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Programa de Enfermagem Saúde na Escola: prevenção e controle de sobrepeso/obesidade em adolescentes* * Extraído da tese: “Desenvolvimento de um Programa para Assistência de Enfermagem na prevenção e controle de sobrepeso ou obesidade em adolescentes”, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2016. ,** ** Trabalho premiado no 19º Seminário Nacional de Pesquisa em Enfermagem, realizado em maio de 2017.

RESUMO

Objetivo

Descrever o processo de construção de uma intervenção em forma de programa para assistência de enfermagem ao adolescente, direcionado à prevenção e ao controle de sobrepeso/obesidade na escola.

Método

Estudo metodológico, desenvolvido por meio do Mapeamento de Intervenção, em Natal/RN, Brasil, entre outubro de 2015 e setembro de 2016, com a participação de adolescentes, professores de escolas públicas e enfermeiras da Atenção Primária. As fontes de dados foram grupos focais, entrevistas e revisão integrativa. Utilizou-se do Discurso do Sujeito Coletivo na análise.

Resultados

Ao final das seis etapas do Mapeamento de Intervenção, construiu-se o “Programa de Enfermagem Saúde na Escola”, que deverá ser implementado em 10 meses, com cinco aulas semanais de exercícios e uma sessão semanal de intervenções de enfermagem, detalhadas no Programa.

Conclusão

A intervenção de enfermagem orientada pelo Mapeamento de Intervenção permite ações embasadas em teorias, participação da comunidade, vínculo escola/serviço e continuidade da assistência.

Adolescente; Sobrepeso; Obesidade; Cuidados de Enfermagem; Atenção Primária à Saúde; Enfermagem de Atenção Primária

ABSTRACT

Objective

To describe the construction process of an intervention in the form of a Nursing Care program to Adolescents aimed at preventing and controlling overweight/obesity in the school environment.

Method

A methodological study developed through Intervention Mapping in Natal/RN, Brazil, between October of 2015 and September of 2016, with the participation of adolescents, public school teachers and nurses in Primary Health Care. Data sources were focus groups, interviews and an integrative review. The Collective Subject Discourse was used for analysis.

Results

At the end of the six stages of the Intervention Mapping, the “School Health Nursing Program” (Programa de Enfermagem Saúde na Escola) was constructed, which should be implemented over 10 months with five weekly classes of exercises and a weekly session of nursing interventions detailed in the Program.

Conclusion

The nursing intervention guided by Intervention Mapping allows actions based on theories, community participation, school/service bonds, and care continuity.

Adolescent; Overweight; Obesity; Nursing Care; Primary Health Care; Primary Care Nursing

RESUMEN

Objetivo

Describir el proceso de construcción de una intervención en forma de programa para asistencia enfermera al adolescente, dirigido a la prevención y al control de sobrepeso/obesidad en la escuela.

Método

Estudio metodológico, desarrollado mediante el Mapeo de Intervención, en Natal/RN, Brasil, entre octubre de 2015 y septiembre de 2016, con la participación de adolescentes, profesores de escuelas públicas y enfermeras de la Atención Primaria. Las fuentes de datos fueron grupos focales, entrevistas y revisión integrativa. Se utilizó el Discurso del Sujeto Colectivo en el análisis.

Resultados

Al final de las seis etapas del Mapeo de Intervención, se construyó el “Programa de Enfermería Salud en la Escuela”, el que deberá implantarse en 10 meses, con cinco clases semanales de ejercicios y una sesión semanal de intervenciones de enfermería, detalladas en el Programa.

Conclusión

La intervención de enfermería orientada por el Mapeo de Intervención permite acciones fundamentadas en teorías, participación de la comunidad, vínculo escuela/servicio y continuidad de la asistencia.

Adolescente; Sobrepeso; Obesidad; Atención de Enfermería; Atención Primaria de Salud; Enfermería de Atención Primaria

INTRODUÇÃO

O presente estudo aborda a utilização de um método inovador para construção de uma intervenção em forma de programa, direcionado à assistência de enfermagem para prevenção e controle de sobrepeso ou obesidade em adolescentes na Atenção Primária à Saúde (APS), mais especificamente no ambiente escolar.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS)(11. World Health Organization. Global nutrition targets 2025: childhood overweight policy brief [Internet]. Geneva: WHO; 2014 [cited 2017 Oct 20]. Available from: http://www.who.int/nutrition/publications/globaltargets2025_policybrief_overweight/en/
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), o sobrepeso e a obesidade, em conjunto, constituem um problema de saúde mundial com prevalência crescente em todas as faixas etárias. Os adolescentes que apresentam essa condição estão em maior risco de desenvolver problemas de saúde graves, tais como diabetes, doenças cardíacas, hepáticas, respiratórias e psicológicas. Esse cenário em curto prazo representa altos custos de tratamento para o sistema de saúde, e em médio e longo prazo se relaciona à diminuição da produtividade econômica dessa geração de futuros adultos com sobrepeso, obesidade e doenças associadas(11. World Health Organization. Global nutrition targets 2025: childhood overweight policy brief [Internet]. Geneva: WHO; 2014 [cited 2017 Oct 20]. Available from: http://www.who.int/nutrition/publications/globaltargets2025_policybrief_overweight/en/
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).

Estima-se que a prevalência mundial de sobrepeso e obesidade seja superior a 20% entre os adolescentes(11. World Health Organization. Global nutrition targets 2025: childhood overweight policy brief [Internet]. Geneva: WHO; 2014 [cited 2017 Oct 20]. Available from: http://www.who.int/nutrition/publications/globaltargets2025_policybrief_overweight/en/
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). O Brasil acompanha essa tendência, a prevalência oscila de 7,4% a 36,5% nos diferentes estados, sendo a média superior a 20%(22. Hobold E, Arruda M. Prevalência de sobrepeso e obesidade de crianças e adolescentes no Brasil: uma revisão sistemática. Arq Ciênc Saúde. 2014;18(3):189-97.). Em nível local, um estudo realizado na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, em 2013, identificou prevalência de 28,8% de adolescentes com sobrepeso ou obesidade entre estudantes da rede estadual de ensino, bem como a ausência de assistência de enfermagem direcionada a essa clientela nas Unidades de Saúde participantes(33. Vieira CENK, Enders BC, Coura AS, Lira ALBC, Medeiros CCM, Mariz LS. Nursing diagnosis of overweight and related factors in adolescents. Invest Educ Enferm [Internet]. 2015 [cited 2017 Oct 10];33(3):509-18. Available from: http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0120-53072015000300015
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).

Diante de tantas consequências negativas advindas desse problema, em curto e longo prazo, o Ministério da Saúde tem reforçado a incorporação das ações de Vigilância Alimentar e Nutricional às rotinas de atendimento na APS. Os objetivos são detectar precocemente o risco nutricional e realizar intervenções que possibilitem prevenir e tratar precocemente(44. Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: obesidade. Brasília: MS; 2014.).

Adicionalmente, como os adolescentes frequentam pouco os serviços de saúde, os Ministérios da Saúde e da Educação criaram o Programa Saúde na Escola (PSE), para facilitar as ações da equipe multiprofisisonal na APS ao assistir os adolescentes em seu espaço de convívio. As ações previstas incluem, entre outras: a avaliação antropométrica para identificar estudantes com sobrepeso ou obesidade e a promoção da alimentação saudável e prática de atividade física(55. Gonzaga NC, Araújo TL, Cavalvante TF, Lima FET, Galvão MTG. Nursing: promoting the health of overweight children and adolescents in the school context. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 [cited 2017 Oct 09];48(1):153-61. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n1/0080-6234-reeusp-48-01-153.pdf
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). No que se refere aos enfermeiros, eles têm relatado dificuldades em realizar tais ações, pois os métodos utilizados não são capazes de atrair a participação dos adolescentes, e os profissionais desconhecem as ações de sua competência para prevenção e controle do sobrepeso ou obesidade(33. Vieira CENK, Enders BC, Coura AS, Lira ALBC, Medeiros CCM, Mariz LS. Nursing diagnosis of overweight and related factors in adolescents. Invest Educ Enferm [Internet]. 2015 [cited 2017 Oct 10];33(3):509-18. Available from: http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0120-53072015000300015
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).

Portanto, enfatiza-se a necessidade do presente estudo, de desenvolvimento de um programa, haja vista os enfermeiros atuantes na APS terem demonstrado dificuldade em realizar a tomada de decisão clínica em relação à obesidade na adolescência(66. Araújo SNM, Luz MHBA, Rocha SS, Silva GRF, Duarte MR, Sandes NM, et al. Obesidade infantil: conhecimentos e práticas de enfermeiros da Atenção Básica. Enferm Foco [Internet]. 2012 [citado 2017 jun. 21];3(3):139-42. Disponível em: http://revista.portalcofen.gov.br/index.php/enfermagem/article/viewFile/299/161
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). Apesar de perceberem como fundamental a assistência da equipe multiprofissional, os enfermeiros atribuem a outros profissionais a responsabilidade e desconhecem as intervenções de enfermagem relacionadas(33. Vieira CENK, Enders BC, Coura AS, Lira ALBC, Medeiros CCM, Mariz LS. Nursing diagnosis of overweight and related factors in adolescents. Invest Educ Enferm [Internet]. 2015 [cited 2017 Oct 10];33(3):509-18. Available from: http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0120-53072015000300015
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). Assim, a prática com essa população envolve uma questão ampla, e desenvolver um programa que norteie as intervenções de enfermagem irá suprir parcialmente as necessidades imediatas, pois se trata de uma tecnologia para guiar as ações de enfermagem, ampliar o conhecimento sobre o problema, favorecer o vínculo entre a APS e a escola e estimular o adolescente a criar/manter hábitos saudáveis.

Nessa perspectiva, estudos(77. Craemer MD, Decker ED, Bourdeaudhuij ID, Verloigne M, Duvinage K, Koletzo B, et al. Applying the Intervention Mapping protocol to develop a kindergarten-based, family-involved intervention to increase European preschool children’s physical activity levels: the ToyBox-study. Obes Rev. 2014;15 Suppl 3:14-26. DOI: 10.1111/obr.12180-88. Elsman EBM, Leerlooijer JN, Beek JT, Duijzer G, Jansen SC, Hiddink GJ, et al. Using the intervention mapping protocol to develop a maintenance programme for the SLIMMER diabetes prevention intervention. BMC Public Health [Internet]. 2014 [cited 2017 June 22];14:1108. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4286928/
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) têm utilizado um método inovador, denominado Mapeamento de Intervenção, para a elaboração de programas que visem à promoção da saúde de indivíduos que correm risco de ter um problema ou que estão doentes, mas que, por meio de intervenção relacionada à mudança de comportamento, é possível reverter o quadro(99. Kok G. A practical guide to effective behavior change. Eur Health Psychol. 2014;16(5):156-70.).

Considerando-se que há uma lacuna na prática de enfermagem, e que uma intervenção com a participação ativa da comunidade poderia alcançar melhores resultados na prevenção e no controle desse problema de saúde, o objetivo deste estudo é descrever o processo de construção de uma intervenção em forma de programa para assistência de enfermagem ao adolescente, direcionado à prevenção e ao controle de sobrepeso/obesidade na escola.

MÉTODO

Trata-se de estudo metodológico com abordagem qualitativa, realizado no estado do Rio Grande do Norte, no município de Natal, Brasil, entre agosto de 2015 e setembro de 2016. A população do estudo foi composta por enfermeiros que trabalhavam em Unidades Básicas de Saúde (UBS) do município. A amostra foi de quatro profissionais, um representante por zona demográfica, selecionados por sorteio. Consideraram-se os seguintes critérios de inclusão: ser enfermeiro e trabalhar em UBS do município em cujo território adscrito tivesse, no mínimo, uma escola estadual. Os critérios de exclusão foram: estar de férias ou licença médica.

A população do estudo também foi composta por adolescentes matriculados em escolas estaduais de Natal/RN, no Ensino Fundamental II e Médio. Selecionaram-se as escolas participantes a partir das quatro UBS sorteadas, no território adscrito dessas UBS. Para seleção dos adolescentes, optou-se por uma amostragem aleatória simples, sorteou-se uma turma por escola, e os seus integrantes foram convidados a participar da pesquisa. Após consentimento dos pais, os adolescentes participantes foram submetidos à triagem, e convidaram-se os classificados com sobrepeso ou obesidade para formar os grupos focais. Nos grupos das escolas das zonas norte e leste, houve 10 participantes em cada grupo, e nos da zonas sul e oeste, 12 participantes em cada.

Na triagem, mensuraram-se os dados antropométricos em duplicata e considerou-se a média. Para aferir o peso, utilizou-se da balança digital portátil da marca Beurer, com os adolescentes descalços, vestindo roupas leves e posicionados no centro da plataforma; para a estatura, utilizou-se do estadiômetro portátil da marca WCS, com os adolescentes descalços, em posição ortostática, braços ao longo do corpo, pés unidos, joelhos esticados, cabeça orientada no plano horizontal de Frankfurt, após inspiração profunda. Classificou-se o estado nutricional segundo o Escore Z, por meio do IMC, por idade e sexo: magreza (≥Escore Z -3 e <Escore Z -2), eutrofia (≥Escore Z -2 e ≤Escore Z +1), sobrepeso (>Escore Z +1 e ≤Z +2), obesidade (>Escore Z +2 e ≤Escore Z +3) e obesidade grave (>Escore Z +3)(44. Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: obesidade. Brasília: MS; 2014.).

Os adolescentes identificados com sobrepeso ou obesidade participaram dos grupos focais (para esta técnica é aconselhável cerca de 10 participantes, no máximo 15)(1010. Kinalski DDF, Padoin SMM, Neves ET, Kleinubing RE, Cortes LF. Focus group on qualitative research: experience report. Rev Bras Enferm [Internet]. 2017 [cited 2017 Oct 09];70(2):443-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n2/pt_0034-7167-reben-70-02-0424.pdf
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), elaboração do programa e teste das estratégias práticas. Os demais adolescentes da turma participaram da etapa de teste das estratégias práticas do Programa. Consideraram-se os seguintes critérios de inclusão: ter entre 10 e 19 anos e estar matriculado em escola estadual do Município. E o critério de exclusão foi estar de licença médica.

A população do estudo também foi formada por professores das escolas estaduais do município. A amostra foi composta por 40, sendo 10 de cada uma das quatro escolas. A planejadora responsável os convidou, eles se reuniram e decidiram os participantes. Considerou-se como critério de inclusão ser professor ou funcionário de escola estadual do Município. E o critério de exclusão foi estar de licença médica.

Com base no referencial teórico-metodológico adotado, Mapeamento de Intervenção(99. Kok G. A practical guide to effective behavior change. Eur Health Psychol. 2014;16(5):156-70.), a operacionalização da presente pesquisa consistiu em seis etapas:

Avaliação das necessidades: nesta etapa, o planejador avaliou o problema de saúde, relataram-se as condições comportamentais e ambientais envolvidas, e associaram-nas aos determinantes. Realizou-se revisão integrativa da literatura e coletaram-se dados segundo o modelo Predisposing, Reinforcing and Enabling Constructs in Educational Diagnosis and Evaluation (PRECEDE)(99. Kok G. A practical guide to effective behavior change. Eur Health Psychol. 2014;16(5):156-70.), para isso, realizaram-se grupos focais e entrevistas, e consideraram-se informações importantes contidas em artigos científicos e documentos do Ministério da Saúde e da Organização Mundial de Saúde (OMS). Em cada escola formaram-se dois grupos focais, o primeiro composto por professores e o segundo, por adolescentes. Para as enfermeiras das UBS, optou-se pela técnica de entrevista a cada 15 dias.

Matrizes de objetivos de mudança: esta etapa forneceu a base da intervenção, porque, após analisar os dados da etapa anterior, especificaram-se ‘quem’ e ‘o que’ mudarão como resultado da intervenção. Formulou-se o objetivo geral, o qual foi subdividido em objetivos de desempenho (o que se espera ser alcançado pelos grupos), e combinou-se, cada um deles, com seu determinante. Por fim, criaram-se os objetivos de mudança para especificar o que é necessário ser feito para alcançar a mudança nos determinantes.

Métodos baseados em teorias e estratégias práticas: selecionaram-se métodos teóricos e estratégias para mudar o comportamento dos grupos. Primeiramente, listaram-se os métodos relacionados aos objetivos de mudança elaborados na segunda etapa. Em seguida, formulou-se uma lista de atividades que contribuiriam para o alcance dos objetivos de mudança. A tradução dos métodos em uma ação foi concluída por meio da definição das estratégias práticas, para tanto, utilizou-se das intervenções identificadas na revisão integrativa (etapa 1) e na Classificação das Intervenções de Enfermagem (NIC)(1111. Bulechek GM, Butcher HK, Docherman JM, Wagner CM. NIC-Classificação das Intervenções de Enfermagem. 6ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2016.).

Programa: esta etapa incluiu a descrição do objetivo geral, metas e sequência dos componentes da intervenção, dos materiais e protocolos a serem utilizados, o que resultou na primeira versão do Programa. Em seguida, realizou-se o pré-teste, os próprios usuários e implementadores testaram as estratégias práticas elencadas na terceira etapa e, com base nessa experiência, a planejadora e os participantes avaliaram e procederam às modificações necessárias para concluir o programa.

Adoção e implementação: contemplou o desenvolvimento de uma matriz, similar ao realizado na segunda etapa, mas se incluiu uma coluna “adoção e implementação” justaposta aos objetivos de desempenho, com o objetivo de facilitar a visão geral do Programa. Reuniram-se os participantes, e, com o auxílio da matriz, explicaram-se o Programa, suas estratégias práticas e protocolos.

Plano de avaliação: a planejadora, juntamente com as enfermeiras, elaborou um plano de avaliação do programa. No Mapeamento de Intervenção, os grupos participantes são questionados sobre se os determinantes foram bem especificados, e deve-se avaliar se as estratégias corresponderam aos métodos, mensurar a proporção da população que alcançou o esperado, e verificar se a implantação foi completa e apropriada(99. Kok G. A practical guide to effective behavior change. Eur Health Psychol. 2014;16(5):156-70.).

Diante da descrição das etapas, observa-se que as fontes de dados da pesquisa foram as falas coletadas durante os grupos focais e as entrevistas. Os dados da revisão integrativa contemplados foram artigos científicos, documentos relacionados à temática de sobrepeso ou obesidade em adolescentes publicados pela OMS e Ministério da Saúde e intervenções específicas de enfermagem contidas na NIC.

Na revisão integrativa da literatura, selecionaram-se artigos relacionados às intervenções de enfermagem direcionadas aos adolescentes com sobrepeso ou obesidade desenvolvidas na APS. Em seguida, os seguintes dados foram coletados: base de dados, título, objetivo, tipo de estudo e intervenções de enfermagem. Considerou-se intervenção de enfermagem todas as ações de saúde propostas por enfermeiros com a finalidade de prevenir, diagnosticar ou tratar adolescentes com sobrepeso ou obesidade.

Para a técnica de grupo focal, realizada segundo as recomendações da literatura(1010. Kinalski DDF, Padoin SMM, Neves ET, Kleinubing RE, Cortes LF. Focus group on qualitative research: experience report. Rev Bras Enferm [Internet]. 2017 [cited 2017 Oct 09];70(2):443-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v70n2/pt_0034-7167-reben-70-02-0424.pdf
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), formaram-se oito grupos: quatro de adolescentes com sobrepeso ou obesidade (um por escola); e quatro de professores (um por escola). Para cada grupo houve encontros a cada 15 dias, os quais ocorreram sempre na própria escola, com duração entre 23 e 51 minutos. A planejadora, assumindo a posição de coordenadora, responsabilizou-se pela moderação e planejamento dos encontros. O áudio foi gravado, em seguida as falas foram transcritas no Word.

Devido à demanda de trabalho das enfermeiras nas UBS, não foi possível reuni-las em um grupo focal, por isso a coleta ocorreu por meio de entrevistas, o áudio foi gravado e em seguida transcrito no Word. Para a análise dos dados das falas, utilizou-se do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), e ocorreu concomitantemente à coleta de dados, para subsidiar cada etapa do Mapeamento de Intervenção. Para preservar a privacidade dos sujeitos, utilizou-se dos seguintes códigos para a sua identificação: Discurso do sujeito coletivo dos adolescentes (DSC-ADOLES); Enfermeiras (DSC-ENF); e professores (DSC-PROF).

O projeto, em conformidade com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, recebeu aprovação do Comitê de Ética da UFRN em 2015, Parecer n.º 1.250.119 e CAAE n.º 48378215.4.0000.5537, seguindo as normas de pesquisa com seres humanos.

RESULTADOS

A seguir estão descritos os resultados referentes à avaliação das necessidades com base nos diagnósticos indicados pelo PRECEDE, aos quais se integram a síntese dos grupos focais por meio do DSC e as evidências da literatura:

DIAGNÓSTICO SOCIAL: QUALIDADE DE VIDA E OBSTÁCULOS PARA MELHORÁ-LA

No estudo, revelou-se que para os adolescentes as principais dificuldades enfrentadas por estarem com obesidade relacionam-se com discriminação e exclusão social, prejuízo da autoestima e dificuldades com o vestuário, conforme observado no discurso a seguir:

Ser gordo é chato. Não consigo comprar roupas da moda, elas não cabem em mim, tenho vergonha de fazer atividade física, porque sinto falta de ar, fico molhado de suor e não consigo acompanhar meus colegas. Outra coisa ruim é ouvir gracinhas, às vezes finjo não ouvir, mas dói. Tem dias que não quero vir à escola (DSC-ADOLES).

Na ideia central do discurso, observa-se que o adolescente com obesidade sente-se prejudicado em sua qualidade de vida, como evidenciado na dificuldade em realizar exercícios físicos, comprar roupas da moda e relacionar-se com os colegas de escola.

DIAGNÓSTICO EPIDEMIOLÓGICO: CONSEQUÊNCIAS E PREVALÊNCIA

O sobrepeso e a obesidade estão associados a várias complicações, entre as quais: doenças cardiovasculares, respiratórias, endócrino-metabólicas, ortopédicas, distúrbios do sono e doenças psicossociais(11. World Health Organization. Global nutrition targets 2025: childhood overweight policy brief [Internet]. Geneva: WHO; 2014 [cited 2017 Oct 20]. Available from: http://www.who.int/nutrition/publications/globaltargets2025_policybrief_overweight/en/
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). Ressalta-se que o adolescente com obesidade tem maior chance de apresentar distúrbios psicológicos, especialmente depressão e ansiedade(1212. Fox CK, Gross AC, Rudser KD, Foy AM, Kelly AS. Depression, anxiety, and severity of obesity in adolescents: is emotional eating the link? Clin Pediatr. 2016;55(12):1120-5.). No Brasil, a obesidade é o desvio nutricional mais relevante na população, no período entre 2003 e 2012 esteve presente em mais de 20% dos adolescentes(22. Hobold E, Arruda M. Prevalência de sobrepeso e obesidade de crianças e adolescentes no Brasil: uma revisão sistemática. Arq Ciênc Saúde. 2014;18(3):189-97.).

DIAGNÓSTICO COMPORTAMENTAL E AMBIENTAL: CAUSAS

Entre as causas do sobrepeso ou obesidade, estão relacionados fatores biológicos, históricos, ecológicos, econômicos, sociais, culturais e políticos. Essa condição tem como determinantes o elevado consumo de calorias e hábitos sedentários(11. World Health Organization. Global nutrition targets 2025: childhood overweight policy brief [Internet]. Geneva: WHO; 2014 [cited 2017 Oct 20]. Available from: http://www.who.int/nutrition/publications/globaltargets2025_policybrief_overweight/en/
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). A seguir está representada a síntese das percepções expressas pelos adolescentes, pelos professores e pelas enfermeiras, no que se refere aos hábitos relacionados à obesidade:

Sou gordo porque como muito, meus parentes também são assim. O problema é que toda comida boa engorda. O lanche da escola é cuscuz, sopa, ou arroz com carne, eu não quero isso às 15 horas, então vou à cantina e compro salgadinho com refrigerante. Sobre exercícios físicos, eu fazia quando era criança, a escola obrigava, agora não tem mais e a nota de educação física é com prova. Meu lazer é jogar videogame, ficar no celular e comer. É por isso que sou gordo (DSC-ADOLES).

Os alunos cresceram muito nos últimos anos, na altura e na obesidade. Deve ser reflexo da vida agitada, comem muito e errado, não fazem exercícios físicos na escola. Se não fazem aqui, acho difícil fazerem na comunidade (DSC-PROF).

A obesidade é multicausal, tem o fator genético, mas com certeza os hábitos comportamentais sobressaem. Isso é na população toda, comemos em maior quantidade, com menos nutrientes, mais calorias e não exercitamos o corpo. O resultado é uma população cada vez mais obesa (DSC-ENF).

A literatura consultada e a ideia central expressa no discurso dos participantes concordaram a respeito da multicausalidade do problema, com influência da sociedade na perpetuação de hábitos não saudáveis.

DIAGNÓSTICOS ADMINISTRATIVO E DE POLÍTICAS

No Brasil há a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e de Jovens (PNAISAJ), a qual tem o compromisso de incorporar a atenção à saúde deste grupo populacional à estrutura e aos mecanismos de gestão e promover ações para o crescimento e o desenvolvimento saudável. Uma pesquisa com o objetivo de explorar os dissensos a partir das narrativas de atores participantes do processo de construção da PNAISAJ concluiu sobre o não reconhecimento dos adolescentes como sujeitos autônomos e protagonistas das decisões, o que contradiz o próprio texto da Política. O que prevalece é a legitimação dos interesses dos políticos e a compreensão do protagonismo tutelado, o qual se coloca como porta-voz dos adolescentes, paradoxalmente, silenciando-os(1313. Brãna Lopez S, López SB, Moreira MCN. Quando uma proposição não se converte em política? O caso da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens – PNAISAJ. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2013 [citado 2017 out. 09];18(4):1179-86. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v18n4/31.pdf
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).

A fim de atender parcialmente às necessidades desta população, foi criado em 2007 o PSE, estratégia intersetorial da Saúde e da Educação(55. Gonzaga NC, Araújo TL, Cavalvante TF, Lima FET, Galvão MTG. Nursing: promoting the health of overweight children and adolescents in the school context. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 [cited 2017 Oct 09];48(1):153-61. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v48n1/0080-6234-reeusp-48-01-153.pdf
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). Entretanto, nas escolas e UBS participantes ainda não houve a implementação, conforme observado abaixo:

Programa Saúde na Escola é o quê? Profissionais da saúde vindo aqui? Os do Posto de Saúde não vêm. Às vezes tem palestra e vacinação, mas quem faz isso é o pessoal da universidade (DSC-ADOLES).

O PSE existe, mas com as crianças. Nunca fui à escola estadual, porque o adolescente é muito difícil, eles não vêm para cá, Unidade de Saúde, e eu não sei como trabalhar com eles. E a demanda da Unidade de Saúde é enorme, é muito peso para meus ombros (DSC-ENF).

Conforme evidenciado na ideia central dos discursos, a implementação do PSE ainda não foi exitosa nos locais de desenvolvimento da pesquisa.

NECESSIDADES IDENTIFICADAS

Após levantamento de informações, chegou-se à síntese das seguintes necessidades: apoio ao adolescente nos casos de bullying; orientação e estímulo às escolhas alimentares saudáveis; disponibilização de prática de exercícios físicos na escola; disponibilização de opções de alimentos saudáveis na cantina da escola; orientação para redução de peso nos casos de sobrepeso ou obesidade; realização das intervenções com toda a turma, independentemente do estado nutricional; auxílio na criação e manutenção de vínculo entre escola e UBS; apoio da universidade às enfermeiras na implementação de intervenções de enfermagem na escola.

IDENTIFICAÇÃO DE OBJETIVOS DE MUDANÇA

Diante das necessidades identificadas, chegou-se à definição do objetivo geral da intervenção: criar ambiente escolar favorável à escolha de hábitos mais saudáveis na alimentação, na prática de exercícios físicos e no bom convívio interpessoal. A partir desse objetivo, formularam-se objetivos de desempenho para cada grupo. Como o quadro é extenso, optou-se por apresentar uma síntese neste artigo (Quadro1), a versão completa foi publicada na tese de doutorado da primeira autora.

Quadro 1
– Visão geral dos resultados esperados com o programa e objetivos de desempenho para cada grupo-alvo – Natal, RN, Brasil, 2016.

Após formular todos os objetivos de desempenho para cada grupo, especificaram-se os determinantes, com indicação dos objetivos de mudança correspondentes, o que resultou nas matrizes do programa, sintetizadas no Quadro 2.

Quadro 2
– Matriz contendo objetivos de desempenho, determinantes e objetivos de mudança para as enfermeiras participantes do programa – Natal, RN, Brasil, 2017.

EMBASAMENTO TEÓRICO DOS MÉTODOS E ESTRATÉGIAS PRÁTICAS

A primeira atividade desta fase foi relacionar cada objetivo de mudança com uma das seguintes teorias: Elaboration Likelihood Model; Persuasion-communication matrix; Social Cognitive Theory; Theories of information processing; Theories of learning; Theory of self-regulation; e COM-B Model; para cada teoria há uma lista de métodos relacionados(99. Kok G. A practical guide to effective behavior change. Eur Health Psychol. 2014;16(5):156-70.). Em seguida, os participantes reuniram-se para conhecer esses métodos e elencar as estratégias práticas a serem utilizadas. Os resultados foram sintetizados no Quadro 3.

Quadro 3
– Matriz com a visão geral das teorias, métodos e estratégias práticas para alcançar os objetivos de mudança do grupo de enfermeiras – Natal, RN, Brasil, 2017.

O PROGRAMA

Em consenso, os participantes criaram um programa com foco nos comportamentos de risco modificáveis, direcionado a todos os adolescentes da escola, independentemente do estado nutricional, o qual foi nomeado “Programa de Enfermagem Saúde na Escola” (PESE). Acordou-se a seguinte estrutura: um programa de 10 meses, com cinco aulas semanais de exercícios físicos (45 minutos cada), e uma sessão semanal para intervenções de enfermagem.

Os implementadores e usuários testaram as estratégias práticas, e as dificuldades foram: alguns alunos não tinham tênis para a educação física (os professores organizaram doação); uma escola não disponibilizava água (o diretor providenciou o conserto dos bebedouros); uma escola não tinha quadra de esportes (o corpo de bombeiros cedeu o uso de sua quadra); e as enfermeiras tiveram dificuldades em planejar as intervenções (receberam apoio da planejadora). Ao final realizaram-se as adaptações nas estratégias e criou-se o PESE.

ADOÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA

Para facilitar a implementação, a planejadora fez uma reunião com os grupos, apresentou e discutiu o programa, os materiais e os protocolos, e explicou as atividades a serem executadas. Elaborou-se uma matriz para contemplar a visão geral do Programa, sintetizada no Quadro 4.

Quadro 4
– Matriz com a visão geral dos objetivos de desempenho, objetivos de mudança e estratégias práticas para cada grupo-alvo – Natal, RN, Brasil, 2017.

PLANO DE AVALIAÇÃO

No plano, sugeriram-se a mensuração da circunferência abdominal, peso, altura, IMC, a classificação do estado nutricional e a observação da presença de Acantose nigricans, no primeiro, sexto e décimo meses do PESE. Esses resultados deverão ser organizados em uma planilha, e a enfermeira se responsabilizará por identificar se houve modificações nos parâmetros. Além disso, a cada 2 meses serão realizadas reuniões para discutir a aceitabilidade, as dificuldades enfrentadas e a necessidade de modificar itens do Programa.

DISCUSSÃO

Neste estudo, apresentou-se um esboço detalhado de como se elaborou uma intervenção em forma de programa, baseada em evidências, experiências práticas e com a participação da comunidade. Buscou-se construir um programa que contemplasse as necessidades e potencialidades locais.

A primeira necessidade apontada pelos adolescentes foi “apoio nos casos de bullying”. O termo bullying refere-se a comportamento agressivo, intencional e recorrente, evidenciado por ações físicas, verbais ou pressão psicológica, com desequilíbrio de poder entre agressores e vítimas(1414. Tsitsika AK, Barlou E, Andrie E, Dimitropoulou C, Tzavela EC, Janikian M, et al. Bullying behaviors in children and adolescents: “an ongoing story”. Front Public Health [Internet]. 2014 [cited 2017 Oct 09];2:7. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3918673/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
). Para orientar a intervenção da família e escola, o Ministério Público de São Paulo lançou a cartilha “Anti-bullying(1515. São Paulo (Estado). Ministério Público do Estado de São Paulo. Bullying não é legal. [Internet]. São Paulo; 2015 [citado 2017 jun. 22];1-11. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Cartilhas/bullying.pdf
http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal...
). Essa cartilha foi lida e discutida entre os participantes da pesquisa, auxiliou na compreensão do problema, e, a partir dela, sugeriu-se a criação da comissão anti-bullying, denominada “Comissão da Paz”.

A segunda necessidade foi “orientação e estímulo às escolhas alimentares saudáveis”, isso porque os adolescentes relacionaram o ato de comer alimentos não saudáveis ao prazer. A busca por esse tipo de alimento é estimulada pela mídia, e, na atualidade, o jovem passou a conviver na internet com muitas pessoas, mas são relações sem vínculo, o que favorece os distúrbios de humor e a ansiedade, e nesse cenário o ato de comer pode ocupar o lugar de garantia do prazer(1616. O’Niel A, Quirk SE, Housden S, Brennan SL, Williams LJ, Pasco JA, et al. Relationship between diet and mental health in children and adolescents: a systematic review. Am J Public Health [Internet]. 2014 [cited 2017 June 26];104(10):e31-42. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4167107/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
).

A terceira necessidade foi a “disponibilização de exercícios físicos na escola”, o que pode aumentar a autoestima, a aceitação social e a sensação de bem-estar, além de auxiliar na prevenção de doenças cardiovasculares, alguns tipos de câncer, osteoporose, doenças do pulmão e mentais crônicas. Recomenda-se ao adolescente o exercício físico, no mínimo 30 minutos/dia, cinco dias/semana(1717. Simão AF, Précoma DB, Andrade JP, Correa Filho H, Saraiva JFK, Oliveira GMM. I cardiovascular prevention guideline of the Brazilian Society of Cardiology – executive sumary. Arq Bras Cardiol [Internet]. 2014 [cited 2017 June 26];102(5):420-31. Available from: http://www.scielo.br/pdf/abc/v102n5/en_0066-782X-abc-102-05-0420.pdf
http://www.scielo.br/pdf/abc/v102n5/en_0...
). Destaca-se que nas escolas participantes a prática de exercícios físicos não era realizada, por isso, no PESE foi proposta a obrigatoriedade de aulas práticas e sugeridas opções de exercícios por escola, considerando-se os recursos disponíveis.

A quarta necessidade foi a “disponibilização de opções de alimentos saudáveis na cantina”, pois se sabe que a alimentação saudável favorece a melhoria das condições nutricionais, protege e melhora o desempenho escolar e auxilia o crescimento e o desenvolvimento(44. Brasil. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção à Saúde. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: obesidade. Brasília: MS; 2014.). Por isso, no PESE, indicou-se a discussão entre gestores, nutricionista e profissionais da escola e da Unidade de Saúde sobre as melhores opções diante dos recursos disponíveis.

A quinta necessidade foi a “orientação para redução de peso nos casos de sobrepeso ou obesidade”, para a qual foi sugerido que os adolescentes devem receber intervenção para redução de peso com cuidado para não interferir no crescimento, na saúde metabólica e cardiovascular(11. World Health Organization. Global nutrition targets 2025: childhood overweight policy brief [Internet]. Geneva: WHO; 2014 [cited 2017 Oct 20]. Available from: http://www.who.int/nutrition/publications/globaltargets2025_policybrief_overweight/en/
http://www.who.int/nutrition/publication...
).

A sexta necessidade abordada no Programa foi a “realização das intervenções com toda a turma, independentemente do estado nutricional”. Essa necessidade emergiu das falas dos adolescentes com obesidade, por medo de sofrerem bullying por participarem do PESE.

A sétima necessidade foi o “auxílio na criação e manutenção de vínculo entre escola e UBS”. O conceito de vínculo é fundamental para o Programa proposto, tendo em vista que se pretende implementá-lo na APS, em parceria com as ações de saúde realizadas pela Estratégia Saúde da Família, a qual contempla um conjunto de ações e serviços estruturado com base no reconhecimento das necessidades da população, apreendidas a partir do estabelecimento de vínculos entre os usuários dos serviços e os profissionais de saúde, em contato permanente com o território(1818. Oliveira MAC, Pereira IC. Atributos essenciais da Atenção Primária e a Estratégia Saúde da Família. Rev Bras Enferm [Internet]. 2013 [citado 2017 out. 09];66(n.esp.):158-64. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/reben/v66nspe/v66nspea20.pdf
http://www.scielo.br/pdf/reben/v66nspe/v...
).

A oitava necessidade considerada foi o “apoio da universidade às enfermeiras na implementação de intervenções na escola”. A carga de trabalho excessiva do enfermeiro na APS pode se refletir na falta de trabalho em equipe, por isso é imperioso reavaliar o processo de trabalho nesse nível de atenção. Todos os membros devem se comprometer para evitar estresse para o enfermeiro e, consequentemente, diminuição da qualidade da assistência(1919. Galdikiene N, Asikainen P, Balciunas S, Suominen T. Experienced stress among nursing teams in primary health care. Clin Nurs Stud [Internet]. 2016 [cited 2017 June 26];4(1):81-90. Available from: http://www.sciedu.ca/journal/index.php/cns/article/view/8541/5335
http://www.sciedu.ca/journal/index.php/c...
). Para além do excesso de trabalho, é necessário rever e localizar a prática do enfermeiro no trabalho em equipe, o que significa ter especificidades de sua disciplina, mas partilhar formas de cuidar para atingir a efetividade do trabalho, por meio da colaboração das diversas profissões, tendo como ponto central o cuidado à pessoa e não à doença(2020. Souza GC, Peduzzi M, Silva JAM, Carvalho BG. Teamwork in nursing: restricted to nursing professionals or an interprofessional collaboration? Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2016 [cited 2017 Oct 17];50(4):640-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v50n4/0080-6234-reeusp-50-04-0642.pdf
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).

Diante deste cenário, as participantes solicitaram a realização de atividades de extensão universitária, para apoiar a efetivação das intervenções elencadas no PESE. Destaca-se que para um objetivo tão complexo é importante buscar o trabalho em equipe multiprofissional, pois a união dos conhecimentos e habilidades tem um potencial maior para responder às necessidades dos adolescentes.

Ressalta-se a integração dos elementos do PESE às teorias, elas são primariamente relacionadas às áreas da educação, sociologia e psicologia, entretanto, seu uso é coerente na área da saúde quando se pretende embasar uma intervenção que se propõe a abordar problemas passíveis de serem solucionados com a mudança de comportamento(99. Kok G. A practical guide to effective behavior change. Eur Health Psychol. 2014;16(5):156-70.).

Não se trata de um método educativo vertical, as intervenções são planejadas de maneira que o usuário tenha experiências, a partir das quais ele se empodere e faça sua escolha de mudar ou não o comportamento(99. Kok G. A practical guide to effective behavior change. Eur Health Psychol. 2014;16(5):156-70.). Apesar de as estratégias práticas do PESE serem coletivas, seu resultado é a criação de um ambiente que influencie os adolescentes a aderirem aos hábitos saudáveis, mas a mudança é uma escolha particular.

Acredita-se que a intervenção proposta tem implicações para a prática de enfermagem, pois sugere um Programa com potencial de influenciar a promoção de hábitos saudáveis dos adolescentes. Além disso, o processo de construção do PESE possibilitou desenvolver habilidades entre as enfermeiras participantes e ter como produto final uma tecnologia baseada em teorias, processo e taxonomia de enfermagem.

No presente estudo existem limitações para a generalização dos resultados, porque as quatro escolas participantes foram públicas, podendo existir discrepâncias ao serem comparadas com escolas privadas. Houve também a ausência da participação dos pais, mães ou responsáveis pelos adolescentes, pois afirmaram não ter disponibilidade de tempo.

CONCLUSÃO

No presente estudo, detalhou-se o processo de construção do “PESE”, uma intervenção direcionada às necessidades dos adolescentes de escolas públicas para prevenção e controle de sobrepeso ou obesidade. Esse Programa foi cientificamente embasado, as estratégias práticas foram pré-testadas, e integrou-se a participação efetiva dos implementadores e usuários do Programa.

Conclui-se que o estudo tem implicações para a prática de enfermagem ao construir um Programa com potencial de guiar intervenções para atender às necessidades dos adolescentes − inclusive fortalecer o PSE ao contribuir para o vínculo entre profissionais da UBS, professores das escolas e estudantes − e ao oferecer um instrumento para nortear as intervenções na escola. Além disso, elaborou-se o PESE baseado em teorias, participação efetiva da comunidade e aplicação de taxonomia de enfermagem.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jul 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    27 Jun 2017
  • Aceito
    29 Jan 2018
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