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Representações sociais do cuidado em saúde de pessoas em situação de rua* * Extraído da dissertação “Práticas de cuidados em saúde de pessoas em situação de rua: um estudo em representações sociais”, Escola de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia, 2017.

Representaciones sociales del cuidado sanitario de personas en situación de calle

RESUMO

Objetivo

Identificar e analisar a estrutura e o conteúdo das representações sociais de pessoas em situação de rua sobre cuidados em saúde.

Método

Pesquisa qualitativa, fundamentada na abordagem estrutural da Teoria das Representações Sociais, com pessoas em situação de rua, vinculadas a duas unidades de acolhimento institucional. Para a produção dos dados, foi utilizado o teste de associação livre de palavras, cujos dados foram processados por dois software e analisados à luz da referida teoria.

Resultados

Participara da pesquisa 72 pessoas. O conjunto de evocações do quadro de quatro casas remete a ações individuais, sociais e culturais. Os termos médico, cuidar de si e alimentação compuseram o núcleo central da representação, sinalizando dimensões imagética e funcional do objeto investigado. A nuvem de palavras confirmou a centralidade dos termos.

Conclusão

O grupo investigado representa o cuidado em saúde como uma ação dinâmica, vinculado à pessoa e ao contexto e ancorado em elementos da concepção higienista.

DESCRITORES
Pessoas em Situação de Rua; Assistência à Saúde; Autocuidado; Enfermagem em Saúde Pública; Enfermagem de Atenção Primária

RESUMEN

Objetivo

Identificar y analizar la estructura y el contenido de las representaciones sociales de personas en situación de calle acerca de los cuidados sanitarios

Método

Investigación cualitativa, fundamentada en el abordaje estructural de la Teoría de las Representaciones Sociales, con personas en situación de calle, vinculadas a dos unidades de acogimiento institucional. Para la producción de los datos, se utilizó la prueba de asociación libre de palabras, cuyos datos fueron procesados por dos softwares y analizados a la luz de la mencionada teoría.

Resultados

Participaron en la investigación 72 personas. El conjunto de evocaciones del cuadro de cuatro casas remite a acciones individuales, sociales y culturales. Los términos “médico”, “cuidar de sí” y “alimentación” compusieron el núcleo central de la representación, señalando la dimensión de imágenes y la funcional del objeto investigado. La nube de palabras confirmó la centralidad de los términos.

Conclusión

El grupo investigado representa el cuidado sanitario como una acción dinámica, vinculado con la persona y el contexto y anclado en elementos de la concepción higienista.

DESCRIPTORES
Personas sin Hogar; Prestación de Atención de Salud; Autocuidado; Enfermería de Salud Pública; Enfermería de Atención Primaria

ABSTRACT

Objective

Identify and analyze the structure and content of the social representations of homeless people in relation to health care.

Method

Qualitative study, based on the structural approach of the Theory of Social Representations, conducted with homeless people, linked to two institutional shelters. To produce the data, the free-association test was used. The resulting data was processed by two software and analyzed according to the theory above.

Results

Seventy-two people participated in the study. The set of evocations from the four-quadrant chart refers to individual, social and cultural actions. The terms ‘doctor’, ‘taking care of yourself’ and ‘eating’ composed the central core of the representation, indicating image-related and functional dimensions of the object investigated. The word cloud confirmed the centrality of the terms.

Conclusion

The investigated group represents health care as a dynamic action, linked to the person and context, and is anchored in elements of the hygienist conception.

DESCRIPTORS
Homeless Persons; Delivery of Health Care; Self Care; Public Health Nursing; Primary Care Nursing

INTRODUÇÃO

O cuidado é intrínseco à condição humana. Embora o termo seja frequentemente utilizado na discussão sobre a integralidade e a humanização das práticas de saúde, sua definição ainda é imprecisa pela complexidade que lhe é inerente. De modo geral, o cuidado pode ser entendido como a interação entre duas ou mais pessoas, com o objetivo de aliviar o sofrimento e alcançar o bem-estar, mediado por conhecimentos voltados para essa finalidade(11. Silva CC, Cruz MM, Vargas EP. Práticas de cuidado e população em situação de rua: o caso do Consultório na Rua. Saúde Debate. 2015;39(n.esp):246-56.), e, muitas vezes, processa-se por condutas normativas reduzidas a procedimentos, prescrições, normatizações, em detrimento de um cuidado que valorize os projetos de vida do outro(11. Silva CC, Cruz MM, Vargas EP. Práticas de cuidado e população em situação de rua: o caso do Consultório na Rua. Saúde Debate. 2015;39(n.esp):246-56.-22. Rangel RF, Backes DS, Ilha S, Siqueira HCH, Martins FDP, Zamberlan C. Comprehensive care: meanings for teachers and nursing students. Rev Rene [Internet]. 2017 [cited 2017 Fev 11];18(1):43-50. Available from: http://www.revistarene.ufc.br/revista/index.php/revista/article/view/2502/pdf
http://www.revistarene.ufc.br/revista/in...
).

A perspectiva do cuidado como construção cotidiana em interações que envolvem relações de poder tem a pessoa como foco principal(33. Bustamante V, Mccallum C. Cuidado e construção social da pessoa: contribuições para uma teoria geral. Physis [Internet]. 2014 [citado 2017 mar. 10]; 24(3):673-92. Disponível em: https://scielosp.org/pdf/physis/2014.v24n3/673-692
https://scielosp.org/pdf/physis/2014.v24...
). Essa perspectiva amplia a compreensão das diversas maneiras de cuidar e dos diversos fatores que influenciam as práticas. Consequentemente, ajuda a diminuir a barreira que separa profissionais e pesquisadores dos/as usuários/as. Desta forma, o cuidado tem vinculação com questões sociais e culturais, podendo diferenciar-se de pessoa para pessoa em distintos contextos. Logo, mostra-se pertinente ao presente trabalho, sobretudo por sua vinculação com pessoas em situação de rua.

O número de pessoas em situação de rua está em ascensão no Brasil e em vários outros países, revelando os extremos de desigualdade e exclusão social no mundo(44. Macerata I, Soares JGN, Ramos JFC. Apoio como cuidado de territórios existenciais: Atenção Básica e a rua. Interface. 2014;18 Supl 1:S919-30.). O contexto da rua é onde inúmeras pessoas buscam ser acolhidas, amparadas e abrigadas, embora sejam constantemente submetidas a condições insalubres e a aglomerados humanos, bem como à privação de alimento e água, à exposição a variações climáticas e a situações de violência(44. Macerata I, Soares JGN, Ramos JFC. Apoio como cuidado de territórios existenciais: Atenção Básica e a rua. Interface. 2014;18 Supl 1:S919-30.-55. Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Gestão Participativa. Saúde da população em situação de rua: um direito humano. Brasília: MS; 2014.). No contexto de rua, muitos acabam envolvendo-se com álcool e outras drogas, estão vulneráveis a doenças crônicas, psiquiátricas e infectocontagiosas, como afecções de pele, infestações por piolhos, tuberculose e infecções sexualmente transmissíveis(66. Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde. Manual sobre o cuidado à saúde junto à população em situação de rua. Brasília: MS; 2012.-77. Baggett TP, Hwang SW, O'Connell JJ, Porneala BC, Stringfellow EJ, Orav EJ, et al. Mortality among homeless adults in Boston: shifts in causes of death over a 15-year period. JAMA Intern Med [Internet]. 2013 [cited 2017 Feb 10];173(3):189-95. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3713619/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
).

As especificidades da vida em situação de rua, associadas à complexidade de fatores, tornam as pessoas vulneráveis a vários agravos sociais e de saúde que desafiam profissionais, como enfermeiras/os, técnicas/os de enfermagem, médicas/os, assistentes sociais, odontólogas/os, técnicas/os em saúde bucal, psicólogas/os, agentes comunitários de saúde, terapeutas ocupacionais e agentes sociais, dos diversos setores e serviços da sociedade.

De acordo com dados da Pesquisa Nacional sobre pessoas em situação de rua(55. Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Gestão Participativa. Saúde da população em situação de rua: um direito humano. Brasília: MS; 2014.), a busca dessas por hospitais de emergência é uma ação comum quando estão acometidas de alguma doença, assim como a busca por realizar hábitos de higiene e manter a alimentação. Esses dados mostram que essas pessoas adotam medidas de cuidados com a saúde que se alinham ao contexto no qual estão inseridas. Esses aspectos remetem ao conceito de representações sociais(88. Moscovici S. A psicanálise, sua imagem e seu público. Petrópolis: Vozes; 2012.) que as compreende como uma modalidade de conhecimento que produz e determina comportamentos e nos mostra que algo ausente possa ser acrescentado e que algo presente seja modificado.

Dessa forma, torna-se relevante explorar os sentidos atribuídos ao cuidado em saúde por esse segmento populacional, uma vez que as representações sociais podem reverberar em práticas e condutas pelo grupo social(88. Moscovici S. A psicanálise, sua imagem e seu público. Petrópolis: Vozes; 2012.-99. Sá CP. Estudos de psicologia social: história, comportamento, representações e memória. Rio de Janeiro: Eduerj; 2015. Teoria e pesquisa do núcleo central; p. 209-26.), apresentando, assim, estreita relação com a Enfermagem e com a equipe de saúde. A partir da análise dessas representações, será possível repensar as práticas de cuidado em saúde, bem como a implementação de políticas, com vistas a favorecer a inclusão/acesso das pessoas em situação de rua nos serviços de saúde, com redução das diversas formas de preconceitos, violência e vulnerabilidades que lhes são impostas.

Diante dessa contextualização, surgiu o seguinte questionamento: Como as pessoas em situação de rua representam as práticas de cuidado em saúde? A representação sobre um objeto pode revelar suas múltiplas facetas, possibilitando compreender especificidades do indivíduo e/ou do grupo em relação ao objeto representado. Neste sentido, a Teoria das Representações Sociais, na sua abordagem estrutural, centrada em processos cognitivos das representações sociais, visa estudar a influência de fatores sociais nos processos de pensamento por meio da identificação e caracterização de estruturas de relação(99. Sá CP. Estudos de psicologia social: história, comportamento, representações e memória. Rio de Janeiro: Eduerj; 2015. Teoria e pesquisa do núcleo central; p. 209-26.). Este trabalho foi organizado com o objetivo de identificar e analisar a estrutura e o conteúdo das representações sociais de pessoas em situação de rua sobre cuidados em saúde.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, cuja produção de dados empíricos se deu no período de maio a agosto de 2016. Participaram 72 pessoas em situação de rua, cadastradas em duas Unidades de Acolhimento Institucional, situadas no município de Salvador, Bahia, Brasil. As referidas unidades foram fundadas em 2014, integram a Rede Municipal do Sistema Único de Assistência Social, com o propósito de fornecer abrigo temporário e garantir condições de estadia, convívio e endereço de referência para pessoas com idade acima de 18 anos. As referidas unidades têm capacidade para abrigar entre 33 e 51 pessoas, respectivamente.

O grupo investigado foi constituído mediante os seguintes critérios: ter idade igual ou superior a 18 anos e aparentar condições de interagir com a pesquisadora. Para a produção dos dados, utilizou-se do Teste de Associação Livre de Palavras, instrumento amplamente empregado em pesquisas fundamentadas na Teoria das Representações Sociais pela possibilidade que oferece de apreender, de forma espontânea, as projeções mentais e os conteúdos implícitos ou latentes que podem ser ocultados nos conteúdos discursivos e reificados(99. Sá CP. Estudos de psicologia social: história, comportamento, representações e memória. Rio de Janeiro: Eduerj; 2015. Teoria e pesquisa do núcleo central; p. 209-26.).

O instrumento contemplou duas seções. A primeira fazia referência aos dados de identificação e caracterização de saúde das/dos participantes. A segunda, o teste propriamente dito, composto pelo termo indutor “cuidar da saúde é”, para o qual foi solicitado que cada participante evocasse até cinco palavras ou expressões curtas que lhe viessem imediatamente à memória. Em seguida, que os participantes elegessem, dentre os termos citados, aquele considerado mais importante, justificando a escolha. A aplicação foi realizada individualmente, em sala reservada, com duração média de 10 minutos.

Foram utilizados dois softwares de processamento de dados qualitativos, um para identificar a combinação da frequências de palavras evocadas com a ordem média de evocação(1010. Oliveira DC, Gomes AMT. O processe de coleta e análise dos conteúdos e da estrutura das representações sociais: desafios e princípios para a enfermagem. In: Lacerda MR, Costenaro RGS, organizadoras. Metodologias da pesquisa para a enfermagem e saúde: da teoria à prática. Porto Alegre: Moriá; 2015. p. 351-86.), e outro visando a construção da nuvem de palavras(1111. Kami MTM, Larocca LM, Chaves MMN, Lowen IMV, Souza VMP. Working in the street clinic: use of IRAMUTEQ software on the support of qualitative research. Esc Anna Nery [Internet]. 2016 [cited 2017 Feb 19];20(3):e20160069. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ean/v20n3/en_1414-8145-ean-20-03-20160069.pdf
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). Esta, por sua vez, foi utilizada com o objetivo de confirmar a centralidade dos elementos que integram o provável núcleo central. As justificativas atribuídas aos termos considerados mais importantes foram transcritas na íntegra e utilizadas para fundamentar os termos que compõem o quadro de quatro casas, auxiliando na compreensão dos sentidos atribuídos aos termos evocados.

O estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia (EEUFBA), sob parecer n° 1.477.800/2016. Foram respeitadas as normas e as diretrizes de realização das pesquisas envolvendo seres humanos, em observância às determinações presentes na resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde. Em sua execução, foram assegurados o sigilo e o anonimato das pessoas em situação de rua − garantidos pelo uso da letra P, qualificada como participante, seguida do número de ordem da sua ocorrência −, assim como a privacidade e a liberdade de participar ou não da pesquisa e de retirar-se a qualquer momento.

RESULTADOS

Do grupo investigado (72 pessoas), a maioria é representada por mulheres (50), com idade predominante entre 21 e 31 anos (34), em união estável (47), raça/cor negra (60), adepta de uma religião (50), refere ter ensino fundamental incompleto e também exercer atividade informal (44). Quanto ao tempo de permanência nas ruas, prevaleceu o período menor que 5 anos (34). No que tange às condições de saúde, grande parte referiu não possuir comorbidades (40), sendo que as mais prevalentes foram: hipertensão arterial (5), sífilis (3), soropositividade para o HIV (4) e litíase renal (3). A maior parte informou acessar o serviço de saúde (71), buscando por atendimentos na rede hospitalar (52). Quanto às demandas de saúde, afirmaram acessar as unidades para prevenção e orientação (40), tratamento médico (38), realização de exames (28) e aquisição de medicações (27). A maioria informou ter feito uso de algum tipo de substância psicoativa na vida (62), sendo prevalente o uso do álcool (54), seguido da maconha (48).

A análise do corpus revelou que, em resposta ao estímulo indutor “cuidar da saúde é”, o grupo investigado evocou 327 palavras, destas, 47 foram distintas. A frequência mínima foi 5, dessa maneira, foram excluídos da composição os termos com frequência inferior. A frequência média foi de 15 e a ordem média de evocação foi de 2,9. Os cálculos necessários no processamento foram desenvolvidos por intermédio do próprio software, baseados na Lei de Zipf(1212. Santos EI, Alves YR, Gomes AMT, Ramos RS, Silva ACSS, Santo CCE. Social representations of nurses’ professional autonomy among nonnursing health personnel. Online Braz J Nurs [Internet]. 2015 [cited 2017 Mar 21];15(2):146-56. Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/5294/pdf_1
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), possibilitando expressar o conteúdo e a estrutura da representação social, conforme disposto no Quadro 1.

Quadro 1
Quadro de Quatro Casas referente ao estímulo “cuidar da saúde é” – Salvador, Bahia, Brasil, 2017.

No quadrante superior esquerdo, denominado núcleo central, estão os termos que obtiveram maior frequência e menor ordem média de evocação. Na presente pesquisa, o núcleo central foi constituído pelo termo ‘médico’, que apresentou frequência mais elevada e foi o mais prontamente evocado. Esse fato se coaduna com as justificativas das/os participantes para o referido termo:

O médico, ele vai lhe olhar, lhe consultar e ver o que você está precisando (P 11).

(…) O médico sabe mais (P 32).

Ele vai fazer todos os exames, ver se a pressão está alta ou baixa e ver como é que está (P 45).

Os demais termos que compõem o núcleo central, quais sejam: ‘cuidar de si’ e ‘alimentação’ remetem a uma dimensão intersubjetiva e funcional. As justificativas atribuídas a esses termos, quando definidos como mais importantes, reiteram o fato de que o cuidado à saúde envolve o compromisso consigo mesmo, priorizando saúde e alimentação, conforme ilustram os excertos a seguir:

Se a gente não cuidar do nosso corpo, quem vai cuidar? Tem que primeiro cuidar de si, ter amor a si para ter saúde (P 22).

A gente, mulher, tem que se cuidar e se prevenir, sempre ir ao médico, cuidar das partes íntimas, né? Aplicar pomada vaginal, na minha primeira gravidez eu nem sabia aplicar pomada vaginal, minha sogra que me ensinou (P 52).

Procurar ir no médico, fazer alimentação saudável. Sem comida, ninguém vive (P 58).

Droga não é saúde, bebida não é saúde, tem é que comer coisas saudáveis que dê energia ao nosso corpo (P 68).

No quadrante superior direito, também denominado primeira periferia, são encontrados os elementos periféricos mais importantes da representação, em função de apresentarem as maiores frequências, embora tenham sido evocados mais tardiamente(99. Sá CP. Estudos de psicologia social: história, comportamento, representações e memória. Rio de Janeiro: Eduerj; 2015. Teoria e pesquisa do núcleo central; p. 209-26.), e reúne os termos ‘prevenir-se’, ‘higiene’ e ‘felicidade’. No processo de hierarquização, ‘prevenir-se’ foi referido 17 vezes nas justificativas, evidenciando a importância da manutenção de cuidados higiênicos para o grupo investigado:

Para não se prejudicar e não prejudicar outras pessoas (P 5).

Através da higiene você não contrai bactérias, para não precisar passar pelo médico e nem tomar medicamento (P 4).

Se a pessoa não se higienizar, a pessoa vai ficar vulnerável a uma doença (P 14).

O termo ‘felicidade’ introduz uma dimensão afetiva e subjetiva para com o objeto investigado. Cinco das participantes sinalizaram e justificaram o referido termo como o de maior relevância, conforme retratam as seguintes falas:

Felicidade é quando o corpo está em equilíbrio, a mente está em equilíbrio e a saúde também se equilibra (P 8).

A felicidade é o objetivo máximo da vida. Não importa as conquistas que você obtém na vida, se você não tem felicidade, não é nada (P 9).

Quando a gente é feliz, tudo fica mais fácil resolver na vida, fica mais fácil resolver as coisas. Eu acho que a felicidade vem em primeiro lugar pra tudo (P 26).

O quadrante inferior direito, denominado segunda periferia, comporta os elementos menos frequentes e mais tardiamente evocados, os quais possuem pertinência no campo representacional em função de sua participação significativa, no que se refere à relação com as práticas cotidianas(99. Sá CP. Estudos de psicologia social: história, comportamento, representações e memória. Rio de Janeiro: Eduerj; 2015. Teoria e pesquisa do núcleo central; p. 209-26.). Tal quadrante foi composto por seis termos, a saber: ‘atividade física’, ‘exame’, ‘tratar’, ‘beleza’, ‘saudável’ e ‘corpo’, ilustrados nos segmentos a seguir:

É importante fazer check-up para evitar doenças. O importante da vida é ter saúde, paz e liberdade (P 17).

Quando faço atividade física, me sinto muito bem (…) mais leve, e minha respiração melhora (P 19).

Se a gente não cuidar do nosso corpo, quem vai cuidar? A gente tem que primeiro cuidar de si, ter amor a si, para ter saúde (P 10).

Se você não se tratar da doença, como é que vai ser curada? (P 24).

Tem que se prevenir das doenças, ter mais alegrias (P 60).

No quadrante inferior esquerdo, tecnicamente denominado zona de contraste, são encontrados os elementos com baixa frequência e prontamente evocados pelas/os participantes(99. Sá CP. Estudos de psicologia social: história, comportamento, representações e memória. Rio de Janeiro: Eduerj; 2015. Teoria e pesquisa do núcleo central; p. 209-26.), composto por sete termos: ‘bom’, ‘remédios’, ‘importante’, ‘vida’, ‘doença’, ‘responsabilidade’ e ‘amor’. Aspectos esses que reforçam os elementos dispostos no núcleo central. Dez participantes atribuíram maior importância aos termos:

Quando se tem amor próprio, tem o cuidado da saúde em geral (P 12).

Se você não se tratar, você não está vivendo. Você, sem saúde, não vai viver por muito tempo (P 16).

Porque o amor é o que move tudo, eu sou amor, um amor insuperável, eu creio nesse amor, incomensurável, sem cobranças, na simplicidade (P 71).

Na nuvem de palavras (Figura 1), que agrupa e organiza de modo aleatório os termos considerando a frequência, nota-se que a palavra ‘médico’ apresentou maior número de aparição no corpus (36), seguida do termo ‘prevenir-se’ (31) e ‘cuidar de si’ (30), bem como os termos ‘higiene’ (27) e ‘alimentação’ (22).

Figura 1
Nuvem de palavras referente ao estímulo “cuidar de si é” – Salvador, BA, Brasil, 2017.

DISCUSSÃO

O conjunto de palavras evocadas para o estímulo “cuidar da saúde é” e sua distribuição no quadro de quatro casas revelam que a representação social do grupo investigado está ancorada em hábitos e ações disseminados ao longo dos anos pelo modelo biomédico, e permeada por especificidades inerentes ao contexto no qual os sujeitos estão inseridos.

A concepção de que o cuidado em saúde evoluiu de técnicas estritamente curativas e individualizantes para práticas integrais e coletivas(1313. Acioli S, Kebian LVA, Faria MGA, Ferraccioli P, Correa VAF. Care practices: the role of nurses in primary health care. Rev Enferm UERJ [Internet]. 2014 [cited 2017 Mar 04];22(5):637-42. Available from: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/enfermagemuerj/article/view/12338/12290
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) parece ter ressonância nos termos que se apresentam no sistema central e periférico do quadro de quatro casas. De modo geral, os termos consubstanciam aspectos técnicos ligados ao tratamento e à cura de doenças, com elementos intersubjetivos e atitudinais que revelam a implicação da pessoa no processo de cuidado da saúde.

Segundo os princípios da abordagem estrutural da Teoria das Representações Sociais(99. Sá CP. Estudos de psicologia social: história, comportamento, representações e memória. Rio de Janeiro: Eduerj; 2015. Teoria e pesquisa do núcleo central; p. 209-26.), as palavras dispostas no quadrante superior esquerdo caracterizam o possível núcleo central da representação, por terem sido mais prontamente evocadas, e por sua alta frequência. Vale ressaltar que o núcleo central é a parte mais estável da representação social, com menor possibilidades de mudanças, e, nesta pesquisa, os elementos que o compuseram foram: ‘médico’, ‘cuidar de si’ e ‘alimentação’. Embora os participantes tenham destacado o cuidado ainda centrado no modelo biomédico, no qual a figura do médico tem notoriedade, evidenciaram uma corresponsabilização a partir da implicação de um cuidado autoatribuído, ou seja, um cuidar que depende da própria pessoa.

No senso comum, atribui-se ao médico a detenção do poder e conhecimento para prescrever exames e medicamentos com a finalidade de tratar e curar doenças. Essa concepção pode justificar o fato de o elemento médico obter maior frequência e ser o mais prontamente evocado pelo grupo investigado. Os demais termos do núcleo central, ‘cuidar de si’ e ‘alimentação’, assim como outros que compõem o quadro de quatro casas, confirmam a ideia da pessoa como foco principal do cuidado como uma construção cotidiana(33. Bustamante V, Mccallum C. Cuidado e construção social da pessoa: contribuições para uma teoria geral. Physis [Internet]. 2014 [citado 2017 mar. 10]; 24(3):673-92. Disponível em: https://scielosp.org/pdf/physis/2014.v24n3/673-692
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).

No sistema periférico, estão presentes vários termos que remetem a um entendimento do grupo de uma definição ampliada do conceito de saúde e, consequentemente, do cuidado em saúde. A primeira periferia – quadrante superior direito – reúne os elementos que, em função de sua importância, frequentemente reforçam os elementos centrais(99. Sá CP. Estudos de psicologia social: história, comportamento, representações e memória. Rio de Janeiro: Eduerj; 2015. Teoria e pesquisa do núcleo central; p. 209-26.). Nesta pesquisa, os termos ‘prevenir-se’, ‘higiene’ e ‘felicidade’ implicam a pessoa no cuidado em saúde e apresentam dimensões atitudinais, relacionadas à prática ou a ações que permeiam o cuidar da saúde para consigo mesma. Para o grupo investigado, a prevenção se constitui numa tarefa diária que não se limita apenas a ações contra o contágio de doenças, mas engloba também se resguardar de situações de violências(1414. Biscotto PR, Jesus MCP, Silva MH, Oliveira DM, Merighi MAB. Understanding of the life experience of homeless women. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2016 [cited 2017 Apr 15];50(5):749-55. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v50n5/0080-6234-reeusp-50-05-0750.pdf
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) e agravos que podem trazer danos à saúde física e mental, situações estas que remetem a uma realidade ligada ao contexto no qual estão inseridos(1414. Biscotto PR, Jesus MCP, Silva MH, Oliveira DM, Merighi MAB. Understanding of the life experience of homeless women. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2016 [cited 2017 Apr 15];50(5):749-55. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v50n5/0080-6234-reeusp-50-05-0750.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v50n5/00...
-1515. Rosa AS, Brêtas ACP. Violence in the lives of homeless women in the city of São Paulo, Brazil. Interface (Botucatu) [Internet]. 2015 [cited 2017 Mar 14];19(53):275-85. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v19n53/en_1807-5762-icse-19-53-0275.pdf
http://www.scielo.br/pdf/icse/v19n53/en_...
).

No senso comum, a higiene tem como principais sinônimos ‘saudável’ e ‘aroma’. A condição de morador de rua, associada à sujeira e à higiene precária constituem fatores que impedem e/ou dificultam o acesso aos serviços de saúde e aumenta a exclusão social. No Brasil, a mentalidade higienista foi propagada entre a segunda metade dos anos 1940 até a primeira metade dos 1960, para atender a questões comerciais da era industrial. A produção e a comercialização de novos e variados produtos relacionados à saúde e à higiene tiveram ampla propagação pela impressa, disseminando uma nova maneira, moderna e saudável, de se viver(1616. Kobayashi E, Hochman G. O “CC” e a patologização do natural: higiene, publicidade e modernização no Brasil do pós-Segunda Guerra Mundial. An Mus Paul [Internet]. 2015 [citado 2017 mar. 14];23(1):67-89. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/anaismp/v23n1/0101-4714-anaismp-23-01-00067.pdf
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). Essa produção e comercialização de novos produtos e sua divulgação na mídia permanecem nos dias atuais, impondo para toda a sociedade uma higiene associada a produtos aromáticos, com concomitante condenação dos cheiros naturais do corpo humano.

A presença do termo ‘felicidade’ remete à dimensão subjetiva da representação social do grupo investigado para o cuidado de saúde. Embora muitos intelectuais tenham se destinado ao estudo da felicidade, ainda não há consenso sobre o que seja esse sentimento. O sentimento de felicidade é próprio de cada pessoa e pode estar associado, individual ou coletivamente, a fatores de ordem material, social, afetiva, física, dentre outros. A satisfação com a própria saúde é um sentimento extremamente importante para aumentar a probabilidade de a pessoa se declarar feliz(1717. Ciello FJ. Feminist killjoys e reflexões (in)felizes sobre obstinação e felicidade. Rev Estud Fem [Internet]. 2016 [citado 2017 mar. 13];24(3):1019-22. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ref/v24n3/1806-9584-ref-24-03-01019.pdf
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). Essa satisfação não depende de relações sociais, mas do sentimento que a pessoa tem de si mesma, pois ela pode ter a saúde comprometida por alguma enfermidade e, mesmo assim, sentir-se feliz. O sentimento de satisfação é de extrema importância para a pessoa se declarar feliz.

É possível ter uma vida que não se pauta na felicidade prescritiva, ou seja, uma vida cujos objetos de desejo fogem dos critérios estabelecidos histórica e socialmente, por exemplo: formatura, sucesso no trabalho, casamento, família(1717. Ciello FJ. Feminist killjoys e reflexões (in)felizes sobre obstinação e felicidade. Rev Estud Fem [Internet]. 2016 [citado 2017 mar. 13];24(3):1019-22. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ref/v24n3/1806-9584-ref-24-03-01019.pdf
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-1818. Pinilla RL, Amparo JI. El bienestar subjetivo en colectivos vulnerables: El caso de los refugiados en España. Rev Investig Psicol Soc [Internet]. 2013 [citado 2017 mar. 21];1(1):67-84. Disponible en: http://sportsem.uv.es/j_sports_and_em/index.php/rips/article/view/36
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). Nesta perspectiva, andarilhos, migrantes, pessoas em situação de rua e sujeitos que vivem em contextos culturais diversos não se reconhecem inferiorizados pelos discursos mais amplos de felicidade(1818. Pinilla RL, Amparo JI. El bienestar subjetivo en colectivos vulnerables: El caso de los refugiados en España. Rev Investig Psicol Soc [Internet]. 2013 [citado 2017 mar. 21];1(1):67-84. Disponible en: http://sportsem.uv.es/j_sports_and_em/index.php/rips/article/view/36
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). Por mais estranho que possa parecer, estar nas ruas pode ser também uma forma de sentir-se feliz, distante de um contexto formatado socialmente e que se constitui em um elemento desencadeador/gerador do ciclo do adoecimento. Muitas vezes, a rua torna-se um local de refúgio, libertação e estabelecimento de novas relações.

Os elementos que compõem a segunda periferia − quadrante inferior direito −, formada por palavras menos prontamente evocadas e de menor frequência, apresentam menor significado/importância para o grupo estudado(99. Sá CP. Estudos de psicologia social: história, comportamento, representações e memória. Rio de Janeiro: Eduerj; 2015. Teoria e pesquisa do núcleo central; p. 209-26.). Nesta pesquisa, ‘atividade física’, ‘exame’, ‘tratar’, ‘beleza’, ‘saudável’ e ‘corpo’ também têm características de conotação positiva para o objeto representado, numa dimensão atitudinal e imagética. Tais termos são complementares e apontam que o cuidar da saúde contribui para manter uma melhor qualidade de vida, norteada pelo modelo biomédico, numa íntima associação com o termo médico, presente no núcleo central. Essa associação revela uma necessidade mais pragmática e procedimental desse cuidado(1212. Santos EI, Alves YR, Gomes AMT, Ramos RS, Silva ACSS, Santo CCE. Social representations of nurses’ professional autonomy among nonnursing health personnel. Online Braz J Nurs [Internet]. 2015 [cited 2017 Mar 21];15(2):146-56. Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/5294/pdf_1
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).

Os termos ‘atividade física’, ‘beleza’ e ‘corpo’ se complementam e revelam a dimensão imagética da representação social acerca do objeto investigado. Esses termos também denotam aspectos positivos em relação ao cuidado de saúde e à implicação do sujeito. No cotidiano dos/das participantes, a atividade física é inerente, na tentativa de promover meios para manter os hábitos higiênicos e conseguir alimentação e local adequado para sono e repouso. Contudo, o aparecimento desse termo na segunda periferia parece estar ancorado na ideia propagada de que a prática de atividades físicas contribui para a manutenção de uma vida saudável, da beleza e do corpo e previne agravos à saúde(1919. Silva ACS, Sales ZN, Moreira RM, Boery EN, Santos WS, Teixeira JRB. Representações sociais de adolescentes sobre ser saudável. Rev Bras Ciênc Esporte [Internet]. 2014 [citado 2017 mar. 23];36(2):397-409. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbce/v36n2/0101-3289-rbce-36-02-00397.pdf
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).

Fica evidente que, para o grupo social, a saúde tem relação com o corpo e com a beleza, independentemente do local onde estejam. Vale lembrar que a beleza é relativa, embora haja padrões socialmente divulgados pela mídia. De toda forma, preocupar-se com a beleza e com o corpo integra as ações voltadas ao complexo processo de cuidado da saúde, revelando a implicação de um cuidado autoatribuído.

No conjunto de palavras que compõe a zona de contraste – quadrante inferior esquerdo –, encontram-se os elementos que obtiveram baixa frequência e baixa ordem média de evocação, mas que são considerados importantes para o grupo investigado(99. Sá CP. Estudos de psicologia social: história, comportamento, representações e memória. Rio de Janeiro: Eduerj; 2015. Teoria e pesquisa do núcleo central; p. 209-26.). O conjunto de palavras que compõe a zona de contraste são: ‘bom’, ‘remédios’, ‘importante’, ‘vida’, ‘doença’, ‘responsabilidade’ e ‘amor’, e também apontam para uma dimensão imagética, intersubjetiva e funcional da representação. Alguns termos voltam a fazer referência ao modelo biomédico, mas privilegiam a imbricação do sujeito no cuidado de saúde e sinalizam o amor como um elemento desse cuidado. Observa-se a predominância de termos com conotação positiva (bom, importante, vida, responsabilidade, amor). O termo ‘importante’ retrata o valor simbólico associado ao objeto e evidencia implicação no desenvolvimento de estratégias de controle e responsabilidade sobre a própria saúde.

O elemento ‘amor’ aponta para uma dimensão afetiva e se associa ao termo ‘felicidade’, disposto na segunda periferia, reforçando o conceito ampliado de saúde. Esse termo denota que o cuidado é perpassado pela necessidade que os participantes têm de se amar, para que possam melhor cuidar de si e de outrem. A representação social também cumpre uma função em relação à familiaridade com o grupo, e a dimensão afetiva se apresenta na base desse trânsito, apoiada na memória individual e coletiva, nas experiências e situações cotidianas(2020. Arruda A. Meandros da teoria: a dimensão afetiva das representações sociais. In: Sousa CP, Ens RT, Villas-Bôas L, Novaes AO, Stanich KAB, organizadoras. Angela Arruda e as representações sociais: estudos selecionados. Curitiba: Champagnat; Fundação Carlos Chagas; 2014. p. 181-96.).

De acordo com os princípios da abordagem estrutural da teoria, o sistema periférico se vincula à realidade cotidiana, abarca os elementos de transição, e é responsável pela atualização do núcleo central(99. Sá CP. Estudos de psicologia social: história, comportamento, representações e memória. Rio de Janeiro: Eduerj; 2015. Teoria e pesquisa do núcleo central; p. 209-26.). Essa dinamicidade promove a transformação da realidade social, além de contribuir para a modificação de comportamentos, condutas e ações frente a sua saúde, na condição de pessoas em situação de rua.

No que concerne à nuvem de palavras, os termos expressos de maneira mais enfática são representados pelas expressões ‘médico’, ‘prevenir-se’, ‘cuidar de si’, ‘higiene’ e ‘alimentação’, sendo que dois termos pertencem à primeira periferia do quadro de quatro casas. Isso revela, portanto, a centralidade dos termos no núcleo central e reforça o quão importante é para o grupo em estudo a normatividade do saber médico, e, concomitantemente, compartilha e se apropria do saber alicerçado pelo cuidado ampliado de saúde, valendo-se das noções de prevenção e promoção de agravos, bem como das práticas individuais para cuidar da saúde.

CONCLUSÃO

Ao se pesquisar as representações sociais de um grupo de pessoas em situação de rua sobre o cuidado em saúde, percebeu-se a centralidade de elementos culturais acerca da saúde e especificidades do cotidiano do grupo investigado que merecem ser consideradas na prática de cuidados profissionais. O destaque do termo “médico”, no núcleo central, ao mesmo tempo que revela a ideia de cuidado em saúde atrelado ao diagnóstico, tratamento e, às vezes, cura de alguma doença, denuncia um dos problemas enfrentados pela população em situação de rua, o acesso aos serviços de saúde.

O conjunto de palavras evocadas representa o cuidado em saúde como uma construção cotidiana, ancorada em ações para o atendimento de necessidades humanas básicas estabelecidas pelo contexto de rua. Nesse contexto, a corresponsabilização no cuidado em saúde é inerente. Os termos evocados revelam aspectos das dimensões imagética, cultural e biológica do cuidado em saúde.

Os dados produzidos não podem ser generalizados pela limitação do grupo investigado e pela dinamicidade das representações sociais. Sua originalidade e ineditismo permitem reflexão para a elaboração de práticas profissionais alinhadas com as necessidades e realidades de pessoas em situação de rua e sinalizam a necessidade de novas investigações abordando a temática. Nesse sentido, acredita-se que os dados podem ser utilizados em ações de formação de profissionais de saúde, em especial de Enfermeiros/as, visando redução de enfrentamentos na assistência prestada e de agravos em saúde para a população em situação de rua.

  • *
    Extraído da dissertação “Práticas de cuidados em saúde de pessoas em situação de rua: um estudo em representações sociais”, Escola de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia, 2017.
  • Errata

    No artigo “Representações sociais do cuidado em saúde de pessoas em situação de rua”, DOI: http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2017023703314, publicado no periódico “Revista da Escola de Enfermagem da USP”, Volume 52 de 2018, elocation e03314, na página 1:
    Onde se lia:
    Dejeane de Oliveira Silva1
    1 Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil.
    Leia-se:
    Dejeane de Oliveira Silva1,2
    1 Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil.
    2 Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhéus, BA, Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    07 Jun 2017
  • Aceito
    21 Nov 2017
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