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Comparação do desempenho cognitivo de idosos cuidadores com e sem dor crônica* * Extraído da dissertação "Associação entre dor crônica e cognição em idosos cuidadores", Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Enfermagem, 2015.

Resumo

OBJETIVO

Conhecer e caracterizar a dor crônica em idosos cuidadores, verificar o desempenho cognitivo dos idosos da amostra e verificar se há diferença no desempenho cognitivo de idosos cuidadores com e sem dor crônica.

MÉTODO

Participaram da pesquisa pessoas com 60 anos ou mais que residiam com outro idoso no mesmo domicílio e que estavam cadastradas nas Unidades de Saúde da Família. A coleta de dados ocorreu no domicílio dos participantes. A dor foi avaliada pelo EMADOR e a cognição foi avaliada pelo ACE-R. Para as análises estatísticas foram utilizados os testes de Shapiro-Wilk e Mann-Whitney U Test.

RESULTADOS

Participaram da pesquisa 187 idosos cuidadores com dor crônica e 133 sem dor, com maior frequência de mulheres. A dor crônica esteve presente em 58,4% dos participantes. No que se refere às variáveis sociodemográficas, não houve diferença entre os grupos, com exceção da variável sexo (p=0,025). Não houve diferença no desempenho cognitivo entre os idosos com dor crônica e sem dor em nenhum domínio do instrumento ACE-R.

CONCLUSÃO

Os resultados contrariaram a hipótese inicial de que haveria diferença entre os grupos, no entanto, observa-se uma lacuna no conhecimento científico sobre dor crônica e cognição, principalmente em idosos cuidadores, abrindo perspectivas para investigações futuras.

DESCRITORES
Idoso; Cuidadores; Dor Crônica; Cognição; Enfermagem Geriátrica

Abstract

OBJECTIVE

Understanding and characterizing chronic pain in elderly caregivers, verifying the cognitive performance of the elderly of the sample and verifying whether there is difference in the cognitive performance of elderly caregivers with and without chronic pain.

METHOD

Participants were people aged 60 years or older who lived with another elderly person in the same household and who were registered in Family Health Units. Data collection took place at participants' homes. Pain was assessed by the EMADOR and cognition was assessed by ACE-R. Statistical analyzes were performed using Shapiro-Wilk's and Mann-Whitney U tests.

RESULTS

The study included 187 elderly caregivers with chronic pain and 133 without chronic pain, with a higher frequency of women. Chronic pain was present in 58.4% of the participants. Regarding the sociodemographic variables, there was no difference between the groups except for the gender variable (p=0.025). No difference was found in cognitive performance among the elderly with chronic pain and those without chronic pain for any domain of the ACE-R instrument.

CONCLUSION

The results contradicted the initial hypothesis that there would be a difference between the groups; however, there is a gap in the scientific knowledge on chronic pain and cognition, especially in elderly caregivers, opening perspectives for future investigations.

DESCRIPTORS
Aged; Caregivers; Chronic Pain; Cognition; Geriatric Nursing

Resumen

OBJETIVO

Conocer y caracterizar el dolor crónico en ancianos cuidadores, verificar el desempeño cognitivo de los ancianos de la muestra y verificar si hay diferencia en el desempeño cognitivo de ancianos cuidadores con y sin dolor crónico.

MÉTODO

Participaron en la investigación personas de 60 años o más que residían con otro anciano en el mismo domicilio y que estaban registradas en las Unidades de Salud de la Familia. La recolección de datos ocurrió en el domicilio de los participantes. El dolor fue evaluado por el EMADOR y la cognición fue evaluada por el ACE-R. Para los análisis estadísticos fueron utilizadas las pruebas de Shapiro-Wilk y Mann-Whitney U Test.

RESULTADOS

Participaron en la investigación 187 ancianos cuidadores con dolor crónico y 133 sin dolor, con mayor frecuencia de mujeres. El dolor crónico estuvo presente en el 58,4% de los participantes. En lo que se refiere a las variables sociodemográficas, no hubo diferencia entre los grupos, excepto por la variable sexo (p=0,025). No hubo diferencia en el desempeño cognitivo entre los ancianos con dolor crónico y sin dolor en ningún dominio del instrumento ACE-R.

CONCLUSIÓN

Los resultados contrariaron el supuesto inicial de que habría diferencia entre los grupos, no obstante, se observa una brecha en el conocimiento científico acerca de dolor crónico y cognición, especialmente en ancianos cuidadores, abriendo perspectivas para investigaciones futuras.

DESCRITORES
Anciano; Cuidadores; Dolor Crónico; Cognición; Enfermería Geriátrica

Introdução

O crescimento da população idosa vem ocorrendo de maneira acelerada em todo o mundo. Com o aumento da idade, pode ocorrer perda progressiva da autonomia, acarretando a necessidade de cuidados realizados por outras pessoas. Os cuidadores são indivíduos que se dedicam a realizar os cuidados, podendo ser membros da família ou pessoas contratadas para esse fim11 Miranda ACC, Sérgio SR, Fonseca GNS, Coelho SMC, Rodrigues JS, Cardoso CL. Avaliação da presença de cuidador familiar de idosos com déficits cognitivo e funcional residentes em Belo Horizonte-MG. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015; 18(1):141-50. .

Vários são os estudos que apontam a família como a principal executora de cuidados aos idosos, porém, com a transição demográfica e as mudanças na dinâmica familiar, o número de idosos que exerce o papel de cuidador principal de outro idoso membro da família tem aumentado ao longo dos anos11 Miranda ACC, Sérgio SR, Fonseca GNS, Coelho SMC, Rodrigues JS, Cardoso CL. Avaliação da presença de cuidador familiar de idosos com déficits cognitivo e funcional residentes em Belo Horizonte-MG. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015; 18(1):141-50. -22 Tomomitsu MRSV, Perracini MR, Neri AL. Influência de gênero, idade e renda sobre o bem-estar de idosos cuidadores e não cuidadores. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2013; 16(4):663-8. . O cuidador, ao incumbir-se da responsabilidade de prestar o cuidado, pode modificar sua rotina de vida, aumentando a sobrecarga de trabalho e ficando mais susceptível à presença de comorbidades, entre elas a dor crônica22 Tomomitsu MRSV, Perracini MR, Neri AL. Influência de gênero, idade e renda sobre o bem-estar de idosos cuidadores e não cuidadores. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2013; 16(4):663-8. -33 Neri AL, Yassuda MS, Fortes-Burgos AC, Mantovani EP, Arbex FS, Torres SVS, et al. Relationships between gender, age, family conditions, physical and mental health, and social isolation of elderly caregivers. Int Psychogeriatr. 2012;24(3):472-83. .

Os idosos cuidadores com dor crônica podem apresentar maior dificuldade para o desempenho de atividades de vida diária, influenciando de maneira negativa o cuidado prestado a outro idoso e o próprio autocuidado, além disso, a presença de dor crônica pode comprometer sua capacidade cognitiva e suas habilidades comportamentais e sociais. As pessoas com dor podem apresentar uma maior prevalência de sintomas depressivos, distúrbios do sono e fazer maior uso de medicamentos44 Benyon K, Muller S, Hill S, Mallen C. Coping strategies as predictors of pain and disability in older people in primary care: a longitudinal study. BMC Fam Pract [Internet]. 2013 [cited 2014 Oct 30];14:67. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3665454/ .

É frequente a presença de dor crônica entre os idosos, resultando em consequências graves e potencialmente debilitantes, demonstrando a importância de uma análise consistente da dor, avaliando os sintomas, o estado funcional e os antecedentes clínicos do indivíduo, assim como a localização e o tempo de início da dor. Para uma avaliação efetiva, deve-se confiar na descrição do paciente, pois a dor tem natureza subjetiva e somente o indivíduo consegue descrever como ela está sendo percebida. Outras formas de manifestações, como choro, resmungos, gritos e proteção de partes específicas do corpo também devem ser avaliadas, principalmente em idosos com comprometimento cognitivo e da fala55 Bottega FH, Fontana RT. A dor como o quinto sinal vital: utilização da escala de avaliação por enfermeiros de um hospital geral. Texto Contexto Enferm. 2010;19(2): 283-90..

Segundo a International Association for the Study of Pain (IASP)66 International Association for the Study of Pain. Pain definitions [Internet]. Washington: IASP; 2014 [cited 2014 Oct 30]. Available from: Available from: https://www.iasp-pain.org/
https://www.iasp-pain.org/...
, a dor é considerada uma "experiência sensitiva e emocional desagradável decorrente ou descrita em termos de lesões teciduais reais ou potenciais", podendo desencadear interferências negativas nas atividades diárias e na qualidade de vida dos indivíduos, além de influenciar os aspectos cognitivos77 Simons LE, Elman I, Borsook D. Psychological processing in chronic pain: a neural systems approach. Neurosci Biobehav Rev. 2014;39:61-78..

A dor é um estímulo capaz de afetar o estado dinâmico do encéfalo, pois os sistemas neurais envolvidos na cognição também estão ligados intimamente aos sistemas de modulação e percepção da dor77 Simons LE, Elman I, Borsook D. Psychological processing in chronic pain: a neural systems approach. Neurosci Biobehav Rev. 2014;39:61-78.-88 Moriarty O, McGuire BE, Finn DP. The effect of pain on cognitive function: a review of clinical and preclinical research. Prog Neurobiol. 2011;93(3):385-404. . Essa interação entre as estruturas neurais prejudica a velocidade com que as informações alcançam o cérebro e a capacidade de processamento dessas informações, predispondo a deficit cognitivos em pacientes com dor crônica77 Simons LE, Elman I, Borsook D. Psychological processing in chronic pain: a neural systems approach. Neurosci Biobehav Rev. 2014;39:61-78.-88 Moriarty O, McGuire BE, Finn DP. The effect of pain on cognitive function: a review of clinical and preclinical research. Prog Neurobiol. 2011;93(3):385-404. .

Uma pesquisa revisou estudos clínicos e pré-clínicos, os quais investigaram a função cognitiva em sujeitos com dor na tentativa de compreender se a dor crônica afeta negativamente a cognição. A partir dos resultados, os autores consideraram que são fortes os indícios de que a dor prejudica os domínios cognitivos, evidenciando a sobreposição dos substratos neuroanatômicos e neuroquímicos envolvidos na dor e na cognição88 Moriarty O, McGuire BE, Finn DP. The effect of pain on cognitive function: a review of clinical and preclinical research. Prog Neurobiol. 2011;93(3):385-404. .

Outros estudos também revelaram piores resultados dos pacientes com dor crônica nos testes cognitivos e na capacidade de aprendizado quando comparados ao grupo controle99 Oosterman JM, Derksen LC, van Wijck AJ, Veldhuijzen DS, Kessels RP. Memory functions in chronic pain: examining contributions of attention and age to test performance. Clin J Pain. 2011;27(1):70-5. -1010 Lopes MA, Xavier AJ, D'Orsi E. Cognitive and functional impairment in an older community population from Brazil: the intriguing association with frequent pain. Arch Gerontol Geriatr. 2016;66:134-9., demonstrando que tanto em pessoas quanto em animais de laboratório a presença de dor crônica provoca alterações funcionais em estruturas corticais e subcorticais, incluindo córtex pré-frontal medial, tálamo, amígdala e córtex cingulado anterior, áreas que estão relacionadas com aprendizagem, memória, medo e respostas emocionais88 Moriarty O, McGuire BE, Finn DP. The effect of pain on cognitive function: a review of clinical and preclinical research. Prog Neurobiol. 2011;93(3):385-404. -99 Oosterman JM, Derksen LC, van Wijck AJ, Veldhuijzen DS, Kessels RP. Memory functions in chronic pain: examining contributions of attention and age to test performance. Clin J Pain. 2011;27(1):70-5. .

Pesquisas que investigaram a relação cognição e dor crônica na população idosa observaram piores resultados em testes cognitivos no grupo com dor crônica, demonstrando uma associação entre essas duas variáveis nessa população1010 Lopes MA, Xavier AJ, D'Orsi E. Cognitive and functional impairment in an older community population from Brazil: the intriguing association with frequent pain. Arch Gerontol Geriatr. 2016;66:134-9.

11 Lee DM, Pendleton N, Tajar A, O'Neill TW, O'Connor DB, Bartfai G, et al. Chronic widespread pain is associated with slower cognitive processing speed in middle-aged and older European men. Pain. 2010;151(1):30-6.
-1212 Karp JF, Reynolds CF, Butters MA, Dew MA, Mazumdar S, Begley AE. The relationship between pain and mental flexibility in older adult clinic patients. Pain Med. 2006;7(5):444-52. . No entanto, como visto anteriormente, há poucos estudos que avaliem essa relação, além disso, não foram encontradas na literatura pesquisas que investiguem essas variáveis no contexto de idosos cuidadores, justificando a importância de estudar essa temática, visto que os impactos negativos causados pela dor crônica na vida dessas pessoas pode prejudicar a própria saúde, assim como a saúde dos idosos que são cuidados.

Cabe ressaltar que o presente trabalho se propõe a investigar idosos cuidadores buscando entender como se dá a relação entre dor e cognição em idosos que cuidam de outros idosos, visto que alguns estudos já apontaram para uma relação negativa entre essas duas variáveis em idosos1010 Lopes MA, Xavier AJ, D'Orsi E. Cognitive and functional impairment in an older community population from Brazil: the intriguing association with frequent pain. Arch Gerontol Geriatr. 2016;66:134-9.

11 Lee DM, Pendleton N, Tajar A, O'Neill TW, O'Connor DB, Bartfai G, et al. Chronic widespread pain is associated with slower cognitive processing speed in middle-aged and older European men. Pain. 2010;151(1):30-6.
-1212 Karp JF, Reynolds CF, Butters MA, Dew MA, Mazumdar S, Begley AE. The relationship between pain and mental flexibility in older adult clinic patients. Pain Med. 2006;7(5):444-52. . O papel de cuidador gera aumento da sobrecarga e estresse, o que pode contribuir para o surgimento de dores1313 Gratão ACM, Vendrúscol TRP, Talmelli LFS, Figueiredo LC, Santos JLF, Rodrigues RAP. Sobrecarga e desconforto emocional em cuidadores de idosos. Texto Contexto Enferm. 2012;21(2):304-12., e, como exposto, por sua vez, a dor crônica pode contribuir para um pior desempenho cognitivo. Busca-se entender como se dá a relação entre dor e desempenho cognitivo em idosos cuidadores com o intuito de analisar a influência da dor na cognição quando há um fato de "ser idoso cuidador" envolvido.

Assim, os objetivos deste estudo foram: conhecer e caracterizar a dor crônica em idosos cuidadores, verificar o desempenho cognitivo dos idosos da amostra e verificar se há diferença no desempenho cognitivo de idosos cuidadores com e sem dor crônica.

Método

Estudo quantitativo de caráter transversal, observacional e analítico, realizado na cidade de São Carlos-SP. A população foi composta por idosos residentes nas áreas urbanas e rurais de abrangência de todas as Unidades de Saúde da Família (USF) do município.

Como critérios de inclusão, o participante deveria estar cadastrado em uma Unidade de Saúde da Família, ter 60 anos ou mais e realizar o cuidado primário a outro idoso que residisse no mesmo domicílio. Foram excluídos os indivíduos que não se encontravam no domicílio em até três tentativas de contato, por motivos de falecimentos, mudança de endereço, dor aguda no momento da entrevista (por entendermos que a dor poderia ser um viés para a análise cognitiva), e em situações em que os dois idosos eram igualmente dependentes ou igualmente independentes para as atividades de vida diária. Neste estudo foi considerada dor crônica aquela com duração igual ou superior a 6 meses, de caráter contínuo ou recorrente1414 Merskey NB. Classification of chronic pain: descriptions of chronic pain syndromes and definitions of pain terms prepared by the International Association for the Study of Pain. 2nd ed. Seattle: IASP; 1994..

Para a identificação dos participantes foram utilizadas listas disponibilizadas pelas USF, nas quais constavam nomes e endereços de todos os idosos que moravam com pelo menos mais um idoso. Todos os domicílios foram visitados, totalizando 594 residências.

Para identificar o idoso cuidador a integrar esta pesquisa, foram utilizados questionários de avaliação do desempenho nas atividades básicas e instrumentais de vida diária. O idoso com melhor desempenho na soma da pontuação dos dois instrumentos era considerado o idoso cuidador e o idoso com menor pontuação, aquele que recebia os cuidados. Para avaliar o desempenho nas atividades básicas, foi utilizada a escala de Atividades Básicas de Vida Diária (AVD)1515 Lino VTS, Pereira SEM, Camacho LAB, Ribeiro Filho ST, Buksman S. Adaptação transcultural da Escala de Independência em Atividades da Vida Diária (Escala de Katz). Cad Saúde Pública. 2008;24(1):103-12. , e para avaliar o desempenho nas atividades instrumentais foi utilizada a Escala de Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVD)1616 Santos RL, Virtuoso JSJ. Confiabilidade da versão brasileira da escala de atividades da vida instrumentais diária. Rev Bras Promoção Saúde. 2008;21(4):290-6. , ambas validadas para o contexto brasileiro. Todos os participantes integrantes desta pesquisa realizavam pelo menos uma das atividades básicas (alimentação, banho, vestir-se, continência urinária e fecal) ou atividades instrumentais (por exemplo, levar ao médico, dar banho, realizar as compras), considerando-se o cuidador, portanto, aquele que realizava uma dessas atividades a outro idoso.

Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, a amostra final foi composta por 320 idosos cuidadores, representando 63,4% da população total de idosos cuidadores cadastrados nas USF. Foram excluídos do estudo 69 idosos por não se encontrarem no domicílio em até três tentativas de contato, 26 por falecimentos, 28 por mudança de endereço, 84 por recusa, 31 por relatar dor aguda e 36 por situação em que os dois idosos eram igualmente dependentes ou igualmente independentes para as atividades de vida diária.

As avaliações ocorreram no domicílio dos idosos por meio de entrevistas individuais, realizadas por pós-graduandos devidamente treinados. A coleta de dados foi realizada no período de abril a novembro de 2014.

Para a caracterização sociodemográfica (sexo, idade, renda familiar, estado civil e escolaridade) e caracterização do cuidado prestado e de saúde (grau de parentesco, horas diárias despendidas ao cuidado, há quanto tempo exerce o cuidado e número de medicamentos), foi utilizado questionário construído pelos pesquisadores, que passou por avaliação de face e conteúdo. A dor foi avaliada pela Escala Multidimensional de Avaliação da Dor (EMADOR)1717 Sousa FAEF, Pereira LV, Cardoso R, Hortense P. Escala Multidimensional de Avaliação de Dor (EMADOR). Rev Latino Am Enfermagem. 2010;18(1):3-10. , sendo utilizados os dez descritores de dor crônica correspondentes às três dimensões qualitativas da dor (dimensões sensitiva, afetiva e avaliativa); pela Escala de Intensidade Numérica de Dor, em que a pessoa deve relatar a intensidade na última semana (0 significa ausência de dor, 10 significa dor insuportável e os valores 1 a 9 intensidades intermediárias de dor); e por um diagrama corporal, no qual o participante indica visualmente os locais acometidos pela dor. A intensidade foi classificada, sendo 0 correspondente à ausência de dor na última semana, 1 a 3 dor fraca, 4 a 6 moderada, 7 a 9 intensa e 10 insuportável1818 Pereira LV, Vasconcelos PP, Souza LAF, Pereira GA, Nakatani AYK, Bachion MM. Prevalência, intensidade de dor crônica e autopercepção de saúde entre idosos: estudo de base populacional. Rev Latino Am Enfermagem. 2014;22(4):662-9. . Vale ressaltar que os participantes poderiam descrever a ausência de dor na última semana, mas relatar dor nas semanas anteriores.

Para a avaliação do desempenho cognitivo foi utilizado o instrumento Exame Cognitivo de Addenbrooke - Revisado (ACE-R) com o objetivo de avaliar cinco domínios cognitivos: atenção e orientação, memória, fluência verbal, linguagem e habilidade visual-espacial. O escore geral do ACE-R varia de 0 a 100 pontos, distribuídos entre os cinco domínios: orientação/atenção (18 pontos), memória (26 pontos), fluência verbal (14 pontos), linguagem (26 pontos) e habilidades visuoespaciais (16 pontos)1919 Carvalho VA, Barbosa MT, Caramelli P. Brazilian version of Addenbrooke's Cognitive Examination in the diagnosis of mild Alzheimer disease. Cogn Behav Neurol. 2010;23(1):8-13.. Para a nota de corte do instrumento ACE-R, optou-se por utilizar a mediana segundo a escolaridade, tendo em vista a alta porcentagem de idosos com baixa escolaridade e a falta de um padrão na literatura desse perfil na população. Assim, foram consideradas as seguintes medianas: analfabetos: 39; 1-4 anos: 62; 5-8 anos: 78; 9 anos ou mais: 83.

Para avaliar os sintomas depressivos foi utilizada Escala de Depressão Geriátrica (GDS-15), que tem como objetivo de rastrear sintomas depressivos em idosos. É composta por 15 questões, com alternativas dicotômicas, "sim" ou "não". Escores de 0 a 5 representam pacientes sem alterações, 6 a 10, sintomas depressivos leves e 11 a 15, sintomas severos de depressão2020 Almeida O, Almeida SA. Confiabilidade da versão brasileira da Escala de Depressão em Geriatria (GDS) versão reduzida. Arq Neuropsiquiatr. 1999;57(2-B):421-6. .

Para avaliar a sobrecarga do cuidado prestado pelos idosos foi utilizado o Inventário para Avaliação da Sobrecarga, traduzido e validado para cultura brasileira. O instrumento compreende 22 questões de resposta, do tipo likert, com as opções de resposta: "Nunca", "Raramente", "Algumas vezes", "Frequentemente" e "Sempre". A pontuação em cada resposta varia de 0 a 4, sendo 0-Nunca e 4-Sempre. A soma das questões pode variar de 0 a 20 pontos, em que o cuidador é caracterizado com pequena sobrecarga, 21 a 40 pontos, com moderada sobrecarga, 41 a 60 pontos, moderada a severa sobrecarga e 61 a 88 pontos, sobrecarga severa2121 Scazufca M. Brazilian version of the Burden Interview scale for the assessment of burden of care in carers of people with mental illnesses. Rev Bras Psiquiatr. 2002;24(1):12-7..

O presente estudo foi autorizado pela Secretaria Municipal de Saúde de São Carlos (Parecer n. 68 de 20 de setembro de 2013) e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) (Parecer n. 517.182 de 29 de janeiro de 2014).

Para a análise dos dados foi criado um banco de dados no software Epidata 3.1. Dois digitadores realizaram a entrada dos dados de maneira independente e cega. Após a validação da dupla entrada, os dados foram exportados para o aplicativo Stata 10(r) para sistema Windows. A normalidade dos dados foi verificada através do teste de Shapiro-Wilk. Para as variáveis com distribuição normal (número de medicamentos e domínio fluência do instrumento ACE-R) foi utilizado o Test t e para as variáveis não paramétricas foi utilizado o teste de Mann-Whitney U Test para amostras independentes. Para todos os testes estatísticos foi adotado o nível de significância de 5%.

Resultados

Participaram do estudo 320 idosos cuidadores, os quais foram divididos em dois grupos: idosos com dor crônica (CD), totalizando 187 participantes (58,4%) e idosos sem dor (SD), totalizando 133 participantes (41,5%).

Ao comparar as variáveis sociodemográficas entre os grupos com dor e sem dor, observou-se uma diferença estatisticamente significativa somente em relação ao sexo feminino. A Tabela 1 apresenta a distribuição das variáveis sociodemográficas segundo os grupos.

Tabela 1
Distribuição das variáveis sociodemográficas dos grupos de idosos cuidadores com dor e sem dor - São Carlos, SP, Brasil, 2016.

Em relação às variáveis do cuidado, observou-se que 84,2% (n=112) dos participantes do grupo CD realizavam o cuidado ao cônjuge e 7,5% (n=14) ao pai/mãe. No grupo SD observaram-se resultados semelhantes, 85% (n=159) realizavam o cuidado ao cônjuge e 7,5% (n=10) ao pai/mãe. A Tabela 2 apresenta as características do cuidado e de saúde de cada grupo.

Tabela 2
Distribuição das variáveis de saúde e de cuidado dos grupos de idosos cuidadores com dor e sem dor - São Carlos, SP, Brasil, 2016.

Com relação à sobrecarga, aos sintomas depressivos e ao número de medicamentos, foi possível observar que o grupo com dor crônica apresentou percentuais mais elevados quando comparado ao grupo sem dor crônica, com diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (Tabela 2).

Dos 320 idosos, 58,4% relataram sentir dor há mais de 6 meses em alguma região do corpo, representando 187 indivíduos. As localizações do corpo com maior prevalência foram a região lombar (58,8%) e os membros inferiores (58,8%), sendo que 56,1% dos participantes relataram dor em mais de uma localização do corpo. A intensidade da dor, na última semana, variou entre ausente, fraca, moderada, intensa e insuportável, conforme o relato do idoso. Quanto à intensidade da dor, verificou-se predomínio de dor moderada (39,0%) e intensa (38,6%). Os principais descritores elencados pelos cuidadores para representar a dor foram desconfortável (92,5%), dolorosa (87,1%) e persistente (73,7%). Vale ressaltar que os participantes poderiam escolher mais de um descritor para caracterizar sua dor. A média da intensidade na dor na última semana foi de 6,41.

Quando realizada a comparação dos grupos segundo os domínios do instrumento ACE-R (atenção e orientação, memória, fluência, linguagem e habilidades visuoespaciais), não foi possível verificar diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos em nenhum domínio do instrumento (Tabela 3).

Tabela 3
Comparação entre médias e medianas do instrumento ACE-R, segundo os grupos de idosos cuidadores com e sem dor crônica - São Carlos, SP, Brasil, 2016.

A Tabela 4 apresenta a comparação dos grupos segundo domínios do instrumento ACE-R e as variáveis: escolaridade, sexo e idade. A média do ACE-R foi maior entre os homens quando comparados com as mulheres, e em ambos os sexos o grupo com dor crônica apresentou melhor pontuação quando comparado ao grupo sem dor crônica. No entanto, não houve diferenças estatísticas entre os grupos com relação a essas variáveis.

Tabela 4
Comparação entre médias e medianas do ACE-R e as variáveis escolaridade, sexo e idade, segundo os grupos de idosos cuidadores com e sem dor crônica dor - São Carlos, SP, Brasil, 2016.

Discussão

Com relação ao objetivo principal da pesquisa, que foi verificar se há diferenças no desempenho cognitivo de idosos cuidadores com dor e sem dor crônica, o presente estudo não encontrou diferenças estatisticamente significantes entre os grupos. Pesquisas apontam que a dor e a cognição são fatores diretamente relacionados, evidenciando uma possível interação dos sistemas neurais envolvidos na cognição, também estarem intimamente ligados aos sistemas de modulação e percepção da dor. Essa interação entre as estruturas neurais, prejudicaria a velocidade com que as informações alcançam o cérebro e a capacidade de processamento dessas informações, predispondo a deficit cognitivos em pacientes com dor crônica77 Simons LE, Elman I, Borsook D. Psychological processing in chronic pain: a neural systems approach. Neurosci Biobehav Rev. 2014;39:61-78.-88 Moriarty O, McGuire BE, Finn DP. The effect of pain on cognitive function: a review of clinical and preclinical research. Prog Neurobiol. 2011;93(3):385-404. .

Um estudo de revisão apontou que algumas técnicas de neuroimagem, como eletroencefalografia (EEG), magnetoencefalografia (MEG), Ressonância Magnética Funcional (fMRI) e tomografia por emissão de pósitrons (PET) têm sido estudadas para auxiliar na compreensão da interação entre a dor e o processamento cognitivo do ponto de vista neuroanatômico, sendo possível observar que as áreas corticais somatossensoriais (SI e SII), o córtex insular, o tálamo, o córtex pré-frontal (CPF) e o córtex cingulado anterior (ACC) foram identificadas como as regiões cerebrais mais ativadas durante o processamento da dor, e essas regiões também apresentam importantes funções no processamento cognitivo88 Moriarty O, McGuire BE, Finn DP. The effect of pain on cognitive function: a review of clinical and preclinical research. Prog Neurobiol. 2011;93(3):385-404. . As técnicas de neuroimagem mostram-se eficazes na avaliação do processamento cognitivo em pacientes com dor crônica, porém é um método mais caro e robusto de coleta de dados.

Uma pesquisa realizada na Northwestern University, em Chicago (EUA)2222 Mutso AA, Radzick D, Baliki MN, Huang L, Banisadr G, Centeno MV, et al. Abnormalities in hippocampal functioning with persistent pain. J Neurosci. 2012; 32(17):5747-56., avaliou as alterações no hipocampo em 88 pacientes com dor crônica (38 com dor lombar, 30 com síndrome de dor regional complexa e 20 com osteoartrite no joelho) comparando-os com 50 indivíduos saudáveis. Testes de imagens foram realizados e uma análise de covariância demonstrou que os indivíduos com dor lombar e síndrome de dor regional complexa apresentaram volume do hipocampo bilateral significativamente menor em comparação com indivíduos normais, verificando que essas alterações podem contribuir para os deficit de aprendizagem observados nesses pacientes2222 Mutso AA, Radzick D, Baliki MN, Huang L, Banisadr G, Centeno MV, et al. Abnormalities in hippocampal functioning with persistent pain. J Neurosci. 2012; 32(17):5747-56.. Uma limitação desse estudo foi a não utilização de técnicas de neuroimagem.

Com o objetivo de descrever a influência da dor crônica no desempenho da memória e as interferências da idade nesse processo, um estudo concluiu que os participantes com dor tiveram um pior desempenho em testes de memória de trabalho e memória episódica verbal, quando comparado ao grupo controle, com resultados estatisticamente significativos99 Oosterman JM, Derksen LC, van Wijck AJ, Veldhuijzen DS, Kessels RP. Memory functions in chronic pain: examining contributions of attention and age to test performance. Clin J Pain. 2011;27(1):70-5. . No entanto, não foram observadas diferenças entre os grupos no que se refere à memória semântica e à memória episódica visual. O estudo não evidenciou diferenças na comparação da dor crônica com o aumento da idade99 Oosterman JM, Derksen LC, van Wijck AJ, Veldhuijzen DS, Kessels RP. Memory functions in chronic pain: examining contributions of attention and age to test performance. Clin J Pain. 2011;27(1):70-5. .

Um estudo epidemiológico transversal, realizado em uma cidade no sul do Brasil, com 1.705 idosos acima de 60 anos, teve como objetivo investigar a prevalência de comprometimento cognitivo e funcional e sua distribuição em relação aos fatores sociodemográficos e clínicos, como a dor1010 Lopes MA, Xavier AJ, D'Orsi E. Cognitive and functional impairment in an older community population from Brazil: the intriguing association with frequent pain. Arch Gerontol Geriatr. 2016;66:134-9.. Os autores surpreenderam-se ao identificar em seus resultados uma associação entre dor frequente e comprometimento cognitivo, independentemente da presença de depressão, acidente vascular cerebral, diabetes e medicamentos analgésicos. Segundo os autores, há uma aparente falta de dados sobre a relação entre dor e cognição, sendo que os mecanismos de estresse adaptativo e a sobreposição de substratos neuroanatômicos e neuroquímicos podem estar relacionados com esse processo1010 Lopes MA, Xavier AJ, D'Orsi E. Cognitive and functional impairment in an older community population from Brazil: the intriguing association with frequent pain. Arch Gerontol Geriatr. 2016;66:134-9..

Uma pesquisa de base populacional, multicêntrico, com 3.369 homens com idade entre 40 e 79 anos, observou significativa associação inversamente proporcional entre a dor e velocidade de processamento psicomotor, avaliada por meio dos testes Rey-Osterrieth Complex Figure (ROCF), Camden Topographical Recognition Memory test (CTRM), Digit-Symbol Substitution test (DSST)1111 Lee DM, Pendleton N, Tajar A, O'Neill TW, O'Connor DB, Bartfai G, et al. Chronic widespread pain is associated with slower cognitive processing speed in middle-aged and older European men. Pain. 2010;151(1):30-6.. Os resultados não demonstraram associação com a memória visual e de reconhecimento, o que, segundo os autores, pode estar relacionado aos instrumentos utilizados para a avaliação1111 Lee DM, Pendleton N, Tajar A, O'Neill TW, O'Connor DB, Bartfai G, et al. Chronic widespread pain is associated with slower cognitive processing speed in middle-aged and older European men. Pain. 2010;151(1):30-6..

Com o intuito de investigar os efeitos da dor crônica nos domínios cognitivos de 56 idosos, uma pesquisa realizada nos Estados Unidos, concluiu que a intensidade da dor associou-se com uma maior dificuldade nos testes numéricos e subtestes de letras, indicando que os idosos com dor tiveram piores resultados nos testes cognitivos e na flexibilidade mental1212 Karp JF, Reynolds CF, Butters MA, Dew MA, Mazumdar S, Begley AE. The relationship between pain and mental flexibility in older adult clinic patients. Pain Med. 2006;7(5):444-52. .

Em outra pesquisa com 230 pacientes com fibromialgia, com idade superior a 18 anos, os autores utilizaram somente o Teste do Miniexame do Estado Mental (MEEM) para avaliar e comparar o desempenho cognitivo desse grupo com o grupo controle. Os resultados demonstraram que os pacientes com fibromialgia apresentaram pontuação mais baixa no teste, com valores estatisticamente significativos. Os dois grupos foram pareados para as variáveis sociodemográficas2323 Rodríguez-Andreu J, Ibáñez-Bosch R, Portero-Vázquez A, Masramon X, Rejas J, Gálvez R. Cognitive impairment in patients with Fibromyalgia syndrome as assessed by the Mini-Mental State Examination. BMC Musculoskeletal Disord. 2009;10:162. .

Em discordância, os autores de um estudo observaram que o teste do MEEM não é eficaz para comprovar os deficit cognitivos em pacientes com dor crônica. Os pesquisadores realizaram um estudo transversal com o intuito de investigar a influência da dor, da sedação, dos medicamentos e das características sociodemográficas sobre o funcionamento cognitivo de pacientes adultos e idosos com dor crônica, observando que o MEEM não foi o instrumento mais adequado para detectar as formas mais leves de comprometimento cognitivo em pacientes com dores crônicas2424 Sjøgren P, Christrup LL, Petersen MA, Højsted J. Neuropsychological assessment of chronic non-malignant pain patients treated in a multidisciplinary pain centre. Eur J Pain. 2005;9(4):453-62..

No presente estudo, não foi possível observar diferenças estatísticas nos domínios cognitivos entre os dois grupos, discordando dos estudos encontrados na literatura e contrariando a hipótese inicial. No entanto, cabe ressaltar que são poucos os estudos que investigam essa relação em idosos e que não há estudos que investigam essa relação em idosos cuidadores, o que impossibilita um consenso na literatura sobre essa abordagem. O presente estudo traz à tona resultados diferentes dos já encontrados e instiga os pesquisadores a realizarem novos estudos sobre o tema, principalmente em cuidadores. Outros instrumentos mais específicos para avaliar os domínios cognitivos (memória, atenção, orientação) também devem ser utilizados, entretanto, a literatura não apresenta evidências consensuais de instrumentos e testes mais adequados.

Além disso, a dor é uma sensação subjetiva e complexa, e muitas vezes não há linearidade entre estímulo nociceptivo e sua percepção2525 Wiech K, Ploner M, Tracey I. Neurocognitive aspects of pain perception. Trends Cogn Sci. 2008;12(8):306-13.. Estudos apontam que a atenção que o paciente dispensa para sua dor pode contribuir para o aumento da intensidade e prejudicar nas atividades diárias, sendo que o grau de risco para os fatores negativos depende da crença dos indivíduos em seus próprios recursos de enfrentamento2525 Wiech K, Ploner M, Tracey I. Neurocognitive aspects of pain perception. Trends Cogn Sci. 2008;12(8):306-13..

Analisando esta teoria e traçando um paralelo com os resultados do presente estudo, um idoso que cuida de outro idoso no domicílio tem o foco no cuidado e nas atividades destinados ao outro, o que pode contribuir para menor atenção à sua própria dor e índices mais elevados de enfrentamento e resiliência2626 Boeiro P. Cuidar no lugar: um apelo ao sentido de coerência e à resilência [editorial]. Rev Port Med Geral Fam. 2016;32(1):6-8. , além de maiores níveis de atenção e concentração aos afazeres diários, o que poderia levantar a hipótese de que o cuidado ao outro possa ser um fator protetor da cognição em idosos com dor. Dessa maneira, é possível que o fato de ser cuidador possibilite a presença de algumas variáveis não encontradas em idosos não cuidadores, tais como atenção, resiliência e enfrentamento, e tais peculiaridades podem agir protegendo o idoso com dor crônica de perdas cognitivas, o que seria esperado de acordo com o que já foi descrito na literatura, no entanto, é necessário estudos que comprovem essa hipótese.

Com relação às características sociodemográficas dos participantes, este estudo observou que os idosos cuidadores são principalmente do sexo feminino, com idade entre 60 e 75 anos, com baixa renda e com vida conjugal, perfil semelhante ao encontrado em outros estudos22 Tomomitsu MRSV, Perracini MR, Neri AL. Influência de gênero, idade e renda sobre o bem-estar de idosos cuidadores e não cuidadores. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2013; 16(4):663-8. -33 Neri AL, Yassuda MS, Fortes-Burgos AC, Mantovani EP, Arbex FS, Torres SVS, et al. Relationships between gender, age, family conditions, physical and mental health, and social isolation of elderly caregivers. Int Psychogeriatr. 2012;24(3):472-83. ,2727 Cardoso L, Vieira VM, Ricci MAM, Mazza RS. The current perspectives regarding the burden on mental health caregivers. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(2):513-7. .

As mulheres são as principais executoras de cuidados informais aos membros da família, reforçando o papel social da mulher atribuído historicamente com a função de prover o cuidado da casa, dos filhos e da família1313 Gratão ACM, Vendrúscol TRP, Talmelli LFS, Figueiredo LC, Santos JLF, Rodrigues RAP. Sobrecarga e desconforto emocional em cuidadores de idosos. Texto Contexto Enferm. 2012;21(2):304-12.,2727 Cardoso L, Vieira VM, Ricci MAM, Mazza RS. The current perspectives regarding the burden on mental health caregivers. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(2):513-7. . As pesquisas apresentam que os cuidadores, em geral, realizam o cuidado com uma média superior a 10 horas diárias e com um tempo de cuidado inferior a 8 anos1313 Gratão ACM, Vendrúscol TRP, Talmelli LFS, Figueiredo LC, Santos JLF, Rodrigues RAP. Sobrecarga e desconforto emocional em cuidadores de idosos. Texto Contexto Enferm. 2012;21(2):304-12.,2727 Cardoso L, Vieira VM, Ricci MAM, Mazza RS. The current perspectives regarding the burden on mental health caregivers. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(2):513-7. , diferindo dos resultados encontrados no presente estudo, em que a maioria dos cuidadores realiza o cuidado há mais de 10 anos e com média inferior a 5 horas diárias. A exaustiva atividade do cuidado prestado associada ao grau de dependência do idoso podem desencadear níveis elevados de sobrecarga no cuidador com impactos negativos em seu bem-estar físico e psicológico, principalmente em cuidadores que assumem sozinhos a tarefa do cuidado ao idoso1313 Gratão ACM, Vendrúscol TRP, Talmelli LFS, Figueiredo LC, Santos JLF, Rodrigues RAP. Sobrecarga e desconforto emocional em cuidadores de idosos. Texto Contexto Enferm. 2012;21(2):304-12.,2727 Cardoso L, Vieira VM, Ricci MAM, Mazza RS. The current perspectives regarding the burden on mental health caregivers. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(2):513-7. .

No que se refere às variáveis sociodemográficas, quando comparadas entre os grupos com e sem dor crônica, somente a variável sexo apresentou diferença estatisticamente significativa. Não foi possível observar associações entre dor e as variáveis faixa etária, escolaridade, estado civil e renda familiar. Alguns estudos com adultos demonstram que a maior prevalência de dor em mulheres pode estar associada a uma série de fatores fisiológicos2828 Martinez-Jauand M, Sitges C, Femenia J, Cifre I, Gonzalez S, Chialvo D, et al. Age-of-onset of menopause is associated with enhanced painful and non-painful sensitivity in fibromyalgia. Clin Rheumatol. 2013;32(7):975-81. , e outras pesquisas enfatizam que as mulheres tendem a relatar mais dor do que os homens77 Simons LE, Elman I, Borsook D. Psychological processing in chronic pain: a neural systems approach. Neurosci Biobehav Rev. 2014;39:61-78..

A prevalência da dor crônica nos idosos cuidadores do presente estudo foi 58,4%. Pesquisas apontam que a prevalência de dor crônica em idosos brasileiros pode variar de 29,7% a 52,8%, porém ainda são poucos os estudos epidemiológicos com idosos que residem na comunidade1818 Pereira LV, Vasconcelos PP, Souza LAF, Pereira GA, Nakatani AYK, Bachion MM. Prevalência, intensidade de dor crônica e autopercepção de saúde entre idosos: estudo de base populacional. Rev Latino Am Enfermagem. 2014;22(4):662-9. . Os idosos deste estudo realizam atividades de cuidados, o que pode gerar um aumento da sobrecarga física, predispondo-os para o surgimento de dores. Os locais de dor mais relatados pelos cuidadores foram a região lombar e os membros inferiores, resultados que corroboram outras pesquisas em idosos1818 Pereira LV, Vasconcelos PP, Souza LAF, Pereira GA, Nakatani AYK, Bachion MM. Prevalência, intensidade de dor crônica e autopercepção de saúde entre idosos: estudo de base populacional. Rev Latino Am Enfermagem. 2014;22(4):662-9. .

Um estudo de base populacional com idosos da comunidade demonstrou que 42,1% dos participantes relataram forte intensidade da dor, seguido por 25,9% que declararam intensidade moderada, localizando-se principalmente nos membros inferiores (34,5%) e região lombar (29,5%)1818 Pereira LV, Vasconcelos PP, Souza LAF, Pereira GA, Nakatani AYK, Bachion MM. Prevalência, intensidade de dor crônica e autopercepção de saúde entre idosos: estudo de base populacional. Rev Latino Am Enfermagem. 2014;22(4):662-9. . Os resultados são similares aos desta investigação, em que a intensidade de dor referida foi principalmente moderada e intensa, o que pode ser considerada uma situação de grande incômodo e um problema importante na vida dos cuidadores, prejudicando o seu convívio social, as atividades de cuidado e de lazer.

Os resultados desta pesquisa corroboram dados encontrados na literatura, em que o grupo com dor apresenta maior prevalência de sintomas depressivos em relação ao grupo sem dor. Um estudo realizado no Reino Unido avaliou 502 participantes com média de idade de 65,2 anos e comparou os sujeitos de acordo com a intensidade da dor (acima ou abaixo da mediana), constatando que o grupo com nível mais alto de dor apresentou maiores índices de depressão, ansiedade e pior estado geral de saúde quando comparado ao grupo com baixa intensidade de dor2929 Benyon K, Muller S, Hill S, Mallen C. Coping strategies as predictors of pain and disability in older people in primary care: a longitudinal study. BMC Fam Pract [Internet]. 2013 [cited 2014 Oct 30];14:67. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3665454/. Outro dado que corrobora a literatura é o maior número de medicamentos de uso contínuo no grupo com dor crônica quando comparado ao grupo sem dor crônica, com resultados estatisticamente significativos3030 Dellaroza MSG, Furuya RK, Cabrera MAS, Matsuo T, Trelha C, Yamada KN, et al. Caracterização da dor crônica e métodos analgésicos utilizados por idosos da comunidade. Rev Assoc Med Bras. 2008;54(1):36-41. .

Algumas limitações podem ser encontradas neste estudo, uma delas é a não utilização de instrumentos e métodos de avaliação mais precisos para avaliar a cognição, como a neuroimagem ou os testes específicos para memória, atenção e concentração, entretanto, a literatura não apresenta evidências consensuais de quais instrumentos e testes são mais adequados. Outra limitação foi não ter investigado o tempo de dor crônica, pois há estudos que relatam uma associação negativa entre o tempo de dor e o desempenho cognitivo. E, ainda, não ter controlado variáveis como medicamentos, sintomas depressivos e distúrbios do sono.

A contribuição relevante desta pesquisa foi estudar a relação entre dor crônica e cognição em uma população específica, ou seja, idoso e cuidador. Espera-se que os resultados possam trazer contribuições com relação à necessidade de instrumentos mais sensíveis e específicos, e que também possamos compreender dimensões subjetivas da tarefa de ser cuidador. Estudos comparando grupos de idosos cuidadores e de não cuidadores seriam desejáveis.

Conclusão

Os resultados não demonstraram diferenças entre os grupos no que se refere à dor e à cognição. Ao contrário do que era esperado e dos estudos encontrados na literatura, não se observou pior desempenho cognitivo em idosos cuidadores com dor crônica.

Os resultados da relação entre dor crônica e cognição em idosos cuidadores contrariaram a hipótese inicial, no entanto, estudos envolvendo essa população específica ainda são escassos. A lacuna no conhecimento científico sobre dor e cognição certamente instiga mais ainda a continuidade deste estudo e abre perspectivas para investigações futuras com idosos cuidadores.

Além disso, o presente estudo permitiu conhecer o perfil sociodemográfico, de saúde, de cuidado e as características da dor crônica de idosos cuidadores atendidos nas Unidades de Saúde da Família, observando que não houve diferenças entre os grupos em relação às características do cuidado e que a maioria dos participantes entrevistados relatou dor, principalmente nos membros inferiores e na região lombar

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    Extraído da dissertação "Associação entre dor crônica e cognição em idosos cuidadores", Universidade Federal de São Carlos, Departamento de Enfermagem, 2015.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    22 Jun 2016
  • Aceito
    05 Jun 2017
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