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Prática simulada: análise de filmes sobre a biomecânica dos estudantes na realização do parto* * Autor convidado CIAIQ 2018.

RESUMO

Objetivo:

Analisar as posturas dos estudantes do Curso de Mestrado em Enfermagem de Saúde Materna e Obstetrícia; compreender como a intervenção durante o trabalho de parto influencia as posturas; e identificar as estratégias de prevenção das lesões musculoesqueléticas ligadas ao trabalho.

Método:

Estudo qualitativo e descritivo, que recorreu à gravação e análise fílmica em situação de aprendizagem em Prática Simulada de Alta-Fidelidade.

Resultados:

Participaram do estudo 13 estudantes. Os resultados evidenciam que o movimento corporal adotado não tem em conta a coordenação do sistema musculoesquelético para manter o equilíbrio, a postura e o alinhamento corporal nas alterações de posição na realização do parto.

Conclusão:

Os enfermeiros obstetras apresentam elevada prevalência de lesões musculoesqueléticas, e a especificidade da atividade profissional dificulta a avaliação do risco e a sua prevenção. A formação favorece a aquisição de conhecimentos e reflexão de comportamentos. É fundamental investir na formação dos estudantes e dos profissionais nos contextos de trabalho.

DESCRITORES
Estudantes de Enfermagem; Enfermagem Obstétrica; Doenças Musculoesqueléticas; Treinamento com Simulação de Alta Fidelidade; Trabalho de Parto

ABSTRACT

Objective:

Analyze the posture of students from the master's degree program in Maternal Health and Obstetrical Nursing; understand how intervention during delivery influences posture; and identify strategies for the prevention of work-related musculoskeletal injuries.

Method:

Qualitative descriptive study, which recorded and analyzed videos in a learning situation using high-fidelity simulation practice.

Results:

Thirteen students participated in the study. The results show the adopted body movement does not take into account coordination of the musculoskeletal system to keep body balance, posture and alignment when changing the delivery position.

Conclusion:

Obstetric nurses have a high prevalence of musculoskeletal injuries, and the specificity of professional activity makes it difficult to assess and prevent risks. Training favors the acquisition of knowledge and reflection of behaviors. Investments should be made in training to students and professionals in work contexts.

DESCRIPTORS
Students Nursing; Obstetric Nursing; Musculoskeletal Diseases; High Fidelity Simulation Training; Labor Obstetric

RESUMEN

Objetivo:

Analizar las posturas de los estudiantes del Curso de Máster en Enfermería de Salud Materna y Obstetricia; comprender cómo la intervención durante el trabajo de parto influencia las posturas; e identificar las estrategias de prevención de las lesiones musculoesqueléticas vinculadas al trabajo.

Método:

Estudio cualitativo y descriptivo, que recurrió a la grabación y análisis fílmico en situación de aprendizaje en Práctica Simulada de Alta Fidelidad.

Resultados:

Participaron en el estudio 13 estudiantes. Los resultados evidencian que el movimiento corporal adoptado no tiene en cuenta la coordinación del sistema musculoesquelético para mantener el equilibrio, la postura y la alineación corporal en las alteraciones de posición en la realización del parto.

Conclusión:

Los enfermeros obstetras presentan elevada prevalencia de lesiones musculoesqueléticas, y la especificidad de la actividad profesional dificulta la evaluación del riesgo y su prevención. La formación favorece la adquisición de conocimientos y reflexión de comportamientos. Es fundamental invertir en la formación de los estudiantes y los profesionales en los contextos de trabajo.

DESCRIPTORES
Estudiantes de Enfermería; Enfermería Obstétrica; Enfermedades Musculoesqueléticas; Enseñanza Mediante Simulación de Alta Fidelidad; Trabajo de Parto

INTRODUÇÃO

Os distúrbios musculoesqueléticos são um grande problema de saúde em todo o mundo e um dos mais preocupantes na Europa(11. Thinkhamrop W, Sawaengdee K, Tangcharoensathien V, Theerawit T, Laohasiriwong W, Saengsuwan J, et al. Burden of musculoskeletal disorders among registered nurses: evidence from the Thai nurse cohort study. BMC Nurs. 2017;16:68. DOI: http://doi.org/10.1186/s12912-017-0263-x
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), com tendência a tornar-se uma pandemia. As tensões excessivas no tecido muscular e das articulações são prejudiciais e causam problemas de incapacidade e de absentismo laboral. A elevada prevalência de lesões e da sintomatologia associada aumentam os custos do tratamento e diminuem a produtividade dos profissionais(22. Duarte F, Serranheira F. Dental hygienists self-reported work-related musculoskeletal disorders symptoms and task demands. Rev Port Saúde Pública. 2015;33(1):49-5. DOI: 10.1016/j.rpsp.2014.10.003
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).

A profissão de enfermagem é uma com maior incidência e prevalência de lesões ocorridas ligadas ao trabalho, como referem alguns estudos(11. Thinkhamrop W, Sawaengdee K, Tangcharoensathien V, Theerawit T, Laohasiriwong W, Saengsuwan J, et al. Burden of musculoskeletal disorders among registered nurses: evidence from the Thai nurse cohort study. BMC Nurs. 2017;16:68. DOI: http://doi.org/10.1186/s12912-017-0263-x
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,33. Carneiro P, Braga AC, Barroso M. Enfermagem em contexto domiciliário: influência das condições de trabalho. Int J Working Conditions. 2014;7:1-16.55. Okuyucu KA, Jeve Y, Doshani A. Work-related musculoskeletal injuries amongst obstetrics and gynaecology trainees in East Midland region of the UK. Arch Gynecol Obstet. 2017; 296(3):489-94. DOI: 10.1007/s00404-017-4449-y
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). A formação em enfermagem é um momento privilegiado para a aquisição de conhecimentos e reflexão sobre alguns comportamentos dos estudantes, num âmbito de educação para a saúde. A prevenção de Lesões musculoesqueléticas ligadas ao trabalho (LMELT) como estratégia de intervenção de enfermagem tem em vista não só o bem-estar individual, mas também atender às políticas de saúde vigentes.

Embora exista investigação sobre as lesões musculoesqueléticas nos enfermeiros, na formação de enfermagem, são ainda poucos os estudos que se dedicam a esta temática(66. Abeldu JK, Offei EB. Musculoskeletal disorders among first-year Ghanaian students in a nursing college. Afr Health Sci. 2015;15(2):444-9. DOI: 10.4314/ahs.v15i2.18
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77. Nunes H, Cruz A, Queirós P. Dor músculo esquelética a nível da coluna vertebral em estudantes de enfermagem: prevalência e fatores de risco. Rev Investig Enferm. 2016;14:28-37.). A prevalência de dores na coluna vertebral durante o curso superior de enfermagem, e especificamente durante e/ou após os períodos de ensino clínico, tem despertado uma preocupação e interesse em identificar os fatores causais. Apesar de não se conseguir atribuir uma razão específica, pelas múltiplas dimensões envolventes, existem determinadas práticas clínicas mais frequentes que parecem estar relacionadas com as queixas de dorsolombalgias dos estudantes, tais como as práticas de levante e mobilização dos utentes, em que as caraterísticas pessoais, como o nível de ansiedade e o locus de controlo emergem como elementos significativos e agravantes(66. Abeldu JK, Offei EB. Musculoskeletal disorders among first-year Ghanaian students in a nursing college. Afr Health Sci. 2015;15(2):444-9. DOI: 10.4314/ahs.v15i2.18
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77. Nunes H, Cruz A, Queirós P. Dor músculo esquelética a nível da coluna vertebral em estudantes de enfermagem: prevalência e fatores de risco. Rev Investig Enferm. 2016;14:28-37.).

Considerando os estudantes do segundo ciclo de formação do ensino superior, enfermeiros a frequentar o Curso de Mestrado em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica (CMESMO), as lesões musculoesqueléticas assumem uma dupla importância. Se, por um lado, como enfermeiros, as LMELT têm um forte impacto na sua vida profissional, por outro, como estudante, nesta área específica em enfermagem, acresce-se o risco nas novas funções e intervenções que irão realizar. Num estudo anterior(88. Baixinho CL, Presado H, Marques FM, Cardoso M. A segurança biomecânica na prática clinica dos enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia. Rev Bras Promoç Saúde. 2016;29(Supl):36-43. DOI: http://dx.doi.org/10.5020/18061230.2016.sup.p36
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), os enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica (EEESMO) reconhecerem as mobilizações; os cuidados à mãe; os cuidados ao recém-nascido e o trabalho em equipa como intervenções com risco de originar lesões. A complexidade dos cuidados de enfermagem na situação específica do trabalho de parto(99. Silva ICJ, Alves NR, Nogueira MS, Mendonça RMC, Alves FAVB, Alves AG, et al. Incidência dos sintomas osteomusculares relacionados ao trabalho da equipe de enfermagem do hospital santa GEMMA/AFMBS. Rev Fac Montes Belos. 2016;9(2):28-41.) origina um ajuste biomecânico constante, seja em postura estática ou dinâmica, provocando posturas inadequadas nos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica. A preocupação de capacitar os estudantes do CMESMO para uma prática de enfermagem segura, quer na qualidade do atendimento ao cliente, quer na qualidade da sua produtividade, levou-nos a uma análise das suas posturas durante as aulas de prática simulada de alta-fidelidade, antes de iniciarem o período de ensino clínico(11. Thinkhamrop W, Sawaengdee K, Tangcharoensathien V, Theerawit T, Laohasiriwong W, Saengsuwan J, et al. Burden of musculoskeletal disorders among registered nurses: evidence from the Thai nurse cohort study. BMC Nurs. 2017;16:68. DOI: http://doi.org/10.1186/s12912-017-0263-x
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,99. Silva ICJ, Alves NR, Nogueira MS, Mendonça RMC, Alves FAVB, Alves AG, et al. Incidência dos sintomas osteomusculares relacionados ao trabalho da equipe de enfermagem do hospital santa GEMMA/AFMBS. Rev Fac Montes Belos. 2016;9(2):28-41.).

O recurso à prática simulada, estratégia de ensino atualmente utilizada na formação de profissionais de saúde, permite representações controladas da realidade e, consequentemente, uma aprendizagem por meio de exercícios que o estudante resolve sem os riscos reais do contexto de cuidados(1010. Forbes H, Oprescu FI, Downer T, Phillips NM, McTier L, Lord B, et al. Use of videos to support teaching and learning of clinical skills in nursing education: a review. Nurse Educ Today. 2016;42:53-6. DOI: 10.1016/j.nedt.2016.04.010
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). Os laboratórios de práticas de enfermagem são habitualmente apetrechados com equipamento e situações semelhantes aos do contexto da clínica, que, por meio de cenários produzidos, permitem a aprendizagem do estudante.

A tecnologia usada na simulação com manequins de alta-fidelidade, além de contribuir para o desenvolvimento de competências psicomotoras, possibilita o desenvolvimento do julgamento clínico(1111. Lavoie P, Pepin J, Cossette S. Contribution of a reflective debriefing to nursing students' clinical judgment in patient deterioration simulations: A mixed-methods study. Nurse Educ Today. 2017; 50:51-6. DOI:10.1016/j.nedt.2016.12.002
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). Por esse motivo, a educação em enfermagem recorre frequentemente à demonstração dos procedimentos antes do início do ensino clínico(1212. Gabriele KM, Holthaus RM, Boulet JR. Usefulness of video-assisted peer mentor feedback in undergraduate nursing education. Clin Simul Nurs. 2016;12(8):177-84. DOI: 10.1016/j.ecns.2016.03.004
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) como forma de preparação e treino dos estudantes na aquisição de competências para o contexto dos cuidados(1010. Forbes H, Oprescu FI, Downer T, Phillips NM, McTier L, Lord B, et al. Use of videos to support teaching and learning of clinical skills in nursing education: a review. Nurse Educ Today. 2016;42:53-6. DOI: 10.1016/j.nedt.2016.04.010
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). A recapitulação dos conceitos e a aplicação do conhecimento em ação permitem ao estudante praticar com feedback imediato do seu desempenho, além de identificar estudantes em risco e maximizar a sua aprendizagem com orientação direcionada.

O reduzido número de estudos e de evidência científica mencionado anteriormente e a preocupação com a saúde e a formação dos estudantes do CMESMO e dos futuros enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica sugerem um problema de saúde pública que necessita de ser analisado(77. Nunes H, Cruz A, Queirós P. Dor músculo esquelética a nível da coluna vertebral em estudantes de enfermagem: prevalência e fatores de risco. Rev Investig Enferm. 2016;14:28-37.). Deste modo, a possibilidade de ensinar, treinar e monitorizar os conteúdos relacionados com as LMELT no Curso de Mestrado de Enfermagem em Saúde Materna e Obstétrica estiveram na origem deste estudo.

Esta investigação tem os seguintes objetivos: analisar as posturas dos estudantes do CMESMO nas aulas de prática laboratorial sobre o trabalho de parto, na fase de período expulsivo, com recurso a Prática Simulada de Alta-Fidelidade (PSAF); compreender como as intervenções de enfermagem durante o trabalho de parto influenciam a postura dos estudantes do CMESMO; e identificar quais as estratégias de prevenção de LMELT nos futuros enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica.

METÓDO

Tipo de estudo

Os objetivos do estudo determinaram que este fosse de natureza qualitativa e descritiva, com recurso à análise de vídeos.

População

A população do estudo foram 13 estudantes do curso de mestrado em enfermagem de saúde materna e obstétrica, de uma escola de enfermagem portuguesa.

Critérios de seleção

Foram definidos como critérios de inclusão dos participantes: terem, pelo menos, 3 anos de atividade profissional, frequentarem o segundo ano do curso de mestrado, ainda não terem realizado partos em contexto de prática clinica, aceder participar de livre vontade e autorizar a filmagem da sua simulação.

Coleta de Dados

A gravação da realização de partos eutócicos em situações clinicas desenvolvidas na PSAF possibilitou a observação direta e detalhada, bem como a análise das posturas e dos fatores condicionantes dos princípios da biomecânica. A opção metodológica de filmar essa atividade permitiu-nos formular hipóteses explicativas do fenómeno que queremos compreender: de que forma o desenrolar do trabalho de parto condiciona a adoção de posturas nas especialistas de saúde materna e obstétrica? Muita da investigação produzida nesta área é de natureza quantitativa e determina os fatores de risco, todavia não estabelece uma relação entre as práticas e comportamentos dos profissionais no que diz respeito aos princípios da biomecânica, às fases do trabalho de parto e às motivações para a tomada de decisão biomecânica, não permitindo uma compreensão abrangente do fenómeno.

O uso da filmagem permite o distanciamento emotivo para a análise reflexiva do material, a possibilidade de rever ou congelar a imagem(1313. Garcez A, Duarte R, Eisenberg Z. Production and analysis of video recordings in qualitative research. Educ Pesqui. 2011;37(2):249-62. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022011000200003
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) e permite captar outros elementos para além do verbal. “A expressão do pensamento faz-se apenas 7% com palavras e o restante com gestos, movimentos corporais”(1313. Garcez A, Duarte R, Eisenberg Z. Production and analysis of video recordings in qualitative research. Educ Pesqui. 2011;37(2):249-62. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-97022011000200003
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), entre outros.

Sem métodos de interpretação específicos para a análise de imagens, que permitam a sistematização de todos os procedimentos(1414. Pinheiro EM, Kakehashi TY, Angelo M. The use of videotaping in qualitative research. Rev Latino Am Enfermagem. 2005;13(5):717-22. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692005000500016
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), foi feito um planeamento cuidadoso tendo em atenção o tempo disponível para a pesquisa, custo, experiência dos investigadores, competências do técnico de filmagem, questões ético-legais dos direitos de imagem(1414. Pinheiro EM, Kakehashi TY, Angelo M. The use of videotaping in qualitative research. Rev Latino Am Enfermagem. 2005;13(5):717-22. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692005000500016
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), entre outros elementos.

O planeamento previu a antecipação de dificuldades associadas ao desenvolvimento da pesquisa, no que concerne à colocação das câmaras de gravação, para não existirem espaços ‘mortos’, para que não se perdesse a ação do profissional, a qualidade do filme e a criação de um ambiente similar ao da clínica em contexto real de sala de partos. O trabalho prévio com os técnicos de audiovisuais e com dois EEESMO foi fundamental para a qualidade final das gravações e adequação do ambiente ao fenómeno em estudo.

Os participantes frequentaram a PSAF durante uma semana, utilizando um simulador de parto, o qual possibilitou uma proximidade do contexto clínico real. Antes da filmagem receberam informação sobre a finalidade do estudo e metodologia. Antes da simulação foi apresentada a finalidade do cenário e a situação de caso simulada, referente a uma parturiente que se encontra em trabalho de parto, permitindo, assim, a preparação teórica das estudantes para a atividade clínica a desenvolver – realizar um parto eutócico.

Os professores que dinamizaram as sessões de PSAF eram especialistas em enfermagem de saúde materna e obstétrica, com experiência em trabalho de parto, tiveram formação específica sobre os cenários e decurso das sessões. Foi negociado o protocolo de atuação para uniformizar os inputs dados às estudantes, garantindo que as situações de caso simulados seriam o mais similares possíveis, por forma a se analisar as posturas nos momentos predefinidos: organização do espaço físico e preparação de materiais e equipamentos; preparação da parturiente e período expulsivo.

Os inputs dados pelos docentes foram previamente definidos para produzir alterações no cenário que implicassem a passagem de uma posição estática para uma dinâmica, acelerar o ritmo de trabalho no período expulsivo, levando a uma maior agilização de movimentos e controlo da força, aumentando a complexidade da situação ao colocar o profissional sobre a interferência simultânea de múltiplas variáveis.

A sala onde decorreu a simulação tem uma câmara fixa, que foi regulada para filmarem todo o espaço utilizado. O controlo da filmagem foi realizado por um dos docentes/investigadores que estava presente na sala, de modo a que não existissem elementos estranhos na “sala de partos”, tornando a situação a mais real possível. As gravações decorreram entre os dias 22 e 26 de fevereiro do ano de 2016.

Análise e tratamento dos dados

Os investigadores viram aos pares as gravações de vídeo. Os investigadores e docentes com a formação em saúde materna e obstétrica viram a totalidade das filmagens, que abrangiam as quatro fases do trabalho de parto, e selecionaram apenas aquelas em que participaram, selecionando os frames relativos à fase do período expulsivo. Os vídeos foram visualizados, sem preocupação em categorizar, mas sim em identificar as posturas que configuravam aumento do risco de lesão musculoesquelética, associada às alterações da base de sustentação, dorsiflexão, lateralização e torção da região cervical e região dorsolombar, utilização incorreta das alavancas para efetuar força, má utilização da pega palmar para ajudar no período expulsivo do recém-nascido. Ainda, identificar alterações posturais sempre que as enfermeiras tinham de desempenhar atividades simultâneas que interferiam na postura, por exemplo, dar indicações à parturiente sobre a respiração e colaboração nesta fase, simultaneamente à avaliação do períneo para observação do evoluir do nascimento.

Na segunda visualização os investigadores confrontaram o seu conteúdo com o referencial teórico, revendo várias vezes as gravações e definiram categorias de acordo com os princípios da biomecânica em análise: 1) movimento corporal; 2) alinhamento corporal; 3) equilíbrio; 4) força; 5) atrito e fricção. Foram realizadas reuniões do grupo para verificar a correta seleção das imagens e obter consenso sobre a amostra do material audiovisual que seria sujeito à análise qualitativa. O consenso foi obtido pela discussão inter-investigadores e da dupla verificação dos excertos selecionados. Depois da obtenção do consenso dos excertos de filmagem selecionados, estes foram codificados. A codificação, categorização e interpretação dos filmes foi feita diretamente sobre eles(1515. Flick U. Introducción a la investigación cualitativa. Madrid: Morata; 2004.).

Num terceiro momento os vídeos foram visualizados identificando-se os diferentes cortes de imagem a efetuar para análise de conteúdo. Para além da análise da totalidade dos 13 vídeos, foi efetuada a análise a 182 recortes (fotografias) extraídos do material audiovisual. Salientamos que a preocupação da investigação apresentada foi avaliar os aspetos relacionados com a tomada de decisão para a manutenção da segurança biomecânica do profissional durante a realização de uma atividade específica, por isso, ao longo deste processo teve-se em mente o contexto desde a produção da imagem, a sua recepção para lhe atribuir códigos e a capacidade de “significar”(1616. Gordo A, Serrano A, coordenadores. Estrategias y práticas cualitativas de investigación social. Madrid: Pearson Prentice Hall; 2008.).

No tratamento das imagens, foi atribuído um código de cores que facilitou a codificação e a definição das categorias, de forma estruturada e interligada, garantindo-se a sua representatividade, exaustividade, homogeneidade e pertinência para o objeto de estudo. Para aumentar a fidedignidade da análise, dois investigadores fizeram a codificação, que posteriormente foi aferida pelos outros investigadores. A interpretação das imagens foi efetuada pelos quatro investigadores, atribuindo-se a todo o material um significado.

Aspectos éticos

Para a realização do estudo foi obtida a respetiva autorização da Comissão de Ética da Escola Superior de Enfermagem de Lisboa (Processo n.° 02/2017/CE).

As participantes assinaram o Termo de Consentimento Informado, garantindo o anonimato e a confidencialidade das gravações, pois na utilização dos “frames” das filmagens, para fim de divulgação da investigação, a face seria tapada para não permitir a sua identificação.

RESULTADOS

As 13 participantes eram mulheres, licenciadas em Enfermagem e frequentavam, pela primeira vez, o segundo ano do CMESMO, no ano letivo 2015/16.

Todas as participantes eram trabalhadoras-estudantes, trabalhavam em média 35 horas semanais, mais as 25 horas semanais de prática clínica do curso de mestrado.

Em face aos objetivos do estudo, os únicos fatores de risco avaliados foram os associados à natureza da atividade profissional, não se mensurando os fatores de risco individuais, físicos e/ou psico-organizacionais.

A análise dos vídeos realizados em situação de aprendizagem das participantes em ambiente controlado na PSAF permitiu analisar os princípios da biomecânica adotados durante o 2° estádio de trabalho de parto (período expulsivo) e compreender os princípios da biomecânica adotados pelos estudantes. A análise de todo o material permitiu definir as subcategorias e identificar as unidades de registo (Tabela 1).

Tabela 1
Corpus de análisis de contenido – Lisboa, Portugal, 2017.

O movimento corporal é definido pela trajetória do movimento em função da velocidade, do tempo e espaço(1717. Potter PA, Perry AG, Storkert PA, Hall AM. Fundamentos de enfermagem. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013.).

A análise em profundidade dos filmes da PSAF permitiu identificar que, nas estudantes da especialidade de saúde materna e obstetrícia, o movimento corporal é condicionado pela manutenção do corpo em posição estática por longos períodos, com desalinhamento da coluna dorsolombar para a avaliação da dilatação do colo e pela necessidade de alternar rapidamente de uma posição estática para uma dinâmica no período expulsivo. Em ambas as situações há necessidade de utilizar os grandes grupos musculares e as articulações para estabilizar o corpo numa posição sem movimento, permitir a realização dele e voltar a estabilizar a posição no final.

Ao comparar essas duas posições, conclui-se que a posição estática poderá ser menos cansativa, porque não é acompanhada da aplicação de força, já que alguns momentos de postura dinâmica são acompanhados da aplicação de força para permitir a saída do bebé, agravada por uma má alternância do peso dos hemicorpos pelos membros inferiores, mantendo o centro de gravidade descentrado da base de sustentação, com uma má utilização das alavancas para aplicar a força e com movimentos feitos em desequilíbrio. Uma análise detalhada aos padrões de mobilidade das participantes, durante o período expulsivo, permite inferir que o movimento corporal não tem em conta a coordenação dos sistemas musculoesquelético e nervoso para manter o equilíbrio, a postura e o alinhamento corporal nas alterações da direção e/ou sentido do movimento.

A análise dos vídeos permite constatar, ainda, que em movimentos que não exigem a mudança de direção, mas sim de sentido, o corpo não é posicionado na direção do movimento.

No que concerne ao alinhamento corporal, este representa a organização de todos os segmentos do corpo entre si, promovendo o equilíbrio e a máxima função do corpo em repouso ou em qualquer atividade(1717. Potter PA, Perry AG, Storkert PA, Hall AM. Fundamentos de enfermagem. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013.). Esta relação de uma parte do corpo com a outra, numa linha vertical ou horizontal é garantida pela coordenação dos movimentos e depende do tónus muscular, de reflexos neuromusculares e de movimentos coordenados dos grupos musculares opostos (antagonistas, sinérgicos, antigravíticos). O alinhamento corporal correto diminui a distensão das articulações, tendões, ligamentos e músculos, está associado ao tónus muscular e ao equilíbrio(1717. Potter PA, Perry AG, Storkert PA, Hall AM. Fundamentos de enfermagem. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013.) e contribui para a estabilidade do corpo.

A análise dos vídeos fez emergir as subcategorias: estabilidade corporal, postura e coordenação motora.

Durante o período expulsivo existe, nos profissionais, um desalinhamento corporal evidenciado por um desnivelamento dos ombros, verificando-se inclinação lateral da cabeça para o lado onde existe depressão do ombro. Também se verifica a colocação anterior em relação ao tronco dos braços, o que diminui a estabilidade e estimula a inclinação anterior do corpo e a flexão dos braços e antebraços (Figura 1).

Figura 1
Posição do EESMO durante o período expulsivo – Lisboa, Portugal, 2017.

A manutenção dos membros inferiores em adução, ou com um afastamento mínimo dos pés (inferior a 10 cm), determina uma base de sustentação pouco ampla, com o centro de gravidade a sair frequentemente desta base e com o aumento do desequilíbrio corporal, sobretudo na passagem da posição estática para a dinâmica.

A penosidade da posição é agravada pelo tipo de atividade executada, o desnivelamento do ombro é verificado na recepção da cabeça do bebé, que é um momento marcante para o resultado final do processo de parto, e quando a atenção, a preocupação e a antecipação de possíveis complicações implica a tomada de decisão dos profissionais, como é perceptível no discurso das enfermeiras durante a simulação.

É de salientar que nesses movimentos a enfermeira não altera a postura, nem aparenta preocupação com o alinhamento corporal, não se verificando um ajuste da base de suporte (por exemplo, pelo afastamento dos membros inferiores), nem do centro de gravidade, que é mantido alto (não se observando movimento para fletir as articulações coxofemoral e dos joelhos e deste modo manter a coluna alinhada).

Na análise dos filmes verifica-se que na recepção da cabeça do bebé e desencravamento do corpo, as enfermeiras fazem dorsiflexão da coluna vertebral juntamente com uma flexão do pescoço e inclinação do tronco para a frente. A coluna dorsolombar está em flexão, não mantendo as três curvaturas fisiológica (cervical, dorsal e lombar). Os membros superiores não se encontram apoiados junto ao corpo, nem estão a fazer um ângulo de 90°. Os ombros encontram-se descaídos e desalinhados com o resto do corpo.

O equilíbrio corporal representa o estado de firmeza de posição, maximizando a função, com o mínimo de esforço e trabalho muscular, no qual existe uma estabilidade das forças opostas que se contrapõem entre si(1717. Potter PA, Perry AG, Storkert PA, Hall AM. Fundamentos de enfermagem. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013.). São representativas desta categoria as subcategorias base de sustentação, centro de gravidade e orientação para o movimento.

A observação dos vídeos e dos frames das fotografias usados para a análise dos achados permitem verificar que os membros inferiores são mantidos, na maioria das vezes, em extensão, e os pés não estão alinhados com as cristas ilíacas e os ombros, não permitindo uma distribuição equitativa do peso corporal, pela base de sustentação. A opção por uma base de sustentação estreita faz com que o centro de gravidade facilmente saia da base, ocorrendo alguns movimentos com o profissional numa posição de desequilíbrio. A manutenção do centro de gravidade alto, sem flexão da coxofemoral e dos joelhos, para além de diminuir o equilíbrio, favorece a dorsiflexão e o desalinhamento corporal.

Em relação à categoria força mecânica analisou-se a utilização de alavancas, a pega manual e a mobilidade articular. A força mecânica é a utilização de uma alavanca (uma estrutura rígida ou firme) apoiada num fulcro ou eixo, ponto fixo no qual se move a alavanca) para mover uma carga (peso de um objeto ou pessoa, geralmente chamado resistência) mais facilmente por meio da aplicação de uma força (esforço exercido)(1717. Potter PA, Perry AG, Storkert PA, Hall AM. Fundamentos de enfermagem. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013.).

Durante o trabalho de parto as alavancas não são utilizadas para suportar o peso do bebé, e o fulcro não está apoiado, o que condiciona um aumento na dorsiflexão sempre que é preciso observar a região perineal. A força é muitas vezes feita no sentido contrário ao do movimento, até para suportar o peso do bebé e controlar os movimentos da parturiente.

Por último, na categoria referente ao atrito e fricção emergem as subcategorias organização dos equipamentos e posicionamento da parturiente. A fricção resulta do efeito de roçar ou da resistência que um corpo encontra na superfície, sobre a qual se movimenta, quanto maior a área da superfície do objeto, maior a fricção/atrito(1717. Potter PA, Perry AG, Storkert PA, Hall AM. Fundamentos de enfermagem. Rio de Janeiro: Elsevier; 2013.). Apesar de ter havido elevação da marquesa, nenhum dos profissionais ajustou a altura da mesa de apoio, o que resulta num desnível entre as superfícies de trabalho e aumenta o atrito e fricção, promovendo a não adoção dos princípios da biomecânica.

DISCUSSÃO

Nos profissionais de saúde, a prevalência de LMELT é elevada, podendo atingir a porcentagem de 65,4%(1818. Jellad A, Lajili H, Boudokhane S, Migaou H, Maatallah S, Frih JBS. Musculoskeletal disorders among Tunisian hospital staff: prevalence and risk factors. Egypt Rheumatol. 2013;35(2):59-63. DOI: 10.1016/J.ejr.2013.01.002
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). Num estudo desenvolvido no Brasil, 79% dos enfermeiros apresentam dor na coluna, principalmente na região cervical e lombar(99. Silva ICJ, Alves NR, Nogueira MS, Mendonça RMC, Alves FAVB, Alves AG, et al. Incidência dos sintomas osteomusculares relacionados ao trabalho da equipe de enfermagem do hospital santa GEMMA/AFMBS. Rev Fac Montes Belos. 2016;9(2):28-41.). A dor e o desconforto musculoesquelético são uma queixa recorrente nos profissionais que exercem a sua atividade em bloco de partos, provocando absentismo e representando 56% das causas de ausência temporária ao serviço(1818. Jellad A, Lajili H, Boudokhane S, Migaou H, Maatallah S, Frih JBS. Musculoskeletal disorders among Tunisian hospital staff: prevalence and risk factors. Egypt Rheumatol. 2013;35(2):59-63. DOI: 10.1016/J.ejr.2013.01.002
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).

Os resultados deste estudo corroboram os resultados de outros estudos que utilizaram uma abordagem qualitativa para estudar este fenómeno(1919. Ganer N. Work related musculoskeletal disorders among healthcare professional and their preventive measure: a report. Int J Sci Res Sci Eng Technol. 2016;2(4):693-8.), os quais concluem que os profissionais de enfermagem têm um risco acrescido de lesões musculoesqueléticas, uma vez que mantêm posturas incorretas por períodos prolongados. O trabalho desses profissionais tende a não respeitar o alinhamento corporal, pois eles se mantêm na posição de pé, com flexão acentuada do pescoço e da região dorsolombar, recorrendo à dorsiflexão quando manipulam cargas, mantendo simultaneamente movimentos repetitivos, com aplicação de força e elevação do membro superior a 90°(1919. Ganer N. Work related musculoskeletal disorders among healthcare professional and their preventive measure: a report. Int J Sci Res Sci Eng Technol. 2016;2(4):693-8.).

A atividade profissional do enfermeiro obstetra relacionada com a realização do parto, nomeadamente no período expulsivo, acarreta riscos específicos associados à natureza da tarefa, como sejam os movimentos bruscos de pronossupinação, realizados com as mãos elevadas em relação aos ombros. Com os braços em tensão e elevados, é simultaneamente nesta posição (já penosa em si) que extraem o recém-nascido(2020. Taghinejad H, Azadi A, Suhrabi Z, Sayedinia M. Musculoskeletal disorders and their related risk factors among Iranian nurses. Biotech Health Sci. 2016;3(1):e34473. DOI: 10.17795/bhs-34473
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).

Nos movimentos que implicam uma mudança rápida da posição estática para a dinâmica também são efetuadas contrações musculares excêntricas(2121. Ellapen TJ, Narsigan S. Work related musculoskeletal disorders among nurses: systematic review. J Ergonomics. 2014,S4:S4-003. DOI:10.4172/2165-7556.S4-003
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2222. Cardoso M, Presado MH, Marques FM, Baixinho CL. The biomechanic: the delivery room from design to the layout the book of heritage vs tourism: an international point of view. Covilhã: UBI: 2017.) que agravam o risco de lesão. Apesar de este estudo ser desenvolvido num ambiente controlado de simulação, é claro que, quer na postura, quer no próprio discurso das estudantes, os momentos de maior estresse (saída da cabeça e rotação do corpo) aumentam a contração muscular(2222. Cardoso M, Presado MH, Marques FM, Baixinho CL. The biomechanic: the delivery room from design to the layout the book of heritage vs tourism: an international point of view. Covilhã: UBI: 2017.). O rápido desenvolvimento do trabalho de parto dificulta planear o movimento e a postura corporal, dando-se menor atenção aos princípios da biomecânica, quando a mudança da posição estática para a dinâmica é rápida e quase instintiva. O movimento corporal das estudantes na realização do parto não teve em conta a coordenação do sistema musculoesquelético nas alterações de sentido de movimento para manter o equilíbrio, a postura e o alinhamento corporal. Outros estudos salientam que os profissionais de enfermagem realizam as suas práticas com posturas viciosas e de forma inadequada, originando sintomas osteomusculares que provocam alteração da qualidade de vida(99. Silva ICJ, Alves NR, Nogueira MS, Mendonça RMC, Alves FAVB, Alves AG, et al. Incidência dos sintomas osteomusculares relacionados ao trabalho da equipe de enfermagem do hospital santa GEMMA/AFMBS. Rev Fac Montes Belos. 2016;9(2):28-41.).

O espaço físico da sala de simulação e a não organização dos equipamentos na sala e ajuste da altura da marquesa de parto dificultam o movimento(2222. Cardoso M, Presado MH, Marques FM, Baixinho CL. The biomechanic: the delivery room from design to the layout the book of heritage vs tourism: an international point of view. Covilhã: UBI: 2017.) e obrigam a posturas de dorsiflexão, lateralização do tronco com desnível dos ombros e torção da coluna cervical e dorsolombar. A investigação realizada alerta que os recursos humanos e materiais, por vezes, escassos e não adaptados às características antropométricas dos profissionais e a falta de organização no local de trabalho aumentam o risco de LMELT(2323. Knezevic B, Milosevic M, Golubic R, Belosevic L, Russo A, Mustajbegovic J. Work-related stress and work ability among Croatian university hospital midwives. Midwifery. 2011; 27(2):146-53. DOI: 10.1016/j.midw.2009.04.002
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). Verificou-se que os estudantes não ajustavam a altura dos diferentes equipamentos, provocando um desnível entre as superfícies de trabalho, implicando um aumento do atrito e fricção e impelindo à não adoção dos princípios da biomecânica.

A análise dos vídeos permite uma compreensão aprofundada da adoção dos princípios da biomecânica em face às demandas da atividade profissional e permite aos investigadores proporem estratégias para a utilização correta das alavancas e aplicação ajustada da força no momento do período expulsivo. Ainda, pode-se propor recursos, tais como uma base de sustentação ampla, que garanta que os diferentes movimentos e a passagem da posição estática para a dinâmica seja efetuada com estabilidade, mantendo o centro de gravidade dentro da base de sustentação corporal, entre outros. As dificuldades em manter os princípios da biomecânica são aumentados pela exiguidade dos espaços de trabalho, bem como dos equipamentos danificados(88. Baixinho CL, Presado H, Marques FM, Cardoso M. A segurança biomecânica na prática clinica dos enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia. Rev Bras Promoç Saúde. 2016;29(Supl):36-43. DOI: http://dx.doi.org/10.5020/18061230.2016.sup.p36
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).

Como estratégias de prevenção de LMELT nos enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica, consideramos fundamental que estes conteúdos sejam abordados no currículo escolar do curso de mestrado em saúde materna e obstetrícia, no que concerne à componente teórica, e também incentivar o treino destas competências de prevenção das LMELT na PSAF. A PSAF, com a elaboração de cenários adequados, pode permitir um ensino inovador, estimulante e que facilite a utilização do recurso de simulação pelo professor como processo de “ensino de maneira eficiente e objetiva, podendo inclusive nortear docentes e pesquisadores na área de simulação clínica”(2424. Fabri RP, Mazzo A, Martins JCA, Fonseca AS, Pedersoli CE, Miranda FBG, et al. Development of a theoretical-practical script for clinical simulation. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03218. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2016265103218
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).

É fundamental o trabalho em parceria com as instituições de saúde no sentido de contribuir para uma melhor adequação das práticas posturais dos profissionais.

Este estudo tem limitações associadas à técnica e ao tipo e tamanho da amostra. A análise visual dos achados é complexa, não podendo ser desinserida do contexto, o facto de as participantes saberem que estão a ser filmadas pode ter alterado o ‘comportamento biomecânico usual’. O número limitado e a seleção intencional das participantes não permite a generalização dos achados.

CONCLUSÃO

A Prática Simulada de Alta-Fidelidade é fundamental para o desenvolvimento das competências do CMESMO, na medida em que a tecnologia usada permite o treino em segurança e em ambiente controlado, por meio da visualização e da reflexão sobre os cuidados prestados em manequins computorizados. Na componente teórica do curso, são ministrados conteúdos relativamente ao trabalho de parto e exemplificados os procedimentos técnicos, científicos e relacionais para a realização/assistência de um parto eutócico de acordo com a posição escolhida pela parturiente. Em PSAF, os estudantes são confrontados com a tomada de decisão adequada à situação clínica a desenvolver. Fazer formação específica sobre a prevenção de LMELT, inserida no plano curricular e completada com a visualização das filmagens para que cada estudante se consciencialize das posturas adotadas será sem dúvida uma forma de corrigir as más posturas utilizadas na prática clínica e prevenir as LMELT.

Neste estudo, verificou-se que os estudantes do curso de Mestrado em Enfermagem de Saúde Materna e Obstetrícia não utilizaram os princípios da biomecânica na sua prática clínica em PSAF como fator de prevenção das LMELT. A observação sistemática dos excertos de vídeo previamente selecionados permitiu confirmar que na maior parte da execução da atividade em PSAF, o desalinhamento corporal é evidenciado pela flexão da coluna vertebral, inclinação anterior da cabeça, membros superiores com colocação anterior ao tronco e uma base de sustentação pouco ampla. A alternância de posições estáticas para dinâmicas durante a realização dos cuidados de enfermagem no trabalho de parto foi onde se verificou maior fragilidade da postura dos estudantes.

Na fase de período expulsivo, a preocupação com a descida da apresentação, saída da cabeça fetal, rotação externa do corpo e desencravamento dos ombros e extração do corpo do RN acarreta alternância de posturas corporais do profissional quando é preciso manter um equilíbrio e direcionar as forças em função da rápida tomada de decisão, de acordo com a evolução do parto.

Os resultados permitem ainda fazer recomendações relativamente à organização do trabalho, tendo em conta os fatores de risco ambientais, nomeadamente a adequação dos espaços e dos equipamentos existentes nos laboratórios e nos contextos de prática clínica com marquesas ajustáveis, mesa cirúrgica de parto, entre outras.

A PSAF pode assumir-se como uma metodologia de formação importante para a prevenção LMELT nos profissionais nos seus contextos de intervenção/trabalho. É importante avaliar a postura do enfermeiro com o objetivo de orientar e corrigir a postura mediante uma atitude preventiva. Realizar projetos de investigação-ação em parceria com as Instituições de Saúde é uma das estratégias que pode contribuir para a prevenção de LMELT entre enfermeiros Especialistas em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica.

Advogamos que investigações futuras devem prever a avaliação de todos os fatores de risco para o aparecimento das LMELT, nomeadamente os fatores individuais, como a altura, o peso e o índice de massa corporal. É de salientar ainda a necessidade da avaliação do impacto da PSAF na adoção dos princípios da biomecânica em contexto clínico.

A videogravação é uma técnica importante no processo investigativo e é um contributo primordial na e da investigação qualitativa. A qualidade de vida dos profissionais é fundamental, individual e institucionalmente e, consequentemente, um contributo para a economia e para as políticas de saúde.

  • *
    Autor convidado CIAIQ 2018.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    25 Jul 2018
  • Aceito
    19 Mar 2019
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