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Gestão do cuidado de um paciente com Doença de Devic na Atenção Primária à Saúde* * Extraído do trabalho de conclusão de residência: “O cuidado de um caso de Doença de Devic na Atenção Primária à Saúde”, Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família, Universidade do Estado de Santa Catarina/Prefeitura Municipal de Florianópolis, 2017.

Gestión del Cuidado de un paciente con Enfermedad de Devic en la Atención Primaria de Salud

RESUMO

Objetivo

Descrever a gestão do cuidado de uma pessoa acometida pela Doença de Devic no contexto da Atenção Primária à Saúde.

Método

Estudo de caso clínico-qualitativo pelo estado de saúde do paciente, em um Centro de Saúde do município de Florianópolis, com um paciente com Doença de Devic acompanhado pela Equipe de Saúde da Família. A coleta de dados ocorreu a partir de prontuário eletrônico, documentos de domínio do paciente, bem como de entrevista semiestruturada com o participante. Foram respeitados os aspectos éticos da pesquisa com seres humanos.

Resultados

As categorias foram definidas segundo critérios de relevância, buscando relatar o caso do estudo, apresentar o projeto terapêutico singular implementado e descrever a percepção do paciente sobre sua situação de saúde.

Conclusão

A acupuntura e auriculoterapia foram realizadas com êxito, evidenciando melhora no quadro álgico do paciente, o que pode contribuir para novas possibilidades de cuidados. Apesar disso, não foram utilizadas todas as ferramentas de cuidado disponíveis, visto a gama de terapias complementares de cuidados para além do enfoque medicamentoso.

Doenças Raras; Neuromielite Óptica; Atenção Primária à Saúde; Enfermagem de Atenção Primária; Assistência Integral à Saúde; Terapias Complementares

RESUMEN

Objetivo

Describir la gestión del cuidado de una persona con Enfermedad de Devic en el marco de la Atención Primaria de Salud.

Método

Estudio de caso clínico cualitativo por el estado de salud del paciente, en un Centro de Salud del municipio de Florianópolis, con un paciente con Enfermedad de Devic acompañado del Equipo de Salud de la Familia. La recolección de datos ocurrió a partir de la ficha electrónica, documentos de dominio del paciente, así como de entrevista semiestructurada con el participante. Se respetaron los aspectos éticos de la investigación con seres humanos.

Resultados

Las categorías fueron definidas según los criterios de relevancia, buscando relatar el caso del estudio, presentar el proyecto terapéutico singular implantado y describir la percepción del paciente acerca de su situación de salud.

Conclusión

La acupuntura y la auriculoterapia se llevaron a cabo con éxito, evidenciándose mejora en el cuadro álgico del paciente, lo que puede contribuir a nuevas posibilidades de cuidados. Pese a ello, no se utilizaron todas las herramientas de cuidado disponibles, a la vista de la gama de terapias complementarias de cuidados más allá del enfoque medicamentoso.

Enfermedades Raras; Neuromielitis Óptica; Enfermería de Atención Primaria; Atención Primaria de Salud; Atención Integral de Salud; Terapias Complementarias

ABSTRACT

Objective

Describing the care management of a patient affected by Devic’s Disease in the Primary Health Care setting.

Method

A clinical-qualitative case study based on the health status of a Devic’s Disease patient in a Health Center of the municipality of Florianópolis, accompanied by the Family Health Team. Data collection was carried out by electronic medical records, documents of the patient’s domain, as well as a semi-structured interview with the participant. Ethical aspects of research involving human beings were respected.

Results

The categories were defined according to relevance criteria with the purpose of reporting the case study, presenting a unique implemented therapeutic project and describing the patient’s perception of her situation.

Conclusion

Acupuncture and auriculotherapy were successfully performed, evidencing an improvement in the patient’s pain, which may contribute to new possibilities of care. Despite this, not all the available care tools were implemented, considering the range of complementary care therapies that go beyond the medicinal approach.

Rare Diseases; Neuromyelitis Optica; Primary Health Care; Primary Care Nursing; Comprehensive Health Care; Complementary Therapies

INTRODUÇÃO

Em 1894, o médico francês, Eugene Devic, descrevia pela primeira vez um relato de caso de mielite subaguda com amaurose bilateral de evolução grave, e, em homenagem a ele, a patologia foi descrita como Doença de Devic ou Neuromielite Óptica (NMO). Para fins de padronização, neste trabalho, será utilizado o termo Doença de Devic(11. Neri VC, Mendonça TVD, Alvarenga RMP. Neuromielite óptica (Doença de Devic): relato de caso e revisão de critérios diagnósticos. Rev Científ FMC [Internet]. 2010 [citado 2017 mar. 23];5(1):15-24. Disponível em: http://www.fmc.br/revista/V5N1P15-24.pdf
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).

A Doença de Devic é reconhecida como uma das patologias raras, as quais são caracterizadas por afetarem até 65 pessoas para cada 100.000 indivíduos, com uma prevalência de 1 a 4,4 para cada 100.000 pessoas no mundo ocidental(22. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 199, de 30 de janeiro de 2014. Institui a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, aprova as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do SUS e institui incentivos financeiros de custeio [Internet]. Brasília; 2014 [citado 2017 mar. 24]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0199_30_01_2014.html
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-33. Trebst C, Jarius S, Berthele A, Paul F, Schippling S, Wildemann B, et al. Update on the diagnosis and treatment of neuromyelitis optica: Recommendations of the Neuromyelitis Optica Study Group (NEMOS). J Neurol [Internet]. 2014 [cited 2017 Mar 23];26(1):1-16. Available from: //https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3895189
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). Está incluída no grupo das Doenças Desmielinizantes Inflamatórias Idiopáticas (DDII), imunomediada e necrotizante do Sistema Nervoso Central (SNC), as quais reúnem condições clínicas de etiologia desconhecida, agudas ou crônicas, caracterizadas por manifestações neurológicas, alterações inflamatórias, evolução clínica e gravidade, e suas características incluem acometimento do nervo óptico e da medula espinhal(11. Neri VC, Mendonça TVD, Alvarenga RMP. Neuromielite óptica (Doença de Devic): relato de caso e revisão de critérios diagnósticos. Rev Científ FMC [Internet]. 2010 [citado 2017 mar. 23];5(1):15-24. Disponível em: http://www.fmc.br/revista/V5N1P15-24.pdf
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).

Essa doença acomete predominantemente o sexo feminino, em comparação ao sexo masculino, com idade média de início das manifestações aos 39 anos. Entretanto, casos na infância e em idosos também já foram descritos. Pode apresentar recidivas em 80% a 90% dos casos ou ser monofásica em 10% a 20%, frequentemente associada a outras doenças autoimunes como Miastenia Grave, Lúpus Eritematoso Sistêmico, Síndrome de Sjögren, Doença Celíaca e Sarcoidose. Além disso, de 20% a 30% dos casos são precedidos por infecção ou vacinação(33. Trebst C, Jarius S, Berthele A, Paul F, Schippling S, Wildemann B, et al. Update on the diagnosis and treatment of neuromyelitis optica: Recommendations of the Neuromyelitis Optica Study Group (NEMOS). J Neurol [Internet]. 2014 [cited 2017 Mar 23];26(1):1-16. Available from: //https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3895189
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).

Os pacientes portadores dessa doença, apesar de sofrerem acometimentos de diferentes proporções, inclusive em alguns casos com recidivas, nem sempre se encontram hospitalizados ou com necessidades de cuidados em nível terciário na Rede de Atenção à Saúde (RAS). Desta forma, destaca-se a importância da gestão do cuidado na Atenção Primária à Saúde (APS), responsável pelo acompanhamento e pela continuidade do cuidado.

A gestão do cuidado está relacionada com a gestão de redes de atenção, a articulação de recursos e o desenvolvimento de estratégias para assegurar o princípio da integralidade na assistência à saúde. Também está pautada na organização e interação entre os profissionais nos níveis de atenção do sistema de saúde, contribuindo para um enfoque ampliado da clínica e a qualificação dos cuidados em saúde(44. Pires MRG, Duarte EC, Göttems LBD, Figueiredo NVF, Spagnol CA. Factors associated with home care: support for care management within the SUS. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2013 [cited 2017 May 01];47(3):644-52. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n3/en_0080-6234-reeusp-47-3-00648.pdf
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-55. Santos AM, Giovanella L. Gestão do cuidado integral: estudo de caso em região de saúde da Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública [Internet]. 2016 [citado 2017 maio 01];32(3): e00172214. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csp/v32n3/0102-311X-csp-32-03-e00172214.pdf
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).

O cuidado às doenças raras no âmbito da APS e RAS está descrito na Portaria n.º 199, de 30 de janeiro de 2014 do Ministério da Saúde (MS), a qual institui a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras e aprova as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), com o objetivo de reduzir a morbimortalidade e as manifestações secundárias, visando à melhoria da qualidade de vida dessas pessoas através de ações de promoção, prevenção, detecção precoce, tratamento oportuno, redução de incapacidade e cuidados(22. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 199, de 30 de janeiro de 2014. Institui a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, aprova as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do SUS e institui incentivos financeiros de custeio [Internet]. Brasília; 2014 [citado 2017 mar. 24]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0199_30_01_2014.html
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).

Essa Portaria define a estrutura da linha de cuidado da atenção às pessoas com doenças raras, e a APS é a responsável pela coordenação do cuidado, pois realiza atenção contínua à população, mesmo quando os pacientes são referenciados para outros pontos de atenção da RAS. Além disso, deve garantir a contrarreferência dos serviços especializados para a APS, com vistas à continuidade do seguimento clínico e o matriciamento(22. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 199, de 30 de janeiro de 2014. Institui a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, aprova as Diretrizes para Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras no âmbito do SUS e institui incentivos financeiros de custeio [Internet]. Brasília; 2014 [citado 2017 mar. 24]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0199_30_01_2014.html
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).

Dessa forma, a APS é o contato preferencial dos usuários, principal porta de entrada e o centro de coordenação do cuidado de toda a RAS. Visa à ampliação do acesso e do vínculo, à equidade, à universalidade e à integralidade da atenção à saúde(66. Bousquat A, Giovanella L, Campos EMS, Almeida PF, Martins CL, Mota PHS, et al. Atenção Primária à Saúde e coordenação do cuidado nas regiões de saúde: perspectiva de gestores e usuários. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2017 [citado 2017 set. 26]; 22(4):1141-54. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v22n4/1413-8123-csc-22-04-1141.pdf
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). Tal estrutura pode ser evidenciada no município de Florianópolis, o qual dispõe de uma Rede de Atenção à Saúde organizada, de tal forma que a APS coordena o cuidado do indivíduo. Vale ressaltar o título conferido a Florianópolis de capital brasileira com os melhores serviços de APS, com 100% de cobertura da Estratégia de Saúde da Família em 2015, conforme dados do Departamento de Atenção Básica do Ministério da Saúde(77. Brasil. Ministério da Saúde; Departamento de Atenção Básica, Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade de Atenção Básica [Internet]. Brasília; 2015 [citado 2017 mar. 24]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/portaldab/ape_pmaq.php
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).

Com base no panorama exposto, justifica-se este estudo pela necessidade da qualificação da prática clínica e do conhecimento dos profissionais de saúde, em especial da enfermagem, no que tange à integralidade do cuidado ao indivíduo portador de doença rara e/ou outros pacientes com doenças degenerativas e desmielinizantes. Do ponto de vista científico, o estudo é relevante frente à escassa produção do conhecimento sobre o cuidado de pacientes acometidos por Doença de Devic na APS, com olhar integral centrado no indivíduo e uso de práticas integrativas e complementares para o manejo do caso. Na literatura brasileira e internacional, os estudos com foco na Doença de Devic concentram-se no relato de casos e descrição dos cuidados centrados em nível hospitalar.

Assim, este estudo teve como objetivo descrever a gestão do cuidado no contexto da APS a uma pessoa acometida pela Doença de Devic.

MÉTODO

Trata-se de um estudo de caso clínico-qualitativo, no qual a amostra foi constituída por variedade de tipos, pelo estado de saúde do paciente(88. Turato ER. Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa. 6ª ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 2013.). Essa metodologia é empregada para compreender o significado atribuído por um paciente ao processo de saúde-doença no contexto onde transcorre esse fenômeno, ou seja, no setting de saúde(99. Campos CJG, Turato ER. Content analysis in studies using the clinical-qualitative method: application and perspectives. Rev Latino Am Enfermagem [Internet]. 2009 [cited 2017 Dec 06];17(2):259-64. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v17n2/19.pdf
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). Para isso, o foco do estudo são as falas do sujeito em relação à saúde e à doença, aos serviços de saúde utilizados, aos processos terapêuticos realizados e à essência dessa vivência para o sujeito(88. Turato ER. Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa. 6ª ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 2013.).

Desta forma, um Centro de Saúde do município de Florianópolis foi utilizado como cenário de pesquisa para relatar o caso de um paciente acometido por Doença de Devic acompanhado pela ESF de referência de sua região. O paciente foi abordado pessoalmente no Centro de Saúde, durante uma das suas consultas, e convidado a participar do estudo.

A coleta de dados foi realizada no período de agosto a setembro de 2016 por meio de prontuário eletrônico (Infosaúde), documentos de domínio do paciente e entrevista semiestruturada com o participante da pesquisa.

Na análise documental, o prontuário eletrônico e os documentos disponibilizados pelo paciente, como resumos de alta hospitalar, exames e receitas, forneceram informações dos atendimentos realizados na APS e nos demais níveis de atenção à saúde.

O Infosaúde é um prontuário eletrônico integrado do paciente, em que são registrados os atendimentos realizados, bem como medicações, vacinas e procedimentos. Tem interação entre a rede de atenção primária e secundária à saúde do município de Florianópolis, sendo possível visualizar os registros realizados pelos profissionais sobre informações relacionadas com a evolução clínica da doença e os cuidados de saúde prestados.

Para finalizar a etapa de coleta de dados, foi realizada uma entrevista semiestruturada com o paciente em questão. As perguntas realizadas abordaram a descoberta do diagnóstico, o curso da doença, os cuidados prestados na APS e em outros pontos da rede e a percepção do paciente em relação aos cuidados. A entrevista foi realizada em ambiente privativo, no próprio Centro de Saúde, em data e horário previamente agendados e adequados ao entrevistado. Teve duração de 30 minutos e foi registrada com um gravador de voz portátil e câmera digital. Após essa fase, a entrevista foi transcrita no Microsoft Office Word 2007 e salva em dispositivo móvel pen drive. A fim de manter o sigilo do participante, as falas trazidas no relato de caso foram codificadas com a letra P, correspondente a participante.

Adotou-se a análise de conteúdo, que é uma ferramenta metodológica adequada à pesquisa clínico-qualitativa(99. Campos CJG, Turato ER. Content analysis in studies using the clinical-qualitative method: application and perspectives. Rev Latino Am Enfermagem [Internet]. 2009 [cited 2017 Dec 06];17(2):259-64. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v17n2/19.pdf
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). O processo de análise teve início com a realização de uma leitura flutuante das informações, seguida do momento de inferência/interpretação a partir da perspectiva do participante e referencial teórico-metodológico da pesquisa(99. Campos CJG, Turato ER. Content analysis in studies using the clinical-qualitative method: application and perspectives. Rev Latino Am Enfermagem [Internet]. 2009 [cited 2017 Dec 06];17(2):259-64. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rlae/v17n2/19.pdf
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). Assim, as categorias foram definidas segundo critérios de relevância, buscando relatar o caso do estudo, apresentar o projeto terapêutico singular implementado e descrever a percepção do paciente sobre sua situação de saúde.

Em relação aos aspectos éticos em pesquisa, o estudo respeitou a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado de Santa Catarina, sob o número de Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 56429316.1.0000.0118 e parecer 1.671.552. Ao participante foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), com esclarecimentos em relação a sua participação na pesquisa. Também foi apresentado o Termo de Consentimento para fotografias, vídeos e gravações, em virtude das gravações da entrevista. O servidor da instituição de saúde, responsável pelos prontuários, assinou a Declaração de Ciência do Fiel Guardião, atendendo às exigências da ética em pesquisa com seres humanos.

RESULTADOS

Os resultados do estudo estão apresentados em três categorias: (1) relato do caso, (2) construção de um projeto terapêutico singular para a gestão do cuidado e (3) percepção do paciente sobre sua situação de saúde. A seguir, discorre-se sobre cada uma delas.

RELATO DO CASO

O paciente acometido pela Doença de Devic é do sexo feminino, 35 anos, melanoderma, casada, reside com o esposo e a filha. Trabalhava como secretária em escola de iniciativa privada. É natural de São Paulo-SP, mas residia em Florianópolis-SC havia mais de 5 anos, realizando acompanhamento pela ESF de referência em um Centro de Saúde do município.

Previamente à doença, ela fazia uso de óculos de grau e era acometida por enxaquecas esporádicas. Negou comorbidades e uso de medicamentos contínuos. O início do caso ocorreu em março de 2010, quando utilizou como porta de entrada a APS com queixa de cefaleia hemicraniana frontotemporal associada à dor, amaurose à direita e perda das cores.

Com a exacerbação dos sintomas, procurou atendimento de oftalmologista, e pela avaliação, não havia alteração no fundo do olho ou alterações oftalmológicas. Desta forma, foi encaminhada para o serviço de neurologia em hospital da cidade, chegando aos cuidados do nível de Atenção Terciário.

Ao chegar ao hospital, foram realizados Exames Complementares de Diagnóstico (ECD) para investigação de possíveis patologias. A punção lombar com líquor não encontrou alterações significativas. Também não foram encontradas alterações na Tomografia Computadorizada (TC) de crânio e na Ressonância Magnética (RNM). Assim, a paciente realizou tratamento com corticoterapia por 5 dias e apresentou melhora dos sintomas.

Em janeiro de 2011, 1 ano após os primeiros acometimentos, realizou exame de anticorpo antineuromielite óptica (aquaporina 4), o qual foi reagente: 1/160. Esse é um importante marcador para a doença, possibilitando o diagnóstico preciso da patologia.

No ano de 2011, a paciente apresentou três crises agudas da doença. Após a primeira crise, um intervalo de 1 mês antecedeu a segunda crise, outro intervalo de 3 meses antecedeu a terceira. Além disso, os sintomas das crises coincidiam: cefaleia em regiões frontal e supraorbital direita, diminuição da acuidade visual em olho direito, com comprometimento significativo da visão. Nesse período, realizou nova RNM de crânio, a qual estava dentro dos limites da normalidade, o exame de fundo de olho não mostrou alterações, e não havia outros sinais de relevância ao exame físico. Em todas as crises, foi submetida à pulsoterapia com corticoide, e, em uma delas, foi evidenciado aumento do dobro da dose de medicação.

Até esse período, a paciente utilizou-se da APS como porta de entrada, quando iniciaram os primeiros sintomas e esporadicamente para renovação de receitas. Seguia acompanhamento na Atenção Terciária com equipe de neurologia de um hospital da cidade, realizando exames de controle periodicamente.

No ano de 2013, após quase 2 anos sem crise, ocorreram dois acometimentos, com comprometimentos mais severos da doença, que envolvia, além da cefaleia, dor ao toque do couro cabeludo, dor em olho direito, cervicalgia, lombalgia e parestesia em membro inferior esquerdo (MIE). Realizou radiografia de coluna lombossacra, a qual evidenciou redução do espaço L5-S1, e radiografia de quadril, que não evidenciou alterações estruturais. Foi submetida à pulsoterapia com corticoide, reposição de Beta Trinta®, obtendo melhora nos sintomas inflamatórios e álgicos.

No ano seguinte, 2014, ocorreram novamente três crises com sintomas descritos de cefaleia, dor retro-ocular, redução da acuidade visual em olho direito com perda de visão das cores e visão turva, dificuldade para ler, dificuldade leve para reconhecer figuras. Ao exame fundoscópico, apresentou aumento da escavação e sinais de atrofia óptica em olho direito, o olho esquerdo estava dentro da normalidade, e não houve prognóstico para melhora da acuidade visual. Além dos sinais e sintomas que acometeram o nervo óptico, os sintomas relacionados à coluna vertebral também foram evidenciados, sendo eles: parestesia no Membro Superior Esquerdo (MSE) e no MIE, dificuldade de locomoção e na marcha, com redução da força no MIE.

Em 2015, o exame de RNM de crânio evidenciou sinais de atrofia do nervo óptico à direita e redução da espessura. Em RNM da coluna cervical e dorsal, constatou-se extensa lesão de características desmielinizantes comprometendo o segmento cervical da medula espinhal, da transição bulbo-medular até o nível C6, sem sinais de atividade inflamatória. Havia degeneração dos discos intervertebrais cervicais, pequenas protrusões discais posteriores nos níveis de C3 a C7, mais expressivas em C5-C6.

CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO TERAPÊUTICO SINGULAR PARA A GESTÃO DO CUIDADO

Na descrição do caso, observou-se cuidado compartilhado entre a Atenção Primária e os demais níveis de atenção. Porém, em alguns momentos, o cuidado foi centralizado em nível hospitalar, com foco no tratamento médico e uso de tecnologias de cuidado voltadas à terapêutica medicamentosa.

A partir das queixas relatadas pela paciente, as quais evidenciaram os sintomas relacionados à dor, no início de 2016, foi realizado pela ESF um Projeto Terapêutico Singular voltado para o cuidado da paciente, com decisão de cuidado compartilhado entre ESF e paciente. Na ocasião, além do tratamento convencional medicamentoso, realizado pela biomedicina, foi proposta a inclusão das Práticas Integrativas e Complementares (PIC) provenientes da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), mais especificamente acupuntura e auriculoterapia, com sessões de cuidado semanais, realizadas, respectivamente, por médico e enfermeiro(1010. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS: atitude de ampliação de acesso. 2ª ed. Brasília; 2015.). Após 1 ano de tratamento complementar, com 17 sessões de acupuntura e quatro sessões de auriculoterapia, observou-se estabilização do quadro. Não foram evidenciadas novas crises agudas da doença. Da mesma forma, a ESF seguia mantendo o acompanhamento e cuidado do caso.

PERCEPÇÃO DA PACIENTE SOBRE SUA SITUAÇÃO DE SAÚDE

Esta categoria apresenta a percepção da paciente em relação a sua situação de saúde, bem como as etapas de diagnóstico e tratamento da doença.

Inicialmente, a paciente descreveu os fluxos e encaminhamentos ao longo do tratamento, o tempo de espera para atendimento e a obtenção de informações sobre o seu estado de saúde, conforme fala a seguir:

Eu fui encaminhada lá pro hospital, com uma cartinha e tal pro neurologista, e eu fiquei lá o dia inteiro chorando, sofrendo, aí fui apresentada ao Dr. que pensava que eu tinha esclerose múltipla (...) Aí eu já fiquei muito assustada, com muito medo da esclerose múltipla (P).

A paciente relatou as emoções e aflições presentes no percurso da doença, principalmente na descoberta, citadas por ela como: susto, dúvida, angústia e medo: achei que ia morrer (P).

Essas emoções eram exacerbadas pelo fato de ser uma doença rara e pouco conhecida, inclusive pelos profissionais da área de saúde.

Assim, relatou o momento da descoberta da doença:

Ele me pediu um exame de um anticorpo que chama aquaporina 4, pra ele poder ter certeza se eu tinha ou não esclerose múltipla ou o que eu tinha. Então, a partir desse exame foi diagnosticado a Doença de Devic (P).

E o que seguiu após o diagnóstico:

Então a partir daí que eu comecei a ter ciência do que eu realmente tinha, de que era uma doença que ia ter reincidência, que poderia no futuro afetar a coluna, a cervical, como afetou no ano passado, poderia perder movimento, fala, dificuldade para respirar, enfim. Então a partir daí foi que eu comecei a entender mais ou menos o que era que estava acontecendo comigo, né, e eu achava que eu não ia resistir (P).

Outro ponto destacado pela paciente foram as crises, ou fases agudas da doença, ocorridas em períodos de estresse na vida pessoal, fator disparador para início dos surtos. Na percepção da paciente, o estresse é o que antecede cada crise da doença. Consequentemente, em anos mais conturbados a agudização da doença ocorreu com uma frequência maior.

Além disso, a dor foi representativa na percepção da paciente. Esse sintoma foi mencionado mais de uma vez durante a entrevista, a paciente caracteriza como: dor insuportável (P) e relembra o tempo de espera por atendimento com muita dor, além de refletir sobre a complexidade de mensurar a dor do outro: a gente nunca sabe o tamanho da dor do outro (P).

As falas trazem o tratamento associado a Práticas Integrativas e Complementares como benéfico e muito importante na recuperação:

A acupuntura foi o achado da minha vida, é verdade. Foi assim, uma coisa que me tirou, eu tava praticamente no chão, tá. Quando eu tive alta do hospital, eu tava sem perspectiva nenhuma (...) Então eu tava procurando algo que me tirasse daquela situação que eu estava. Então quando eu vim pra cá, que eu tive contato com a acupuntura, foi uma espécie de libertação da minha vida, então ajudou muito. Eu acho que isso deveria continuar sempre no posto, deveria ter sempre porque ajuda muito mesmo (P).

A paciente seguiu em acompanhamento com a ESF, realizando sessões semanais de acupuntura e auriculoterapia, apresentando melhora nos sintomas álgicos e emocionais.

DISCUSSÃO

A paciente foi acometida pelos primeiros sintomas aos 29 anos de idade, portanto, na segunda década de vida. Isso difere da literatura, já que esta traz como idade média para o aparecimento dos sintomas a quarta década de vida. Outro ponto que pode ser evidenciado neste caso, no que concerne à epidemiologia, é o fato de acometer mais mulheres em relação aos homens, e a paciente em estudo é do sexo feminino(33. Trebst C, Jarius S, Berthele A, Paul F, Schippling S, Wildemann B, et al. Update on the diagnosis and treatment of neuromyelitis optica: Recommendations of the Neuromyelitis Optica Study Group (NEMOS). J Neurol [Internet]. 2014 [cited 2017 Mar 23];26(1):1-16. Available from: //https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3895189
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).

Os acometimentos descritos no relato de caso correspondiam aos sinais e sintomas evidenciados no dia a dia pela paciente, como cefaleia, astenia, cervicalgia, parestesia e espasmos. Além disso, enfrentava principalmente limitações físicas, como dificuldade para caminhar, correr e mudar rapidamente de postura, entretanto, a paciente acreditava não ter grandes limitações decorrentes da doença e conseguia levar uma vida normal, trabalhava fora e em casa.

Os achados clínicos encontrados na presente pesquisa diferem dos da literatura. Estudo realizado em uma comunidade on-line, por exemplo, com 234 pacientes, a maioria estadunidense, relatou que 45% delas apresentavam incapacidade moderada ou total em função da dor e/ou parestesia, e 35% incapacidade moderada ou total na visão. Embora houvesse sintomas cognitivos (pensamento e memória), estes eram menos graves que os sintomas físicos, os quais são comumente associados à incapacidade de moderada a total(1111. Eaneff S, Wang V, Hanger M, Levy M, Mealy MA, Brandt AU, et al. Patient perspectives on neuromyelitis optica spectrum disorders: data from the PatientsLikeMe online community. Mult Scler Relat Disord. 2017;17:166-22. DOI: https://doi.org/10.1016/j.msard.2017.07.014.
https://doi.org/10.1016/j.msard.2017.07....
).

Assim, a idade de início pode ser um importante preditor da localização, da extensão e do curso clínico da doença. Os casos com início descrito após os 50 anos de idade tendem a desenvolver incapacidade grave precoce e mielite, o que pode indicar que a medula espinhal é mais vulnerável à inflamação. Nos pacientes com início antes dos 50 anos, os nervos ópticos são mais suscetíveis à inflamação. No entanto, nos pacientes mais velhos, o número de recidivas foram menores em comparação com aqueles com idade menor(1212. Seok JM, Cho HJ, Ahn SW, Cho EB, Park MS, Joo IS, et al. Clinical characteristics of late-onset neuromyelitis optica spectrum disorder: a multicenter retrospective study in Korea. Mult Scler. 2017;23(13):1748-56. DOI: 10.1177/1352458516685416
https://doi.org/10.1177/1352458516685416...
).

Apesar do acometimento pela doença, o quadro da paciente não era considerado como prognóstico grave. Assim, observou-se o cuidado compartilhado entre a APS e os demais níveis de atenção, ainda que em alguns momentos o cuidado se centralizasse em nível hospitalar, com tecnologias de cuidado voltadas para a medicação e ligadas ao profissional médico.

A APS dispõe de diferentes categorias profissionais, que abrangem vários olhares em torno do indivíduo para que este seja atendido de forma integral, cuidado a partir dos sinais e sintomas decorrentes da doença, mas no contexto em que está inserido, considerado a partir do cotidiano que o cerca. Entre esses profissionais, estão na ESF: médico, enfermeiro, técnico em enfermagem, dentista, técnico em saúde bucal. No Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), encontram-se: psicólogo, fisioterapeuta, profissional de educação física, assistente social, nutricionista, farmacêutico e psiquiatra(66. Bousquat A, Giovanella L, Campos EMS, Almeida PF, Martins CL, Mota PHS, et al. Atenção Primária à Saúde e coordenação do cuidado nas regiões de saúde: perspectiva de gestores e usuários. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2017 [citado 2017 set. 26]; 22(4):1141-54. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v22n4/1413-8123-csc-22-04-1141.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v22n4/1413-...
,1313. Moura RH, Luzio CA. O apoio institucional como uma das faces da função de apoio no Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF): para além das diretrizes. Interface (Botucatu) [Internet]. 2014 [citado 2017 set. 26];18 Supl.1:957-70. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v18s1/1807-5762-icse-1807-576220130333.pdf
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).

Foi possível constatar que não foram utilizadas todas as ferramentas disponíveis na APS. O cuidado, neste caso, poderia, além da ESF, ser acompanhado pelo NASF, com os profissionais que compõem esse núcleo, os quais atuam em conjunto com a ESF, com o objetivo de apoiar, ampliar, aperfeiçoar a atenção e a gestão à saúde, desempenhando ações intersetoriais e interdisciplinares, promovendo, prevenindo e reabilitando a saúde(1313. Moura RH, Luzio CA. O apoio institucional como uma das faces da função de apoio no Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF): para além das diretrizes. Interface (Botucatu) [Internet]. 2014 [citado 2017 set. 26];18 Supl.1:957-70. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v18s1/1807-5762-icse-1807-576220130333.pdf
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).

Entre as áreas estratégicas de escopo do NASF, a saúde mental é englobada como um ponto de atuação dos profissionais do núcleo, assim, a paciente poderia ter recebido apoio psicológico, haja vista a quantidade de sentimentos descritos por ela a partir de sua percepção da doença e também pela propensão à depressão decorrente da doença, especialmente das dores(1313. Moura RH, Luzio CA. O apoio institucional como uma das faces da função de apoio no Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF): para além das diretrizes. Interface (Botucatu) [Internet]. 2014 [citado 2017 set. 26];18 Supl.1:957-70. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/icse/v18s1/1807-5762-icse-1807-576220130333.pdf
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-1414. Pelkofer HL, Havla J, Hauer D, Schelling G, Azad SC, Kuempfel T, et al. The major brain endocannabinoid 2-AG controls neuropathic pain and mechanical hyperalgesia in patients with neuromyelitis optica. PLoS One [Internet. 2013 [cited 2017 Mar 13];8(8):e71500. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3739748/
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).

Os testes psicológicos revelaram sinais de depressão acentuada quando comparados aos controles saudáveis de idade e sexo. O Teste Quantitativo Sensorial realizado mostrou pronunciada perda sensorial mecânica e térmica, fortemente correlacionada com a dor em andamento, esses dados enfatizam a alta prevalência de dor neuropática e hiperalgesia em pacientes com Doença de Devic(1414. Pelkofer HL, Havla J, Hauer D, Schelling G, Azad SC, Kuempfel T, et al. The major brain endocannabinoid 2-AG controls neuropathic pain and mechanical hyperalgesia in patients with neuromyelitis optica. PLoS One [Internet. 2013 [cited 2017 Mar 13];8(8):e71500. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3739748/
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).

A fisioterapia também poderia contribuir com exercícios e orientações de fisioterapia motora para auxiliar no processo de reabilitação e atividade funcional. A própria enfermagem, além dos recursos expostos neste trabalho, poderia dispor de terapias complementares para intervenções no alívio da dor, tanto no ambulatório como no hospital. Entre as terapias complementares que poderiam ser utilizadas, destacam-se: aplicação de frio ou calor, controle do ambiente (conforto), distração, ensino (procedimento e tratamento), estimulação da imaginação, estímulo ao enfrentamento, massagem, musicoterapia, terapia de relaxamento, toque e aromaterapia(1515. Silva PO, Portella V. Nursing interventions in pain. Rev Dor [Internet]. 2014 [cited 2017 Sep 15];15(2):145-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rdor/v15n2/pt_1806-0013-rdor-15-02-0145.pdf
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).

Além disso, outras estratégias poderiam minimizar os efeitos da dor, visto que essa pode afetar a qualidade de vida, as dimensões, físicas, psicológicas, social e espiritual dos pacientes e de seus cuidadores, se não tratada adequadamente. Assim, métodos não farmacológicos para o alívio da dor estão sendo cada vez mais usados(1515. Silva PO, Portella V. Nursing interventions in pain. Rev Dor [Internet]. 2014 [cited 2017 Sep 15];15(2):145-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rdor/v15n2/pt_1806-0013-rdor-15-02-0145.pdf
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).

A dor passou a ser considerada recentemente como um dos principais sintomas reconhecidos da doença, além dos já conhecidos. Assim, um estudo realizado com 11 pacientes portadores de Doença de Devic, por meio do Teste Quantitativo Sensorial, mostrou que quase todos, 10 de 11 pacientes, sofriam de dor neuropática associada à doença nos últimos 3 meses, e oito de 11 pacientes indicaram dor relevante no momento do exame, podendo estar relacionada à alteração da função somatossensorial(1414. Pelkofer HL, Havla J, Hauer D, Schelling G, Azad SC, Kuempfel T, et al. The major brain endocannabinoid 2-AG controls neuropathic pain and mechanical hyperalgesia in patients with neuromyelitis optica. PLoS One [Internet. 2013 [cited 2017 Mar 13];8(8):e71500. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3739748/
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).

Apesar de ser observado que os cuidados abordados enfatizaram a terapêutica medicamentosa, ressalta-se positivamente que a equipe utilizou-se da Medicina Tradicional Chinesa por meio de Práticas Integrativas e Complementares para o manejo do caso. A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) define a abordagem dessas práticas no âmbito do Sistema Único de Saúde, levando em consideração a singularidade do ser humano e o cuidado integral na atenção à saúde como uma forma de ações preventivas e terapêuticas, minimizando os processos de adoecimento(1010. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS: atitude de ampliação de acesso. 2ª ed. Brasília; 2015.).

Médicos e enfermeiros da atenção básica compreendem em sua concepção de saúde e cuidado que o uso das práticas integrativas para o cuidado na Atenção Básica está atrelado a uma compreensão ampliada de saúde e doença, promoção de saúde, relação médico-paciente e autocuidado. Para eles, essa tecnologia de cuidado está relacionada a crenças e práticas espirituais, intuição e nutrição(1616. Schveitzer MC, Zoboli ELCP. Role of complementary practices in the understanding of Primary Care professionals: a systematic review. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2014 [cited 2017 May 24];48(n.spe):189-96. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342014000700184
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).

As Práticas Integrativas e Complementares vêm, aos poucos, ganhando maior visibilidade em âmbito brasileiro, embora sejam práticas já realizadas há bastante tempo em outros países e culturas. A Medicina Tradicional Chinesa, como o próprio nome já diz, tem origem na China, há milhares de anos, aglomera um conjunto de práticas como auriculoterapia, acupuntura, homeopatia, fitoterapia, entre outras. É um sistema integrado que busca a harmonia e o equilíbrio visando à integridade através de linguagem que retrata simbolicamente as leis da natureza. Tem como fundamento a teoria yin-yang, com o objetivo de dispor de meios para equilibrar essa dualidade, os quais são considerados dois princípios fundamentais, interpretando todos os fenômenos em opostos complementares(1010. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS: atitude de ampliação de acesso. 2ª ed. Brasília; 2015.).

A auriculoterapia, uma das formas de cuidados usadas pela APS no acompanhamento do caso, utiliza-se da estimulação de pontos no pavilhão auricular como base para a prática. Os pontos estimulados no pavilhão auricular correspondem a pontos do corpo como órgãos, estruturas e funções. Nesse caso específico, foi utilizado um conjunto de pontos que correspondia a queixas álgicas, resultantes dos acometimentos da doença(1010. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS: atitude de ampliação de acesso. 2ª ed. Brasília; 2015.).

A acupuntura é uma intervenção em saúde que pode ser usada de forma isolada ou associada com outros recursos terapêuticos, abordando de forma dinâmica e integral o processo saúde-doença no ser humano. É realizada por meio da estimulação precisa de locais anatômicos pela inserção de agulhas filiformes para promoção, manutenção e recuperação da saúde(1010. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS: atitude de ampliação de acesso. 2ª ed. Brasília; 2015.).

Dessa forma, o tratamento com PIC possibilitou a redução de medicamento, como a carbamazepina, utilizado para dor em região da face, de 150 mg para 50 mg, pois após o início do tratamento com acupuntura e auriculoterapia os sintomas álgicos da face diminuíram. Nesse sentido, estudo aponta a diminuição da utilização de medicamentos analgésicos por pacientes oncológicos que fazem uso de terapias não farmacológicas, entre elas as terapias complementares para o controle da dor(1717. Pereira RDM, Silva WWO, Ramos JC, Alvim NAT, Pereira CD, Rocha TR. Práticas integrativas e complementares de saúde: revisão integrativa sobre medidas não farmacológicas à dor oncológica. Rev Enferm UFPE On Line [Internet]. 2015 [citado 2017 set. 15];9(2):710-7. Disponível em: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/10391
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).

Essas formas de cuidados possibilitaram o acompanhamento da paciente a partir de um olhar humanizado, com um plano de cuidado decidido conjuntamente, a partir das suas queixas, cujo principal sintoma era a dor. Sendo assim, destaca-se a importância de buscar as possibilidades de cuidado disponíveis ou inovadoras como formas alternativas de gestão do cuidado, que valorizem a experiência do paciente e a patologia, com foco na qualificação da assistência.

CONCLUSÃO

O processo de gestão do cuidado desenvolvido para a paciente com Doença de Devic envolveu os três níveis de atenção à saúde, destacando-se a importância de um trabalho multidisciplinar entre ESF/NASF e demais níveis de atenção à saúde. A equipe da APS coordena o cuidado, promove a reabilitação e evita a agudização da Doença de Devic e de outras doenças, conforme preconizado pela Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras.

A utilização de PIC mostrou-se como uma estratégia efetiva na busca de maneiras de cuidados não farmacológicos, de baixo custo e efetivos, de acordo com avaliação positiva da paciente. Dessa forma, o presente trabalho pode contribuir para o conhecimento de profissionais e pessoas acometidas por doenças desmielinizantes, inflamatórias e degenerativas quanto aos encaminhamentos, à reabilitação e às possibilidades de cuidados nos diferentes níveis de atenção.

Como limitação do estudo, pontua-se a lacuna existente na literatura sobre a gestão do cuidado de pacientes com doenças degenerativas e desmielinizantes na APS. A maioria dos estudos sobre a temática focam cuidados realizados em nível hospitalar. Assim, ressalta-se a necessidade de novos trabalhos com foco na utilização de terapias complementares de cuidado a pacientes com doenças degenerativas e desmielinizantes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Ago 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2017
  • Aceito
    31 Jan 2018
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