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Atuação da equipe de enfermagem frente à sexualidade de idosas institucionalizadas* * Extraído da dissertação: “Sexualidade de idosas institucionalizadas: percepção da equipe de enfermagem”, Universidade Federal de Santa Maria, 2017.

RESUMO

Objetivo:

Analisar como a equipe de enfermagem atua frente à sexualidade no cotidiano das idosas institucionalizadas.

Método:

Estudo qualitativo e descritivo, realizado em uma Instituição de Longa Permanência, na região sul do Brasil. Os dados foram coletados nos meses de abril a julho de 2016, por meio de entrevista semiestruturada e submetidos à Análise de Discurso Francesa Pecheutiana. O estudo respeitou as normas da legislação brasileira para pesquisas com seres humanos.

Resultados:

Participaram do estudo 18 profissionais de enfermagem. As formações ideológicas e imaginárias permearam o discurso dos sujeitos, interpelando o entendimento da sexualidade, sua conformação institucional e a atuação despendida sob as manifestações da sexualidade. Assim, frente à atuação dos profissionais, tornou-se possível identificar dificuldades, como constrangimento, desconforto ou prevalência de crenças pessoais e estratégias. Tais estratégias se diversificaram, desde o uso do humor até as ações diretas repressivas.

Conclusão:

A compreensão da dinâmica da atuação dos profissionais frente à sexualidade permite vislumbrar a necessidade da integralidade no cuidado, tangenciada por formações sociais, ideológicas e imaginárias, o que suscita o imperativo fortalecimento da formação acadêmica e profissional.

DESCRITORES
Idoso; Sexualidade; Enfermagem Geriátrica; Equipe de Enfermagem; Instituição de Longa Permanência para Idosos

ABSTRACT

Objective:

Analyzing how the nursing team performs in facing the sexuality in the daily lives of institutionalized elderly women.

Method:

A qualitative and descriptive study carried out in a Nursing Home in the southern region of Brazil. Data were collected from April to July 2016 through a semi-structured interview and submitted to the French Discourse Analysis of Michel Pêcheux. The study complied with the norms of the Brazilian legislation for research on human beings.

Results:

Eighteen (18) nursing professionals participated in the study. Ideological and imaginary formations permeated the subjects’ discourse, evoking the understanding of sexuality, its institutional conformation and the performance demanded under manifestations of this sexuality. Thus, considering the professionals’ performance, it became possible to identify difficulties such as embarrassment, discomfort or prevalence of personal beliefs and strategies. These strategies have diversified ranging from the use of humor to direct repressive actions.

Conclusion:

Understanding the dynamics of professionals’ performance towards sexuality allows us to glimpse the need for comprehensiveness in care related to social, ideological and imaginary formations which demand an imperative strengthening of academic and professional training.

DESCRIPTORS
Aged; Sexuality; Geriatric Nursing; Nursing, Team; Homes for the Aged

RESUMEN

Objetivo:

Analizar cómo actúa el equipo de enfermería ante la sexualidad en el cotidiano de las ancianas institucionalizadas.

Método:

Estudio cualitativo y descriptivo, llevado a cabo en una Institución de Larga Estancia, en la región sur de Brasil. Los datos fueron recogidos en los meses de abril a julio de 2016, mediante entrevista semiestructurada y sometidos al Análisis del Discurso en la línea Francesa Pecheutiana. El estudio respetó las normas de la legislación brasileña para investigaciones con seres humanos.

Resultados:

Participaron en el estudio 18 profesionales de enfermería. Las formaciones ideológicas e imaginarias involucraron el discurso de los sujetos, interpelando la comprensión de la sexualidad, su conformación institucional y la actuación despendida bajo las manifestaciones de la sexualidad. De esa manera, ante la actuación de los profesionales, se hizo posible identificar dificultades como vergüenza, incomodidad o prevalencia de creencias personales y estrategias. Dichas estrategias se diversificaron, desde el uso del humor hasta las acciones directas represivas.

Conclusión:

La comprensión de la dinámica de la actuación de los profesionales frente a la sexualidad permite vislumbrar la necesidad de la integralidad en el cuidado, rozada por cambios sociales, ideológicos e imaginarios, lo que suscita el imperativo fortalecimiento de la formación académica y profesional.

DESCRIPTORES
Anciano; Sexualidad; Enfermería Geriátrica; Grupo de Enfermería; Hogares para Ancianos

INTRODUÇÃO

A temática sexualidade vem sendo investigada com maior ênfase desde o século XIX, permitindo ampliar o seu conceito e compreensão. Apesar de sinalizar avanços, a abordagem deste tema ainda é repleta de estigmas, cercada de tabus e impregnada de preconceitos, especialmente quando vinculada à etapa da terceira idade(11. Machado DJC. Quem foi que disse que na terceira idade não se faz sexo? Fragmentos Cultura [Internet]. 2014 [citado 2016 set. 20];24(n. esp):11-4. Disponível em: http://seer.ucg.br/index.php/fragmentos/article/view/3573.
http://seer.ucg.br/index.php/fragmentos/...
).

A sexualidade humana(22. World Health Organization. Sexual health, human rights and the law [Internet]. Geneva: WHO; 2015 [cited 2016 Sep 20]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/175556/1/9789241564984_eng.pdf
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665...
) não se limita ao ato sexual, pois abrange o afeto, o contato e a intimidade. Assim, a sexualidade pode ser percebida como um conceito abrangente, que envolve o universo subjetivo. Ademais, envolve o indivíduo em sua totalidade e não se esgota com o processo de envelhecimento, apenas se modifica(33. Vieira KFL, Coutinho MPL, Saraiva ERA. A sexualidade na velhice: representações sociais de idosos frequentadores de um grupo de convivência. Psicol Ciênc Prof [Internet]. 2016 [citado 2017 jan. 03];36(1):196-209. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v36n1/1982-3703-pcp-36-1-0196.pdf
http://www.scielo.br/pdf/pcp/v36n1/1982-...
).

As mudanças sociais, econômicas, políticas e tecnológicas vêm influindo de maneira significativa no aumento da longevidade da população brasileira. Até o ano de 2025, a população idosa, no Brasil, crescerá 16 vezes, enquanto a população total, cinco vezes. Tal evento classificará o país como a sexta população do mundo em idosos, correspondendo a mais de 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais de idade(44. World Health Organization. Global health and aging [Internet]. Geneva: WHO; 2011 [cited 2016 Apr 15]. Available from: http://www.who.int/ageing/publications/global_health.pdf
http://www.who.int/ageing/publications/g...
).

Tendo em vista o processo de envelhecimento da população, associado ao aumento deste contingente populacional, observa-se que a busca por alternativas para suprir as necessidades advindas destas situações configura-se como recorrente, apesar de vários avanços já alcançados. Nesse sentido, o tema da institucionalização do idoso também merece atenção.

As Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) mostram-se como espaços que privam, de modo geral, os projetos anteriores, incluindo família, casa e relações construídas na história de vida pregressa dos idosos(55. Cattaruzzi C, Cadelli L, Marcuzzo L, Antonini A, Groppo B, Ros B, et al. Feasibility of a multidisciplinary approach for medical review among elderly patients in four Italian long-term nursing homes. Eur J Hosp Pharm [Internet] 2016 [cited 2016 Nov 18];8(12):200-22. Available from: http://ejhp.bmj.com/content/ejhpharm/early/2016/05/24/ejhpharm-2015-000812.full.pdf
http://ejhp.bmj.com/content/ejhpharm/ear...
). Sua rotina, muitas vezes, limita-se à realização das mesmas atividades, com o mesmo grupo de pessoas, no mesmo horário, atendendo, nesse sentido, às exigências institucionais e não às pessoais(66. Arai A, Ozaki T, Katsumata Y. Behavioral and psychological symptoms of dementia in older residents in long-term care facilities in Japan: a cross-sectional study. Aging Ment Health. 2017;21(10):1099-105. DOI: 10.1080/13607863.2016.1199013
https://doi.org/10.1080/13607863.2016.11...
).

A institucionalização dos idosos pode ocasionar a diminuição na autonomia e a perda de identidade. Assim, interfere em diferentes aspectos da vida dos idosos, incluindo questões relativas à sexualidade. O respeito pelos idosos como seres sexuais e vitais, muitas vezes, fica minimizado pela falta de privacidade proporcionada a eles, pela ausência de credibilidade conferida à sua sexualidade e pela falta de aceitação, respeito e dignidade para que haja a manutenção de sua expressão sexual, negando o desejo e tratando esse assunto de forma velada(66. Arai A, Ozaki T, Katsumata Y. Behavioral and psychological symptoms of dementia in older residents in long-term care facilities in Japan: a cross-sectional study. Aging Ment Health. 2017;21(10):1099-105. DOI: 10.1080/13607863.2016.1199013
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).

Considera-se as Instituições de Longa Permanência para Idosos como espaços de moradia especializada, que contemplam a presença de uma equipe multiprofissional. Dentre estes profissionais, o enfermeiro desenvolve suas atividades com a pessoa idosa e equipe, por meio de um processo de cuidar que deve consistir em um olhar biopsicossocial e espiritual, com vistas à promoção da saúde mediante a utilização das capacidades e condições de saúde da pessoa idosa(77. Felix RS, Nunes JT, França DJR, Gomes MM, Fernandes MNF. Cuidados de enfermagem ao idoso na instituição de longa permanência: relato de experiência. J Nurs UFPE On line [Internet] 2014 [citado 2016 set. 20];8(12):4391-4. Disponível em: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermagem/index.php/revista/article/view/6591
http://www.revista.ufpe.br/revistaenferm...
).

Assim, ao vislumbrar a vivência dos idosos, nestas instituições, percebe-se a equipe de enfermagem como a mais presente, no dia a dia dessas pessoas. As Instituições de Longa Permanência para Idosos podem ser mistas, ou abrigar idosos de somente um gênero. Desse modo, ao permear a vivência de idosos em uma Instituição de Longa Permanência, exclusivamente destinada ao público feminino, torna-se relevante conhecer como esses profissionais conduzem as questões relacionadas à sexualidade que tangenciam esse cenário de cuidados.

Entende-se que, ao conhecer a forma como a equipe de enfermagem percebe a sexualidade de idosas institucionalizadas, pode-se ampliar o conhecimento e contribuir para ações de cuidado. Assim, perfilhar a sexualidade como parte integrante da personalidade do ser humano e como uma necessidade humana básica poderá contribuir para a qualidade de vida das idosas institucionalizadas e para a qualificação do atendimento oportunizado pelos profissionais.

Diante desta realidade, o presente estudo objetiva analisar como a equipe de enfermagem atua frente à sexualidade no cotidiano das idosas institucionalizadas.

MÉTODO

Este estudo corresponde ao recorte de uma dissertação de mestrado que se utilizou de abordagem qualitativa e descritiva, realizado em uma ILPI, na região sul do Brasil. A instituição é de caráter filantrópico e acolhe e ampara idosos do sexo feminino. Abriga aproximadamente 198 idosas, e estrutura-se em quatro alas. A equipe de enfermagem é composta por 48 profissionais, sendo nove enfermeiros e 39 técnicos de enfermagem.

Participaram do estudo 18 profissionais de enfermagem que atenderam aos seguintes critérios de seleção: ser membro da equipe de enfermagem da instituição, ter vínculo empregatício há pelo menos 3 meses e não estar afastado do trabalho no período de coleta de dados. O critério temporal da atividade laboral estabeleceu-se sob o entendimento de que somente a partir de vivências torna-se possível formar sentidos e assim, construir suas percepções.

A coleta dos dados realizou-se nos meses de abril a julho de 2016, por meio de entrevista semiestruturada, com questões fechadas para caracterização sociodemográfica e laboral: formação, especialização na área da gerontologia, sexo, idade, tempo de serviço e vínculo com outras instituições. Também foram utilizadas questões abertas que abordaram a atuação da equipe de enfermagem, tais como: situações de manifestação da sexualidade identificadas na Instituição; atuação dos profissionais nessas situações e dificuldades encontradas.

Para a operacionalização das entrevistas, a pesquisadora entrou em contato, pessoalmente, convidando os profissionais dos turnos da manhã, tarde e noite. A partir do aceite em participar da pesquisa, foram pactuados horários mais convenientes aos participantes. As entrevistas apresentaram duração média de 40 minutos, foram audiogravadas mediante a autorização dos participantes da pesquisa e posteriormente transcritas na íntegra. A coleta das informações foi encerrada devido à saturação dos dados, determinada por repetição de respostas e alcance satisfatório do objetivo proposto.

A análise dos dados fundamentou-se na Análise de Discurso (AD) francesa Pecheutiana. A AD consiste na análise de unidades texto para além da análise da frase, assim, procura identificar o que está além da superficialidade do discurso, inserindo-o no contexto vivenciado pelos enunciantes e valorizando aspectos históricos e sociais. A metodologia para a análise dos dados na AD não se mostra acabada ou diretiva, cabe a cada pesquisador emergir métodos de análise que procedem por movimentos pendulares, que conduzem da teoria para a análise, e desta de volta para a teoria(88. Petri V. O funcionamento do movimento pendular próprio às análises discursivas na construção do “dispositivo experimental” da Análise de Discurso. In: Petri V, Dias C, organizadoras. Análise do discurso em perspectiva: teoria, método e análise. Santa Maria: Ed. UFSM; 2013. p. 39-48.).

Após a transcrição dos discursos, conferiu-se materialidade linguística ao texto. Para tal finalidade, foram utilizados alguns recursos ortográficos: /: pausa reflexiva curta; //: pausa reflexiva longa; ...: pensamento incompleto; entre colchetes – textos acrescentados pelo pesquisador; Palavra em negrito – significa ênfase na palavra enunciada; Leetra duplicada em uma palavra – significa que a pessoa falou de modo meio “arrastado ou cantada” a palavra, dando maior ênfase na letra que está duplicada; “aspas” – significa uma frase ou título que não é de autoria de quem está falando ou que a pessoa disse isso em outro momento e está contando agora.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria sob o protocolo n° 1.409.246, de fevereiro de 2016, sendo respeitadas as normas da legislação brasileira para pesquisas com seres humanos. Todos participantes foram esclarecidos dos objetivos do estudo, e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi utilizado o sistema alfanumérico para identificação dos participantes, com o segmento “ENF” para os enfermeiros e “TE” para os técnicos de enfermagem, seguidos de uma numeração sequencial, de acordo com a transcrição dos dados.

RESULTADOS

Participaram do estudo 18 profissionais, seis enfermeiros e 12 técnicos de enfermagem, com idades entre 25 e 42 anos, sendo 16 deles do sexo feminino. Em relação ao estado civil, 11 deles afirmaram ser solteiros, já em relação à crença religiosa, 13 deles disseram ser católicos. Verificou-se que, sobre suas características laborais, cinco trabalham há menos de 1 ano no cenário de estudo, nove exercem atividades na Instituição entre 1 e 2 anos, um há 3 anos e outros três por período superior a 5 anos. Cinco participantes afirmaram já ter trabalhado em outra ILPI. Ainda, dois relataram que, além do vínculo empregatício atual que possuem com a referida ILPI, um também mantém vínculo como cuidador particular e outro atua em uma segunda ILPI.

O discurso dos profissionais acerca da sexualidade de idosas institucionalizadas permitiu identificar dificuldades e estratégias que permeiam a atuação desses profissionais.

A sexualidade de idosas no contexto institucional: dificuldades para atuação

O cenário de cuidados de longo prazo, subsidiado pela atuação de profissionais de enfermagem, é tangenciado por diversas demandas e ações. A sexualidade, enquanto dimensão intrínseca à vida humana, permeia o ambiente institucional, e os profissionais são regularmente confrontados com tais aspectos em suas atuações. Embora a sexualidade deva ser reconhecida como um aspecto que acompanha a admissão no ambiente institucional, os profissionais de saúde nem sempre sentem-se à vontade para tratar dessa questão.

(...) é difícil lidar com esses aspectos porque a gente não sabe se está agindo certo, ou se teria outro jeito melhor para agir //: é um assunto que eu particularmente é a primeira vez que tenho a oportunidade de falar. E a gente sabe que isso não é assunto que tem receita de bolo pronta, sabe?! E isso faz parte da enfermagem, aplicar uma injeção a gente sabe a teoria e provavelmente consiga aplicar ela na prática, agora lidar com essas coisas mais subjetivas, isso já não é tão fácil assim, né?! (ENF 05).

Para nós atuar nessas coisas de sexualidade não é fácil, sabe?! Eu vejo assim, que é um assunto muito íntimo /: fica difícil para a gente também ficar se metendo e resolvendo essas coisas... (TE 11).

Partindo de uma noção de que os sujeitos são dotados de inconsciente e atravessados pela ideologia, depreende-se dos discursos que a intimidade e as privações podem ser associadas à conjuntura inferida no imaginário social acerca da sexualidade. A atuação dos profissionais de enfermagem em aspectos referentes à sexualidade é associada à intromissão, tendo em vista a subjetividade relacionada às tratativas da temática, assim, poucas parecem ser as fontes de informações que subsidiam a prática da enfermagem nessas questões.

(...) claro que de primeira vista quando tu chega /: aí tu dá uma chocada, tu vê senhoras de idade tendo uma relação homossexual, e que ainda hoje em dia não é vista com normalidade. (...) Tanto que a gente pensa, às vezes, que elas nem sabem o que se passa por aí... Então, eu vejo assim, que o pessoal que chega aqui e vê esse tipo de coisa toma um choque, mas, depois dá risada e leva numa boa (ENF 03).

Quando as gurias falaram que tinha casais entre vós, eu choqueeei, porque, é uma coisa assim que não é muito real, ainda mais entre idosas. Maas, eu acho que elas também devem ter algum sentimento, alguma afeição... E eu já tô até mais acostumada, mas no começo até foi meio estranho (TE 08).

As representações construídas no interdiscurso acerca da população idosa não incluem relação e expressão da sexualidade, evidenciando-se, inclusive, pelo uso do termo “algum(a)”. Assim, os depoentes, ao depararem-se com situações que conjugam expressões da sexualidade, sentem-se perturbados. Permite-se destaque ao fato de que a Instituição em análise abriga somente sujeitos do sexo feminino, suscitando, assim, relações homoafetivas em maior evidência, o que pode influenciar a condução delineada pelos profissionais de enfermagem. A aproximação com a realidade e o tempo de trabalho na Instituição parecem influenciar suas conduções e percepções.

Da parte da enfermagem, dos enfermeiros, como te disse alguns levam de forma bem tranquila e outros com mais dificuldade (...) E com os técnicos pior ainda, então acho que eles têm dificuldade de lidar com situações que possam, que eles possam observar, eles têm dificuldade //: veem duas vós, uma demonstração de carinho, simplesmente já acham que é uma relação homoafetiva, então tem uma dificuldade nesse sentido //: e aí já controlam isso, falam para as vós parar e reprimem (ENF 01).

Eu acho assim que o que a gente vê na faculdade é muito pouco :// a gente não fala sobre essas coisas de sexualidade na faculdade. Então, no decorrer dessa tua viagem tu vai ter que agregar muitas outras coisas (ENF 04).

Os depoentes acionam dificuldades que podem estar vinculadas às tratativas realizadas pelos profissionais de enfermagem em reconhecer e manejar situações relacionadas à sexualidade, em especial às homoafetivas. As dificuldades associam-se a categorias profissionais e a pré-julgamentos vinculados à tipificação das expressões. O reconhecimento de embaraços relacionados à sexualidade engloba fatores e atitudes pessoais e profissionais. A formação acadêmica e a educação continuada apresentam lacunas, e são identificadas como carentes em relação à sexualidade da população idosa.

Frente aos discursos, acredita-se que a dificuldade acionada tangencia questões de respeito e cidadania, as quais mostram-se como obrigação da sociedade e não exclusivamente da formação profissional. Para além, sinaliza-se os princípios e a cultura de cada profissional, como aspectos que refletem e condicionam a atuação e as perspectivas dos envolvidos em relação à temática.

(...) a gente tem que lembrar que aqui é a casa delas, elas vão ficar aqui por um longo período, então, elas têm que ter isso, elas têm que se sentir em casa, não só sentir que é um lugar que acolhe elas. E aí, só que acaba que privacidade elas não têm muita, até porque é muita gente, sempre chega visita, sempre têm duas-três no quarto, alguns quartos não têm porta, elas têm pouca privacidade, aí fica difícil (TE 08).

O quarto sempre é considerado o lugar mais privado, só que aqui não é assim, elas dividem os quartos, não tem como deixar trancar os quartos, porque a gente tem que cuidar delas, levar medicação, ver como estão (...) (ENF 06).

A expressão de alguns aspectos da sexualidade é considerada com conotação intimista e reservada, assim, a impossibilidade de ofertar privacidade às residentes é elucidada como obstáculo. A organização institucional, grande contingente de idosas, divisão de quartos com outras idosas, ausência de portas em alguns quartos e a necessidade de cuidados que os profissionais precisam ofertar apresentam-se como as principais dificuldades vinculadas à privacidade e, assim, à manifestação da sexualidade.

A sexualidade pode ser observada como uma temática que permeia as diversas relações que ocorrem no interior da ILPI, trazendo à baila questões pré-construídas de insinuações e erotismo. Pode-se depreender preocupação com a interpretação que algumas atitudes dos profissionais assumem perante as idosas.

Muitas vezes eu nem sei o que eu devo fazer ou falar. Ou assim, às vezes tu faz um carinho, alguma coisa e elas já ficam... Tem umas que diz que são meia, meiaa... Tu não sabe, né?! Aí tu fica meio assim, sabe?! Porque elas podem levar para o outro lado. Tu não sabe como ela tá percebendo aquilo, que é um carinho e ela tá achando que é... Essa carência afetiva pode levar para o outro lado (TE 05).

O sujeito permite que os sentidos atribuídos no seu discurso flutuem em formações imaginárias acerca da sexualidade e nas representações sociais que a temática e atitudes podem assumir. O depoente revela receios para atuar com liberdade junto às idosas, devido a interpretação que suas atitudes e posturas podem assumir, assim, demonstra apreensão frente à possibilidade de ofertar o cuidar.

Estratégias utilizadas por profissionais da enfermagem frente à sexualidade de idosas institucionalizadas

O convívio diário com as idosas revela situações relacionadas à sexualidade, e alguns aspectos mostram-se de competência da enfermagem. Nesse ínterim, frente à vivência e à aproximação ao ambiente de cuidados, os profissionais desenvolvem mecanismos e estratégias que embasam suas atuações na condução e no manejo de expressões da sexualidade.

Até a gente nem leva muito pros enfermeiros essas coisas assim, é natural :// para mim é natural (...) Noormal, normal, tranquiilo... Porque não tem como proibir, né? finge que não viu e... Não dá para interferir, o que tu vai fazer?! É uma necessidade :/ É normal, na verdade (TE 03).

O sujeito atribui sentido às suas conduções e ratifica a sexualidade como íntrinseca e natural aos seres. Reconhece-se que os conhecimentos e as atitudes dos profissionais são determinados por construções pessoais e imaginárias e podem implicar aceitação ou repressão. Assim, o ocultamento das expressões de sexualidade, ao disfarçar suas percepções, corrobora a manutenção da sexualidade velada, o que provoca a configurar a sexualidade de forma banalizada, optando por se esquivar em vez de a tratar com seriedade, segurança e responsabilidade.

Os profissionais de enfermagem desenvolvem modos de condução do comportamento das idosas. Desse modo, a adoção de tratativas humorísticas é visualizada como uma estratégia oportuna para conduzir as aproximações íntimas entre as idosas.

Sobre essas questões assim, a gente leva bem na brincadeira “fulana, o que tu está fazendo ali na cama da sicrana? Deixa a outra ter espaço”/: dessa maneira, assim, que a gente aborda, a gente não faz vista grossa para essas questões, até para elas não se fecharem assim para nós, mas, a gente leva na brincadeira, como se tivesse sido um engano ela ter deitado na cama. A gente trata dessa maneira, para elas não ficarem contra a gente, para elas não ficarem ríspidas (ENF 03).

As formações ideológicas perpassam os discursos, tornando-se possível observar o fio espiral conduzido: não ser ríspida com as idosas, mas, de modo desenfadadiço, explicitar a repressão e a censura estabelecida. A dicotomia da atuação pode revelar-se, principalmente, em manifestações que envolvem contato homoafetivo e íntimo entre as idosas.

Com relação à censura direta, pode-se elencar outras atitudes dos profissionais, as quais normatizam a vivência das idosas no ambiente institucional. Os sujeitos desvelam o afastamento como estratégia utilizada para as manifestações da sexualidade entre as idosas.

Quando estão nos quartos juntas, aí as gurias vêm e me passam “óh, a fulana tava no quarto da cicrana” /: “tu separou?” “separei!”, “então, ok!” (risos). “Tudo certo”. Porque senão o que fazem aqui também, fazem um remanejamento, tipo mudam elas de ala, dão uma separada, de ala ou de quarto. Porque às vezes dormem nos mesmos quartos, e aí então, a gente troca de quartos para dar uma acalmada. A gente tenta não separar de uma forma ríspida (ENF 06).

Tem um caso que elas são namoradas... E tem outro caso que uma foi separada da outra, porque até então, acho que ela não conhecia /: porque ela tem deficiência, e a outra era apaixonada e acabou dando um beijo na boca, daí foi separado as duas. Daí as que eram namoradas ficavam de agarramentos, né?! Elas ficavam muito juntas, se deixasse elas se beijavam, daí pensando nas outras idosas, elas foram separadas, foram separadas de alas (TE 04).

O controle pode ser observado como uma estratégia adotada pelos profisionais em suas atuações. A aproximação homoafetiva por contatos íntimos ou afetivos é podada pelos profissionais, por meio de estratégias que priorizam a separação espacial das idosas envolvidas, justificadas pelo bem-estar das outras idosas e para a serenidade da Instituição, uma vez que a estrutura física da Instituição possibilita remanejo de quartos ou alas.

Nesse contexto, os profissionais de enfermagem assumem posturas de supervisão, distração e separação das manifestações de sexualidade das idosas institucionalizadas. Desse modo, o comportamento sexual é desencorajado, tanto quanto possível, ou simplesmente descartado.

A gente não trata nenhuma como casal, a gente sabe que tem os casais aqui dentro, mas a gente não trata nenhuma como casal, sabe?! Enfim, para não... Porque é uma instituição muito grande e como tem muita gente, então, para a gente ter um pouco de controle sobre isso ficaria difícil, até para ter cuidado com funcionários. Então, a gente cuida quando uma entra no quarto, se uma tá na cama da outra, para não ficar muito junto (ENF 03).

O não reconhecimento das relações que se estabelecem mostra-se como outro artifício de controle utilizado pelos profisionais. As formações imaginárias e ideológicas do profissional não incluem aceitação da sexualidade nesse contexto, consequentemente, quando os comportamentos sexuais aparecem, são tratados como um problema perturbador.

Os membros da equipe de enfermagem devem pautar suas ações de cuidados nas instituições, compreendendo ações específicas da profissão e da indispensabilidade do cuidar individualizado à pessoa institucionalizada. A aparência e as condições físicas, intimamente ligadas à sexualidade, são entonadas pelos profissionais de enfermagem e mostram-se como demanda para a atuação nesses cenários.

A gente aqui atua em várias coisas, maioria das vezes a gente não para pra pensar que estamos fazendo isso pela sexualidade, mas, por exemplo, a gente ajuda elas a ficar bonitas, a pintar unha, tirar os pelos do queixo, tudo em função para elas ficarem mais bonitas, se sentirem mais valorizadas... Então, aqui a gente faz várias coisas, assim, para elas (TE 07).

É que tem umas que gostam de se arrumar, aí a gente ajuda, a gente enfeita mais ainda, aí que elas ficam bem faceiras. Que aqui nós enfermagem, a gente corta as unhas, a gente pinta as unhas, a gente ajeita... Principalmente agora, época da festa [referindo-se a uma festa realizada pela instituição aberta à comunidade em geral], elas querem se arrumar, “ah eu quero usar aquele ali, quero usar aquilo”. Que daí vem gente de fora, um mês antes elas já tão comentando (TE 06).

A descrição dos cuidados realizados pela equipe de enfermagem demonstra aproximação com aspectos da sexualidade e elenca atividades de contato direto com as idosas e imperativas a uma população feminina, o que demonstra influenciar a vivência da sexualidade de um modo singular. Desenvolver tais ações amplia a visão tecnicista e, assim, oportuniza integralidade ao cuidado e à sexualidade, impactando o bem-estar sexual e possibilitando ressignificação da amplitude de possibilidades vivenciais em relação à sexualidade.

A atuação profissional em ILPI não é vinculada somente à equipe de enfermagem, demais membros da equipe multiprofissional apresentam importantes atuação e contribuição para o bem-estar e a qualidade de vida dos sujeitos idosos.

A gente tá falando da enfermagem, mas, eu vejo assim, que para essas coisas de sexualidade tem que envolver a equipe multiprofissional. Cada um pode ajudar em uma coisa, por exemplo, a educação física realizando atividades para liberar os desejos, as necessidades delas, a psicologia abordando e dando suporte nessas questões da sexualidade... Então, cada um pode dar sua contribuição, senão, nossa atuação fica muito limitada (ENF 06).

A sexualidade, enquanto objeto complexo que permeia o ambiente institucional, requisita o envolvimento da equipe multidisciplinar, evidenciado-se que somente a atuação da enfermagem não contempla a gama de necessidades e de cuidados no âmbito da sexualidade em ILPI.

A atuação sobre aspectos da sexualidade desvela condutas que se diversificam entre os profissionais e suas subjetividades, não havendo padronizações ou recomendações institucionais expressas. Compreende-se que a a temática da sexualidade possui regulações pessoais, de cada profissional, e que a Instituição também apresenta especificidades, ambiente exclusivamente feminino de cuidados, o que repercurte na conotação expressa nos encontros e carícias pelas idosas, provocando reflexões da implicação do fato à necessidade. Portanto, reconhece-se o discurso enquanto construção social que carrega influências conscientes e inconscientes dos pré-construídos e das conformações imaginárias, sociais e discursivas que permeiam.

DISCUSSÃO

Os discursos dos profissionais de enfermagem identificam algumas dificuldades e desafios que se opõem à expressão e à atuação sobre a sexualidade em ILPIs. A literatura abarca que, entre esses desafios, tem se destacado o débil nível de conhecimento e compreensão das necessidades das pessoas idosas com relação à sexualidade. Assim, considera-se relevante identificar quais recursos ou iniciativas podem ser necessários dentro de uma organização, a fim de favorecer a atuação dos profissionais sobre esses aspectos(99. Bauer M, Fetherstonhaugh D, Tarzia L, Nay R, Beattie E. Supporting residents’ expression of sexuality: the initial construction of a sexuality assessment tool for residential aged care facilities. BMC Geriatr [Internet] 2014 [cited 2016 Oct 12];14:82. Available from: http://www.biomedcentral.com/content/pdf/1471-2318-14-82.pdf
http://www.biomedcentral.com/content/pdf...
).

Estereótipos de prudência demarcaram o cenário de cuidados institucional. Assim, demonstrações de afeto entre residentes atraem censura de funcionários e moradores, em especial, quando expressões de intimidade são legitimadas como parte de um “casal”. As expressões homossexuais muitas vezes são patologizadas, pecaminadas e socialmente degradadas, predominando a heteronormatividade, apesar desta, também, encerrar inúmeras repressões(1010. Willis P, Raithby M, Maegusuku-Hewett T, Miles P. ‘Everyday advocates’ for inclusive care? perspectives on enhancing the provision of long-term care services for older lesbian, gay and bisexual adults in wales. Br J Soc Work [Internet]. 2017 [cited 2017 Sep 08];47:409-26. Available from: https://academic.oup.com/bjsw/article/47/2/409/3076828
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). Frente aos dilemas encontrados no dia a dia, torna-se necessário considerar uma miríade de requisitos legais, éticos, institucionais e de necessidades dos residentes(1111. Villar F, Serrat R, Fabá J, Celdrán M. As long as they keep away from me: attitudes toward non-heterosexual sexual orientation among residents living in Spanish residential aged care facilities. Gerontologist. 2015;55(6):1006-14. DOI: 10.1093/geront/gnt150
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).

As representações da sexualidade permearam o discurso dos profissionais, apresentando artifícios de censura e controle para/com os outros. Frente a esse contexto, reconhece-se o papel da pressão do grupo, incluindo profissionais, familiares e idosos, em relação às expressões sexuais de residentes nas ILPIs. O sentimento de ser julgado e a importância do que os outros envolvidos no ambiente de cuidados podem pensar, atuam de modo informal no controle do comportamento, inibindo, consequentemente, o interesse e a expressão sexual. A construção de uma moralidade sexual restritiva explica parcialmente essa pressão para se comportar “de maneira decente” e assim, a adoção de medidas controladoras(1212. Villar F, Celdrán M, Fabá J, Serrat R. Barriers to sexual expression in residential aged care facilities (RACFs): comparison of staff and residents’ views. J Adv Nurs. 2014;70(11):2518-27. DOI: 10.1111/jan.12398
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).

O processo de formação profissional, com relação a aspectos da sexualidade, apresenta mazelas, afastando a possibilidade de cuidado ampliado. Observam-se interdições com relação a aspectos da sexualidade, repercutindo em questões de identidade profissional e no desenvolvimento do cuidado com o(a) outro(a), desvelando a necessidade de investir em aspectos educacionais(1313. Costa LHR, Coelho EAC. Ideologias de gênero e sexualidade: a interface entre a educação familiar e a formação profissional de enfermeiras. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2013 [citado 2017 nov. 27];22(2):485-92. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/tce/v22n2/v22n2a26.pdf
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). É nesse contexto que a formação inicial está inserida, tendo em vista que desempenha um papel de grande relevância para a futura atuação, na medida em que constrói as competências necessárias para o desempenho eficiente de suas funções(1414. Borges LS, Canuto AAA, Oliveira DP, Vaz RP. Abordagens de gênero e sexualidade na psicologia: revendo conceitos, repensando práticas. Psicol Ciênc Prof [Internet]. 2013 [citado 2016 jun. 18];33(3):730-45. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/pcp/v33n3/v33n3a16.pdf
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).

Assim, observa-se, no estudo em tela, que os conhecimentos e as atitudes dos profissionais, determinados por construções pessoais e imaginárias, permeiam o ambiente de cuidados como expressões ocultas, e, desse modo, implicam críticas e repressões, a depender do tipo de manifestação da sexualidade. Nesse sentido, conhecimentos, vivências e entendimentos podem tornar-se importante barreira para obter uma visão normalizada da sexualidade no contexto. Desenvolver cursos de formação que buscam não só informar necessidades sexuais e formas de expressão sexual encontradas entre idosos nas ILPIs, mas também, mudar atitudes consideradas negativas, ajudaria a eliminar fontes de desconforto entre os funcionários(1515. Di Napoli EA, Breland GL, Allen RS. Staff knowledge and perceptions of sexuality and dementia of older adults in nursing homes. J Aging Health. 2013;25(7):1087-105. DOI: 10.1177/0898264313494802
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).

A Instituição do estudo não determina ou sugere condutas e protocolos para atuação perante questões de sexualidade. Os profissionais guiam-se por crenças e constructos pessoais. Reconhece-se a gama de estigmas e tabus que circundam a temática, consequentemente, tornando um desafio compreender a sexualidade como parte do seu cotidiano, uma vez, também, que os sentidos da pessoa idosa ainda estão intimamente ligados a incapacidades. A vivência da sexualidade deveria ser algo tão cotidiano quanto de qualquer pessoa.

Estudo sinaliza que a falta de quaisquer protocolos de ação explícita ou diretrizes formais mostram-se como lacunas processuais e dificultam a atuação em situações em que os residentes expressam necessidades sexuais. Para além, o problema pode ser atribuído, em parte, à quase total ausência de políticas explícitas em relação à sexualidade nas ILPIs(1111. Villar F, Serrat R, Fabá J, Celdrán M. As long as they keep away from me: attitudes toward non-heterosexual sexual orientation among residents living in Spanish residential aged care facilities. Gerontologist. 2015;55(6):1006-14. DOI: 10.1093/geront/gnt150
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).

Os profissionais revelam utilizar o humor como estratégia para contornar questões da sexualidade. Reconhece-se que os comentários humorísticos dos profissionais funcionam, muitas vezes, como uma forma de controle social encoberto, que, assim, impedem o comportamento indesejado, regulando indiretamente a expressão sexual dos moradores. Nesse sentido, as atitudes e os preconceitos negativos podem ser capturados pelos residentes. Quando interiorizados, eles podem potencialmente afetar os pensamentos dos moradores sobre a permissibilidade social e/ou moral do envolvimento sexual em ambientes residenciais de idosos(1212. Villar F, Celdrán M, Fabá J, Serrat R. Barriers to sexual expression in residential aged care facilities (RACFs): comparison of staff and residents’ views. J Adv Nurs. 2014;70(11):2518-27. DOI: 10.1111/jan.12398
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).

Os receios de atitudes ou palavras hostis de outros moradores e funcionários circundam notadamente a homoafetividade. A equipe de cuidados, de modo geral, não apoia as identidades, as expressões e os relacionamentos homoafetivos, podendo-se associar esse fato a crenças, questões culturais e escassez de conhecimentos acerca da temática. O meio organizacional tem grande importância para moldar as práticas de cuidados dentro das Instituições. Políticas sistêmicas, que promovam ações afirmativas, e oportunizem espaços para entender as histórias e experiências de vida têm um papel fundamental no fornecimento de oportunidades de sensibilização para essas questões da sexualidade(1010. Willis P, Raithby M, Maegusuku-Hewett T, Miles P. ‘Everyday advocates’ for inclusive care? perspectives on enhancing the provision of long-term care services for older lesbian, gay and bisexual adults in wales. Br J Soc Work [Internet]. 2017 [cited 2017 Sep 08];47:409-26. Available from: https://academic.oup.com/bjsw/article/47/2/409/3076828
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).

Além disso, percebeu-se que o tipo e o grau de interação sexual ou íntimo influenciam as atitudes dos profissionais de enfermagem atuantes em ILPIs. Tais dados convergem com uma pesquisa realizada no Japão, a qual revelou que os membros da equipe geralmente apresentam maior aceitação de comportamentos percebidos como carinhosos e reagem ao erotismo com raiva e objeção, normalmente respondem aos comportamentos de formas que variam do humor à censura direta(66. Arai A, Ozaki T, Katsumata Y. Behavioral and psychological symptoms of dementia in older residents in long-term care facilities in Japan: a cross-sectional study. Aging Ment Health. 2017;21(10):1099-105. DOI: 10.1080/13607863.2016.1199013
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).

Viver em um ambiente institucional introduz elementos de vigilância e, assim, perda de privacidade, desencadeando embaraços e constrangimentos(1616. Valentova JV, Varella MAC. Further steps toward a truly integrative theory of sexuality. Arch Sex Behav. 2016;45(3):517-20. DOI: 10.1007/s10508-015-0630-1
https://doi.org/10.1007/s10508-015-0630-...
). As discussões sobre a permissibilidade moral do comportamento íntimo não deveria partir de subjetividades, mas sim, serem fundamentadas em resultados derivados da interação de todos os indivíduos do ambiente institucional. As informações deveriam ser desprovidas de sensacionalismo, buscando separar seus próprios valores para receber ajuda e apoio em capacitações que melhorem as habilidades em relação às intimidades estabelecidas(1616. Valentova JV, Varella MAC. Further steps toward a truly integrative theory of sexuality. Arch Sex Behav. 2016;45(3):517-20. DOI: 10.1007/s10508-015-0630-1
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).

Assim, parece haver uma linha tênue entre comportamento sexual aceitável ou reprimido, denotando relação com os aspectos culturais individuais dos profissionais, haja visto a escassez de protocolos ou diretrizes institucionais para abordagem e condução da temática(1717. Pelts MD, Galombos C. Intergroup contact: using storytelling to increase awareness of lesbian and gay older adults in long-term care settings. J Gerontol Soc Work. 2017;60(6-7):587-604. DOI: 10.1080/01634372.2017.1328478
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). Consequentemente, a maioria dos profissionais de enfermagem, por posturas individuais, inclina-se a proibir tais comportamentos, justificando prerrogativas de proteção aos outros profissionais e/ou residentes. Desse modo, barreiras físicas são utilizadas, em muitos casos, para punir ou prevenir comportamentos sexuais indesejados(99. Bauer M, Fetherstonhaugh D, Tarzia L, Nay R, Beattie E. Supporting residents’ expression of sexuality: the initial construction of a sexuality assessment tool for residential aged care facilities. BMC Geriatr [Internet] 2014 [cited 2016 Oct 12];14:82. Available from: http://www.biomedcentral.com/content/pdf/1471-2318-14-82.pdf
http://www.biomedcentral.com/content/pdf...
).

As atitudes e as reações dos funcionários em relação à expressão da sexualidade no espaço das ILPIs podem ser influenciadas por diferentes fatores, como a cultura da organização, o status cognitivo ou a natureza do comportamento sexual. Neste último caso, enquanto a tolerância parece ser a reação aceitável no que se refere às relações sexuais entre homens e mulheres, muitos profissionais seriam menos propensos a aceitar uma relação entre o mesmo sexo(1818. Villar F, Fabá J, Serrat R, Celdrán M. What happens in their bedrooms, stays in their bedrooms: staff and residents’ reactions toward male-female sexual intercourse in residential aged care facilities. J Sex Res. 2015;52(9):1054-63. DOI: 10.1080/00224499.2014.959882
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).

A temática da sexualidade é complexa, assim, exige que a atuação seja multidisciplinar, a fim de reconhecer e superar os desafios que se põem ao perceber a sexualidade em um contexto de cuidado ampliado e de atenção integral. A enfermagem, conjectura inúmeras possibilidades de atuação nesse contexto, destarte, depreende-se que, para compreender e atuar sobre aspectos da sexualidade, não basta conhecer a anatomia e a fisiologia sexuais, mas é também necessário ter em conta aspectos psicossociais e a cultura em que os indivíduos estão inseridos(1111. Villar F, Serrat R, Fabá J, Celdrán M. As long as they keep away from me: attitudes toward non-heterosexual sexual orientation among residents living in Spanish residential aged care facilities. Gerontologist. 2015;55(6):1006-14. DOI: 10.1093/geront/gnt150
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,1919. Aguilar RA. Sexual expression of nursing home residents: systematic review of the literature. J Nurs Scholarsh. 2017;49(5):470-7. DOI: 10.1111/jnu.12315
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).

CONCLUSÃO

Formações sociais, ideológicas e imaginárias mostraram-se como constituintes das numerosas redes relacionais que permitem o funcionamento do dispositivo sexualidade no âmbito institucional. A dificuldade em abordar o tema sexualidade, seja por constrangimento ou por embasar as tratativas em crenças pessoais, enfatiza hiatos da formação acadêmica e profissional.

As expressões da sexualidade são visualizadas pelos profissionais como necessárias, entretanto, eles elucidam seus papéis como reguladores do ambiente de cuidados. Desse modo, as aspirações dos profissionais mostram prevalecer sobre as das idosas. Os profissionais descrevem estratégias que utilizam para atuar em situações que identifiquem expressões da sexualidade, diversificando, desde o uso do humor até as ações diretas repressivas.

O fato de o estudo somente ter dado voz aos profissionais de enfermagem mostra-se como uma limitação. Sugere-se ampliação para outros estudos que versem sobre a sexualidade em contextos institucionais, permitindo visibilidade a outras populações atendidas por Instituições de Longa Permanência para Idosos e também aos demais profissionais que integram a equipe multiprofissional. Percebe-se que as discussões acerca da temática ainda são superficiais, não considerando a qualidade assistencial em termos mais abrangentes e profundos. Portanto, compreende-se que é preciso repensar esses ambientes em sua conjuntura normativa, institucional, física e de funcionamento.

  • *
    Extraído da dissertação: “Sexualidade de idosas institucionalizadas: percepção da equipe de enfermagem”, Universidade Federal de Santa Maria, 2017.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2017
  • Aceito
    26 Out 2017
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