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#ensinopublicogratuitodequalidadeSIM

Em 2018, a Revista da Escola de Enfermagem da USP – REEUSP comemorou o fato de ter atingido o maior Fator de Impacto entre todas as revistas da Latino América e Caribe (FI=0,743)!

Qual o significado disto?

Significa, por um lado, que conseguimos alcançar leitores de todo o mundo, publicando artigos que dialogam com as preocupações e os problemas científicos de pesquisadores, para além da nossa fronteira ou nosso país. Significa também que adquirimos maior agilidade em promover a divulgação científica para pesquisadores da área, pois FI é definido pela contagem de citações de publicações muito recentes.

Mas é preciso lembrar que os artigos da enfermagem, brasileira ou estrangeira, são longevos, ou seja, são citados por muito tempo após os dois primeiros anos da publicação que valem para a contagem do FI. Ou seja, na Enfermagem, o FI não é tudo para definir o impacto que deve ter a divulgação científica por meio de periódicos científicos.

Além disso, o FI não mede a validade social da pesquisa, ou seja, não avalia o quanto o resultado de uma investigação resulta em melhoria para as práticas cuidativas no cotidiano das instituições de saúde ou dos lares, em se tratando do cuidado no domicílio. Ou ainda o quanto instaura mudanças de paradigmas ou de políticas públicas relativas à saúde ou ao cuidado.

Mas não há dúvida de que se trata de conquista expressiva, que traz consigo maiores responsabilidades, especialmente frente às ameaças que vivemos neste ano, veiculadas por grupos que, sempre que podem, incumbem-se de depreciar de maneira infame o ensino público gratuito e de qualidade. E esses grupos existem dentro de uma universidade pública como a Universidade de São Paulo, pasmem!

Mas o que tem a ver a REEUSP com a universidade pública e gratuita?

Tudo!

A REEUSP é um periódico subvencionado majoritariamente pela Escola de Enfermagem (EEUSP), cuja dotação integra o orçamento da USP que, tal como UNICAMP e UNESP, é financiada pelo Imposto de Circulação de Mercadorias (ICMS), que incide todas as vezes em que mercadorias circulam, por exemplo, nas compras em supermercados e padarias, no consumo de eletricidade e gás, etc. Uma vez recolhido o ICMS, uma parcela é revertida para o financiamento das três universidades estaduais paulistas, de tal modo que seria mais apropriado dizer que nelas o ensino é pré-pago. Entretanto, apenas uma pequeníssima parcela dos que contribuíram usufruem dessa aparente gratuidade.

A EEUSP realiza pesquisas e forma pessoal qualificado para atuar como Enfermeiros, Mestres e Doutores da Enfermagem. A pesquisa é essencial para produzir conhecimentos, inovação e solução aos problemas epidemiológicos e clínicos que cercam a assistência cuidativa da Enfermagem. É fundamental na formação, especialmente no caso do doutorado.

É função do Estado produzir profissionais qualificados e, ao mesmo tempo, produzir a ciência e a inovação. Uma universidade pública, gratuita (ou pré-paga) e de qualidade é obrigação moral e cívica de um estado democrático. É dentro das universidades que ideias contraditórias e contrárias são submetidas ao debate e essa discussão pode ser radical (no sentido de ir às raízes) sem ser autoritária. No autoritarismo, somente certos grupos hegemônicos ou detentores de poder instituído difundem suas ideias, buscando sua imposição coercitiva. O debate de ideias é salutar, pois forma cidadãos críticos, que não exibem comportamento de manada, pois já não acreditam em Shangri-La. Forma também cidadãos tolerantes à diversidade, pois compreendem que os seres humanos não são todos iguais e sua forma peculiar de se aproximar do mundo é apenas uma das inúmeras formas de viver a vida. Se bem orquestrado, o processo de formação na Universidade forma cidadãos com noção de pertencimento a um coletivo e a sua responsabilidade diante desse pertencimento.

A dívida brasileira com a educação é imensa, ainda que as universidades não tenham sido as mais penalizadas, pois não se pode sequer comparar as restrições havidas no ensino superior com o que sucedeu ao ensino público fundamental e médio ao longo dos 50 últimos anos: um verdadeiro sucateamento. O país tem dívida secular: em 2018 ainda há 29% de adultos de 15 a 64 anos de idade classificados como analfabetos funcionais (Indicador de Analfabetismo Funcional, INAF 2018(11. Instituto Paulo Montenegro. Ação Social do IBOPE. Indicador de Analfabetismo Funcional. INAF Brasil 2018: resultados preliminares. São Paulo; 2018.), que constituem contingente de pessoas facilmente manipuláveis por discursos apelativos instigadores de violência e crédulas em soluções fáceis para problemas complexos, próprias dos salvadores da pátria.

O país carece de escolas de qualidade, que ensinem valores como a dignidade humana, a equidade e o respeito à diversidade de ser, pensar e agir, contribuindo mais para a realização humana de ser do que ter, ao agir pedagogicamente nos atos de solidariedade e o respeito à vida, à natureza e ao meio ambiente.

As melhores revistas científicas de Enfermagem no Brasil estão ligadas às escolas ou faculdades de enfermagem de caráter público e gratuito que, por um lado, subvencionam os custos do parque de edição e da editoração e, por outro, produzem os melhores artigos oriundos de pesquisadores vinculados às universidades públicas, quer como docentes ou como alunos de pós-graduação e graduação.

A diferença entre produzir pesquisa nas universidades públicas não está somente no princípio valorativo de que essa é uma função de instituições produtoras de conhecimento, mas especialmente porque não se rendem ao canto do mercado em termos de que tipo de ciência deve ser feita ou os temas que devem ser pesquisados. Até agora, os pesquisadores das universidades públicas têm liberdade para decidir as linhas prioritárias de pesquisa que trarão mais benefícios à população. No caso da Enfermagem, o compromisso primordial é cuidar da saúde-doença da população, diferenciada por grupos sociais com maior ou menor vulnerabilidade.

Diante do risco que este ano eleitoral trouxe ao Brasil e das ideias arriscadas à democracia e instigadoras de violência contra os diferentes, é oportuno lembrar o manifesto da Congregação da Escola de Enfermagem, órgão máximo da Escola ao qual a REEUSP está vinculada:

(...) defendemos como universidade pública, valores que congregam todos os cidadãos e cidadãs, de todas as classes sociais, etnias, gênero, opções afetivo-sexuais, orientações religiosas e tantas quantas forem as diferenças sociais. Como pesquisadores(as) nosso propósito é produzir conhecimento que modifique as condições de trabalho, vida e saúde de todos; como educadores(as), formamos para o cuidado, ancorados nos valores éticos dos direitos humanos; como trabalhadores(as) da saúde, devemos fortalecer as instituições públicas e cuidar de todos, indistintamente. A universidade já conheceu no passado os efeitos perversos da perseguição politica e ideológica e não se furtará a interpor esforços para que isso não mais aconteça. Conclamamos a todos a unir esforços para que prevaleçam os valores de bem comum neste momento tão importante da história da breve democracia brasileira (...) (Congregação da EEUSP, outubro de 2018).

A preservação da qualidade dos periódicos depende exclusivamente da preservação de um ensino público gratuito de qualidade!

Boas festas a todos e que 2019 seja o ano do #ensinopublicogratuitodequalidadeSIM

Profa. Dra. Emiko Yoshikawa Egry Editora-chefe
Profa. Dra. Regina Szylit Editora Científica
Profa. Dra. Maria Amélia de Campos Oliveira Presidente da REEUSP

REFERÊNCIAS

  • 1
    Instituto Paulo Montenegro. Ação Social do IBOPE. Indicador de Analfabetismo Funcional. INAF Brasil 2018: resultados preliminares. São Paulo; 2018.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2018
  • Data do Fascículo
    2018
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