Formação e avaliação da competência profissional em enfermagem pediátrica: perspectiva de docentes universitários^*

RESUMO

Objetivo:

Analisar a formação e a avaliação de competência profissional para atuar na área de enfermagem pediátrica, a partir das concepções e experiências de docentes universitários.

Método:

Estudo de cunho qualitativo, realizado com docentes de enfermagem pediátrica de seis cursos de graduação públicos do estado de São Paulo, Brasil. Os dados foram coletados por entrevista semiestruturada e analisados pelo método de Análise de Conteúdo.

Resultados:

Participaram 16 docentes. Emergiram cinco principais temas: definição de competência, atributos para atuar com crianças, avanços na formação de competência profissional, desafios para viabilizar a formação de competência pediátrica e métodos e instrumentos para a avaliação da aquisição de competência para atuar na área de enfermagem pediátrica.

Conclusão:

Os achados deste estudo apontam a importância da abordagem equilibrada das dimensões cognitivas, psicomotoras e afetivas na formação e avaliação da competência profissional em enfermagem pediátrica, como também a ampliação da valorização curricular desta área de conhecimento e prática.

DESCRITORES:
Enfermagem Pediátrica; Educação em Enfermagem; Educação Baseada em Competências; Avaliação Educacional

ABSTRACT

Objective:

To analyze the training and evaluation of professional competency to work in the area of pediatric nursing based on the conceptions and experiences of university professors.

Method:

A qualitative study conducted with pediatric nursing professors from six public undergraduate courses in the state of São Paulo, Brazil. The data were collected by semi-structured interview and analyzed by the Content Analysis method.

Results:

Sixteen professors participated. Five main themes emerged: competency definition, attributes to act with children, advances in the training of professional competency, challenges to enable training pediatric competency, and methods and instruments for evaluating competency acquisition to work in the area of pediatric nursing.

Conclusion:

The findings of this study point to the importance of a balanced approach in the cognitive, psychomotor and affective dimensions in training and evaluating professional competency in pediatric nursing, as well as extending the curricular valorization of this area of knowledge and practice.

DESCRIPTORS:
Pediatric Nursing; Education, Nursing; Competency-Based Education; Educational Measurement

RESUMEN

Objetivo:

Analizar la formación y evaluación de la competencia profesional para actuar en el área de enfermería pediátrica, desde las concepciones y experiencias de docentes universitarios.

Método:

Estudio de cuño cualitativo, realizado con docentes de enfermería pediátrica de seis carreras universitarias públicas del Estado de São Paulo, Brasil. Se recogieron los datos mediante entrevista semiestructurada y estos fueron analizados por el método de Análisis de Contenido.

Resultados:

Participaron 16 docentes. Surgieron cinco temas principales: definición de competencia, atributos para actuar con niños, avances en la formación de competencia profesional, retos para viabilizar la formación de competencia pediátrica y métodos e instrumentos para la evaluación de la adquisición de competencia para actuar en el área de enfermería pediátrica.

Conclusión:

Los hallazgos de este estudio señalan la importancia del abordaje equilibrado de las dimensiones cognitivas, psicomotoras y afectivas en la formación y evaluación de la competencia profesional en enfermería pediátrica, así como la ampliación de la valorización curricular de esta área de conocimiento y práctica.

DESCRIPTORES:
Enfermería Pediátrica; Educación en Enfermería; Educación Basada en Competencias; Evaluación Educacional

INTRODUÇÃO

Na atualidade, caracterizada por uma sociedade cada vez mais complexa, necessita-se, no âmbito da enfermagem, de profissionais capazes de adquirir e processar informações, resolver problemas, tomar decisões, por meio da formação de competências que favoreçam essa perspectiva¹.

Entende-se que, no processo de ensino e aprendizagem que possibilita a formação desse perfil de competência profissional, o docente de enfermagem deva ampliar seu envolvimento no âmbito educacional e, em postura crítica sobre o ensinar, considerar e relacionar as diversas mudanças que ocorrem tanto na prática docente quanto na enfermagem, bem como respeitar os estudantes na sua autonomia como agentes da própria aprendizagem².

Em contrapartida, o que se tem observado é que docentes de enfermagem adotam em suas práticas de ensino a forma como vivenciaram a sua própria formação, como reflexo de um processo tradicional de educação vertical e acrítica, apoiada na transmissão de conhecimentos previamente estabelecidos, desconsiderando as diferentes dimensões da competência profissional a ser formada³ e, ainda, valorizam sistemas avaliativos voltados apenas à quantificação desses conhecimentos retidos pelo estudante⁴.

Como alternativa para superar os modelos tradicionais de formação profissional em saúde, propõe-se a orientada por competência dialógica, que, por meio de abordagem integradora e ativa do processo ensino-aprendizagem, busca promover a aprendizagem significativa dos estudantes, ponderando tanto os padrões científicos de conhecimentos e habilidades quanto as singularidades das situações de trabalho e dos sujeitos envolvidos na ação educativa, ressignificando valores e atitudes, como: flexibilidade, criatividade, trabalho em equipe, envolvimento, ética e responsabilidade social⁵.

A inquietação ocasionada pela dicotomia daquilo que se almeja para a formação e avaliação de competência profissional na enfermagem e o que de fato se vivencia⁶ pode se estender para o universo do ensino em enfermagem pediátrica, especialmente, quando o que se almeja é desenvolver a competência necessária para a integralidade do cuidado infantil⁷.

Pressupõe-se que, apesar dos avanços das políticas e práticas educacionais e do conhecimento científico existente na área da enfermagem pediátrica, a formação e a avaliação da aquisição da competência para nela atuar ainda se mantêm fundamentadas no modelo tradicional, não atentando para a abordagem das diferentes dimensões da competência a ser formada.

Justifica-se, assim, a importância desta investigação, objetivando analisar a formação e a avaliação de competência profissional para atuar na área de enfermagem pediátrica, a partir das concepções e experiências de docentes universitários, com vistas a obter subsídios para contribuir para a necessária formação crítica, coerente e transformadora da realidade da infância brasileira.

MÉTODO

TIPO DE ESTUDO

Trata-se de estudo de abordagem qualitativa⁸.

CENÁRIO

Os participantes foram 16 docentes, de seis instituições públicas com cursos de graduação em enfermagem, atuando na formação do estudante em enfermagem junto a crianças. Atualmente, existem 13 cursos públicos de graduação em enfermagem no estado de São Paulo, Brasil, porém não se pôde contar com a participação de docentes de sete deles, ou por não concordarem em participar, ou por falta de condições de suas instituições de origem para viabilizar a pesquisa. Registra-se ainda que o número de participantes deste estudo foi delimitado, em última instância, quando se detectou a suficiência do material coletado para atingir o objetivo estabelecido. Assim, optou-se por constituir amostra intencional daqueles que pudessem contribuir, em quantidade e intensidade, com informações pertinentes às variadas dimensões do fenômeno em estudo, buscando contemplar convergências e divergências sobre as concepções e experiências a serem estudadas⁹.

COLETA DE DADOS

Os dados foram apreendidos por meio de entrevistas semiestruturadas gravadas, realizadas no período de maio a dezembro de 2016, seguindo roteiro previamente estipulado, com questões norteadoras⁸, voltadas à caracterização dos participantes e para atender aos objetivos visados, a partir da seguinte proposição: discorra sobre o processo de ensino para o desenvolvimento de competência profissional para atuar na enfermagem pediátrica.

Depois dos devidos esclarecimentos sobre a pesquisa aos participantes, as entrevistas foram agendadas previamente, realizadas via Skype, por comunicação falada e visual, em tempo real, gravadas pelo Free Video Call Recorder for Skype, de acordo com a disponibilidade de cada participante, sem interferir no andamento institucional. Optou-se por essa estratégia de coleta de dados pela distância física entre os municípios de residência da pesquisadora e das instituições dos entrevistados. O tempo das entrevistas foi de, aproximadamente, 40 minutos. Destaca-se que a entrevistadora foi uma das autoras, enfermeira, com mestrado em saúde da criança, doutorado em enfermagem em andamento na época, docente em curso de graduação em enfermagem e que já possuía experiência consistente nesse tipo de coleta de dados. Ao final de cada entrevista, a pesquisadora repassou a gravação para os participantes, para que estas pudessem comentá-las ou corrigi-las, validando assim seus depoimentos.

ANÁLISE E TRATAMENTO DOS DADOS

A análise do material obtido foi baseada em princípios da proposta de interpretação qualitativa de dados, denominada Análise de Conteúdo e, entre as vertentes de Análise de Conteúdo, realizou-se a Análise Temática⁸. Foram seguidas as três etapas para a operacionalização dos dados qualitativos, com a contribuição de três das autoras: após transcrição dos depoimentos na íntegra, na primeira etapa - Pré-análise -, foi realizada a sua leitura flutuante, tanto no sentido vertical (cada depoimento) quanto horizontal (entre os depoimentos), buscando levantar hipóteses sobre o objeto em estudo; na segunda etapa - Exploração do Material -, houve a definição das categorias temáticas e a identificação das unidades de registro (unidades de significação correspondentes aos recortes de conteúdo dos depoimentos, tidas como unidades-base, visando à categorização) e das unidades de contexto nos documentos (núcleos de sentido para codificar as unidades de registro, a fim de compreender as significações exatas) (Quadro 1).

Quadro 1
Relação das categorias temáticas, unidades de contexto e unidades de registro obtidas da análise dos depoimentos.

Categorias Temáticas	Unidades de Contexto	Unidades de Registro
Definição de competência profissional	Conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes para a realização do trabalho com excelência.	Defino competência como um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes essenciais para que o profissional enfermeiro desempenhe a sua profissão e tenha uma prática eficiente e eficaz (D2F).
	Deverá haver a valorização equilibrada do saber, do saber fazer e do saber ser durante a formação.	Acho que a formação se dá por meio de três elementos, o saber, o saber fazer e o saber ser. Essa tríade precisa ser trabalhada, não se pode possuir ou um ou outro e achar que obteve sucesso na formação da competência (D10E).
Atributos para atuar com crianças	Conhecer as diferentes fases do desenvolvimento infantil	Eu acho que é imprescindível abordar as fases do desenvolvimento da criança, enquanto conteúdo programático. Antes de vivenciar a prática, o estudante deve compreender teoricamente como se desenvolve uma criança, as peculiaridades, os eventos preocupantes em cada etapa teoricamente (D3F).
	Relacionar dos fatores que influenciam o processo de saúde doença infantil	Compreendo que é necessário ter conhecimento sobre os fatores que influenciam no processo saúde/doença da criança e considerá-los no exercício da profissão em ações práticas com a equipe de saúde, efetivando esse conteúdo para os estudantes em enfermagem (D7E).
	Realizar o cuidado centrado na criança e na família	É preciso trabalhar na fundamentação teórica centrada na criança e na família dela. Esse é o conceito atual, pois sabemos que existem três tipos de foco para o cuidado pediátrico, o cuidado voltado à doença, o voltado à criança e o cuidado voltado à criança e à família. Esse último é o referencial teórico que devemos adotar (D4D).
	Adotar a sistematização da assistência de enfermagem voltada às necessidades da criança e da sua família foi indicada	Tem que prestar assistência sistematizada à criança, favorecendo a satisfação das suas necessidades biopsicossociais, de forma organizada, por meio de instrumentos, priorizando todos os níveis de atenção da criança e sua família (D2B).
	Saber acolher e se comunicar com a criança e família	É importante tornar o estudante hábil, por meio do conhecimento teórico e prático, a abordar e acolher a criança e sua família. Assim, ele não sofrerá neste contexto, quando deparar-se com as vivências que tiver que contornar no futuro (D4D).
	Realizar procedimentos técnicos específicos de enfermagem pediátrica	Eu aponto que, em tudo, mas especialmente quanto aos cuidados hospitalares, no manejo de vias aéreas, sondagens, manejo do aleitamento materno e alimentação, torna-se um perigo não ter habilidade técnica para proporcionar o cuidado infantil. Devemos pôr responsabilidade docente, tornar o aluno apto para realizar procedimentos (D9B).
	Conhecer as políticas públicas voltadas à atenção integral à saúde da criança.	Considero que o estudante tem que ter conhecimento sobre as políticas públicas voltadas às crianças, que fundamentam e priorizam o cuidado ampliado em saúde, configurando um olhar crítico e reflexivo para a importância da integralidade presente nas diretrizes dessas políticas como principal eixo norteador (D1B).
	Realizar o cuidado infantil em todos os níveis de atenção à saúde	Penso que o estudante de enfermagem deva se aproximar da criança saudável, conviver com essa criança saudável e olhar para ela no âmbito da integralidade, no âmbito da promoção e não apenas em um aspecto já de doença instalada (D8C).
Avanços na formação da competência profissional em enfermagem pediátrica	Parceria estabelecida entre os campos de prática e as instituições de ensino	Olha, mesmo ainda havendo necessidade de jogo de cintura por parte da universidade para viabilizar campos práticos adequados aos discentes, nós temos facilidade, pois há abertura e recepção das creches, da prefeitura e do hospital, e isso faz toda a diferença no processo de ensino e aprendizagem (D5E).
	Organização curricular que aborda gradualmente o ensino da atenção à saúde primária até a hospitalar	Os estudantes são inseridos na primeira e segunda série na Atenção Primária, a terceira série é toda hospitalar e, na quarta série, metade/metade, assim podem compreender as políticas públicas e as ações de promoção à saúde e prevenção, para no final conviver com a criança doente, como deve ser (D6A).
	Abertura institucional para discussões e mudanças curriculares	Eu digo que, uma das facilidades para trabalhar, pensando na formação e na avaliação de competência, é a disponibilidade da instituição de ensino para refletir sobre o currículo o tempo todo, dando essa liberdade, propondo discussão, mudanças e cursos para os docentes (D7E).
Desafios para formação de competência profissional em enfermagem pediátrica	Carga horária teórica e prática reduzida para o ensino de enfermagem pediátrica, com inserção tardia do estudante no contato com a criança	A maior dificuldade para a lapidação da competência quanto ao cuidado de crianças no graduando em enfermagem é o fato de não o inserir, desde o primeiro ano, nas atividades com criança e com sua família. É tarde essa inserção, poderia ser bem antes. Isso é uma falha, uma lacuna curricular, também caracterizada pelo pouco tempo de teoria, pouco tempo de prática, que desvaloriza o olhar do acadêmico para o universo infantil (D2F).
	Falta de integração das disciplinas para a formação da competência em enfermagem pediátrica	Nós trabalhamos exclusivamente com a nossa disciplina, sem a articulação com as outras disciplinas. O pensamento dessa forma é fragmentado e o estudante, sozinho, nem sempre consegue ter sucesso nas ligações que precisa estabelecer, o pensamento crítico fica prejudicado (D8C).
	Dificuldade de adaptação dos estudantes às metodologias ativas de ensino	Apesar dos esforços, ainda não conseguimos fazer a metodologia ativa o tempo todo. Até por resistência dos próprios estudantes, têm grupos que estão esperando sedentos a tal da aula expositiva dialogada, querem pronto, querem mastigado, querem educação bancária. Você acha que, na atualidade, só por causa da tecnologia, o próprio estudante está muito diferente do que no passado? Nas suas aspirações e no jeito que quer as coisas? Você se engana e se decepciona (D15E).
Avaliação da aquisição de competência para atuar em enfermagem pediátrica	Verificação da capacidade do estudante para identificar e resolver problemas da criança por meio da problematização	Eu avalio a aquisição de competência pela capacidade de utilizar a problematização, resolvendo problemas, situações que mimetizam a vida real, ou da própria vida real, utilizando seus conhecimentos, suas habilidades e atitudes. Isso, para mim, é um critério bem fundamentado para garantir que, de fato, houve a formação ideal da competência voltada ao cuidado infantil (D9B).
	Emprego de diferentes instrumentos para o acompanhamento da evolução discente na aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes	A gente se embasa bastante na avaliação de conhecimentos, habilidades e atitudes, utilizando atividades diversas, como práticas, simulações, estudo de caso e seminário, autoavaliação, suas atitudes na estruturação do seu portfólio, suas atitudes durante as avaliações práticas, isso retira somente as avaliações tradicionais (D5E).

Na terceira etapa - Tratamento dos Dados e Interpretação, por meio de intuição, análise reflexiva e crítica -, realizou-se a interpretação inferencial, especialmente buscando o conteúdo latente nos depoimentos⁸, analisando-os com base nos pressupostos da formação de competência profissional, segundo Philippe Perrenoud^2-5) e a integralidade do cuidado infantil⁶.

ASPECTOS ÉTICOS

Este estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa local, cumprindo as exigências da Resolução n. 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta as normas para a realização de pesquisas que envolvem seres humanos, Parecer n. 1.526.327. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi endereçado às participantes pelo correio e assinado em duas vias, sendo uma delas devolvida à pesquisadora também pelo correio. Os depoimentos dos participantes, quando apresentados, foram caracterizados pela letra D, acrescida pelo número da entrevista realizada (D1 a D16) e pelas letras de A a F, correspondentes à escola de vinculação.

RESULTADOS

Do total de 42 docentes da área de enfermagem pediátrica, dos seis cursos de graduação públicos selecionados, participaram 16 docentes. Todos os participantes eram do sexo feminino, com idade variando de 34 a 53 anos. O menor tempo transcorrido em docência na graduação foi de 15 anos e o maior, de 37 anos. Quanto à realização de cursos de pós-graduação, a maior parte possuía o título de doutor. O tempo de trabalho na instituição atual variou de dois a 28 anos, e o tempo de atuação na área pediátrica variou de dois a 28 anos.

A análise dos depoimentos coletados junto às docentes permitiu a sistematização de cinco categorias temáticas, com suas respectivas unidades de contexto (núcleos de sentido), conforme apresentadas no Quadro 1, com exemplos de unidades de registro (recortes dos depoimentos).

DISCUSSÃO

Como objetivado, a realização desta pesquisa permitiu, a partir da perspectiva de docentes diretamente envolvidos, analisar a formação e a avaliação da competência profissional em enfermagem pediátrica.

Os achados do presente estudo apontam a aproximação da definição de competência profissional apresentada pelas docentes com a de Phillipe Perrenoud. Para esse autor, competência se caracteriza pela capacidade de agir com sucesso diante das situações que se apresentam, necessitando para tal do apoio de um conjunto de conhecimentos, mas não restrito a ele. Na aplicação dos conhecimentos à prática, torna-se imprescindível que se acesse também habilidades e atitudes que, ao se integrarem, possibilitam ao profissional fazer, refletir e avaliar².

Apesar dessa aproximação, os atributos pertinentes ao enfermeiro para atuar com crianças, apresentados pelas docentes, se relacionaram basicamente aos conhecimentos e habilidades, com pouca ou nenhuma alusão aos atitudinais, distanciando-se da definição de competência dialógica⁵.

Conhecer as peculiaridades das diferentes fases do desenvolvimento infantil foi essencial para a composição da competência em enfermagem pediátrica, delimitando a infância como uma fase de potencialidades e vulnerabilidades que requer tal conhecimento¹⁰.

Nessa mesma perspectiva, o conhecimento sobre as vulnerabilidades a doenças e agravos de cada fase e as formas de evitá-las e de tratá-las quando presentes configura-se como um dos grandes pilares da atuação em enfermagem pediátrica, e há grande produção de conhecimento teórico e prático, inerente à própria enfermagem e a outras áreas da saúde, para subsidiar o cuidado à criança em tais situações. Contudo, destaca-se na produção científica atual da enfermagem pediátrica a importância de conceber o ensino do cuidado de uma forma ampliada, levando em conta as possibilidades de cuidado integral, que inclui também a promoção da saúde^7),(10.

Em coerência com a aprendizagem do cuidado integral, as docentes destacaram a importância da abordagem do cuidado centrado na criança e em sua família. Compreende-se que o ensino do cuidado infantil, anteriormente baseado na patologia, com o passar do tempo incluiu a criança e também sua família, como o melhor e ideal modelo de cuidado, o que justifica a necessidade de trabalhar este atributo para tornar o estudante em enfermagem capaz de oferecer um cuidado apropriado¹¹.

A sistematização da assistência de enfermagem também foi apontada como atributo essencial para formação da competência para o cuidado infantil. Na atualidade, é notória a falta de consenso acerca dos dados que devem ser coletados pelo enfermeiro para gerar informação e subsidiar a tomada de decisão clínica, fator de preocupação quando se reconhece que a implementação efetiva da sistematização da assistência de enfermagem conduz à melhoria da qualidade dos cuidados e auxilia na elaboração de protocolos que sejam efetivos à prática da enfermagem pediátrica¹².

A aderência à sistematização da assistência de enfermagem como atributo alinha-se com a necessidade de obtenção de conhecimento para acolher e se comunicar efetivamente com criança e família, aspecto que tem sido um desafio para o cuidado cotidiano, manifestando explicitamente conflitos entre familiares e equipe de enfermagem¹³. Desse modo, almeja-se que o ensino priorize o desenvolvimento de habilidades de relacionamento interpessoal e acolhimento, desenvolvendo a empatia necessária e a responsabilização do profissional enfermeiro nesse aspecto^14)-(15.

Outro atributo atrelado à competência em enfermagem pediátrica apontado pelas docentes foi a realização de técnicas e procedimentos específicos a essa faixa etária. Esse atributo historicamente vem sendo associado ao trabalho do enfermeiro pediatra, contudo há o reconhecimento atual de que, para além da competência técnica e científica necessária à sua realização, deve-se considerar a abordagem humanizada e segura que amenize os possíveis traumas decorrentes de tais técnicas e procedimentos¹⁶.

No âmbito do cuidado de enfermagem voltado ao coletivo, as docentes valorizaram a integralidade ao ressaltarem o conhecimento das políticas públicas pelo enfermeiro como um atributo pertinente para atuar com crianças. O século XX marcou avanços significativos no que tange à criança, na perspectiva de concebê-la em sua integralidade, como sujeito em desenvolvimento e com necessidades e direitos a serem respeitados, somando formulações, projetos, programas e políticas a favor da infância brasileira. Essas mudanças culminaram com a publicação, em 2015, da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança, que contempla a síntese desses documentos oficiais¹⁷.

Corroborando as propostas inseridas nas políticas públicas voltadas à infância, ressaltou-se como atributo a importância do cuidado em todos os níveis de saúde, cerceando o pensamento puramente hospitalocêntrico, que somente valoriza a doença e não o indivíduo¹⁸

De acordo com as afirmações acima, concebe-se que o ensino pautado somente no modelo hospitalocêntrico deixa a desejar quanto à necessidade de formação para a prática de promoção e prevenção à saúde das crianças, enquanto a integração entre teoria e prática para o desenvolvimento da competência profissional nos diferentes cenários de prática favorece a formação profissional generalista, que contempla além da referida prática, a capacitação para intervenções nas mais diferentes situações do processo saúde/doença.

Quanto aos avanços na formação da competência profissional em enfermagem pediátrica, a parceria existente entre os campos de prática e de ensino remete à ideia de priorizar experiências práticas para a formação, incluindo o que é ideal para o trabalho, não no sentido de algo distante, mas como algo que se cria em um projeto conjunto entre os parceiros. Revela-se, assim, a importância de o estudante conhecer a realidade, contextualizar o campo prático, propor planos de intervenção e ir ao encontro das demandas individuais e sociais do cotidiano, construção somente possível por meio da parceria efetiva entre instituições de ensino e de prática em saúde^7),(19.

A organização do currículo de forma gradativa, da atenção primária à hospitalar, para viabilizar a formação da competência, emergiu como avanço neste estudo, possibilitando a abordagem da integralidade das ações de promoção, prevenção e recuperação em saúde, como anteriormente discutido. Tais ações devem ser desenvolvidas para que o acadêmico consiga intervir nos problemas de saúde nos diferentes níveis, nas condições de vida e nos riscos e danos à saúde²⁰. Outra importante conquista para a formação de competência profissional na área pediátrica, indicada pelas docentes, foi a abertura institucional para a discussão curricular com elaboração conjunta de metodologias que propiciem pensamento crítico. Pensar com criticidade é uma habilidade fundamental para o desenvolvimento de profissionais de saúde, possui o mesmo valor atribuído às aptidões técnicas⁵.

Na contramão dos avanços na formação da competência profissional na área em estudo, foram explicitados pelas docentes os desafios para desenvolvê-la, entre eles, a carga horária teórica e prática disponibilizada ao ensino voltado à criança e ao seu cuidado, relatada como insuficiente. Isso denota a valorização que os cursos de enfermagem têm dado às demais faixas etárias do desenvolvimento humano, em detrimento da pediátrica, destacando que, embora os currículos de enfermagem venham incorporando transformações e avanços na área infantil, desde sua implantação como disciplina obrigatória nos currículos da enfermagem brasileira até a atualidade, constata-se que existe, ainda, a necessidade do fortalecimento e otimização da distribuição de sua abordagem durante o transcorrer da formação, para mobilizar a busca e a integração de novos conhecimentos, habilidades e atitudes, garantindo um desempenho profissional competente⁷.

A lacuna curricular quanto à carga horária dispensada para a abordagem da enfermagem pediátrica confirma o desafio para a inserção tardia do estudante no contato com a criança durante a graduação, mesmo diante da necessidade da sua aproximação na realidade profissional o mais precocemente possível, o que proporcionaria as condições geradoras de um aprendizado significativo e consistente quanto ao desenvolvimento da competência nessa área².

A desarticulação entre as disciplinas no curso de graduação em enfermagem, também lembrada pelas docentes como um desafio a ser superado, reforça a ideia de que, além da distribuição mais equânime e gradativa da carga horária em prol do ensino de enfermagem pediátrica, é necessário modificar a maneira fragmentada de ensinar, que prioriza pouca articulação entre os saberes, separando as disciplinas entre blocos teóricos e práticos, o que compromete a apreensão da perspectiva integral do cuidado na formação dos enfermeiros^2),(7.

Outro desafio a ser superado, apontado pelas docentes, é a dificuldade de adaptação de estudantes de enfermagem aos métodos ativos de ensino para a formação da competência profissional no âmbito da pediatria, no sentido de superar a educação tradicional, que induz o estudante desde a mais tenra idade a receber passivamente o conteúdo a ser aprendido, por meio da transmissão professor-estudante²¹.

Nesse processo, recomenda-se a reflexão docente, enquanto educadores, diante da negação e resistência dos estudantes à educação transformadora, crítica e reflexiva, que adota metodologias ativas de ensino-aprendizagem, repensando de que forma o método ativo deve ser abordado e aplicado para a busca de novos resultados e aderência a esse ensino inovador²².

Entendendo que a formação dos docentes é geralmente centrada em métodos convencionais de ensino, ressalta-se a necessidade de sua capacitação, associada a políticas governamentais indutoras, para ampliar a prática dessa metodologia ativa²³.

Em consonância com a necessidade da inclusão da metodologia ativa de ensino, os participantes apontaram quais estratégias viabilizam a formação e, atrelada a elas, estava a avaliação da aquisição de competência em enfermagem pediátrica, a ser adotada.

Houve destaque à verificação da capacidade de o estudante identificar e resolver problemas da criança por meio da problematização. Esta vem sendo considerada uma metodologia ativa de ensino, que possibilita avaliar a aprendizagem teórica e prática dos estudantes. Esse método consiste em proporcionar aos graduandos atividades de ação-reflexão-ação sobre aspectos fundamentais da prática profissional e distancia formas exclusivamente tradicionais de avaliação que não abrangem todos os aspectos necessários para a formação de competência²⁴.

O emprego de diferentes estratégias que permite o acompanhamento da evolução dos estudantes na aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes também foi destacado. As avaliações teóricas e autoavaliação, simulações clínicas em laboratório, apresentação de estudo de caso, seminários e portfólio, ao serem empregados em conjunto, possibilitam a avaliação das referidas dimensões da competência profissional pelos estudantes e a sua participação ativa e corresponsável, tanto no processo avaliativo quanto na formação da competência para o cuidado pediátrico.

Pondera-se por fim, que os achados desta investigação, a despeito da sua abrangência regional, reúnem importantes subsídios para apoiar reflexões sobre processos ensino-aprendizagem desenvolvidos na área em foco, para cursos de graduação em enfermagem nacionais e internacionais que estejam comprometidos com a formação de profissionais que irão fazer a diferença na produção e defesa da saúde infantil.

CONCLUSÃO

A análise da perspectiva dos participantes quanto às definições sobre competência profissional e aos atributos pertinentes ao enfermeiro para atuar com crianças apresenta importantes aspectos a serem considerados na formação da competência profissional nesta área, contudo demonstra a priorização das dimensões cognitivas e procedimentais, desvalorizando a dimensão atitudinal, ou seja, o desenvolvimento de aspectos afetivos, diante dos desafios e nuances específicos envoltos nesta assistência, que não devem ser preteridos.

Os avanços destacados corroboram a inserção de processos reflexivos nas instituições de ensino para propiciar ações transformadoras que assegurem a valorização curricular para o ensino da enfermagem pediátrica - com a ampliação da carga horária e abordagem gradativa e integrada aos outros componentes curriculares afins, aliada à adoção de estratégias de ensino e avaliação que incluam o estudante como participante ativo e corresponsável por sua competência profissional.

Sugere-se a realização de novas pesquisas que tomem por objeto a verificação dos atributos aqui apontados, verificando o impacto dos processos ensino-aprendizagem no contexto do exercício profissional.

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  Extraído da dissertação: “Formação e avaliação de competência profissional em enfermagem pediátrica: perspectivas de docentes universitários”, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, 2018.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  07 Mar 2019
• Data do Fascículo
  2019

Histórico

• Recebido
  15 Mar 2018
• Aceito
  02 Out 2018