Stone PW. Popping the (PICO) question in research and evidence-based practice. Appl Nurs Res. 2002;15(3):197-8.. Além da pergunta, determinou-se como operador booleano (delimitador) o AND. Assim, as questões norteadoras do estudo foram: Quais adoecimentos afetam o trabalhador portuário? Quais são os riscos que assinalam nexo causal para o adoecimento dos trabalhadores portuários, conforme a literatura científica?

Para localização e seleção dos estudos, foi realizada pesquisa eletrônica nas seguintes bases de dados: Biblioteca Cochrane; Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE/ PubMed), Cummulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e na Scientific Electronic Library Online (SciELO). A busca nas bases de dados não foi restrita à área da saúde e abrangeu todas as áreas do conhecimento, sem especificação. O período de publicação selecionado foi o de 1988 a 2014, justificado pelo ano de estabelecimento da Dock Regulations 19881010 United Kingdom. The Docks Regulations 1988. Health and safety. Statutory Instruments 1988, n. 1655 [Internet]. Norwich; 1988 [cited 2015 Nov 4]. Available from: Available from: http://www.legislation.gov.uk/uksi/1988/1655/introduction/made
http://www.legislation.gov.uk/uksi/1988/...
, que diz respeito à regulamentação internacional da saúde, segurança e bem-estar dos trabalhadores de operações portuárias. A coleta de dados foi realizada entre janeiro e agosto de 2014, utilizando-se das seguintes estratégias de busca: "portuário"; "dockworker"; "dockworkers", "dock" "and" "worker" e "dock" "and" "workers". As bases de dados em que esteve indexada a maioria dos artigos foram MEDLINE/PubMed (n=97; 40,6%) e SciELO (n=71; 29,7%).

As produções científicas foram selecionadas conforme a Figura 1.

Figura 1
Fluxograma de distribuição e seleção dos artigos - Rio Grande, RS, Brasil, 2015.

Foram excluídas 13 publicações que se repetiram nas bases de dados. Após leitura analítica do título e resumo, selecionaram-se 45 publicações para leitura na íntegra. Destas, 17 (37,8%) não estavam disponíveis on-line, sendo, então, realizada a solicitação de versão completa dos artigos aos autores, o que viabilizou a inserção de mais três artigos completos. A partir desta seleção, obtiveram-se 31 publicações para leitura na íntegra e, após retomada mais recente nas buscas, realizada em setembro de 2014, incorporaram-se mais três publicações, considerando os critérios de inclusão do estudo, totalizando, assim, 34 publicações.

Os critérios utilizados para a inclusão na amostra foram: artigos na íntegra indexados nas bases de dados referidas e disponíveis on-line; que atendessem ao objetivo da investigação; publicação no período entre 1988 e 2014; apresentação de resumo para primeira apreciação nos idiomas português, inglês e espanhol. Foi utilizado um protocolo de análise e síntese dos artigos, compreendendo os aspectos tipo de estudo, ano de publicação, número de trabalhadores portuários pesquisados, tipo de adoecimento em saúde e Nível de Evidência científica obtida nos estudos.

A análise e interpretação dos dados foi realizada a partir dos sete Níveis de Evidência determinados pelo sistema de avaliação para a hierarquia de evidência1111 Stillwell SB, Fineout-Overholt E, Melnyk BM, Williamson KM. Searching for the evidence strategies to help you conduct a successful search. Am J Nurs. 2010;110(5):41-7. , que permite quantificar e qualificar a evidência dos estudos que identificaram adoecimentos que acometeram trabalhadores portuários. Os artigos foram classificados ainda segundo a escala STROBE, que contém 22 itens com recomendações para avaliar a suficiência da descrição de todas as etapas dos estudos observacionais. Cada critério recebeu uma pontuação de zero a 1, a qual, posteriormente, foi transformada em porcentual, considerando de boa qualidade os artigos com porcentual superior a 40%.

Desta forma, para o estudo dos adoecimentos relacionados ao trabalho portuário, ampliou-se o olhar para os riscos ocupacionais e seus nexos causais, construindo-se três categorias de análise: Evidências científicas sobre os adoecimentos que afetam os trabalhadores portuários; Os adoecimentos relacionados ao trabalho portuário e Riscos que assinalam nexo causal com adoecimentos que afetaram trabalhadores portuários.

A fim de respeitar as questões éticas e os preceitos de autoria, os artigos citados nesta produção estarão devidamente referenciados ao longo deste estudo, conforme previsto na lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 19981212 Brasil. Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências [Internet]. Brasília; 1998 [citado 2015 nov. 3]. Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
, que trata dos Direitos Autorais.

Resultados

A busca resultou em 239 artigos, selecionados a partir dos critérios de inclusão estabelecidos. A utilização do termo "dock" resultou um maior número de publicações, indicando um termo eficiente de busca, mesmo não pertencendo aos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) ou ao Medical Subject Headings (MESH). A partir da aplicação dos critérios de inclusão e exclusão e das classificações por nível de evidência e da escala STROBE, foram obtidos 14 artigos científicos, dos quais 11 (78,6%) foram publicados no idioma inglês e três (21,4%) em português.

Dos 11 artigos publicados em inglês, um (7,1%) foi desenvolvido no Brasil, ao passo que a totalidade dos estudos publicados em português foi desenvolvida no país. Dentro dos 25 anos que compreenderam o período da pesquisa, em 15 não foram publicados estudos científicos sobre a temática (Figura 2). Com relação aos periódicos de publicação dos artigos, 11 artigos (78,6%) foram publicados em periódicos internacionais, com destaque para o Environmental Health Perspectives e o Occupational and Environmental Medicine. Três artigos foram publicados em revistas nacionais, sendo duas da área da enfermagem: Acta Paulista de Enfermagem e Revista Latino-Americana de Enfermagem; o terceiro foi publicado na revista Cadernos de Saúde Coletiva, do Rio de Janeiro.

Figura 2
Número de publicações em cada ano do período do estudo - Rio Grande, RS, Brasil, 2015.

Destacaram-se, entre os periódicos internacionais, além dos já citados, aqueles com enfoque às questões ambientais como Indian Journal Occupational Environmental Medicine, International Archives Occupational Environmental Health, Scandinavian Journal of Work, Environment & Health. Com relação à indexação dos artigos, visualizou-se uma expressiva variabilidade dos descritores utilizados, com destaque para "lung cancer" (n=4), "cumulative trauma disorder" (n=1), "ischemic heart disease" (n=1) e "mesothelioma" (n=3). Já para representar os riscos, destacou-se a utilização de "asbestos" (n=3), "diesel exhaust" (n=3); "occupational exposure" (n=3).

O número de trabalhadores portuários investigados nos artigos variou de 13 até 12.652 indivíduos, destacando-se que, em seis estudos, a saúde deste trabalhador foi investigada indiretamente, utilizando-se dados secundários (bases de dados e prontuários).

Evidências científicas sobre os adoecimentos que afetam os trabalhadores portuários

A primeira categoria de análise visou identificar os níveis de evidências dos artigos científicos, ressaltando a inclusão preferencial de ensaios clínicos randomizados, uma vez que permitem identificar com maior evidência os efeitos de ações clínicas em saúde88 Higgins JP, Green S, editors. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions. Version 5.1.0 [Internet] updated March 2011. [cited 2015 Nov 4]; Available from: Available from: http://handbook.cochrane.org/
http://handbook.cochrane.org/...
. No entanto, a busca não resultou em estudos com este desenho metodológico, incluindo-se, assim, estudos não randomizados, que identificaram evidências científicas abrangendo a saúde do trabalhador portuário e salientando as lacunas existentes na vigilância em saúde destes trabalhadores. Assim, resultaram 14 estudos científicos, todos do Nível de Evidência 4 - estudo de coorte e estudos caso-controle.

Os adoecimentos e os riscos evidenciados nos estudos estão apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização dos artigos conforme o título, ano de publicação, país, delineamento/número de participantes, tipo de adoecimento e riscos, ordenados de maneira decrescente conforme escore de qualidade (STROBE) - Rio Grande, RS, Brasil, 2015.

Os adoecimentos relacionados ao trabalho portuário

Os estudos trataram da ocorrência de câncer relacionado ao trabalho1313 Bianchi C, Giarelli L, Grandi G, Brollo A, Ramani L, Zuch C. Latency periods in asbestos-related mesothelioma of the pleura. Eur J Cancer Prev. 1997;6(2):162-6.

14 Garshick E, Laden F, Hart JE, Davis ME, Eisen EA, Smith TJ. Lung cancer and elemental carbon exposure in trucking industry workers. Environ Health Perspect. 2012;120(9):1301-6.

15 Laden F, Hart JE, Smith TJ, Davis ME, Garshick E. Cause-specific mortality in the unionized U.S. trucking industry. Environ Health Perspect. 2007;115(8):1192-6.
-1616 Bovenzi M, Stanta G, Antiga G, Peruzzo P, Cavallieri F. Occupational exposure and lung cancer risk in a coastal area of Northeastern Italy. Int Arch Occup Environ Health. 1993;65(1):35-41.,1919 Bardin-Mikolajczak A, Lissowska J, Zaridze D, Szeszenia-Dabrowska N, Rudnai P, Fabianova E et al. Occupation and risk of lung cancer in Central and Eastern Europe: the IARC multi-center case-control study. Cancer Causes Control. 2007;18(6):645-54.-2020 Garshick E, Laden F, Hart JE, Rosner B, Davis ME, Eisen EA et al. Lung cancer and vehicle exhaust in trucking industry workers. Environ Health Perspect. 2008;116(10):1327-32.,2323 Bianchi C, Bianchi T. Malignant pleural mesothelioma in Italy. Indian J Occup Environ Med. 2009;13(2):80-3.-2424 Bianchi C, Brollo A, Ramani L, Bianchi T, Giarelli L. Asbestos exposure in malignant mesothelioma of the pleura: a survey of 557 cases. Ind Health. 2001;39(2):161-7. . Algumas investigações foram retrospectivas, com o uso de prontuários e registros de serviços em saúde1414 Garshick E, Laden F, Hart JE, Davis ME, Eisen EA, Smith TJ. Lung cancer and elemental carbon exposure in trucking industry workers. Environ Health Perspect. 2012;120(9):1301-6.

15 Laden F, Hart JE, Smith TJ, Davis ME, Garshick E. Cause-specific mortality in the unionized U.S. trucking industry. Environ Health Perspect. 2007;115(8):1192-6.
-1616 Bovenzi M, Stanta G, Antiga G, Peruzzo P, Cavallieri F. Occupational exposure and lung cancer risk in a coastal area of Northeastern Italy. Int Arch Occup Environ Health. 1993;65(1):35-41.,2020 Garshick E, Laden F, Hart JE, Rosner B, Davis ME, Eisen EA et al. Lung cancer and vehicle exhaust in trucking industry workers. Environ Health Perspect. 2008;116(10):1327-32..

Um estudo1515 Laden F, Hart JE, Smith TJ, Davis ME, Garshick E. Cause-specific mortality in the unionized U.S. trucking industry. Environ Health Perspect. 2007;115(8):1192-6. apresentou dados secundários sobre os casos de câncer de pulmão e de doenças isquêmicas numa relação de exposição dos trabalhadores ao propano liquefeito de caminhões que circulavam nos pátios automotivos. Não apresentou o número específico de portuários, mas investigou estivadores e outras categorias de trabalhadores de uma companhia de transportes, destacando que os que trabalhavam dirigindo os maquinários apresentaram maior risco de desenvolver os adoecimentos.

Também foi realizada investigação por meio de registros em saúde1616 Bovenzi M, Stanta G, Antiga G, Peruzzo P, Cavallieri F. Occupational exposure and lung cancer risk in a coastal area of Northeastern Italy. Int Arch Occup Environ Health. 1993;65(1):35-41., identificando que os 53 trabalhadores estivadores que trabalhavam sob efeito do amianto na construção naval, especialmente durante a Segunda Guerra Mundial, apresentavam estimativa de risco maior para o desenvolvimento de câncer de pulmão.

Pesquisa1515 Laden F, Hart JE, Smith TJ, Davis ME, Garshick E. Cause-specific mortality in the unionized U.S. trucking industry. Environ Health Perspect. 2007;115(8):1192-6. -1616 Bovenzi M, Stanta G, Antiga G, Peruzzo P, Cavallieri F. Occupational exposure and lung cancer risk in a coastal area of Northeastern Italy. Int Arch Occup Environ Health. 1993;65(1):35-41., também realizada a partir de dados secundários, investigou 5.710 trabalhadores portuários e 843 conferentes portuários com risco para desenvolverem câncer de pulmão, dada a exposição ao diesel dos veículos circulantes nos terminais portuários. Os autores apresentaram que, frente à carcinogenicidade do diesel, a composição dos combustíveis de veículos como as empilhadeiras foi modificada, o que atenuou a exposição em cada categoria de trabalhadores.

O trabalho no transporte de cargas foi analisado e demonstrou-se que ele apresenta risco para câncer de pulmão, pela exposição a combustíveis e cargas em grão ou pó, como cimento, areia e cereais1919 Bardin-Mikolajczak A, Lissowska J, Zaridze D, Szeszenia-Dabrowska N, Rudnai P, Fabianova E et al. Occupation and risk of lung cancer in Central and Eastern Europe: the IARC multi-center case-control study. Cancer Causes Control. 2007;18(6):645-54.. No entanto, para 161 estivadores e manipuladores de cargas, os resultados do estudo não indicaram uma estimativa de risco estatisticamente significativa, mas atenta ao fato de que estes trabalhadores atuavam expostos à gasolina e a emissões de diesel, que representam maior carcinogenicidade para os humanos.

Além dos cânceres de pulmão, foram identificados mesoteliomas malignos2323 Bianchi C, Bianchi T. Malignant pleural mesothelioma in Italy. Indian J Occup Environ Med. 2009;13(2):80-3.-2424 Bianchi C, Brollo A, Ramani L, Bianchi T, Giarelli L. Asbestos exposure in malignant mesothelioma of the pleura: a survey of 557 cases. Ind Health. 2001;39(2):161-7. em amostras histológicas com presença de amianto proveniente da construção naval e na produção de fibrocimento, atividades estas que integravam o trabalho portuário no passado. No primeiro estudo2323 Bianchi C, Bianchi T. Malignant pleural mesothelioma in Italy. Indian J Occup Environ Med. 2009;13(2):80-3., 39 trabalhadores exerciam atividades portuárias, e no período entre 1960 e 1998, estiveram expostos a grandes carga e descarga de amianto, encurtando o tempo de latência da doença na comparação com outros trabalhadores investigados. No outro estudo2424 Bianchi C, Brollo A, Ramani L, Bianchi T, Giarelli L. Asbestos exposure in malignant mesothelioma of the pleura: a survey of 557 cases. Ind Health. 2001;39(2):161-7. , identificou-se que 17 dos 18 portuários investigados tinha amianto nos tecidos pulmonares submetidos à necropsia e, para 14 casos da doença, o período de latência foi de, em média, 36,3 anos. Outros pesquisadores1313 Bianchi C, Giarelli L, Grandi G, Brollo A, Ramani L, Zuch C. Latency periods in asbestos-related mesothelioma of the pleura. Eur J Cancer Prev. 1997;6(2):162-6. trabalharam especificamente os períodos de latência para a ocorrência do mesotelioma, também decorrente do amianto, em uma amostra com 11 trabalhadores portuários, identificando 35,4 anos como período de latência para a doença.

Sobre a investigação de doenças isquêmicas, um estudo apresentou como risco relacionado, o tempo de trabalho sob a exposição a fontes móveis/veiculares emissoras de gases tóxicos1818 Hart JE, Garshick E, Smith TJ, Davis ME, Laden F. Ischaemic heart disease mortality and years of work in trucking industry workers. Occup Environ Med. 2013;70(8):523-8.. Segundo este estudo, pelo menos 1 ano de trabalho em cada posto funcional ampliou os riscos de desenvolver doenças isquêmicas entre os 12.652 estivadores e outros trabalhadores (motoristas de longo curso e de entrega) analisados. O estudo sugeriu, por fim, que quanto maior o tempo de exposição, maior a probabilidade de desenvolver doenças isquêmicas2121 Bourguignon DR, Borges LH. A reestruturação produtiva nos portos e suas implicações sobre acidentes de trabalho em estivadores do Espírito Santo. Cad Saúde Colet. 2006;14(1):63-80. . As doenças isquêmicas também foram investigadas em outro estudo1515 Laden F, Hart JE, Smith TJ, Davis ME, Garshick E. Cause-specific mortality in the unionized U.S. trucking industry. Environ Health Perspect. 2007;115(8):1192-6. , que apresentou, além das cardiopatias isquêmicas, o câncer de pulmão, em razão das altas taxas de incidência relacionadas à exposição à exaustão veicular.

Os distúrbios osteomusculares foram apresentados por meio do levantamento de adoecimentos diagnosticados em um serviço de medicina do trabalho portuário, que atendeu 953 trabalhadores33 Almeida MCV, Cezar-vaz MR, Soares JF, Silva MR. The prevalence of musculoskeletal diseases among casual dock workers. Rev Latino Am Enfermagem [Internet]. 2012 [cited 2015 Nov 3];20(2):243-50. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v20n2/05.pdf
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(lombalgias, cervicalgias e tendinites) e de adoecimentos osteomusculares produzidos por acidentes, ocasionando contusões, fraturas, lombalgias e emprensamentos2121 Bourguignon DR, Borges LH. A reestruturação produtiva nos portos e suas implicações sobre acidentes de trabalho em estivadores do Espírito Santo. Cad Saúde Colet. 2006;14(1):63-80. .

Estudo analisou a prevenção ao vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) entre 226 trabalhadores portuários, com base em comportamentos de risco que podem levar ao contágio pelo vírus1717 Hearst N, Lacerda R, Gravato N, Hudes ES, Stall R. Reducing AIDS risk among port workers in Santos, Brazil. Am J Public Health. 1999;89(1):76-8..

Estudo realizado na Colômbia Britânica2222 Dimich-Ward HD, Kennedy SM, Dittrick MA, DyBuncio A, Chan-Yeung M. Evaluation of the respiratory health of dock workers who load grain cargoes in British Columbia. Occup Environ Med. 1995;52(4):273-8. tratou dos prejuízos à saúde respiratória (tosse e expectoração, por exemplo) de estivadores expostos à poeira advinda de grãos nos processos de carga e descarga. Os autores registraram 118 trabalhadores portuários afetados por doenças respiratórias.

A partir do levantamento de diagnósticos clínicos, estudo44 Almeida MCV, Cezar-vaz MR, Rocha LP, Cardoso LS. Dock worker: profile of occupational diseases diagnosed in an occupational health service. Acta Paul Enferm [Internet]. 2012 [cited 2015 Nov 3];25(2):270-6. Available from: Available from: http://www2.unifesp.br/acta/pdf/v25/n2/v25n2a18_en.pdf
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identificou 527 tipos de adoecimentos que acometeram 953 trabalhadores portuários em um período de 10 anos (2000 a 2009), destacando, entre eles, a hipertensão, as doenças osteomusculares e as doenças respiratórias e mentais.

Riscos que assinalam nexo causal com adoecimentos entre trabalhadores portuários

Os nexos causais relacionados aos adoecimentos dos estudos apresentaram, mais frequentemente, riscos químicos. Estiveram relacionados à exposição ocupacional a combustíveis veiculares1414 Garshick E, Laden F, Hart JE, Davis ME, Eisen EA, Smith TJ. Lung cancer and elemental carbon exposure in trucking industry workers. Environ Health Perspect. 2012;120(9):1301-6.-1515 Laden F, Hart JE, Smith TJ, Davis ME, Garshick E. Cause-specific mortality in the unionized U.S. trucking industry. Environ Health Perspect. 2007;115(8):1192-6. ,1818 Hart JE, Garshick E, Smith TJ, Davis ME, Laden F. Ischaemic heart disease mortality and years of work in trucking industry workers. Occup Environ Med. 2013;70(8):523-8.

19 Bardin-Mikolajczak A, Lissowska J, Zaridze D, Szeszenia-Dabrowska N, Rudnai P, Fabianova E et al. Occupation and risk of lung cancer in Central and Eastern Europe: the IARC multi-center case-control study. Cancer Causes Control. 2007;18(6):645-54.
-2020 Garshick E, Laden F, Hart JE, Rosner B, Davis ME, Eisen EA et al. Lung cancer and vehicle exhaust in trucking industry workers. Environ Health Perspect. 2008;116(10):1327-32., amianto proveniente de cargas e das atividades de construção naval1313 Bianchi C, Giarelli L, Grandi G, Brollo A, Ramani L, Zuch C. Latency periods in asbestos-related mesothelioma of the pleura. Eur J Cancer Prev. 1997;6(2):162-6.,1616 Bovenzi M, Stanta G, Antiga G, Peruzzo P, Cavallieri F. Occupational exposure and lung cancer risk in a coastal area of Northeastern Italy. Int Arch Occup Environ Health. 1993;65(1):35-41.,2323 Bianchi C, Bianchi T. Malignant pleural mesothelioma in Italy. Indian J Occup Environ Med. 2009;13(2):80-3.-2424 Bianchi C, Brollo A, Ramani L, Bianchi T, Giarelli L. Asbestos exposure in malignant mesothelioma of the pleura: a survey of 557 cases. Ind Health. 2001;39(2):161-7. e poeiras de grãos1919 Bardin-Mikolajczak A, Lissowska J, Zaridze D, Szeszenia-Dabrowska N, Rudnai P, Fabianova E et al. Occupation and risk of lung cancer in Central and Eastern Europe: the IARC multi-center case-control study. Cancer Causes Control. 2007;18(6):645-54.,2222 Dimich-Ward HD, Kennedy SM, Dittrick MA, DyBuncio A, Chan-Yeung M. Evaluation of the respiratory health of dock workers who load grain cargoes in British Columbia. Occup Environ Med. 1995;52(4):273-8..

Ainda o nexo causal esteve relacionado aos riscos inerentes à rotina de trabalho portuário, abordando-os conforme a literatura e legislação sobre trabalho portuário33 Almeida MCV, Cezar-vaz MR, Soares JF, Silva MR. The prevalence of musculoskeletal diseases among casual dock workers. Rev Latino Am Enfermagem [Internet]. 2012 [cited 2015 Nov 3];20(2):243-50. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v20n2/05.pdf
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-44 Almeida MCV, Cezar-vaz MR, Rocha LP, Cardoso LS. Dock worker: profile of occupational diseases diagnosed in an occupational health service. Acta Paul Enferm [Internet]. 2012 [cited 2015 Nov 3];25(2):270-6. Available from: Available from: http://www2.unifesp.br/acta/pdf/v25/n2/v25n2a18_en.pdf
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, e por meio da autorreferência dos trabalhadores2121 Bourguignon DR, Borges LH. A reestruturação produtiva nos portos e suas implicações sobre acidentes de trabalho em estivadores do Espírito Santo. Cad Saúde Colet. 2006;14(1):63-80. . Além destes, um estudo apresentou o comportamento sexual dos trabalhadores portuários como de risco para o desenvolvimento de doenças virais1717 Hearst N, Lacerda R, Gravato N, Hudes ES, Stall R. Reducing AIDS risk among port workers in Santos, Brazil. Am J Public Health. 1999;89(1):76-8..

Discussão

Estudiosos da saúde do trabalhador portuário realizam pesquisas de Nível 4 (coorte ou caso-controle), as quais não apresentam a mesma força de evidência que estudos randomizados/controlados88 Higgins JP, Green S, editors. Cochrane handbook for systematic reviews of interventions. Version 5.1.0 [Internet] updated March 2011. [cited 2015 Nov 4]; Available from: Available from: http://handbook.cochrane.org/
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. Mostra-se, assim, uma limitação para a progressão do raciocínio clínico da enfermagem, pois pode dificultar a visualização de possibilidades clínicas de assistência da enfermagem neste contexto de trabalho. No entanto, permitem visualizar aspectos de morbidade do trabalhador e auxiliam na identificação das características ocupacionais que subsidiam a constituição de estratégias específicas de assistência. Os estudos de coorte permitiram apresentar adoecimentos importantes que afetam o trabalhador portuário e suscitaram a argumentação clínica da ocorrência de cada um, como o câncer de pulmão, as doenças cardiovasculares e as osteomusculares, relacionados a elementos do trabalho, como a exposição química pelas cargas movimentadas, pelos instrumentos de trabalho utilizados (maquinários), e riscos em geral envolvidos no desempenho das operações portuárias. Já os estudos de caso-controle não se mostraram conclusivos ao tentar relacionar o adoecimento e o trabalho portuário em si, mas inseriram variáveis ao raciocínio clínico condizentes com o adoecimento, o tempo de trabalho, o tabagismo e a exposição à exaustão veicular como interferentes no adoecimento.

Assim, visualiza-se que o RC referente à saúde do trabalhador portuário mostrou-se vinculada às questões ambientais, o que se confirmou tanto pelas relações estabelecidas nos estudos quanto pelo escopo das revistas internacionais em que foram publicados os artigos. A questão ambiental foi percebida também na utilização dos termos indexadores dos artigos, os quais ressaltaram palavras-chaves e descritores relacionados como "asbesto" e "exposição ocupacional". Isso fortalece que a visão ambiental da saúde do trabalhador deve ser associada à perspectiva clínica da enfermagem, destacando esta como uma área que, articulada aos dados clínicos apresentados pelos trabalhadores, facilita a satisfação de suas necessidades, subsidiando o pensamento e a operacionalização do RC profissional2525 Oliveira DC, Vidal CR, Silveira LC, Silva LM. O processo de trabalho e a clínica na enfermagem: pensando novas possibilidades. Rev Enferm UERJ. 2009;17(4):521-6..

No contexto portuário, compreender o adoecimento significou averiguar os possíveis nexos causais investigados, os quais representam tanto condicionantes socioambientais pessoais, quando se tratou da idade dos trabalhadores e de hábitos como o tabagismo, quanto relacionados à organização do trabalho, por se relacionarem à exposição a riscos ocupacionais previstos pelo Ministério da Saúde brasileiro22 Brasil. Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana da Saúde. Doenças relacionadas ao trabalho: manual de procedimentos para os Serviços de Saúde [Internet]. Brasília; 2001 [citado 2015 nov. 3]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_relacionadas_trabalho1.pdf
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. Identificou-se o adoecimento pulmonar como o de maior frequência, na ocorrência do câncer de pulmão ocupacional e do mesotelioma, cujos nexos causais foram realizados principalmente com os riscos químicos enquanto agentes ambientais - amianto e gases veiculares provenientes de cargas ou do ar atmosférico dos cais portuários em que os trabalhadores portuários atuam.

O câncer ocupacional data de 1775, quando foram identificados casos da doença em bolsa escrotal de limpadores de chaminés, em decorrência da exposição à fuligem2626 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Diretrizes para a vigilância do câncer relacionado ao trabalho [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2012 [citado 2015 nov. 3]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/diretrizes_vigilancia_cancer_trabalho.pdf
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. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), as concentrações de substâncias cancerígenas são maiores nos locais de trabalho do que em outros ambientes, o que aumenta a morbidade por câncer relacionado ao trabalho. A oncogênese, então, é ativada por agentes ambientais (exógenos) que atuam sobre determinados genes, desencadeando o crescimento desacelerado das células e produzindo os tumores2626 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Diretrizes para a vigilância do câncer relacionado ao trabalho [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2012 [citado 2015 nov. 3]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/diretrizes_vigilancia_cancer_trabalho.pdf
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A exposição ao amianto entre trabalhadores do porto foi frequentemente estudada e principalmente pregressa, ou seja, esteve presente nas atividades de construção e reparação naval realizada por trabalhadores portuários no passado, como no período da Segunda Guerra Mundial, quando esse material era amplamente utilizado nas embarcações por sua resistência e seu baixo custo2626 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Diretrizes para a vigilância do câncer relacionado ao trabalho [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2012 [citado 2015 nov. 3]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/diretrizes_vigilancia_cancer_trabalho.pdf
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. Esse exemplo foi trazido em estudo que apresentou o Porto de Trieste, na Itália2323 Bianchi C, Bianchi T. Malignant pleural mesothelioma in Italy. Indian J Occup Environ Med. 2009;13(2):80-3., no qual houve também muita carga e descarga do amianto, o que induz à exposição prejudicial do portuário. Nos casos de mesotelioma de pleura, a doença pode ser maligna ou benigna, e surge na camada de revestimento das cavidades pleural, pericárdica ou peritoneal. Seu nexo causal com a exposição ao amianto foi determinado em 1960 e, na década seguinte, identificou-se também a possibilidade de contaminação doméstica, pelas roupas dos trabalhadores com as fibras da substância22 Brasil. Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana da Saúde. Doenças relacionadas ao trabalho: manual de procedimentos para os Serviços de Saúde [Internet]. Brasília; 2001 [citado 2015 nov. 3]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_relacionadas_trabalho1.pdf
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,2626 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Diretrizes para a vigilância do câncer relacionado ao trabalho [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2012 [citado 2015 nov. 3]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/diretrizes_vigilancia_cancer_trabalho.pdf
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. Trata-se essencialmente de uma neoplasia ocupacional, em que de 70 a 95% das pessoas que desenvolveram essa patologia estiveram ocupacionalmente expostas ao amianto, desencadeando a produção de lesões pulmonares e em outros órgãos, com um período de latência entre 30 ou 50 anos22 Brasil. Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana da Saúde. Doenças relacionadas ao trabalho: manual de procedimentos para os Serviços de Saúde [Internet]. Brasília; 2001 [citado 2015 nov. 3]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_relacionadas_trabalho1.pdf
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,2626 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Diretrizes para a vigilância do câncer relacionado ao trabalho [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2012 [citado 2015 nov. 3]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/diretrizes_vigilancia_cancer_trabalho.pdf
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Desde 2009, o uso do amianto está vedado, conforme determina a portaria 1.644, no entanto, as doenças oriundas da exposição podem ainda ser crescentes nas próximas décadas, devido à melhora no diagnóstico e ao longo tempo de latência entre exposição e doença2626 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Diretrizes para a vigilância do câncer relacionado ao trabalho [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2012 [citado 2015 nov. 3]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/diretrizes_vigilancia_cancer_trabalho.pdf
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-2727 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.644, de 20 de julho de 2009. Veda, ao Ministério da Saúde e aos seus órgãos vinculados, a utilização e a aquisição de quaisquer produtos e subprodutos que contenham asbestos/amianto em sua composição, e disciplina demais providências [Internet]. Brasília; 2009 [citado 2015 nov. 3]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt1644_20_07_2009.html
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. Visualiza-se a necessidade de conhecer a história ocupacional pregressa dos trabalhadores, bem como as substâncias que eles manusearam, de forma a prover a detecção precoce do adoecimento e de os recursos para ação/assistência necessários já serem previstos e investidos. Traçar medidas preventivas contra esses agentes é uma tarefa complexa em razão da constante mutação na composição dessas substâncias, o que dificulta o esclarecimento de sua carcinogenicidade, contribuindo para ampliar a incidência da doença2626 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Diretrizes para a vigilância do câncer relacionado ao trabalho [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2012 [citado 2015 nov. 3]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/diretrizes_vigilancia_cancer_trabalho.pdf
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. Além disso, destaca-se que os estudos obtidos focalizaram a exposição contínua do trabalhador portuário ao amianto, sendo considerado o principal elemento de exposição e de adoecimento por câncer ocupacional.

Neste contexto, estudos apresentam o RC da enfermagem na realização de intervenções para o fornecimento de informações em saúde relacionadas à doença, aos sintomas, ao início do tratamento oncológico e ao retorno do trabalhador ao trabalho2828 Bains M, Munir F, Yarker J, Steward W, Thomas A. Return-to-work guidance and support for colorectal cancer patients: a feasibility study. Cancer Nurs. 2011;34(6):E1-12.-2929 Jefford M, Lotfi-Jam K, Baravelli C, Grogan S, Rogers M, Krishnasamy M et al. Development and pilot testing of a nurse-led posttreatment support package for bowel cancer survivors. Cancer Nurs. 2011;34(3):E1-10.. Apresentam também alternativas não medicamentosas para auxiliar na retomada das atividades ocupacionais3030 Mourgues C, Gerbaud L, Leger S, Auclair C, Peyrol F, Blanquet M et al. Positive and cost-effectiveness effect of spa therapy on the resumption of occupational and non-occupational activities in women in breast cancer remission: a French multicentre randomised controlled trial. Eur J Oncol Nurs. 2014;18(5):505-11. . Destaca-se, contudo, que os estudos da enfermagem têm sido desenvolvidos com base em outros nexos causais, como produtos cosméticos, agrotóxicos, causadores de outros tipos de câncer, como o colorretal e o de mama, de diferente exposição química com relação ao trabalhador portuário.

Já na exposição à exaustão de veículos, destacaram-se, nos estudos, o diesel e o carbono orgânico e elementar. O diesel esteve por muitos anos entre as substâncias provavelmente cancerígenas entre os humanos, sendo somente em 2012 considerado verdadeiramente cancerígeno pela International Agency for Research on Cancer (IARC)2626 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA). Diretrizes para a vigilância do câncer relacionado ao trabalho [Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2012 [citado 2015 nov. 3]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/inca/diretrizes_vigilancia_cancer_trabalho.pdf
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. A exaustão do diesel é uma mistura complexa de substâncias, cuja fase gasosa inclui monóxido de carbono e óxidos de nitrogênio, gases que implicam carcenogenicidade do pulmão3131 Vermeulen R, Silverman DT, Garshick E, Vlaanderen J, Portengen L, Steenland K. Exposure-response estimates for diesel engine exhaust and lung cancer mortality based on data from three occupational cohorts. Environ Health Perspect. 2014;122(2):172-7..

Essa emissão tem sido relatada entre veículos a diesel mais antigos3232 Ueda AC, Tomaz E. Inventário de emissão de fontes veiculares da região metropolitana de campinas, São Paulo. Quim Nova. 2011;34(9):1496-500. e, diante das mudanças trazidas pela modernização das estruturas portuárias, pode-se contar com equipamentos mais modernos, que dispõem de combustíveis de composição química mais controlada. Mesmo assim, estruturas portuárias ainda dispõem de equipamentos ultrapassados, que podem não oferecer esses mecanismos, mantendo os trabalhadores expostos ao risco, e sendo necessário enfatizar o uso de equipamentos de proteção individual e coletiva como uma das medidas preventivas, princpalmente por que, na rotina laboral dos portuários, ocorre uma exposição contínua e prolongada à emissão recente dos gases, ou seja, o trabalhador atua enquanto a emissão se dá.

Além disso, estudo demonstra a multifuncionalidade44 Almeida MCV, Cezar-vaz MR, Rocha LP, Cardoso LS. Dock worker: profile of occupational diseases diagnosed in an occupational health service. Acta Paul Enferm [Internet]. 2012 [cited 2015 Nov 3];25(2):270-6. Available from: Available from: http://www2.unifesp.br/acta/pdf/v25/n2/v25n2a18_en.pdf
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, em que atividades que requeiram a mesma qualificação possam ser realizadas pelos trabalhadores habilitados, independentemente da categoria profissional a que pertençam, fazendo com que os trabalhadores atuem com diferentes maquinários, por distintas jornadas de trabalho e com formas variadas de exposição, dificultando a avaliação em saúde e as medidas de proteção. Nesta realidade, estudo de enfermeiros destacou a multifuncionalidade em sua própria categoria profissional, verificando que a diferenciação dos níveis de qualificação de enfermeiros e da equipe de enfermagem em si, bem como os tipos de trabalho e de instituições onde atuam os profissionais funcionam como fatores de risco associados à deficiência muscular3333 Simmons B. Clinical reasoning: concept analysis. J Adv Nurs. 2010;66(5):1151-8. . Isso demonstra que a multifuncionalidade já vem sendo incluída no processamento do RC da enfermagem em sua própria categoria, sendo necessário utilizar esse processamento para atuação junto ao trabalhador portuário.

Outro adoecimento de destaque nos artigos foram as doenças isquêmicas, que não foram especificadas nos estudos selecionados, mas as principais, segundo o Ministério da Saúde, podem ser o infarto agudo do miocárdio e a angina22 Brasil. Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana da Saúde. Doenças relacionadas ao trabalho: manual de procedimentos para os Serviços de Saúde [Internet]. Brasília; 2001 [citado 2015 nov. 3]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_relacionadas_trabalho1.pdf
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. Os fatores de risco para o desenvolvimento de doenças deste grupo são multifatoriais, e podem estar relacionados aos hábitos de vida e saúde dos indivíduos, como alimentação, ingesta de álcool, obesidade, entre outros, dificultando, assim, o nexo causal. No entanto, na relação com a exposição ocupacional, o monóxido de carbono proveniente de cargas e da emissão veicular provoca diminuição da capacidade sanguínea de transporte de oxigênio e da liberação tecidual do oxigênio, o que pode contribuir para as doenças isquêmicas traduzidas nos artigos investigados22 Brasil. Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana da Saúde. Doenças relacionadas ao trabalho: manual de procedimentos para os Serviços de Saúde [Internet]. Brasília; 2001 [citado 2015 nov. 3]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_relacionadas_trabalho1.pdf
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. Estudo da enfermagem verificou a necessidade de programas de prevenção das doenças coronarianas no ambiente de trabalho a partir da identificação da idade e do tipo de ocupação como importantes preditores desses adoecimentos entre motoristas de ônibus e táxi3434 Park K, Hwang SY. 10-year risk for cardiovascular disease among male workers in small-sized industries. J Cardiovasc Nurs. 2015;30(3):267-73.. Já estudo coreano apresentou a diminuição dos riscos para doenças cardiovasculares entre trabalhadores do sexo masculino quando estes apresentavam melhores aptidões físicas3535 Ka SS, Kim JS, Lee MY, Kim SH, Jeong HC, Lee MK, et al. The link between health-related physical fitness level and cardiovascular disease-related risk factors. Korean J Occup Health Nurs. 2014;23(2):97-105. , mostrando uma alternativa para abordar a prevenção do adoecimento cardiovascular em programas de saúde.

Já os distúrbios osteomusculares foram representados por doenças como a lombalgia, e por alterações/lesões nas estruturas ósseas decorrentes de acidentes de trabalho, representadas por fraturas e contusões. No geral, o adoecimento osteomuscular é retratado por meio das Lesões por Esforços Repetitivos (LER) e Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (DORT), as quais configuram adoecimentos de difícil definição, por sua característica multifatorial, fazendo com que o nexo com o trabalho seja questionado e esclarecido ao longo dos anos, mesmo com as evidências epidemiológicas e ergonômicas22 Brasil. Ministério da Saúde; Organização Pan-Americana da Saúde. Doenças relacionadas ao trabalho: manual de procedimentos para os Serviços de Saúde [Internet]. Brasília; 2001 [citado 2015 nov. 3]. Disponível em: Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/doencas_relacionadas_trabalho1.pdf
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. Assim como os artigos desta revisão, pesquisa que estudou trabalhadores do Porto de Santos3636 Alencar MC, Biz RA. Relações entre condições e organização do trabalho e os afastamentos de trabalhadores portuários de transporte. Rev Ter Ocup Univ São Paulo. 2012;23(3):208-15. também identificou a sintomatologia dolorosa da coluna vertebral, especialmente a lombar, a qual, juntamente com transtornos mentais, provocou o afastamento dos sujeitos. Embora este adoecimento tenha sido identificado por metodologias de pesquisa de menor evidência, de 34 portos existentes no Brasil, este adoecimento já foi detectado em três, o que suscita a investigação das demais características que podem interferir no acometimento patológico, bem como a necessidade de realizar estudos com os trabalhadores dos demais portos.

Dentre os estudos que apontaram este adoecimento, um deles foi realizado por enfermeiros, o que corrobora o processamento do RC para a assistência osteomuscular, também visualizado em trabalhadores da enfermagem e de outras categorias profissionais, em que se estudaram as sintomatologias dolorosas, o sexo e a idade dos trabalhadores, as características de organização do trabalho e o tabagismo3737 Magnago TS, Lisboa MT, Griep RH, Kirchhof AL, Camponogara S, Nonnenmacher CQ et al. Condições de trabalho, características sociodemográficas e distúrbios musculoesqueléticos em trabalhadores de enfermagem. Acta Paul Enferm. 2010;23(2):187-93.; foi verificado também por meio da aplicação de testes e de uma ferramenta de vigilância3838 Petersen RS, Marziale MH. Low back pain characterized by muscle resistance and occupational factors associated with nursing. Rev Latino Am Enfermagem. 2014;22(3):386-93. ; pelo turno e dinâmica do trabalho3939 Trindade LL, Schuh MC, Krein C, Ferraz L, Amestoy SC. Dor osteomusculares em trabalhadores da indústria têxtil e sua relação com o turno de trabalho. Rev Enferm UFSM. 2012;2(1):108-15., entre outros, demonstrando que a enfermagem já tem promovido instrumentalização teórico-metodológica para as doenças osteomusculares, e já aponta elementos importantes para o processamento do RC no ambiente portuário.

Acredita-se que esta revisão apresenta novos objetos de investigação que progridem no processamento do RC da enfermagem, contribuindo para o aprimoramento da assistência à saúde do trabalhador portuário e de outras categorias profissionais. Além dos adoecimentos, detectaram-se os riscos enquanto nexos causais importantes para o processamento do raciocínio, os quais demandam conhecimentos do processo de trabalho, tanto pregresso quanto atual, pessoal e ambiental para a instrumentalização da atuação profissional.

Conclusão

Câncer pulmonar ocupacional, distúrbios isquêmicos e doenças osteomusculares foram as doenças mais frequentemente pesquisadas na saúde do trabalhador portuário. Os nexos causais foram identificados por meio dos riscos químicos, pela exposição pregressa ao amianto, e pela exposição a gases atmosféricos provenientes da exaustão veicular e das próprias cargas movimentadas. Já os nexos para os demais adoecimentos estão compreendidos nos riscos gerais que afetam os trabalhadores portuários, relacionados à rotina, às funções, aos instrumentos e à jornada de trabalho.

A partir dos estudos percebeu-se que, para a construção do RC do enfermeiro, deve-se prover de conhecimentos ambientais e instrumentais do trabalho portuário, demandando apreender sobre os elementos que fazem parte do cotidiano e influenciam diretamente no adoecimento, bem como a história pregressa do trabalhador, em busca de informações para prevenir o desenvolvimento de doenças. O conhecimento das condições ambientais deve ser constante, a fim de que se minimize a dificuldade de estabelecer os nexos causais e que facilite os planos de ações clínicas da enfermagem.

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    Extraído tese "Adoecimento osteomuscular de trabalhadores portuários avulsos e o processamento do raciocínio clínico da enfermagem", Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande, 2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2015
  • Aceito
    08 Mar 2016
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