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Trabalho em equipe de enfermagem: circunscrito à profissão ou colaboração interprofissional?* * Extraído da dissertação "Trabalho em equipe de enfermagem: interação, conflito e ação interprofissional em hospital especializado", Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2011.

Resumo

OBJETIVO

Compreender as concepções dos profissionais de enfermagem sobre trabalho em equipe e seus elementos constituintes.

MÉTODO

Pesquisa qualitativa, realizada em hospital oncológico, por meio de entrevista semiestruturada com 21 profissionais de enfermagem.

RESULTADOS

Duas concepções emergiram dos relatos, trabalho em equipe circunscrito à enfermagem e trabalho em equipe com colaboração interprofissional, com destaque para dimensão interativa: comunicação, confiança e vínculo, respeito mútuo e reconhecimento do trabalho do outro, colaboração e conflito. Esta última subcategoria foi apontada como obstáculo para o trabalho em equipe.

CONCLUSÃO

A enfermagem concebe majoritariamente o trabalho em equipe como ação interprofissional, e isto decorre da qualidade da interação entre os profissionais das diferentes áreas e o reconhecimento e manejo de conflitos.

Descritores
Enfermagem; Trabalho; Equipe de Enfermagem; Relações Interprofissionais

Abstract

OBJECTIVE

To understand the nursing professionals' conceptions of teamwork and their elements.

METHOD

A qualitative study conducted in an oncological hospital using a semi-structured interview with 21 nursing professionals.

RESULTS

Two conceptions emerged from the accounts: teamwork restricted to nursing professionals and teamwork with interprofessional collaboration with particular importance for interactive dimensions: communication, trust and professional bonds, mutual respect and recognition of the other's work, collaboration, and conflict, with this last subcategory considered as an obstacle to teamwork.

CONCLUSION

Nursing conceives teamwork as an interprofessional practice, which is a result of the quality of interaction among professionals from different areas and involves the recognition and handling of conflicts.

Descriptors
Work; Nursing, Team; Interprofessional Relations

Resumen

OBJETIVO

Comprender las concepciones de los profesionales de enfermería acerca del trabajo en equipo y sus elementos constituyentes.

MÉTODO

Investigación cualitativa, realizada en hospital oncológico, por medio de entrevista semiestructurada con 21 profesionales de enfermería.

RESULTADOS

Dos concepciones emergieron de los relatos, trabajo en equipo circunscrito a la enfermería y trabajo en equipo con colaboración interprofesional, con énfasis para la dimensión interactiva: comunicación, confianza y vínculo, respeto mutuo y reconocimiento del trabajo del otro, colaboración y conflicto. Esta última subcategoría fue señalada como obstáculo para el trabajo en equipo.

CONCLUSIÓN

La enfermería concibe mayoritariamente el trabajo en equipo como acción interprofesional, y eso es consecuente de la calidad de interacción entre los profesionales de las distintas áreas y el reconocimiento y manejo de conflictos.

Descriptores
Trabajo; Grupo de Enfermería; Relaciones Interprofesionales

Introdução

Trabalho em equipe na saúde consiste num modo de organização das práticas para abordagem ampliada das necessidades de saúde, na perspectiva da integralidade preconizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e requer mudanças dos modelos de atenção11 Peduzzi M, Norman IJ, Germani ACCG, Silva JAM, Souza GC. Interprofessional education: training for healthcare professionals for teamwork focusing on users. Rev Esc Enferm USP [Internet] . 2013 [cited 2016 Jan 18];47(4):977-83. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n4/en_0080-6234-reeusp-47-4-0977.pdf
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. Alcançar o trabalho em equipe interprofissional colaborativo é considerado fundamental para qualidade da atenção à saúde, segurança e satisfação de paciente e profissionais22 Brandt B, Lutfiyya MN, King JA, Chioreso C. A scoping review of interprofessional collaborative practice and education using the lens of Triple Aim. J Interprof Care. 2014;28(5):393-9.-33 Zwarenstein M, Goldman J, Reeves S. Interprofessional collaboration: effects of practice-based interventions on professional practice and healthcare outcomes. Cochrane Database Syst Rev. 2009;(3):CD000072.. Contudo, não há consenso sobre os conceitos de trabalho em equipe e prática interprofissional colaborativa, de suas competências e de como mensurar sua efetividade22 Brandt B, Lutfiyya MN, King JA, Chioreso C. A scoping review of interprofessional collaborative practice and education using the lens of Triple Aim. J Interprof Care. 2014;28(5):393-9.,44 Morgan S, Pullon S, McKinlay E. Observation of interprofessional collaborative practice in primary care teams: an integrative literature review. Int J Nurs Stud. 2015;52(7):1217-30.. A maioria dos estudos enfoca suas dimensões e características: interação, comunicação, articulação das ações, respeito mútuo, confiança, reconhecimento de papéis e de profissionais, colaboração, objetivos comuns, atenção centrada no paciente cuja finalidade são as necessidades de saúde11 Peduzzi M, Norman IJ, Germani ACCG, Silva JAM, Souza GC. Interprofessional education: training for healthcare professionals for teamwork focusing on users. Rev Esc Enferm USP [Internet] . 2013 [cited 2016 Jan 18];47(4):977-83. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n4/en_0080-6234-reeusp-47-4-0977.pdf
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-22 Brandt B, Lutfiyya MN, King JA, Chioreso C. A scoping review of interprofessional collaborative practice and education using the lens of Triple Aim. J Interprof Care. 2014;28(5):393-9.,55 Adams TL, Orchard C, Houghton P, Ogrin R. The metamorphosis of a collaborative team: from creation to operation. J Interprof Care. 2014;28(4):339-44.

6 Hart C. The elephant in the room: nursing and nursing power on an interprofessional team. J Contin Educ Nurs. 2015;46(8):349-55.
-77 West MA, Lyubovnikova J. Illusions of teamwork in healthcare. J Health Organ Manag. 2013;27(1):134-42..

Na enfermagem, discussões iniciais sobre equipe datam de 1950 e visavam diminuir a fragmentação do cuidado e os problemas da falta de pessoal88 Peduzzi M, Ciampone MHT. Trabalho em equipe e processo grupal. In: Kurcgant P, coordenadora. Gerenciamento em enfermagem. 2ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010. p. 105-20. . Embora a proposta potencializasse a produção do cuidado integral, a prática manteve-se fragmentada entre planejamento como atribuição do enfermeiro, e execução, sobretudo, delegada a auxiliares e técnicos de enfermagem99 Lorenzetti J, Oro J, Matos E, Gelbcke FL. Organização do trabalho da enfermagem hospitalar: abordagens na literatura. Texto Contexto Enferm. 2014;23(4):1104-12..

Nesta pesquisa, para compreensão da interação estabelecida no trabalho em equipe de enfermagem optou-se pela composição de um quadro teórico baseado nos estudos do processo de trabalho em saúde e enfermagem1010 Carvalho BG, Peduzzi M, Mandú ENT, Ayres JRCM. Work and Inter-subjectivity: a theoretical reflection on its dialectics in the field of health and nursing. Rev Lat Am Enfermagem [Internet]. 2012 [cited 2016 Jan 10];20(1):19-26. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v20n1/04.pdf
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, nos conceitos de ação comunicativa e instrumental de de Jürgen Habermas1111 Habermas J. Consciência moral e agir comunicativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; 2003. e no conceito de reconhecimento de Axel Honneth1212 Honneth A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34; 2003.. Adotou-se abordagem que pressupõe a interface entre trabalho e interação social. De um lado, analisa-se o trabalho como ação produtiva fundamentada em regras técnicas, e, de outro, a interação como ação comunicativa cuja finalidade é o entendimento entre os sujeitos1010 Carvalho BG, Peduzzi M, Mandú ENT, Ayres JRCM. Work and Inter-subjectivity: a theoretical reflection on its dialectics in the field of health and nursing. Rev Lat Am Enfermagem [Internet]. 2012 [cited 2016 Jan 10];20(1):19-26. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v20n1/04.pdf
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-1111 Habermas J. Consciência moral e agir comunicativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; 2003..

A interação e comunicação, reconhecidas como essenciais para o desenvolvimento do trabalho em equipe55 Adams TL, Orchard C, Houghton P, Ogrin R. The metamorphosis of a collaborative team: from creation to operation. J Interprof Care. 2014;28(4):339-44.,77 West MA, Lyubovnikova J. Illusions of teamwork in healthcare. J Health Organ Manag. 2013;27(1):134-42., podem ser analisadas segundo os conceitos de racionalidades habermasianos: a comunicativa para enunciar e alcançar algo em prol do entendimento e a instrumental que busca assegurar o êxito definido a priori com base em regras técnicas1111 Habermas J. Consciência moral e agir comunicativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; 2003..

Na ação comunicativa, as interações em busca de entendimento pautam-se em três pretensões ou expectativas de validade dos atos de fala que os interlocutores esperam ser compartilhadas: a verdade proposicional (manifesta-se na correspondência das falas aos fatos observados na realidade); a correção normativa (referente à esfera da ética, dos valores e das normas sociais); e autenticidade expressiva (que corresponde à subjetividade dos interlocutores, à confiança e sinceridade expressas nas relações intersubjetivas)1111 Habermas J. Consciência moral e agir comunicativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; 2003..

Ocorre que a interação entre profissionais das equipes nem sempre resulta em entendimento, desencadeando a ocorrência de conflitos. O conflito pode expressar significados positivos ou negativos, a depender de como ocorrem e são conduzidos. Nesta pesquisa, adotou-se compreensão de conflito a partir de tipologia tripartite - autoconfiança, autorrespeito e autoestima -, relacionados, respectivamente, às esferas do amor, direito e solidariedade. O conflito nessa perspectiva expressa formas de rebaixamento: maus-tratos e violação; privação de direitos e exclusão; degradação e ofensa. A ausência de reconhecimento ou a experiência de desrespeito constitui-se a base motivacional do conflito1212 Honneth A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34; 2003.

13 Miranda L, Rivera FJU, Artmann E. Trabalho em equipe interdisciplinar de saúde como um espaço de reconhecimento: contribuições da teoria de Axel Honneth. Physis Rev Saúde Coletiva. 2012;22(4):1563-83.
-1414 Carvalho BG, Peduzzi M, Ayres JRCM. Concepções e tipologia de conflitos entre trabalhadores e gerentes no contexto da atenção básica no Sistema Único de Saúde (SUS). Cad Saúde Pública. 2014;30(7):1453-62. .

Com base na relevância do trabalho em equipe para as práticas de saúde e enfermagem e na persistente ausência de consenso sobre o tema, desenvolveu-se o presente estudo em serviço hospitalar especializado com o objetivo de compreender as concepções dos profissionais de enfermagem sobre trabalho em equipe e seus elementos constituintes.

Método

Optou-se pela abordagem qualitativa, indicada para investigar fenômenos sociais1515 Minayo MCS. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2012 [citado 2015 dez. 08];17(3):621-26. Disponível em:, como a percepção e concepção dos profissionais de enfermagem sobre trabalho em equipe.

O estudo foi realizado em hospital de natureza jurídica pública, gerido por Organização Social de Saúde, especializado em tratamento oncológico, localizado na cidade de São Paulo. Os dados foram coletados em duas unidades, internação Clínica Cirúrgica (CC) e Ambulatório de Especialidades (AE), indicadas pelas gerentes da enfermagem. Foram realizadas 21 entrevistas semiestruturadas com profissionais de enfermagem selecionadas pela técnica snowball1616 Kaplan CD, Korf D, Sterk C. Temporal and social contexts of heroin-using populations: an illustration of the snowball sampling technique. J Nerv Ment Dis. 1987;175(9):566-74.)- iniciou-se com as coordenadoras das unidades, que indicaram uma enfermeira e uma técnica de enfermagem, as quais, sucessivamente, indicavam outra colega da mesma categoria profissional. A seleção das participantes tomou em consideração a intencionalidade e vinculação significativa à temática baseadas no pedido de indicação daquela capaz de relatar a temática do estudo, e garantiu-se participação equitativa das categorias profissionais. Utilizou-se do critério de saturação, quando a pesquisadora reconheceu ter compreendido a lógica subjacente do grupo estudado a partir dos objetivos da pesquisa1515 Minayo MCS. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2012 [citado 2015 dez. 08];17(3):621-26. Disponível em:,1717 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57..

Participaram das entrevistas três enfermeiras gerentes, nove enfermeiras assistenciais e nove técnicas de enfermagem, entre abril e junho de 2010, durante o turno de trabalho, totalizando 20 horas de gravação transcritas na íntegra. A identificação dos excertos foi codificada por categoria: (E) para enfermeiras e (TE) para técnicas de enfermagem.

Utilizou-se de roteiro-guia que contemplava perfil dos participantes: sexo, idade, categoria profissional, escolaridade, formação profissional, tempo de trabalho na instituição e na unidade e questões norteadoras relacionadas às ações conjuntas com outros profissionais, às percepções do trabalho coletivo-equipe, e ao cuidado integral e integralidade à saúde.

Foi realizada análise de conteúdo temática das entrevistas1818 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2009., à luz dos conceitos de trabalho em equipe, colaboração interprofissional, processo de trabalho em saúde e enfermagem, ação comunicativa, ação instrumental e dos conceitos de reconhecimento.

Na análise realizou-se leitura flutuante para formulação das hipóteses segundo o objetivo do estudo1515 Minayo MCS. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2012 [citado 2015 dez. 08];17(3):621-26. Disponível em:,1818 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2009.. Sequencialmente, procedeu-se à leitura de cada entrevista para reconhecer suas singularidades e estabelecer os núcleos de sentido que emergiram dos relatos. Para a transformação do texto bruto, foram recortados relatos em unidades de significação e construiu-se uma síntese de cada entrevista. Por fim, realizou-se análise transversal por unidade (CC e AE) e por categoria profissional (E e TE) procurando evidenciar semelhanças, contradições e antagonismos presentes nas entrevistas à luz do referencial teórico1515 Minayo MCS. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2012 [citado 2015 dez. 08];17(3):621-26. Disponível em:.

A pesquisa respeitou os preceitos éticos da resolução do Conselho Nacional de Saúde (466/2012), obteve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE - 0039.0.196.000 09) e foi consentida pelos responsáveis da instituição e pelas participantes.

Resultados

As entrevistadas eram mulheres, idade média de 28 anos (24-35 anos), tempo médio de formação de 5 anos (2-10 anos), tempo médio de trabalho no hospital de 14 meses (5-24 meses) e na unidade de 11 meses (5-17 meses). A jornada de trabalho das participantes variava entre 40 horas no AE e 36 ou 40 horas semanais no CC, a depender da função.

À luz do referencial foram construídas duas categorias: trabalho em equipe, com duas subcategorias: ação interprofissional e circunscrito à enfermagem, e dimensão interativa do trabalho em equipe, com cinco subcategorias: comunicação; confiança e vínculo; respeito mútuo e reconhecimento do trabalho do outro, colaboração e conflito. Na análise transversal por unidade e categoria profissional não houve diferenças expressivas, os resultados referem-se ao conjunto das entrevistas, exceto colaboração e conflito pelas diferenças identificadas.

Trabalho em equipe de Enfermagem como ação interprofissional

Os relatos mostraram majoritariamente uma concepção de trabalho em equipe de enfermagem que inclui ação interprofissional. Para a maioria das entrevistadas o trabalho em equipe não estava circunscrito aos profissionais de enfermagem, visto que estes, na prática cotidiana de cuidado aos pacientes, interagem com profissionais de outras áreas:

O trabalho em equipe (...) não se limita somente a nós (enfermagem), existe um ponto que até aqui o enfermeiro pode ir, e existe um determinado momento em que o enfermeiro identifica que não está conseguindo localizar o familiar para iniciar as orientações de alta, qual o profissional que eu tenho que chamar? Então eu envolvo outro profissional que é o serviço social (...) trabalho em equipe não se limita somente a nós, o enfermeiro, e o técnico de enfermagem, tem todo o grupo aí envolvido, e que nos auxilia muito (E11 - CC).

Trabalho em equipe, ah é um trabalho de vários profissionais, podendo ser da mesma categoria ou não, em que a avaliação de cada um é muito importante para o todo (E1 - AE).

As entrevistadas referiram buscar articulação de ações e saberes com profissionais de outras áreas para resolver problemas de saúde dos pacientes. Os relatos mostraram que reconhecem complementaridade, interdependência e limites das várias profissões no cuidado.

Trabalho em equipe circunscrito à Enfermagem

Nas duas unidades também houve referência ao trabalho em equipe circunscrito à enfermagem. As entrevistadas apontaram a necessidade de comunicação, de vínculo entre as duas categorias e de compartilhamento de objetivo comum de trabalho:

A equipe de enfermagem, (...) todo mundo que tem um objetivo que é a melhor forma de cuidar do paciente, (...) esse trabalho em equipe vai ser dividido, cada um vai ter as suas funções, o enfermeiro tem as funções ali, tem coisas que é só específico do enfermeiro e a do técnico, então cada um fazendo as suas atividades de forma que haja comunicação, tem um vínculo, tem a interação, a gente vai conseguir atingir o mesmo objetivo (E14 - CC).

As entrevistadas do CC referiram pouca articulação entre enfermeiras e técnicas de enfermagem nas decisões e condutas de cuidado do paciente. No relato, identificou-se que a articulação das ações é pouco praticada, embora estimulada pela coordenação:

A importância mesmo do trabalho em equipe é como um todo, assim, um ajudando o outro, do enfermeiro para o técnico, porque a enfermagem não é reconhecida como uma profissão unida (...) eu queria que o profissional de enfermagem, o técnico e o enfermeiro fossem mais unidos, trabalhassem juntos, (...) por isso que eu acho legal nessa unidade que a coordenadora sempre frisa isso, que o trabalho em equipe tem que exercer, não ter diferença entre técnico e enfermeiro, nem de enfermeiro para técnico (TE21 - CC).

Os processos de tomada de decisão não compartilhados prejudicam a corresponsabilização. No excerto, a técnica de enfermagem discorreu como avalia a responsabilidade pelas ações quando prescritas de forma centralizada:

Porque a enfermeira para nós é o nosso espelho, então se a gente precisa de alguma coisa a gente vai atrás de quem? Atrás da enfermeira, se ela passar alguma coisa de muito errado, a culpa não foi nossa, a culpa foi da enfermeira, então a gente tem, assim, essa coisa de respaldo para se defender (TE12 - CC).

Dimensão interativa do trabalho em equipe

Os relatos das profissionais mostraram que comunicação, confiança e vínculo, respeito mútuo, reconhecimento do trabalho do outro e colaboração são elementos constitutivos do trabalho em equipe que as qualificam e que os conflitos constituem barreira para efetivá-las.

Comunicação

A comunicação é compreendida como transversal aos demais elementos, visto que por meio dela constrói-se confiança, vínculo, respeito mútuo, reconhecimento do trabalho do outro e colaboração. Nas duas unidades, as entrevistadas destacaram a comunicação inerente ao trabalho em equipe. A análise mostrou duas concepções de comunicação: uma na qual predomina a busca de acordos e consensos, caracterizada como ação comunicativa e outra, a comunicação instrumental, na qual prevalece a troca de informação quase impessoal, mas imprescindível, pois sua ausência impediria a execução do procedimento técnico:

Então a gente deixa bem clara essa questão da comunicação e da interação, do fechamento, no final do plantão, olha, você está comigo como técnico, vem cá, vamos fechar o nosso plantão, antes da passagem de plantão, como que foi? Ah, desprezei o dreno, deu tanto de débito, ter esse fechamento, e é isso que eu falo da comunicação, eu acho que a comunicação é imprescindível, precisa ter mesmo (E11 - CC).

Confiança e vínculo

A construção de confiança e vínculo entre as profissionais da equipe depende da lógica predominante na comunicação, se ação comunicativa ou ação estratégica-instrumental. As técnicas de enfermagem enfatizaram a necessidade de confiança da enfermeira em relação ao trabalho delas, contudo não referiram o inverso, o que se esperaria presente, visto o movimento de dupla mão que constitui a interação social:

A enfermeira tem que confiar muito no técnico, (...) então a base da enfermeira com o técnico de enfermagem tem que ser à base da confiança, porque se não, não existe trabalho, não adianta nada eu dar uma conduta para um técnico de enfermagem, eu, sendo enfermeiro, e eu não confiar no trabalho dele, eu ficar lá vendo tudo que ele está fazendo (TE5 - AE).

Confiança e vínculo na equipe relacionaram-se também ao tempo de trabalho conjunto, as entrevistadas referiram que para construí-los é preciso experiências conjuntas positivas, que requer tempo de trabalho compartilhado, conforme relato abaixo:

Às vezes eles (técnicos de enfermagem) ficam em dúvida, como é pessoa nova chegando, não saber qual conduta a ser tomada, eles ficam meio receosos, ou de perguntar, ou de fazer aquilo que a enfermeira nova está pedindo, mas é porque não tem a interação, não sabe como trabalhar ainda (E14 - CC).

Respeito mútuo e reconhecimento do trabalho

Outro elemento constitutivo do trabalho em equipe - respeito mútuo e reconhecimento do trabalho do outro - pode ser construído por meio da participação do trabalhador ao expressar sua opinião e sugerir alternativas. Para pôr em prática a complementaridade do saber no cuidado do paciente é preciso conhecer e reconhecer o trabalho do outro profissional:

Tem que ter uma interação de trabalho mesmo, (...) se não tiver participação ativa não tem trabalho em conjunto, de dar opinião, de estar colocando o que pensa, acho que isso é importante também para o trabalho rodar, para ele ser confiável até (...). A interação quando a gente coloca, é mesmo de você estar disposto a aceitar o que vem do outro (E8 - AE).

Eu acho que o respeito é muito importante, porque com respeito se cresce outras coisas, com o tempo, saber que o que o colega está falando é importante, reconhecer a história que ele já tem, as experiências que ele já teve e está mostrando para você, (...) tem tudo a ver com respeito, para você trabalhar, para você fazer parte de uma equipe é isso (TE6 - AE).

As subcategorias colaboração e conflito foram analisadas separadamente entre as duas unidades estudadas, devido às diferenças expressivas identificadas.

Colaboração

Os relatos das profissionais de enfermagem do AE mostraram uma concepção de trabalho em equipe que inclui colaboração, como aceitação da participação do outro na construção de acordos entre as diferentes categorias da enfermagem:

Com a (nome da coordenadora) também, a gente procura trabalhar muito em equipe, ela pede as coisas para gente, a gente vai executando da melhor maneira, a gente leva muita ideia para ela também, das coisas que podem ser melhoradas, ideias que a gente vai vendo na prática (...) então a gente procura trabalhar muito junto, não é aquela coisa assim de ordem, e você executa ali e pronto, fica naquilo, não, a gente também dá ideias (E9 - AE).

As entrevistadas referiram um matiz sobre colaboração no trabalho em equipe expresso como disponibilidade em ajudar a colega de trabalho quando se reconheceu dificuldades na realização de procedimentos.

Assim, evidenciou-se nos relatos do AE que colaboração está presente tanto entre pares, profissionais da mesma categoria, como entre as duas categorias, ambas em duas lógicas distintas: para construção de consensos e para complementaridade da dimensão técnica das ações de cuidado, esse último expresso no excerto abaixo:

Com as técnicas a gente trabalha bastante em conjunto, se eu vou heparinizar um portocath, por exemplo, sempre uma delas está comigo, sempre vão me auxiliando com os materiais, com tudo, elas sempre tão ali junto, até mesmo pelo interesse delas de aprender, de estar observando e pela iniciativa delas mesmo de ajudar, já é uma equipe assim que você não tem aquela coisa de ficar precisando chamar (...) em curativo também, quando elas estão, eu sempre entro e participo, e elas, entre si, também se ajudam bastante (E9 - AE).

Diferentemente do apresentado no AE, na CC as técnicas de enfermagem narraram que a colaboração ocorre, predominantemente, entre técnicas de enfermagem. A enfermeira participa somente em procedimentos específicos e privativos:

Juntamente com o enfermeiro são poucas atividades, é mais quando são coisas que nós, técnicos, não fazemos, os procedimentos, que é a lavagem de sonda vesical, então para evitar que contamine o campo, essas coisas, então elas pedem a nossa ajuda, outra é passar sonda vesical de demora, tem umas que não gostam de passar sozinha, até por ser mais rápido pedem ajuda também, sonda nasoenteral, quando passa (TE21 - CC).

Conflito

O conflito apareceu como barreira para a efetivação do trabalho em equipe, e assumiu duas formas: ocorrido interequipes (entre duas equipes diferentes) e intraequipes (na equipe). O segundo subdividido em dois: entre pares (mesma categoria profissional) ou entre categorias (entre enfermeiras e técnicas de enfermagem).

No AE, os conflitos ocorreram, em sua maioria, entre diferentes equipes do hospital, o conflito manifestou-se por desentendimento na conduta terapêutica:

Eu fiquei até às dez horas da noite para ajudar a passar um cateter peridural, num paciente (...) e que a enfermagem (de outra equipe) não estava interessada no procedimento (...). Então foi um estresse muito grande porque a médica (da equipe da entrevistada) (...) falou: precisa repassar o cateter! Então eu fui lá e falei (...) com a anestesista, a anestesista de plantão falou: não, não vou repassar! (...) na terceira vez eu falei: não, eu vou fazer porque (...) foi aquela coisa do trabalho em equipe, porque a doutora (da equipe da entrevistada) saiu da casa dela só para vir passar o cateter tendo dois médicos de plantão, e eu fiquei aqui (...) então esse dia eu fiquei até dez e meia da noite, era o meu papel? Não! O paciente não ia ser assistido? Teoricamente ia, porque a enfermagem é vinte e quatro horas, mas naquele momento eu achei importante ficar (E1 - AE).

No AE os conflitos também ocorreram entre pares, entre técnicas de enfermagem e entre enfermeiras, relacionados à chegada de um profissional à equipe. O pouco tempo de trabalho conjunto, a falta de confiança e reconhecimento podem ter causado conflito:

Eu já tive muita divergência com uma técnica de enfermagem aqui, com a (nome da TE), (...) ela veio de outro lugar, ela não tinha o conhecimento que eu já tinha, apesar de já ter trabalhado quase na mesma área que ela, (...) ela é mais devagar, ela é mais retraída, e eu já sou mais ligada no duzentos e vinte, eu já converso com todo mundo, (...) eu não tenho vergonha de chegar e perguntar para as outras pessoas, e ela já tinha isso, então com o passar do tempo, agora de uns tempos para cá que a gente tem melhorado muito, mas era difícil no começo, aí tem que aprender a aceitar o que é diferente (TE4 - AE).

Diferentemente do AE, na CC, notou-se que os conflitos ocorreram, majoritariamente, intraequipe e entre as categorias, isto é, envolvendo enfermeiras e técnicas de enfermagem. Como destacado no excerto, reiteraram-se a inserção desigual dessas trabalhadoras no processo de trabalho a partir da formação técnica e a rígida divisão do trabalho, na qual ações de menor complexidade são recusadas pelas enfermeiras:

A gente chama a enfermeira para assistência, ela é enfermeira assistencial, só que muitas vezes ela se recusa, ela foge disso, (...) a maioria acha que o papel dela é sentar, aprazar uma prescrição, é fazer uma evolução, é pegar a folha lá com a nossa anotação que está pronta e prescrever! Para a evolução dela, e eu acho que não é isso! Então a gente chama a enfermeira para assistência, (...) para observar o paciente, olhar o curativo (...). A gente chama muito a enfermeira, sabe? Para equipe! Trabalhar junto com nós (TE12 - CC).

Para as técnicas de enfermagem, os conflitos ocorreram pela falta de colaboração das enfermeiras nas atividades de menor complexidade técnica, como passar paciente para a maca e levá-lo ao banheiro, atividades não reconhecidas pelas enfermeiras como parte do seu trabalho, e na elaboração da escala de trabalho, quando considerada mal distribuída.

Discussão

Na última década, o trabalho em equipe passou a ser definido como prática interprofissional colaborativa, no sentido de equipe articulada, com colaboração entre profissionais de diferentes áreas e centrada no paciente1919 Orchard CA. Persistent isolationist or collaborator? The nurse's role in interprofessional collaborative practice. J Nurs Manag. 2010;18(3):248-57.-2020 Canadian Interprofessional Health Collaborative (CIHC). Interprofessional education & core competencies. Canada: University of British Columbia; 2010.. Considera-se que majoritariamente as entrevistadas referiram essa forma de organização do trabalho nessa acepção recente, sendo a enfermagem uma das áreas que compõem a equipe interprofissional, embora também se referissem à concepção de equipe circunscrita à própria enfermagem.

Recente scoping review destacou a enfermagem como a profissão mais citada nos estudos sobre prática interprofissional colaborativa e educação interprofissional22 Brandt B, Lutfiyya MN, King JA, Chioreso C. A scoping review of interprofessional collaborative practice and education using the lens of Triple Aim. J Interprof Care. 2014;28(5):393-9., o que reforça a compreensão de seu papel nuclear de mediação em relação às demais profissões da saúde22 Brandt B, Lutfiyya MN, King JA, Chioreso C. A scoping review of interprofessional collaborative practice and education using the lens of Triple Aim. J Interprof Care. 2014;28(5):393-9.,1919 Orchard CA. Persistent isolationist or collaborator? The nurse's role in interprofessional collaborative practice. J Nurs Manag. 2010;18(3):248-57.. Os resultados deste estudo também apontaram a enfermeira como articuladora dos diversos profissionais do cuidado e sua contribuição para a atenção centrada no paciente, na medida em que secundariza a organização do serviço, exemplificado em especial no relato que priorizou a passagem de cateter no atendimento às necessidades do paciente. Ademais, estudos mostram o reconhecimento da enfermeira como agente de convergência e distribuição de informações2121 Propp KM, Apker J, Ford WSZ, Wallace N, Serbenski M, Hofmeister N. Meeting the complex needs of the health care team: identification of nurse-team communication practices perceived to enhance patient outcomes. Qual Health Res. 2010;20(1):15-28. e como aquela que detém poder nas relações interprofissionais66 Hart C. The elephant in the room: nursing and nursing power on an interprofessional team. J Contin Educ Nurs. 2015;46(8):349-55..

A complementaridade das ações foi identificada nos relatos em relação à equipe interprofissional e circunscrita à enfermagem. Destacaram-se diferenças na dimensão técnica do trabalho entre enfermeiras, nutricionistas e médicos, como diferenças entre enfermeiras e técnicas de enfermagem, de modo que a execução das atividades de um não anula a ação do outro. Na divisão do trabalho em saúde, os trabalhos especializados são complementares e ampliam as respostas complexas das necessidades de cuidado. A integração da equipe não anula diferenças técnicas, busca articular as ações e a interação dos sujeitos2222 Peduzzi M, Oliveira MAC, Silva JAM, Agreli HLF, Miranda Neto MV. Trabalho em equipe, prática e educação interprofissional. In: Martins MA, Carrilho FJ, Alves VAF, Castilho EA, Cerri GG, editores. Clínica médica. 2ª ed. Barueri: Manole; 2016. p.171-9. .

Apesar de as enfermeiras referirem interação com as técnicas de enfermagem no trabalho em equipe, relacionou-se, sobretudo, à sua dimensão técnica a execução de procedimentos sem haver interação e articulação efetiva nas ações2323 Baindridge L, Nasmith L, Orchard C. Wood V. Competencies for interprofessional collaboration. J Phys Ther Educ. 2010;24(1):6-11., corroborando a usual divisão técnica do trabalho em enfermagem99 Lorenzetti J, Oro J, Matos E, Gelbcke FL. Organização do trabalho da enfermagem hospitalar: abordagens na literatura. Texto Contexto Enferm. 2014;23(4):1104-12., que configura uma organização de trabalho coletivo diferente de trabalho em equipe integrado e colaborativo.

Nos depoimentos, o vínculo e respeito foram apontados como elementos constitutivos do trabalho em equipe, ao mesmo tempo, que a falta de união entre enfermeiras e técnicas de enfermagem e ausência das técnicas de enfermagem nas tomadas de decisão foram assinaladas, o que prejudica a corresponsabilização. Os resultados mencionados contrariam a dinâmica de equipes colaborativas que são dependentes de interação, respeito, vínculo e tomada de decisões compartilhadas1919 Orchard CA. Persistent isolationist or collaborator? The nurse's role in interprofessional collaborative practice. J Nurs Manag. 2010;18(3):248-57.,2323 Baindridge L, Nasmith L, Orchard C. Wood V. Competencies for interprofessional collaboration. J Phys Ther Educ. 2010;24(1):6-11.-2424 Matos E, Pires DEP, Campos GWS. Relações de trabalho em equipes interdisciplinares: contribuições para novas formas de organização do trabalho em saúde. Rev Bras Enferm [Internet]. 2010 [citado 2016 maio 30];63(5):863-9. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reben/v62n6/a10v62n6.pdf
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. Assim, por meio da construção de espaços de expressão da subjetividade baseadas na comunicação, no respeito, no acolhimento das diferenças, é possível tomar decisões conjuntamente, ação que promove a corresponsabilização dos objetivos finais do trabalho e a organização das equipes em relações menos hierarquizadas e fragmentadas2424 Matos E, Pires DEP, Campos GWS. Relações de trabalho em equipes interdisciplinares: contribuições para novas formas de organização do trabalho em saúde. Rev Bras Enferm [Internet]. 2010 [citado 2016 maio 30];63(5):863-9. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reben/v62n6/a10v62n6.pdf
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.

Na referência ao trabalho em equipe colaborativo, o atributo mais enfatizado foi a comunicação, considerada o meio pelo qual se constroem os demais elementos da prática colaborativa. Este resultado corrobora estudos nos quais a comunicação é considerada fundamental na negociação e estabelecimento de vínculo e confiança1919 Orchard CA. Persistent isolationist or collaborator? The nurse's role in interprofessional collaborative practice. J Nurs Manag. 2010;18(3):248-57.,2323 Baindridge L, Nasmith L, Orchard C. Wood V. Competencies for interprofessional collaboration. J Phys Ther Educ. 2010;24(1):6-11.,2525 Suter E, Arndt J, Arthur N, Parboosingh J, Taylor E, Deutschlander S. Role understanding and effective communication as core competencies for collaborative practice. J Interprof Care. 2009;23(1):41-51.. Tanto na concepção de trabalho em equipe de enfermagem de caráter interprofissional como circunscrito à enfermagem, a ação comunicativa, pautada no diálogo, possibilita aos profissionais desenvolverem colaboração. No entanto, essa comunicação muitas vezes fica restrita à lógica instrumental, apenas para repasse de informações.

Por meio da abordagem teórica habermasiana1111 Habermas J. Consciência moral e agir comunicativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; 2003., analisa-se a lógica que norteia as ações em saúde e questiona-se quando orientadas exclusivamente à técnica, como ação instrumental. Neste estudo identificaram-se duas lógicas na interação e comunicação entre os profissionais, a lógica comunicativa, quando referiram o respeito às contribuições dos demais profissionais e a instrumental, circunscrita a repasse de informações de procedimentos1111 Habermas J. Consciência moral e agir comunicativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; 2003..

Entende-se que para atender às necessidades de saúde é necessário um equilíbrio entre essas duas lógicas, a ação comunicativa em prol do entendimento, e evitar que a ação instrumental invada momentos de diálogo e construção de acordo1010 Carvalho BG, Peduzzi M, Mandú ENT, Ayres JRCM. Work and Inter-subjectivity: a theoretical reflection on its dialectics in the field of health and nursing. Rev Lat Am Enfermagem [Internet]. 2012 [cited 2016 Jan 10];20(1):19-26. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v20n1/04.pdf
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. Cabe, portanto, aos profissionais reconhecerem momentos fundamentalmente de diálogo, e incluir nesses atos paciente, família e trabalhadores de nível técnico.

Os elementos da dimensão interativa do trabalho em equipe referidos pelas participantes, comunicação, confiança, respeito mútuo, tomada de decisão compartilhada, colaboração, coordenação dos cuidados, reconhecimento dos papéis dos profissionais endossam as características de trabalho em equipe de pesquisas sobre o tema11 Peduzzi M, Norman IJ, Germani ACCG, Silva JAM, Souza GC. Interprofessional education: training for healthcare professionals for teamwork focusing on users. Rev Esc Enferm USP [Internet] . 2013 [cited 2016 Jan 18];47(4):977-83. Available from: Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n4/en_0080-6234-reeusp-47-4-0977.pdf
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,55 Adams TL, Orchard C, Houghton P, Ogrin R. The metamorphosis of a collaborative team: from creation to operation. J Interprof Care. 2014;28(4):339-44.,1919 Orchard CA. Persistent isolationist or collaborator? The nurse's role in interprofessional collaborative practice. J Nurs Manag. 2010;18(3):248-57.,2323 Baindridge L, Nasmith L, Orchard C. Wood V. Competencies for interprofessional collaboration. J Phys Ther Educ. 2010;24(1):6-11.,2525 Suter E, Arndt J, Arthur N, Parboosingh J, Taylor E, Deutschlander S. Role understanding and effective communication as core competencies for collaborative practice. J Interprof Care. 2009;23(1):41-51..

Em relação ao respeito citado nos relatos pode-se interpretá-lo pelos conceitos teóricos da teoria do reconhecimento1212 Honneth A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34; 2003.. O respeito que o sujeito obtém de seus pares está relacionado a ser reconhecido pelos trabalhadores e pacientes no plano da solidariedade, ao ter reconhecida sua participação no trabalho, suas singularidades e capacidades individuais1414 Carvalho BG, Peduzzi M, Ayres JRCM. Concepções e tipologia de conflitos entre trabalhadores e gerentes no contexto da atenção básica no Sistema Único de Saúde (SUS). Cad Saúde Pública. 2014;30(7):1453-62. .

No tocante à colaboração, a disponibilidade em colaborar com o outro é, essencialmente, voluntária, característica apontada nas entrevistas que interfere no trabalho em equipe, embora a colaboração não se sustente somente pela boa vontade dos profissionais, é necessário, ainda, apoio institucional e governamental para sua operacionalização55 Adams TL, Orchard C, Houghton P, Ogrin R. The metamorphosis of a collaborative team: from creation to operation. J Interprof Care. 2014;28(4):339-44.. A disponibilidade em colaborar compreendeu momentos em que as entrevistadas reconheceram que o outro necessitava de ajuda para executar procedimentos técnicos. Contudo, colaboração também foi referida na lógica da construção de consensos, portanto, comunicativa. Abordagens complexas requerem interação entre profissionais, paciente e família e promovem benefícios, quando presentes, suas lógicas instrumental e comunicativa, ou seja, quando a ação instrumental não invade os momentos que requerem a ação comunicativa1111 Habermas J. Consciência moral e agir comunicativo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; 2003..

Os resultados também mostraram situações de conflito consideradas negativas pelas entrevistadas, que podem ser barreiras para o alcance do trabalho em equipe colaborativo. As origens de conflitos neste estudo decorreram de divergências sobre condutas terapêuticas, chegada de novos profissionais, ausência de colaboração, ausência de reconhecimento do trabalho do outro, discordâncias nas divisões das atividades realizadas entre enfermeiras e técnicas de enfermagem nas escalas de trabalho.

O conflito relatado pela enfermeira sobre passagem de cateter no paciente ocorreu interequipes com divergências na conduta terapêutica e configurou desrespeito na esfera do direito, de acordo com a conceituação da teoria do reconhecimento1212 Honneth A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34; 2003., pois não foram cumpridas as obrigações em face do respectivo outro, paciente e profissionais da equipe responsável pelo paciente. O descumprimento da contratualidade com outros trabalhadores compromete a funcionalidade da unidade, a integralidade do cuidado e a distribuição da carga de trabalho, pois faz alguns assumirem o trabalho que deveria ter sido realizado por outro.

O conflito decorrido da chegada de novos profissionais na equipe manifestou-se por diferenças individuais, falta de afinidade, ou seja, relações de trabalho recentes com vínculo e confiança frágeis associadas à ocorrência de desrespeito, ausência de reconhecimento do valor e potencialidade do outro. Nesses casos, técnicas de enfermagem e enfermeiras recém-admitidas não tiveram suas capacidades pessoais e profissionais reconhecidas por seus pares, privando-lhes da possibilidade de imputar valor social ao próprio trabalho.

Para chegar a autorrelações bem-sucedidas na esfera da solidariedade, o sujeito depende do reconhecimento intersubjetivo de suas capacidades e realizações, que acarretam estima social e autoestima fundamentado no valor atribuído às suas propriedades concretas1212 Honneth A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34; 2003..

Na unidade de CC as entrevistadas enfatizaram que os conflitos entre técnicas de enfermagem e enfermeiras relacionaram-se à ausência da enfermeira nos procedimentos de menor complexidade, e contrapõe-se à disponibilidade em colaborar e reconhecer o trabalho do outro. Entende-se que quando a enfermeira recusa-se a desempenhar atividades usualmente designadas às técnicas de enfermagem exprime com essa atitude pouca valorização do trabalho destas, degradando o sentimento de próprio valor das técnicas de enfermagem, pois ações menos complexas são comumente julgadas de pouco valor social.

Nessa situação o conflito também expressa as contradições da divisão técnica e social do trabalho, entre técnicas de enfermagem e enfermeiras, que também foi encontrado em estudo de análise de conflitos entre gerentes e trabalhadores de unidade básica de saúde: a falta de colaboração no trabalho e o desrespeito presentes em relações assimétricas1414 Carvalho BG, Peduzzi M, Ayres JRCM. Concepções e tipologia de conflitos entre trabalhadores e gerentes no contexto da atenção básica no Sistema Único de Saúde (SUS). Cad Saúde Pública. 2014;30(7):1453-62. .

Considerando-se o conceito de reconhecimento1212 Honneth A. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34; 2003., pode-se inferir que nas relações de trabalho das entrevistadas a gênese do conflito correspondeu principalmente à luta por reconhecimento na esfera da estima social. Assim, o trabalho em equipe em saúde tem potencial para ser espaço de reconhecimento intersubjetivo e trabalho colaborativo1313 Miranda L, Rivera FJU, Artmann E. Trabalho em equipe interdisciplinar de saúde como um espaço de reconhecimento: contribuições da teoria de Axel Honneth. Physis Rev Saúde Coletiva. 2012;22(4):1563-83., e, quando não é, pode motivar a ocorrência de conflito, como analisado neste estudo.

Conclusão

Os resultados do estudo mostraram, sobretudo, concepção de trabalho em equipe de enfermagem como ação interprofissional. Predominou a percepção da enfermagem como uma das áreas que compõem a equipe, sem isolamento profissional, bem como a potencialidade da enfermeira em articular o cuidado com as demais áreas e categorias profissionais e priorizar a centralidade do cuidado no paciente. Contudo, algumas entrevistadas referenciaram o trabalho em equipe circunscrito à enfermagem.

O trabalho em equipe interprofissional e de enfermagem remeteu a elementos constitutivos que o qualifica: comunicação, confiança, vínculo, respeito mútuo, reconhecimento do trabalho do outro e colaboração, e o conflito sinalizado como obstáculo para integração e colaboração entre profissionais da mesma equipe ou de equipes diferentes.

A comunicação foi compreendida como transversal aos demais atributos do trabalho em equipe. Por meio da racionalidade comunicativa constrói-se confiança, vínculo, respeito mútuo, reconhecimento do trabalho do outro e colaboração. Contudo, nos resultados há indicativos de que em algumas ações a comunicação instrumental invadiu aspectos do cuidado que requeriam ação comunicativa. No trabalho em saúde, essas dimensões precisam estar presentes de forma equilibrada, sem que haja domínio de uma sobre a outra.

No tocante à enfermagem, processos de tomada de decisão não compartilhados prejudicam a corresponsabilização entre enfermeiras e técnicas de enfermagem devido à centralidade da enfermeira na decisão das condutas de enfermagem.

Os conflitos ocorreram entre equipes de diferentes setores ou especialidades - interequipes - ou entre membros de uma mesma equipe - intraequipes. As origens de conflitos foram: desentendimento sobre a prioridade de cuidado do paciente, chegada de novos profissionais na equipe, ausência de confiança, de reconhecimento do trabalho do outro e de colaboração na assistência ao paciente.

As limitações deste estudo estão relacionadas à participação exclusiva da enfermagem, e implicam desenvolver pesquisas que incluam profissionais das outras áreas, pacientes e familiares, para compreensão ampliada da contribuição da enfermagem para a colaboração interprofissional. A concepção interprofissional da enfermagem sobre trabalho em equipe e a ênfase na dimensão interativa, elucidadas nesta pesquisa, são temas que podem dar suporte à formação profissional e fortalecimento da prática colaborativa no contexto hospitalar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2016
  • Aceito
    20 Jul 2016
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