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Discursos dos profissionais de saúde sobre ações de vigilância em saúde no controle da tuberculose* * Extraído da tese “Discursos e produção de sentidos: experiência da transferência da política do tratamento diretamente observado de curta duração para o controle da tuberculose em Moçambique - África”, Programa de Pós-Graduação Enfermagem em Saúde Pública, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 2016.

Resumo

OBJETIVO

Analisar os sentidos produzidos sobre as ações de Vigilância em Saúde no controle da tuberculose desenvolvidas por profissionais de saúde em Moçambique.

MÉTODO

Estudo qualitativo que tem como referencial teórico-metodológico a Análise de Discurso de matriz francesa.

RESULTADOS

Participaram do estudo 15 profissionais de saúde, com mais de 1 ano de experiência em ações de controle da doença. Da análise, emergiram quatro blocos discursivos: processo do diagnóstico da tuberculose; reunião, comunicação e discussão do tratamento; estratégias locais para o controle da tuberculose; envolvimento da família e dos líderes comunitários no controle da tuberculose.

CONCLUSÃO

Os dizeres dos profissionais de saúde sugerem, como ações de Vigilância em Saúde, práticas que incluem a coleta de escarro na residência do paciente e seu encaminhamento ao laboratório; o deslocamento da equipe médica com microscópio para a testagem da tuberculose; e a testagem das doenças que podem estar associadas à tuberculose. Nesse contexto, as ações de Vigilância em Saúde no controle da tuberculose envolvem a valorização de todos os atores: família, líderes comunitários, pacientes e profissionais de saúde.

Descritores
Tuberculose; Vigilância Sanitária; Moçambique; Enfermagem em Saúde Pública; Serviços de Saúde

Abstract

OBJECTIVE

To analyze the meanings produced in the Health Surveillance actions for tuberculosis control, carried out by healthcare professionals in Mozambique.

METHOD

Qualitative study using the theoretical and methodological framework of the French Discourse Analysis.

RESULTS

A total of 15 healthcare professionals with more than one year of experience in disease control actions participated in the study. Four discursive blocks have emerged from the analysis: tuberculosis diagnosis process; meeting, communication and discussion of treatment; local strategies for tuberculosis control; involvement of family and community leaders in the tuberculosis control.

CONCLUSION

The statements of the healthcare professionals suggest, as Health Surveillance actions, practices that include collecting sputum in the patient's home and sending it to the laboratory; deployment of the medical team with a microscope for tuberculosis testing; and testing for diseases that may be associated with tuberculosis. In this context, the actions of Health Surveillance for tuberculosis control involve valuing all actors: family, community leaders, patients and health professionals.

Descriptors
Tuberculosis; Health Surveillance; Mozambique; Public Health Nursing; Health Services

Resumen

OBJETIVO

Analizar los sentidos producidos sobre las acciones de Vigilancia Sanitaria en el control de la tuberculosis desarrolladas por profesionales sanitarios en Mozambique.

MÉTODO

Estudio cualitativo que tiene como marco de referencia teórico-metodológico el Análisis de Discurso de matriz francesa.

RESULTADOS

Participaron en el estudio 15 profesionales sanitarios, con más de un año de experiencia en acciones de control de la enfermedad. Del análisis surgieron cuatro bloques discursivos: proceso del diagnóstico de la tuberculosis; reunión, comunicación y discusión del tratamiento; estrategias locales para el control de la tuberculosis; involucración de la familia y los líderes comunitarios en el control de la tuberculosis.

CONCLUSIÓN

En las palabras de los profesionales sanitarios sugieren, como acciones de Vigilancia Sanitaria, prácticas que incluyen la recolección de esputo en la residencia del paciente y su envío al laboratorio; el desplazamiento del equipo médico con microscopio para la prueba de la tuberculina; y la prueba de las enfermedades que pueden estar asociadas con la tuberculosis. En ese marco, las acciones de Vigilancia Sanitaria en el control de la tuberculosis involucran la valorización de todos los actores: familia, líderes comunitarios, pacientes y profesionales sanitarios.

Descriptores
Tuberculosis; Vigilancia Sanitaria; Mozambique; Enfermería en Salud Pública; Servicios de Salud

Introdução

As ações de Vigilância em Saúde no controle da tuberculose (TB) - doença que permanece como um dos principais problemas de saúde pública no mundo, sobretudo em países de baixa renda como Moçambique - constituem um dos pontos mais importantes na luta contra a doença. Moçambique é um dos países mais afetados pela TB, com uma incidência de 552/100.000 habitantes, ocupando a 3ª posição dentre os 22 países responsáveis por 80% dos casos de TB no mundo11 Wikman-Jorgenson PE, Marales-Cartagena A, Llenas-García J, Pérez-Porcuna TM, Hobbins M, Ehmer J, et al. Implementation challenges of a TB programme in rural northern Mozambique: evaluation of 2012-2013 outcomes. Pathog Glob Health. 2015;109(5):221-7.-22 World Health Organization. Global Tuberculosis control [Internet]. Geneva: WHO; 2015. [cited 2016 Jan 27]. Available from: Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/191102/1/9789241565059_eng.pdf?ua=1
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. Estima-se que ocorram, anualmente, no país, cerca de 140 mil novos casos11 Wikman-Jorgenson PE, Marales-Cartagena A, Llenas-García J, Pérez-Porcuna TM, Hobbins M, Ehmer J, et al. Implementation challenges of a TB programme in rural northern Mozambique: evaluation of 2012-2013 outcomes. Pathog Glob Health. 2015;109(5):221-7..

A TB constitui uma das principais causas de mortalidade em tal país, sendo responsável por 3,1% de todos os óbitos, número este considerado acima da média do continente africano no ano de 201133 Moçambique. Ministério da Saúde. Relatórios das Actividades Desenvolvidas durante o ano 2014. Maputo: Ministério da Saúde; 2015.. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou não haver possiblidades de redução dos indicadores de incidência, prevalência e mortalidade da doença em Moçambique devido à falta de recursos e à pandemia do HIV11 Wikman-Jorgenson PE, Marales-Cartagena A, Llenas-García J, Pérez-Porcuna TM, Hobbins M, Ehmer J, et al. Implementation challenges of a TB programme in rural northern Mozambique: evaluation of 2012-2013 outcomes. Pathog Glob Health. 2015;109(5):221-7.-22 World Health Organization. Global Tuberculosis control [Internet]. Geneva: WHO; 2015. [cited 2016 Jan 27]. Available from: Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/191102/1/9789241565059_eng.pdf?ua=1
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,44 García-Basteiro AL, López-Varela E, Manhiça I, Macete E, Alonso PL. Mozambique faces challenges in the fight against tuberculosis. Lancet. 2014;383(9913):2015-6.. Essa situação vem contribuindo para a ascendência da doença naquele país. No entanto, apesar da situação alarmante, ocorrem naquele contexto ações de vigilância realizadas por profissionais de saúde, as quais contribuem para o controle da TB, precisando ser aprimoradas e expandidas para toda a população. Destaca-se aqui que o Programa de Controle da TB em Moçambique acompanha as diretrizes da OMS e está fundamentado, principalmente, na identificação rápida dos casos e subsequente tratamento11 Wikman-Jorgenson PE, Marales-Cartagena A, Llenas-García J, Pérez-Porcuna TM, Hobbins M, Ehmer J, et al. Implementation challenges of a TB programme in rural northern Mozambique: evaluation of 2012-2013 outcomes. Pathog Glob Health. 2015;109(5):221-7..

No contexto descrito, as ações de vigilância são de suma importância para o controle da TB. A Vigilância em Saúde (VS) tem por objetivo observar e analisar de forma permanente a situação de saúde da população, e articulando-se com os serviços de saúde, que por sua vez devem estar preparados a identificar doenças e agravos precocemente, estabelecer ações pertinentes possibilitando atividades de promoção da saúde, prevenção de doenças e agravos55 Melo MA, Bezerra JCB, Puente-palacios KE, Castro AM, Coleta MFD, Coleta JAD, et al. Características Organizacionais da Vigilância Sanitária Municipal e sua Relação com os Indicadores de Saúde. Rev Adm UEG. 2015;6(1):46-66..

Sendo assim, considera-se que a VS seja um importante modelo para o monitoramento da situação de saúde e contribui para o controle da TB quando busca transformar e viabilizar os processos de trabalho em saúde, de forma a transcender os espaços dos serviços de saúde, utilizando a territorialização como um instrumento para reconhecer onde vive e trabalha a população. Sobre esse aspecto, a VS propõe a compreensão ampliada da atenção à saúde da população e estimula intervenções nos determinantes da TB66 Hino P, Santos CB, Villa TCS, Bertolozzi MR, Takahash RF. O controle da tuberculose na perspectiva da Vigilância da Saúde. Esc Anna Nery. 2011;15(2):417-21..

As ações de VS podem contribuir para o controle da doença, tendo em vista a realização do trabalho da equipe de profissionais de saúde de acordo com cada realidade local, já que os profissionais de saúde estão inseridos na comunidade e realizam atividades junto à população, como a educação em saúde, a busca de sintomáticos respiratórios, a observação da ingestão medicamentosa, o monitoramento dos contatantes, a busca de faltosos, entre outras ações que deixam o âmbito individual e passam a ser coletivas, gerando, por consequência, o aprimoramento no que tange ao acesso aos serviços de saúde, diagnóstico e tratamento de doentes com TB66 Hino P, Santos CB, Villa TCS, Bertolozzi MR, Takahash RF. O controle da tuberculose na perspectiva da Vigilância da Saúde. Esc Anna Nery. 2011;15(2):417-21.-77 Oliveira CM, Cruz MM. Sistema de Vigilância em Saúde no Brasil: avanços e desafios. Saúde Deb. 2015;39(104):255-67..

Torna-se, assim, importante explorar os sentidos produzidos por profissionais sobre as ações de VS realizadas em um país com alta carga da TB, visto que a compreensão desses sentidos pode contribuir para a elaboração de estratégias que envolvam as condições de produção locais para o controle da TB, e a aplicação de novas práticas de controle da doença em Moçambique e em países que possuam características semelhantes. Nesse sentido, este estudo objetiva analisar a produção de sentidos sobre as ações de Vigilância em Saúde no controle da tuberculose desenvolvidas por profissionais de saúde em Moçambique.

Método

Trata-se de um estudo qualitativo, que recorre ao referencial teórico-metodológico da Análise de Discurso (AD) de matriz francesa, que epistemologicamente funde-se em uma filosofia linguística, materialística e psicanalítica88 Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 11ª ed. Campinas: Pontes; 2013.. A AD é uma materialização do ideológico proveniente de modos de produção sociais88 Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 11ª ed. Campinas: Pontes; 2013.-99 Pêcheux M. Semântica e discurso: uma crítica a afirmação do óbvio. 2ª ed. Campinas: UNICAMP; 2009.. Pelo Discurso se compreende os sentidos produzidos em função das formações discursivas de uma dada ideologia. Na análise de discurso, há possibilidade de compreender o discurso individual e coletivo, e isso pode trazer elementos que auxiliam na identificação das formas de atuação na saúde. A análise de discurso considera “a linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social”88 Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 11ª ed. Campinas: Pontes; 2013.. Essa mediação permite que o homem transforme-se e dê sentido à realidade. Os sentidos, dessa forma, são relações determinadas do sujeito que é afetado pela língua com a história. Por isso, os sentidos não são predeterminados, o que vale dizer que as palavras mudam de sentido de acordo com a formação discursiva88 Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 11ª ed. Campinas: Pontes; 2013.-99 Pêcheux M. Semântica e discurso: uma crítica a afirmação do óbvio. 2ª ed. Campinas: UNICAMP; 2009..

O estudo foi realizado em Moçambique, no Ministério da Saúde (nível central) e na província de Nampula (nível provincial) nos distritos de Mecubúri, Muecate, Nampula-Rapale, Ribaué, Murrupula, Meconta, Mogovolas e Monapo, no período compreendido entre maio e agosto de 2014. Foram entrevistados 15 sujeitos que ocupavam as posições de gestores (nos diferentes níveis do sistema de saúde de Moçambique: central, provincial ou distrital), médicos, profissionais de enfermagem e técnicos de equipes de saúde dos distritos elencados acima, que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: trabalhar há mais de 1 ano no Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) e estar em atividades no momento da coleta de dados.

Para a coleta de dados, foram elaborados dois roteiros de entrevistas: um aplicado aos gestores, e outro aos médicos, profissionais de enfermagem e técnicos. Os entrevistados foram contatados individualmente pelos pesquisadores e lhes foi explicado sobre os propósitos da pesquisa. Após o aceite, foi agendada, em comum acordo, uma data para a realização das entrevistas. Estas foram audiogravadas e todas ocorreram em locais definidos pelos entrevistados.

Os dados foram organizados com o auxílio do software Atlas.Ti, versão 6.0. Este software facilita a organização dos dados qualitativos provenientes de discussões de entrevistas abertas e semiestruturadas, incluindo os dados que estejam em formato de áudio, figuras e vídeos, de forma sistematizada. Depois de várias leituras do material, e com base nos objetivos do estudo, as entrevistas transcritas e salvas em documento do Word foram arquivadas no formato rtf e, em seguida, alojadas no software Atlas.Ti, onde criaram-se quotes (códigos) enquadrados nas sequências discursivas em análise. Depois disso, passou-se a identificar as passagens (falas) que faziam parte dos códigos criados. Assim, depois de identificadas e selecionadas, as falas foram atribuídas aos códigos. Deste modo, o software Atlas.Ti não interferiu na escolha de falas nem na criação de quotes, mas simplesmente auxiliou na organização dos dados.

Para a constituição do corpus de análise, considerou-se o alinhamento das falas dos entrevistados com o objetivo da pesquisa, das condições de produção e dos processos ideológicos existentes. Nesse contexto, a heterogeneidade do material linguístico concorreu para a criação dos efeitos de sentido. Assim, as marcas linguísticas para análise foram constituídas por construções sintáticas, elementos lexicais, morfológicos, não se restringindo a uma única espécie de material1010 Lagazzi S. Desafios de dizer não. Campinas: Pontes ; 1998..

Para a análise dos dados, o estudo valeu-se do paradigma indiciário, que consiste em identificar pistas que permitam captar uma realidade mais profunda, de outra forma inatingível1111 Ginzburg C. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras; 2012.. Para encontrar os indícios e fazer a interpretação, seguiram-se os seguintes passos:

No primeiro passo - passagem da superfície linguística para o objeto discursivo -, foi realizada a transcrição das entrevistas audiogravadas. Após a transcrição, foram realizadas várias leituras para identificar as ideias que constituíram os recortes para os blocos discursivos. A partir da superfície linguística, identificou-se a discursividade construindo-se, assim, um objeto discursivo. Desta forma, tornou-se visível a relação do que foi dito com o que não foi dito, com o que poderia ser dito. Na segunda fase ‒ do objeto do discurso para o processo discursivo - discriminaram-se as sequências discursivas ou significantes que têm um papel importante na criação de sentidos, tendo em vista o processo de significação com a formação ideológica que pode estar por detrás dessas relações. Nessa fase, também se procurou relacionar as formações discursivas distintas. Na terceira e última fase - processo discursivo em si (formação ideológica) - fez-se um retorno às sequências que constituem o objeto de análise, integrando-as com a teoria existente sobre a temática em estudo. Assim, foi possível tecer as intricadas relações do discurso, da língua, do sujeito, dos sentidos articulados à ideologia e ao inconsciente. Dessa forma, garantiu-se a confrontação dos diferentes participantes por ideias centrais, compreendendo, assim, os sentidos produzidos88 Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 11ª ed. Campinas: Pontes; 2013..

As interpretações realizadas neste estudo não excluem outras, mas simplesmente mostram as pistas daquilo que se compreendeu por meio do arquivo dos pesquisadores. Esse argumento ganha seu valor porque o discurso é perpassado por várias vozes, colocando a possibilidade de interpretações múltiplas, desde que embasadas nas condições de produção em que se gerou88 Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 11ª ed. Campinas: Pontes; 2013..

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê Nacional de Bioética para Saúde (CNBS) de Moçambique, em abril de 2014 (referência número 87/CNBS/2014), e registrado no mesmo Comitê com o número 03/CNBS/2014. Também foi autorizada pelo Ministro da Saúde de Moçambique, com número 731/GMS/002/2014. Destaca-se que foi mantido o anonimato dos sujeitos que contribuíram para a pesquisa, organizando-os por meio dos seguintes códigos: G, Gestor; G-PE, Gestor Profissional de Enfermagem; PE, Profissional de Enfermagem; M, Médico; e T, Técnico.

Resultados

Constituem dispositivo de análise as sequências discursivas de referência em cujos dizeres circulam sentidos relacionados às ações de vigilância do controle da TB protagonizadas por profissionais de saúde. Para a análise, foram constituídos quatro blocos discursivos: o processo de diagnóstico da TB; reunião, comunicação e discussão do tratamento da TB; estratégia de controle da TB; envolvimento da família e líderes comunitários no controle da TB. Todos os sujeitos que participaram do estudo (15) tinham idade entre 18 e 55 anos. Destes, cinco possuíam o nível superior de formação, e os demais o nível técnico ou médio.

Quanto ao processo de diagnóstico da TB, as posições-sujeitos profissionais de saúde enunciam o modo prevalecente de diagnóstico, como se pode depreender nos seguintes recortes:

Damos escarradores aos voluntários e eles recolhem as amostras que são observadas e os resultados vão lá, e o tratamento continua num ritmo normal e assim diminui muitos abandonos (G-PE).

Assim, quando chega a vez de fazer o controle eles (Agente Comunitário de Saúde ‒ ACS) recolhem as amostras, trazem para aqui (unidade sanitária onde as amostras são observadas), gente observa, dá os resultados e o tratamento continua em casa, é isso que chamamos de DOTS comunitário (PE).

Outras ações sobre o processo de diagnóstico foram descritas por sujeitos da pesquisa nos recortes seguintes:

Nos dias de tosse saímos juntos com o homem de laboratório (em brigada) para uma determinada aldeia e começamos a fazer rastreamento e nesse período conseguimos detectar mais casos. Saio com o homem do laboratório, porque é ele que faz esfregaços e tudo (G-PE).

Trazem aqui e submetemos à análise no laboratório. Se positivo eu vou lá mesmo. Levo a balança, o teste de HIV e faço o teste com eles e abrimos as fichas e o voluntário (ACS) vem aqui levantar os medicamentos (PE).

No que concerne ao bloco discursivo reunião, comunicação e discussão do tratamento, os sujeitos-profissionais de saúde assumiram a estratégia de comunicação como importante na troca de informação e aquisição de conhecimentos, como é enunciado, discursivamente, nas entrelinhas dos recortes que seguem:

Reunimo-nos com todas as unidades sanitárias mensalmente e os colegas dessas unidades trazem estatísticas, a gente coordena, corrige o que está errado e o que não estiver validamos imediatamente (G). Trimestralmente nós nos reunimos e discutimos muito sobre os casos (G). Fazemos reuniões e discussões das nossas atividades para motivar os outros (G-PE). De 30 em 30 dias a gente tem tido encontro, depois de estatística geral tem um tempo que gente fala da TB (G). Nós discutimos primeiro entre nós nas quartas-feiras e com os voluntários nos dias três de cada mês, até no mês passado fomos à reunião com o nosso homem do laboratório (G-PE).

A participação de organizações não governamentais e a realização de ações que motivam os agentes comunitários de saúde são consideradas como estratégias locais do controle da TB. Os dizeres do sujeito-profissional de saúde, que se seguem, enunciam essas estratégias.

A organização denominada Kulima (nome de uma organização não governamental sediada na cidade de Nampula) (...) traz pratos, capulanas (nome que se dá a um tipo de pano que as mulheres moçambicanas usam para cingir o corpo, fazendo às vezes de saia, ou turbante) para distribuir aos ativistas. Assim, ofereço aos ativistas e isso motiva-os em se manter no programa (G-PE).

Outra estratégia de ação dos profissionais de saúde na luta contra a TB consiste na criação de comunidades:

Criamos (...) comunidades, onde passamos a tratar os doentes (G-PE). Eles (voluntários e agentes polivalentes) vivem nas comunidades, identificam as pessoas com tosse com mais de uma semana ou duas semanas e trazem-nos à unidade sanitária (T).

A busca de sintomáticos respiratórios é compreendida como importante para a terapia de curta duração:

O tratamento diretamente observado é inovador porque através dele procuramos o doente na comunidade, porque dantes esperávamos o doente na unidade sanitária, mas agora nós vamos ao encontro dele (PE).

O sujeito-profissional de saúde, tomando a posição de sujeito-gestor, diz:

Tenho que passar em cada unidade sanitária semanalmente, ou em cada trimestre em cada uma dela e sensibilizar os meus colegas, porque muito dos meus colegas pensam que estar no programa da TB é dinheiro, quer dizer, antigamente podia ser, mas agora as coisas mudaram muito (G).

O envolvimento da família e de líderes comunitários no controle da TB tem sido uma das ações realizadas intensamente pelos profissionais de saúde, como fica evidente nas entrelinhas do recorte que se segue:

Nós envolvemos os membros da família; os membros da família controlam o paciente. Essa é a motivação. Primeiro, se o quadro clínico do paciente não é grave nós fazemos um pacto com a família e informamos os cuidados a ter com o doente e a ajuda a prestar para ele e isso motiva o paciente a tomar o medicamento até ao fim (M).

O envolvimento do doente também tem sido considerado importante pelos sujeitos profissionais de saúde para o controle da TB:

A gente chama o doente, conversa com o doente, primeiro devido (...) aos pacientes circunvizinhos não é problema, a gente chama o doente, conversamos com ele, porque (...) logo à entrada nós perguntamos ou procuramos saber a história da família, se vive com crianças, quantas pessoas com quem vive. Porque, se vive cá perto, nós pedimos que apareça para a gente fazer a profilaxia com insoniazida (T).

Passados 15 dias em tratamento, quando a gente vê que o estado geral do paciente é satisfatório chamamos o paciente conversamos com ele e esse diálogo já é um contrato que a gente faz com o paciente. Explicamos que com o estado que ele apresenta não tem necessidades de continuar aqui (unidade sanitária onde o paciente foi atendido) por mais de 45 dias e assim poderá continuar o tratamento em casa, uns aceitam, outros não (M).

O envolvimento dos líderes comunitários influentes na comunidade e do próprio doente é uma das ações em saúde para o controle da TB em Moçambique:

Nós envolvemos os líderes comunitários e a população em geral (G-PE). Para o meu caso sempre que o doente vem para levar os seus comprimidos lhe dou mais informações. Apesar de tudo tenho feito muitas vezes devo repetir para ele não se esquecer (G).

Discussão

Os resultados deste estudo sugerem que os profissionais de saúde, ao se posicionarem discursivamente, inscrevem-se em formações discursivas que focam o diagnóstico da doença, os acordos sobre o tratamento, a participação familiar e o envolvimento da liderança comunitária, bem como as estratégias para a adesão ao tratamento da TB.

O diagnóstico da TB constitui-se em uma das ações de controle da doença pela Vigilância em Saúde22 World Health Organization. Global Tuberculosis control [Internet]. Geneva: WHO; 2015. [cited 2016 Jan 27]. Available from: Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/191102/1/9789241565059_eng.pdf?ua=1
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,1212 Zlauziu F, Floyd k, Well D, Raviglione M. TB deaths rank alongside HIV deaths as top infectious killer. Int J Tuberc Lung Dis. 2016;20(2):143-4.. Nesse contexto, a partir das condições de produção em que os sujeitos profissionais de saúde encontravam-se, no momento da entrevista, observa-se que as ações de diagnóstico para o controle da TB são acordadas de forma conjunta entre os profissionais e os Agentes Comunitários da Saúde (ACS), que facilitam o acesso das pessoas acometidas pela TB aos serviços de saúde. Ademais, os ACS constituem-se em tradutores dos valores culturais da comunidade junto ao saber científico-médico, representado pelos profissionais de saúde1313 Mialhe FL, David HMS. Os discursos dos agentes comunitários de saúde sobre suas práticas educativas. In: Mialhe FL, organizador. O agente comunitário de saúde: práticas edicativas. Campinas: UNICAMP ; 2011. p. 83-120..

Compreende-se que as sequências discursivas recolhem as amostras; a gente observa; damos escarradores instigam a cogitar que as ações de rastreamento da TB são coordenadas entre os profissionais e os ACS, mas, por outro lado, os mesmos significantes (d)enunciam, indiretamente, a busca de estratégias de ação dos profissionais de saúde face às dificuldades da falta de profissionais para o atendimento ao doente de TB. A falta de recursos humanos tem comprometido fortemente o tratamento da TB, já que Moçambique faz parte dos países com falta crítica de profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, técnicos e pessoal administrativo)1414 Markuns JF, Montegut AJ. Atenção primária na saúde global. In: Markle WH, Fisher MA, Smego-JR, RA, organizadores. Compreendendo a saúde global. Porto Alegre: AMGH; 2015. p. 216-43.. Ainda, os significantes produzem sentidos de dificuldade de acesso das populações às unidades sanitárias, necessidade que parece levar as autoridades dos serviços de saúde locais a irem até as comunidades para testar os suspeitos. A prática de coleta de amostra de escarro do paciente em sua residência por parte dos ACS é considerada importante para o aumento do diagnóstico e do acesso dos pacientes ao tratamento, além de possibilitar o aumento da taxa de detecção dos casos1515 Bos JC, Smalbraak L, Macome AC, Gomes E, Leth FV, Parins JM. TB diagnostic process management of patients in a referral hospital in Mozambique in comparison with the 2007 WHO recommendations for the diagnosis of smear-negative pulmonary TB and extrapulmonary TB. Int Health. 2013;5(4):302-8.. Mas, embora essas ações sejam necessárias e de extrema importância para a melhoria da saúde da população, Moçambique não conseguiu alcançar os objetivos de redução das taxas de adoecimento por TB44 García-Basteiro AL, López-Varela E, Manhiça I, Macete E, Alonso PL. Mozambique faces challenges in the fight against tuberculosis. Lancet. 2014;383(9913):2015-6..

Sinaliza-se a metáfora, definida como a tomada de uma palavra por outra88 Orlandi EP. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 11ª ed. Campinas: Pontes; 2013., presentificada pelos significantes nos dias de tosse, que indicam e significam os dias em que as equipes de saúde mobilizam-se para fazer rastreamento da TB nas comunidades. As ações de sair juntos e fazer rastreamento sugerem um trabalho de equipe. Nesse contexto, as ações desenvolvidas por equipes nos serviços de saúde são consideradas como de maior efetividade para a assistência ao doente e para a valorização de práticas comunitárias1616 Borges MJL, Sampaio AS, Gurgel IGD. Trabalho em equipe e interdisciplinaridade: desafios para efetivação de integralidade na assistência ambiental às pessoas vivendo com HVI/Aids em Pernambuco. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17(1):156-6.. Prosseguindo com a análise, a sequência discursiva, nesse período conseguimos detectar mais casos, produz sentidos de que a ação de fazer rastreamento é feita de forma não sistemática, havendo períodos em que não acontece, assim, indicando haver casos que não são notificados nos períodos em que os profissionais de saúde não se dirigem a essas comunidades. Nesse contexto, a sequência discursiva em análise, de forma indireta, (d)enuncia a dificuldade da implantação da política de controle da TB e a alta carga da doença nos distritos em estudo, de um modo em geral, o que coloca as ações de controle da TB em situação de ações campanhistas.

Submeter o escarro à análise sugere a possibilidade de classificação dos sujeitos em doente de TB ou não. Esse primeiro passo classificatório é determinante para saber quais pacientes têm a doença e tratá-los. Os significantes submetemos à análise sugerem que a posição sujeito, afetada pela ideologia e pelas práticas médicas de um paradigma dominante, assume-se como conhecedora da doença e detentora dos meios de cura e imagina uma posição do sujeito-doente dócil e incapaz de se contraidentificar com o sistema de tratamento ao qual é submetido.

A prática de submeter os doentes da TB ao teste de HIV ancora-se no imaginário da posição-sujeito profissional de saúde afetado pelo interdiscurso de que a TB é uma doença associada ao HIV e pela naturalização do discurso epidemiológico circulante que aponta para a coinfecção HIV/TB como um dos problemas dos países da África Subsaariana e, principalmente, de Moçambique22 World Health Organization. Global Tuberculosis control [Internet]. Geneva: WHO; 2015. [cited 2016 Jan 27]. Available from: Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/191102/1/9789241565059_eng.pdf?ua=1
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,44 García-Basteiro AL, López-Varela E, Manhiça I, Macete E, Alonso PL. Mozambique faces challenges in the fight against tuberculosis. Lancet. 2014;383(9913):2015-6.,1515 Bos JC, Smalbraak L, Macome AC, Gomes E, Leth FV, Parins JM. TB diagnostic process management of patients in a referral hospital in Mozambique in comparison with the 2007 WHO recommendations for the diagnosis of smear-negative pulmonary TB and extrapulmonary TB. Int Health. 2013;5(4):302-8.,1717 Brouwer M, Coelho E, Mosse CD, Feth FV. Implementation of tuberculosis infection prevention and control in Mozambique health care facilities. Int J Tuberc Lung Dis. 2015;19 (1):44-9.. As marcas linguístico-discursivas e faço o teste com eles produzem sentido de que a aplicação do teste do HIV ajuda ainda mais a classificar o sujeito-doente e identificá-lo como adoecido de TB e portador de HIV ou não, o que facilita a abertura de fichas para o tratamento: abrimos as fichas. Todas essas ações buscam garantir o controle da TB porque são articuladas de acordo com a realidade local da população77 Oliveira CM, Cruz MM. Sistema de Vigilância em Saúde no Brasil: avanços e desafios. Saúde Deb. 2015;39(104):255-67.. No entanto, embora a classificação auxilie na quantificação dos casos, na garantia de orientações aos doentes e no início do tratamento, de forma indireta, essa classificação parece dar poder ao profissional de saúde para vigiar e disciplinar o doente, e não à VS como tal, ou seja, não se focaliza nos determinates e riscos que agravam a situação do paciente e colocam em risco a saúde da população1818 Foucault M. Miocrofísica do poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2014..

As ações de reunião, comunicação e discussão do tratamento facilitam o controle da TB porque permitem a compreensão e o compartilhamento de mensagens que produzem sentidos, significam e exercem influência no comportamento dos profissionais de saúde1919 Mourão CML, Albuquerque ALMS, Silva APS, Oliveira MS, Fernandes AFC. Comunicação em Enfermagem: uma revisão Bibliográfica. Rev Rene. 2009;10(3):139-45.. Mas também ajudam a harmonizar as ações de controle em todos os distritos da província. Assim, a forma como as informações são compartilhadas pode constituir um componente importante no engajamento dos profissionais na luta contra a doença. Nas reuniões, podem ser identificadas as lacunas e as possíveis soluções que potencializem o controle da TB.

Ao analisar os recortes desse bloco discursivo, observa-se que as posições sujeitos-profissionais de saúde se inscrevem e se identificam com as formações discursivas que entendem a comunicação como importante para o controle da TB. As reuniões mensais, trimestrais ou outras garantem que os profissionais atuem sob as mesmas orientações e compartilhem experiências entre eles, identificando dificuldades e possíveis soluções. As marcas linguístico-discursivas reunimo-nos com todas as unidades, trimestralmente nos reunimos; fazemos reuniões e discussões; de 30 em 30 dias discutimos indiciam uma coesão e uma tentativa de elaboração de ações conjuntas para controlar a doença. É importante ressaltar que as posições sujeitos encontram-se afetadas pelo interdiscurso existente relativo à importância da comunicação nas ações de VS. Porém, as diferenças relativas à periodicidade das reuniões (trimestrais e mensais) evidenciam a falta de coordenação das atividades no âmbito provincial e a inconsistência da coleta de informações, o que pode acabar por afetar o sistema de informação epidemiológica33 Moçambique. Ministério da Saúde. Relatórios das Actividades Desenvolvidas durante o ano 2014. Maputo: Ministério da Saúde; 2015..

As sequências discursivas fazemos reuniões e discussões das nossas atividades para motivar os outros presentificam o imaginário da posição-sujeito profissional de saúde que imagina que as reuniões e discussões podem levar à motivação e, consequentemente, à melhoria e à manutenção das atividades de controle da TB. A sequência discursiva até no mês passado fomos à reunião com o nosso homem do laboratório denuncia o não dito, no caso, o laboratorista não tem participado regularmente nas/das discussões. A ausência desse profissional silencia várias informações sobre o real histórico dos laboratórios que são um dos componentes vitais para a detecção de casos da TB. A ação de ir com o sujeito laboratorista produz sentido de que a inclusão de mais um membro da equipe também é importante no controle da TB. Porém, parece que, no imaginário do sujeito que enuncia a sequência em análise, o sujeito laboratorista não é importante como é evidenciado pela marca linguística até.

Quanto ao bloco discursivo estratégias de controle da TB, os profissionais de saúde revelam as formas locais de motivar os ACS, caracterizadas principalmente pela atribuição de bens materiais como pratos e capulanas, mas, por outro lado, denunciam de forma indireta o não dito, a falta de remuneração dos ACS, que compromete o atendimento e o controle da TB, por meio das seguintes marcas linguísticas: a organização denominada Kulima, trazem pratos, capulana; ofereço aos ativistas e isso motiva-os. Observa-se também, nesses dizeres, a falta de uma política de recursos humanos que incorpore esses ACS como membros efetivos das equipes de saúde, já que eles não são remunerados e não têm nenhum vínculo com o Estado, muito embora sejam reconhecidos por este como intervenientes importantes no controle da TB33 Moçambique. Ministério da Saúde. Relatórios das Actividades Desenvolvidas durante o ano 2014. Maputo: Ministério da Saúde; 2015.. Essa situação impele a cogitar a necessidade, por um lado, de criação de política remunerativa aos ACS que contribuem sobremaneira para a detecção precoce dos suspeitos da TB, no manejo dos casos e, por outro lado, de valorização de todos os profissionais que têm o seu papel no desenvolvimento de ações de controle da TB2020 Crispim JA, Scatolin BE, Silva LMC, Pinto IC, Palha PF, Arcêncio RA. Agente Comunitário de Saúde no controle da tuberculose na atenção primária à saúde. Acta Paul Enferm. 2012;25(5):721-7..

A ação de criar comunidades, por sua vez, sugere a criação de esforços dos profissionais de saúde em tentar reduzir as longas distâncias e ofertar o tratamento às comunidades mais distantes das unidades sanitárias, (d)enunciando, assim, as dificuldades que os profissionais enfrentam e as soluções locais que estes arranjam para suprir as dificuldades vivenciadas no cenário pesquisado.

O viver na comunidade produz sentido de que os ACS conhecem e compreendem a realidade histórica contextual, o que possibilita maior interação deles com a comunidade e, principalmente, com o sujeito adoecido. É também notória a posição-sujeito afetada pelo interdiscurso que é presentificado pela sequência discursiva (...) com tosse de uma semana ou mais. Nesse contexto, observa-se a naturalização dos sentidos circulantes sobre os sintomas da TB: tosse com mais de duas semanas, emagrecimento, febre, entre outros sinais e sintomas2121 Nguyen DTM, Bang ND, Hung NQ, Beasley RP, Hwang LY, Graviss EA. Yield of chest radiograph in tuberculosis screening for HIVinfected persons at a district-level HIV clinic. Int J Tuberc Lung Dis. 2016;20(2):211-7.. Dessa forma, o sujeito naturaliza os sentidos circulantes que enfatizam o tratamento de curta duração por meio da ingestão medicamentosa, observada como importante no controle da TB. A ação de procurar pelo sujeito adoecido ancora-se no imaginário do sujeito de que a erradicação da doença ocorrerá apenas se todos os potenciais transmissores forem curados. A política de controle da TB, em Moçambique, confere a autoridade e a legitimidade ao sujeito profissional de saúde para procurar o doente por onde ele esteja.

Sinaliza-se que, na tentativa de coordenar as atividades, o sujeito desloca-se para outras unidades sanitárias do distrito, como forma de garantir a uniformização das atividades inerentes ao controle da TB. As marcas linguísticas sensibilizar os meus colegas deixam vestígio de ocorrer falta de compreensão sobre as atividades a serem desempenhadas, mas também o imaginário de que fazer parte do programa de controle da TB pode implicar uma remuneração adicional: meus colegas pensam que estar no programa da TB é dinheiro.

Quanto ao bloco dicursivo envolvimento da família e líderes comunitários no tratamento da TB, nota-se que as marcas linguísticas envolvemos os membros da família, os membros da família controlam o paciente sugerem que a ação de controlar o doente exercida pelos profissionais de saúde também é confiada aos familiares para a materialização da disciplina e vigilância que devem ser bem fortificadas no sentido de controlar a doença. O pacto feito com a família objetiva legitimá-las, ofertando-lhe o poder de vigiar e controlar o sujeito doente com a finalidade de assujeitá-lo ao tratamento1818 Foucault M. Miocrofísica do poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2014.. Observam-se aqui também as ações de educação em saúde que a família recebe: informamos os cuidados a ter com o doente e a ajuda a prestar para ele, esta ação educativa, centralizada no corpo físico, funda-se no imaginário de que a família constitui o núcleo e a força motriz para vigiar permanentemente o doente1818 Foucault M. Miocrofísica do poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2014..

A presença do discurso-transverso, compreendido como aquilo que atravessa e põe em conexão entre si e os elementos discursivos constituídos pelo interdiscurso enquanto pré-constituído99 Pêcheux M. Semântica e discurso: uma crítica a afirmação do óbvio. 2ª ed. Campinas: UNICAMP; 2009., é mais saliente nas sequências discursivas: a gente (...) conversa com o doente (...); procuramos saber a história da família (...) já é um contrato (…) explicamos. Nessas sequências discursivas, o sujeito constitui-se como sujeito que fala com a formação discursiva que o assujeita99 Pêcheux M. Semântica e discurso: uma crítica a afirmação do óbvio. 2ª ed. Campinas: UNICAMP; 2009.. Nesse caso, o sujeito está assujeitado por uma formação discursiva que invoca a importância da família no processo de cura do paciente. Assim, chamar e conversar com o doente constitui um dos passos para a negociação do tratamento da doença. A ação de perguntar ao paciente sobre a sua vida garante o conhecimento do profissional de saúde sobre o paciente representar uma potencial ameaça aos familiares, principalmente às crianças e aos idosos, que são mais vulneráveis para contrair a doença. Nesse contexto, a ação de fazer a quimioprofilaxia nos que convivem com o paciente permite erradicar a doença no contexto familiar22 World Health Organization. Global Tuberculosis control [Internet]. Geneva: WHO; 2015. [cited 2016 Jan 27]. Available from: Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/191102/1/9789241565059_eng.pdf?ua=1
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...
. Compreende-se, assim, que a execução do Tratamento Diretamente Observado exige o envolvimento dos profissionais e a capacidade técnica primordial que garanta uma relação eficaz entre os profissionais de saúde, o doente de TB e a família, o que implica também o rastreamento das pessoas mais próximas ao caso suspeito ou confirmado de TB11 Wikman-Jorgenson PE, Marales-Cartagena A, Llenas-García J, Pérez-Porcuna TM, Hobbins M, Ehmer J, et al. Implementation challenges of a TB programme in rural northern Mozambique: evaluation of 2012-2013 outcomes. Pathog Glob Health. 2015;109(5):221-7..

Conclusão

Os dizeres dos profissionais de saúde produziram vários sentidos que sugerem, como ações de Vigilância em Saúde, práticas que incluem a coleta de escarro na residência do paciente e seu encaminhamento ao laboratório; o deslocamento da equipe médica com microscópio para a testagem da TB; e a testagem das doenças que podem estar associadas à TB ajudam no controle da TB.

Apesar de alguns avanços registrados e do engajamento de profissionais que realizam ações voltadas para o controle da TB, as inconsistências identificadas nos discursos evidenciam a fragilidade quanto à efetividade desse controle. O reforço dessas ações e a sua multiplicação em várias partes do país poderiam ajudar na redução da TB. Um cenário de alta carga da doença, com falta de recursos humanos, de financiamento e de valorização de todos os atores: família, líderes comunitários, pacientes e profissionais engajados no controle da TB constituem-se em importantes fatores na piora da situação epidemiológica da doença no local de estudo. No entanto, o controle da doença implica o comprometimento do Estado com a problemática da TB e a alocação de mais recursos financeiros, materiais e humanos para as unidades sanitárias, de modo que se reforce as ações de Vigilância em Saúde de forma consistente.

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    Extraído da tese “Discursos e produção de sentidos: experiência da transferência da política do tratamento diretamente observado de curta duração para o controle da tuberculose em Moçambique - África”, Programa de Pós-Graduação Enfermagem em Saúde Pública, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 2016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    16 Maio 2016
  • Aceito
    04 Jan 2017
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