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Eficácia da reminiscência na cognição, sintomas depressivos e qualidade de vida em idosos institucionalizados: revisão sistemática

RESUMO

Objetivo:

Identificar a melhor evidência disponível sobre a eficácia da Terapia de Reminiscência na cognição, sintomatologia depressiva e qualidade de vida em idosos com compromisso cognitivo.

Método:

Utilizou-se da metodologia proposta pelo Joanna Briggs Institute. Foram considerados estudos centrados na Terapia de Reminiscência em grupo, dirigida a pessoas idosas com idade superior ou igual a 65 anos, com compromisso cognitivo e institucionalizadas. A análise crítica, extração e síntese de resultados foi desenvolvida por dois investigadores independentes.

Resultados:

Foram incluídos quatro ensaios clínicos randomizados e dois estudos quasi-experimentais (n=296); as características heterogéneas dos estudos encontrados impossibilitaram a metanálise. Dos seis estudos incluídos, dois apresentaram resultados estatisticamente significativos para a eficácia na cognição e três para a eficácia na redução de sintomatologia depressiva. Em nenhum dos estudos foi avaliada a qualidade de vida dos idosos.

Conclusão:

A Terapia de Reminiscência apresenta potencial eficácia na manutenção da cognição e diminuição da sintomatologia depressiva na população-alvo.

DESCRITORES:
Idoso; Cognição; Depressão; Qualidade de Vida; Revisão

ABSTRACT

Objective:

To identify the best available evidence on the efficacy of Reminiscence Therapy in cognition, depressive symptoms and quality of life in elderly individuals with cognitive impairment.

Method:

The methodology proposed by the Joanna Briggs Institute was used. Studies focused on group Reminiscence Therapy aimed at institutionalized elderly people with cognitive impairment aged 65 or over were considered. The critical analysis, extraction and synthesis of results was performed by two independent researchers.

Results:

Four randomized clinical trials and two quasi-experimental studies (n=296) were included. Given the heterogeneous characteristics of studies found, it was impossible to perform a meta-analysis. Of the six studies included, two presented statistically significant results for efficacy in cognition, and three for efficacy in reducing depressive symptoms. In none of the studies was evaluated the elderly’s quality of life.

Conclusion:

Reminiscence Therapy has potential efficacy for maintaining cognition and decrease of depressive symptomatology in the target population.

DESCRIPTORS:
Aged; Cognition; Depression; Quality of Life; Review

RESUMEN

Objetivo:

Identificar la mejor evidencia disponible acerca de la efectividad de la Terapia de Reminiscencia en la cognición, sintomatología depresiva y calidad de vida en ancianos con compromiso cognitivo.

Método:

Se utilizó la metodología propuesta por el Joanna Briggs Institute. Fueron considerados estudios centrados en la Terapia de Reminiscencia en grupo, dirigida a personas mayores con edad superior o igual a 65 años, con compromiso cognitivo e institucionalizadas. El análisis crítico, extracción y síntesis de resultados los desarrollaron dos investigadores independientes.

Resultados:

Fueron incluidos cuatro ensayos clínicos randomizados y dos estudios cuasi-experimentales (n=296); las características heterogéneas de los estudios encontrados imposibilitaron el metaanálisis. De los seis estudios incluidos, dos presentaron resultados estadísticamente significativos para la efectividad en la cognición y tres para la efectividad en la reducción de sintomatología depresiva. En ninguno de los estudios se evaluó la calidad de vida de los ancianos.

Conclusión:

La Terapia de Reminiscencia presenta potencial efectividad en el mantenimiento de la cognición y disminución de la sintomatología depresiva en la población meta.

DESCRIPTORES:
Anciano; Cognición; Depresión; Calidad de Vida; Revisión

INTRODUÇÃO

Decorrente do aumento da esperança média de vida torna-se cada vez mais importante equacionar os cenários de intervenção terapêutica que influenciem positivamente o envelhecimento e a qualidade de vida na velhice, partindo dos princípios de cuidados centrados na pessoa e destinados à promoção da dignidade humana. Às profundas alterações demográficas, caracterizadas pelo envelhecimento progressivo da população, associa-se o aumento de doenças crónicas degenerativas, como são exemplo os transtornos neurocognitivos (TNC). Estes transtornos caracterizam-se por um compromisso em relação a um nível anterior de funcionamento da pessoa, especialmente na função cognitiva11. American Psychological Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. 5th ed. Arlington: American Psychiatric; 2013..

Nessa linha de pensamento, a perda progressiva de capacidades cognitivas e motoras decorrentes do processo degenerativo originam, em estados mais avançados, um elevado sentimento de sobrecarga da família e cuidadores que culmina frequentemente na institucionalização da pessoa idosa22. Kuske B, Luck T, Hanns S, Matschinger H, Angermeyer M, Behrens J, et al. Training in dementia care: a cluster-randomized controlled trial of a training program for nursing home staff in Germany. Int Psychogeriatr. 2009;21(2):295-308.. Em consequência da institucionalização, pode ocorrer uma perda gradual das funções e papéis sociais, podendo as pessoas idosas serem profundamente afetadas por um conjunto de limitações que afetam ainda mais a sua capacidade de aprendizagem, autoestima e capacidade de relacionamento33. Hughes J, Beatty A. Understanding the person with dementia: a clinicophilosophical case discussion. Adv Psychiatr Treat. 2013;19(5):337-43.. Este processo pode minimizar as capacidades e estatuto social das pessoas idosas, já neurologicamente prejudicadas33. Hughes J, Beatty A. Understanding the person with dementia: a clinicophilosophical case discussion. Adv Psychiatr Treat. 2013;19(5):337-43.. A esta realidade, encontra-se ainda fortemente associada a incidência e prevalência de sintomatologia depressiva, com a consequente diminuição da qualidade de vida da pessoa idosa44. Heser K, Wagner M, Wiese B, Prokein J, Ernst A, König H, et al. Associations between dementia outcomes and depressive symptoms, leisure activities, and social support. Dement Geriatr Cogn Dis Extra. 2014;4(3):481-93. Cotelli M, Manenti R, Zanetti O. Reminiscence therapy in dementia: a review. Maturitas. 2012;72(3):203-5..

Na atualidade ainda subsiste a evidência que limita o espectro de intervenção da terapêutica farmacológica utilizada no tratamento da pessoa idosa com compromisso cognitivo55. Cotelli M, Manenti R, Zanetti O. Reminiscence therapy in dementia: a review. Maturitas. 2012;72(3):203-5., na medida em que os mecanismos farmacocinéticos tradicionais se reduzem ao controlo temporário da sintomatologia associada ao percurso degenerativo da patologia. Perante esses limites, assistiu-se nos últimos anos ao redirecionar de focos investigacionais, com a exploração da eficácia de terapias não farmacológicas no retardar da progressão dos quadros de compromisso cognitivo.

Neste sentido, a Terapia de Reminiscência (TR) emerge na literatura como uma intervenção com potencial terapêutico por meio da recuperação de acontecimentos de vida significativos, com diversos desígnios e incidência particular na resolução de conflitos do passado66. Dempsey L, Murphy K, Cooney A, Casey D, O'Shea E, Devane D, et al. Reminiscence in dementia: a concept analysis. Dementia. 2012;13(2):176-92.. A TR configura-se como atividades agradáveis e estimulantes com o propósito de promover a autoestima, identidade e individualidade da pessoa idosa66. Dempsey L, Murphy K, Cooney A, Casey D, O'Shea E, Devane D, et al. Reminiscence in dementia: a concept analysis. Dementia. 2012;13(2):176-92.. Tem sido relatada, pois, como uma intervenção associada ao prazer, segurança e sentido de pertença77. Cappeliez P, O'Rourke N. Empirical validation of a model of reminiscence and health in later life. J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci. 2006;61(4):P237-44..

Essa abordagem terapêutica centrada na pessoa valoriza a sua dimensão humana e trajetória de vida, mobilizando os recursos cognitivos ainda preservados. Ao recorrer à evocação de memórias em longo prazo, que geralmente permanecem intactas, a TR contribui para a redução da experiência de falha frequentemente sentida pelas pessoas idosas com compromisso cognitivo88. Thorgrimsen L, Schweitzer P, Orrell M. Evaluating reminiscence for people with dementia: a pilot study. Arts Psychother. 2002;29(2):93-7..

Torna-se importante destacar, porém, que a implementação de terapias não farmacológicas, como a TR, de forma isolada ou em combinação com terapêuticas farmacológicas, implica a formação dos profissionais de saúde para a sua dinamização, que deverá respeitar as boas práticas baseadas na melhor evidência científica disponível99. World Health Organization. Department of Mental Health and Substance Abuse. Mental Health Action Plan: 2013 - 2020. Geneva: WHO; 2013.. Com esse intuito, realizou-se uma pesquisa preliminar na Cochrane Database of Systematic Reviews, que revelou a existência de uma revisão sobre TR em pessoas idosas com compromisso cognitivo1010. Woods B, Spector A, Jones C, Orrell M, Davies S. Reminiscence therapy for dementia. Cochrane Database Syst Rev. 2005;(2):CD001120.. Essa revisão, cuja última pesquisa integrada data de maio de 2004, objetiva os efeitos da Terapia de Reminiscência em pessoas idosas com demência e nos seus cuidadores, mais precisamente, no seu bem-estar, sintomas depressivos e qualidade de vida, comunicação e interação, cognição e impacto nos cuidadores. Nesta revisão, os autores concluem que os resultados de eficácia da TR em pessoas com compromisso cognitivo são promissores, com melhorias da sua cognição, sintomas depressivos e comportamento1010. Woods B, Spector A, Jones C, Orrell M, Davies S. Reminiscence therapy for dementia. Cochrane Database Syst Rev. 2005;(2):CD001120..

Numa revisão sistemática mais recente1111. Huang H, Chen Y, Chen P, Huey-Lan Hu S, Liu F, Kuo Y, et al. Reminiscence therapy improves cognitive functions and reduces depressive symptoms in elderly people with dementia: a meta-analysis of randomized controlled trials. J Am Med Dir Assoc. 2015;16(12):1087-94., os autores procederam à metanálise de estudos randomizados controlados sobre a eficácia da TR das funções cognitivas e redução de sintomas depressivos em pessoas idosas com compromisso cognitivo. Os autores verificaram que as melhorias mais significativas foram na sintomatologia depressiva de pessoas idosas institucionalizadas, quando comparados aos residentes na comunidade. Contudo, ressalta-se que esta revisão não contemplou a avaliação da eficácia em domínios intrinsecamente associados à função cognitiva e sintomatologia depressiva, como a qualidade de vida da pessoa idosa. Torna-se igualmente importante ressalvar que esta revisão é pouco clara relativamente aos critérios de inclusão (por exemplo, participantes), repete bases de dados (realizaram-se pesquisas na MEDLINE e PubMed) e apresentam-se estratégias de pesquisa pouco claras1111. Huang H, Chen Y, Chen P, Huey-Lan Hu S, Liu F, Kuo Y, et al. Reminiscence therapy improves cognitive functions and reduces depressive symptoms in elderly people with dementia: a meta-analysis of randomized controlled trials. J Am Med Dir Assoc. 2015;16(12):1087-94..

É, ainda, importante destacar que não foram encontradas revisões sistemáticas neste âmbito temático registadas na plataforma internacional de registo de revisões sistemáticas PROSPERO.

Considerando as limitações apontadas às revisões sistemáticas referidas anteriormente1010. Woods B, Spector A, Jones C, Orrell M, Davies S. Reminiscence therapy for dementia. Cochrane Database Syst Rev. 2005;(2):CD001120.)-(1111. Huang H, Chen Y, Chen P, Huey-Lan Hu S, Liu F, Kuo Y, et al. Reminiscence therapy improves cognitive functions and reduces depressive symptoms in elderly people with dementia: a meta-analysis of randomized controlled trials. J Am Med Dir Assoc. 2015;16(12):1087-94., pretende-se identificar e sintetizar a melhor evidência disponível sobre a eficácia da TR na função cognitiva, sintomas depressivos e qualidade de vida das pessoas idosas com compromisso cognitivo em contexto institucional.

Para tal, foi elaborada a seguinte questão orientadora: “Qual a eficácia da Terapia de Reminiscência em grupo na cognição, sintomas depressivos e qualidade de vida das pessoas idosas com compromisso cognitivo institucionalizadas?”.

MÉTODO

TIPO DE ESTUDO

Esta revisão sistemática da literatura seguiu a metodologia de referência recomendada pelo Joanna Briggs Institute1212. Tufanaru C, Munn Z, Aromataris E, Campbell J, Hopp L. Systematic reviews of effectiveness. In: Aromataris E, Munn Z. The Joanna Briggs Institute reviewer's manual. Adelaide: JBI; 2017..

POPULAÇÃO

Foram definidos e aplicados critérios de inclusão/exclusão para a População, Intervenção, Comparação e Outcomes (PICO). Participantes: adultos (≥65 anos), a quem foi identificada uma situação de compromisso cognitivo, quer mediante um diagnóstico clínico formal, documentado por teste neurológico estandardizado ou por avaliação clínica quantitativa. Intervenção: programas de reminiscência em grupo, dirigidos a pessoas idosas com compromisso cognitivo institucionalizadas em estruturas residenciais. Comparador: aceitaram-se todos os tipos de comparador, nomeadamente, intervenções psicossociais dirigidas a pessoas com compromisso cognitivo ou os cuidados habituais. Outcomes: cognição, sintomas depressivos e qualidade de vida, avaliados com recurso a instrumentos validados. Foram apenas considerados estudos experimentais (estudos randomizados controlados e estudos quasi-experimentais, com ou sem grupo de controlo).

COLETA DE DADOS

A estratégia de pesquisa incluiu estudos publicados e não publicados. Foi utilizada uma estratégia de pesquisa em três passos. Inicialmente, foi realizada uma pesquisa limitada na PubMed e CINAHL, seguida da análise dos termos utilizados no título e resumo, assim como dos termos de indexação descritos nos artigos. Posteriormente, foi conduzida uma segunda pesquisa utilizando todas as palavras-chave e descritores identificados em todas as bases de dados incluídas (Quadro 1). Por último, foi analisada a lista de referências dos artigos identificados, de modo a incluir estudos adicionais.

Quadro 1
Estratégias de pesquisa aplicadas por base de dados - Coimbra, Portugal, 2017.

Foram considerados para inclusão nesta revisão, enquanto limitadores de pesquisa, os estudos escritos em inglês, espanhol e português. A estratégia de pesquisa por base de dados abrangeu o período entre 1º de maio de 2004 e abril de 2017.

ANÁLISE E TRATAMENTO DOS DADOS

A avaliação da qualidade metodológica dos estudos foi realizada de forma independente por dois revisores com recurso aos instrumentos padronizados do Joanna Briggs Institute; para estudos randomizados controlados recorreu-se à Checklist for Randomized Controlled Trials e à Checklist for Quasi-Experimental Studies para estudos quasi-experimentais1212. Tufanaru C, Munn Z, Aromataris E, Campbell J, Hopp L. Systematic reviews of effectiveness. In: Aromataris E, Munn Z. The Joanna Briggs Institute reviewer's manual. Adelaide: JBI; 2017.. É de realçar que as divergências entre revisores foram resolvidas recorrendo à discussão entre si ou, quando necessário, apelando a um terceiro revisor.

Dado o número reduzido de publicações neste âmbito, todos os estudos que atendem aos critérios de inclusão foram incluídos para revisão, sendo posteriormente discutidas as fragilidades metodológicas existentes em cada estudo.

Os dados foram extraídos por dois revisores independentes com recurso ao instrumento de extração padronizada da Joanna Briggs Institute para estudos quantitativos1212. Tufanaru C, Munn Z, Aromataris E, Campbell J, Hopp L. Systematic reviews of effectiveness. In: Aromataris E, Munn Z. The Joanna Briggs Institute reviewer's manual. Adelaide: JBI; 2017.. Os dados extraídos incidiram em detalhes específicos relativos às intervenções, população, desenhos dos estudos e resultados relevantes para a questão de pesquisa. As divergências encontradas neste processo foram resolvidas através de diálogo entre revisores e, quando necessário, recorreu-se a um terceiro revisor.

Não foi realizada meta-análise devido às diferenças significativas entre intervenções, outcomes avaliados (heterogeneidade clínica) e desenho (heterogeneidade metodológica) dos estudos envolvidos. Deste modo, os dados serão apresentados de forma narrativa, organizado de acordo com os outcomes de interesse. Este processo foi igualmente realizado por dois revisores independentes.

RESULTADOS

A pesquisa identificou inicialmente 377 estudos potencialmente relevantes. Destes, 98 foram excluídos por serem duplicados; dos restantes 279, foram excluídos 248 após avaliação do título e resumo; dos restantes 31 artigos, 25 foram excluídos por não cumprirem os critérios de inclusão após leitura integral do texto. Por fim, foi avaliada a qualidade metodológica dos restantes seis estudos incluídos na revisão. O processo de seleção dos estudos encontra-se sintetizado por meio de um fluxograma (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma do processo de pesquisa e seleção de estudos - Coimbra, Portugal, 2017.

Os estudos incluídos encontram-se escritos em língua inglesa, foram publicados entre 2007 e 2015 e realizados em lares de idosos e unidades de saúde de longa permanência. Dois dos estudos são provenientes do Japão, e os restantes quatro da Itália, Turquia, Espanha e da República da China.

Relativamente à qualidade metodológica dos estudos randomizados controlados incluídos, somente três das 13 questões do instrumento de avaliação crítica foram realizadas universalmente por todos (Quadro 2). Em nenhum destes estudos está claro se a alocação aos grupos de tratamento foi ocultada dos participantes, se os outcomes foram avaliados de forma confiável e se o desenho do estudo era apropriado ao domínio de investigação. Assim, esses aspetos e outros eventuais desvios foram tidos em consideração na condução da análise de resultados. Realça-se que num dos estudos incluídos1313. Wang J. Group reminiscence therapy for cognitive and affective function of demented elderly in Taiwan. Int J Geriatr Psychiatry. 2007;22(12):1235-40. não foi realizada verdadeira randomização dos participantes na alocação aos grupos de intervenção. Por outro lado, num outro estudo1414. Nakamae T, Yotsumoto K, Tatsumi E, Hashimoto T. Effects of productive activities with reminiscence in occupational therapy for people with dementia: a pilot randomized controlled study. Hong Kong J Occup Th. 2014;24(1):13-9., os profissionais que conduziram as intervenções não estavam cegos à alocação dos participantes por grupos.

Quadro 2
Avaliação da qualidade metodológica dos estudos randomizados controlados incluídos.

No que respeita aos dois estudos quasi-experimentais incluídos na revisão, seis das nove questões existentes no instrumento de avaliação crítica foram respeitadas (Quadro 3). É de referir que num dos estudos1717. Gonzalez J, Mayordomo T, Torres M, Sales A, Meléndez J. Reminiscence and dementia: a therapeutic intervention. Int Psychogeriatr. 2015;27(10):1731-7. é incerto se as diferenças entre grupos foram adequadamente descritas e analisadas durante o decurso do estudo. Com igual relevância, é incerto se a análise estatística empregue nos dois estudos é apropriada ao desenho evidenciado.

Quadro 3
Avaliação da qualidade metodológica dos estudos quasi-experimentais incluídos.

CARACTERÍSTICAS DOS PARTICIPANTES

O número de participantes em estudo variou entre 241515. Akanuma K, Meguro K, Meguro M, Sasaki E, Chiba K, Ishii H, et al. Improved social interaction and increased anterior cingulate metabolism after group reminiscence with reality orientation approach for vascular dementia. Psychiatry Res Neuroimaging. 2011;192(3):183-7. e 1021313. Wang J. Group reminiscence therapy for cognitive and affective function of demented elderly in Taiwan. Int J Geriatr Psychiatry. 2007;22(12):1235-40. (pré-intervenção), num total de 296 indivíduos. A maioria dos estudos recrutou participantes com diferentes tipos de demência, incluindo doença de Alzheimer e demência vascular isquémica. Dois estudos adotaram critérios de diagnóstico estandardizados (como presentes na 4.ª Edição do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders in Alzheimer’s Disease Diagnostic and Treatment Centers), de modo a identificar participantes elegíveis1414. Nakamae T, Yotsumoto K, Tatsumi E, Hashimoto T. Effects of productive activities with reminiscence in occupational therapy for people with dementia: a pilot randomized controlled study. Hong Kong J Occup Th. 2014;24(1):13-9.),(1717. Gonzalez J, Mayordomo T, Torres M, Sales A, Meléndez J. Reminiscence and dementia: a therapeutic intervention. Int Psychogeriatr. 2015;27(10):1731-7.. Adicionalmente, quatro estudos incluíram os participantes com base nos escores obtidos no Mini-Mental State Examination (MMSE): entre 10 e 24 pontos1515. Akanuma K, Meguro K, Meguro M, Sasaki E, Chiba K, Ishii H, et al. Improved social interaction and increased anterior cingulate metabolism after group reminiscence with reality orientation approach for vascular dementia. Psychiatry Res Neuroimaging. 2011;192(3):183-7.),(1818. Asiret G, Kapucu S. The effect of reminiscence therapy on cognition, depression, and activities of daily living for patients with Alzheimer disease. J Geriatr Psychiatry Neurol. 2015;29(1):31-7.; igual ou inferior a 23 pontos1414. Nakamae T, Yotsumoto K, Tatsumi E, Hashimoto T. Effects of productive activities with reminiscence in occupational therapy for people with dementia: a pilot randomized controlled study. Hong Kong J Occup Th. 2014;24(1):13-9. ou inferior a 23 pontos1717. Gonzalez J, Mayordomo T, Torres M, Sales A, Meléndez J. Reminiscence and dementia: a therapeutic intervention. Int Psychogeriatr. 2015;27(10):1731-7..

CARACTERÍSTICAS DAS INTERVENÇÕES E GRUPOS EXPERIMENTAIS

Cinco dos estudos1313. Wang J. Group reminiscence therapy for cognitive and affective function of demented elderly in Taiwan. Int J Geriatr Psychiatry. 2007;22(12):1235-40.)-(1515. Akanuma K, Meguro K, Meguro M, Sasaki E, Chiba K, Ishii H, et al. Improved social interaction and increased anterior cingulate metabolism after group reminiscence with reality orientation approach for vascular dementia. Psychiatry Res Neuroimaging. 2011;192(3):183-7.),(1717. Gonzalez J, Mayordomo T, Torres M, Sales A, Meléndez J. Reminiscence and dementia: a therapeutic intervention. Int Psychogeriatr. 2015;27(10):1731-7.)-(1818. Asiret G, Kapucu S. The effect of reminiscence therapy on cognition, depression, and activities of daily living for patients with Alzheimer disease. J Geriatr Psychiatry Neurol. 2015;29(1):31-7. descrevem detalhadamente a estrutura e conteúdos temáticos abordados para o grupo de TR. Em quatro estudos a abordagem temática por sessão é semelhante, servindo a primeira sessão do programa para integrar os participantes e explicar o intuito da intervenção1313. Wang J. Group reminiscence therapy for cognitive and affective function of demented elderly in Taiwan. Int J Geriatr Psychiatry. 2007;22(12):1235-40.),(1515. Akanuma K, Meguro K, Meguro M, Sasaki E, Chiba K, Ishii H, et al. Improved social interaction and increased anterior cingulate metabolism after group reminiscence with reality orientation approach for vascular dementia. Psychiatry Res Neuroimaging. 2011;192(3):183-7.),(1717. Gonzalez J, Mayordomo T, Torres M, Sales A, Meléndez J. Reminiscence and dementia: a therapeutic intervention. Int Psychogeriatr. 2015;27(10):1731-7.)-(1818. Asiret G, Kapucu S. The effect of reminiscence therapy on cognition, depression, and activities of daily living for patients with Alzheimer disease. J Geriatr Psychiatry Neurol. 2015;29(1):31-7.. As sessões conseguintes evocam memórias passadas numa abordagem cronológica ascendente (infância, juventude e adultez), ainda que existam sessões específicas para temáticas transversais ao longo da vida (ocupações, família e amigos, feriados e celebrações ou viagens). De modo a facilitar a recordação de memórias passadas, os autores recorreram à utilização de fotografias e objetos pessoais antigos, imagens, músicas e vídeos de outros tempos, assim como a alimentos e aromas específicos. Num dos estudos revistos1414. Nakamae T, Yotsumoto K, Tatsumi E, Hashimoto T. Effects of productive activities with reminiscence in occupational therapy for people with dementia: a pilot randomized controlled study. Hong Kong J Occup Th. 2014;24(1):13-9., a recordação de memórias passadas encontra-se associada à atividade de confeção de bolas de arroz tradicionais chinesas pelos participantes, não existindo uma sequência organizada na abordagem a diferentes temáticas. Por fim, num dos estudos1616. Deponte A, Missan R. Effectiveness of validation therapy (VT) in group: preliminary results. Arch Gerontol Geriatr. 2007;44(2):113-7., os autores aludem à implementação de sessões de reminiscência sensorial, ainda que não se encontre claro de que modo estas foram operacionalizadas. Neste sentido, contactaram-se os autores originais deste estudo, mas não foi possível obter esclarecimentos adicionais.

Relativamente ao número de sessões de TR, a média total foi de 12 sessões, variando entre seis1414. Nakamae T, Yotsumoto K, Tatsumi E, Hashimoto T. Effects of productive activities with reminiscence in occupational therapy for people with dementia: a pilot randomized controlled study. Hong Kong J Occup Th. 2014;24(1):13-9. e 24 sessões1616. Deponte A, Missan R. Effectiveness of validation therapy (VT) in group: preliminary results. Arch Gerontol Geriatr. 2007;44(2):113-7.. Relativamente à frequência das sessões, e com apenas uma exceção1616. Deponte A, Missan R. Effectiveness of validation therapy (VT) in group: preliminary results. Arch Gerontol Geriatr. 2007;44(2):113-7. que decorreu bissemanalmente, as sessões programadas eram realizadas semanalmente. As sessões duraram entre 301818. Asiret G, Kapucu S. The effect of reminiscence therapy on cognition, depression, and activities of daily living for patients with Alzheimer disease. J Geriatr Psychiatry Neurol. 2015;29(1):31-7. e 601313. Wang J. Group reminiscence therapy for cognitive and affective function of demented elderly in Taiwan. Int J Geriatr Psychiatry. 2007;22(12):1235-40.),(1717. Gonzalez J, Mayordomo T, Torres M, Sales A, Meléndez J. Reminiscence and dementia: a therapeutic intervention. Int Psychogeriatr. 2015;27(10):1731-7. minutos cada, num total programado entre 240 e 1.080 minutos (X¯ = 580 minutos).

No que concerne aos grupos de controlo, estes foram constituídos em todos os estudos. Em quatro destes estudos, os participantes receberam os cuidados habituais da sua instituição, embora não tenha sido mencionada por nenhum dos autores uma descrição clara desses cuidados1313. Wang J. Group reminiscence therapy for cognitive and affective function of demented elderly in Taiwan. Int J Geriatr Psychiatry. 2007;22(12):1235-40.),(1515. Akanuma K, Meguro K, Meguro M, Sasaki E, Chiba K, Ishii H, et al. Improved social interaction and increased anterior cingulate metabolism after group reminiscence with reality orientation approach for vascular dementia. Psychiatry Res Neuroimaging. 2011;192(3):183-7.)-(1717. Gonzalez J, Mayordomo T, Torres M, Sales A, Meléndez J. Reminiscence and dementia: a therapeutic intervention. Int Psychogeriatr. 2015;27(10):1731-7.. Num dos estudos incluídos1818. Asiret G, Kapucu S. The effect of reminiscence therapy on cognition, depression, and activities of daily living for patients with Alzheimer disease. J Geriatr Psychiatry Neurol. 2015;29(1):31-7., os participantes do grupo de controlo foram convidados a frequentar sessões de tertúlias temáticas, uma vez por semana, durante 20 a 25 minutos, nas quais discutiam temas que não envolvessem a recordação de memórias passadas. Num outro estudo1414. Nakamae T, Yotsumoto K, Tatsumi E, Hashimoto T. Effects of productive activities with reminiscence in occupational therapy for people with dementia: a pilot randomized controlled study. Hong Kong J Occup Th. 2014;24(1):13-9., os participantes do grupo de controlo eram convidados para refeições onde eram servidas as bolas de arroz confecionadas pelos particitpantes do grupo de TR, atividade que não envolvia a recordação de memórias passadas. Apenas um único estudo1616. Deponte A, Missan R. Effectiveness of validation therapy (VT) in group: preliminary results. Arch Gerontol Geriatr. 2007;44(2):113-7. incluiu um grupo de comparação sujeito a uma intervenção terapêutica específica, em que nove participantes foram incluídos num grupo de Terapia de Validação (com duração e frequência igual ao grupo de TR). Contudo, os autores não apresentaram uma descrição clara de como eram operacionalizadas as atividades desenvolvidas nas sessões de Terapia de Validação1616. Deponte A, Missan R. Effectiveness of validation therapy (VT) in group: preliminary results. Arch Gerontol Geriatr. 2007;44(2):113-7..

COGNIÇÃO

Cinco dos estudos incluídos1313. Wang J. Group reminiscence therapy for cognitive and affective function of demented elderly in Taiwan. Int J Geriatr Psychiatry. 2007;22(12):1235-40.)-(1616. Deponte A, Missan R. Effectiveness of validation therapy (VT) in group: preliminary results. Arch Gerontol Geriatr. 2007;44(2):113-7.),(1818. Asiret G, Kapucu S. The effect of reminiscence therapy on cognition, depression, and activities of daily living for patients with Alzheimer disease. J Geriatr Psychiatry Neurol. 2015;29(1):31-7.) avaliaram o impacto da TR na função cognitiva, tendo sido utilizado transversalmente, enquanto instrumento de avaliação, o MMSE. Num dos estudos revistos1414. Nakamae T, Yotsumoto K, Tatsumi E, Hashimoto T. Effects of productive activities with reminiscence in occupational therapy for people with dementia: a pilot randomized controlled study. Hong Kong J Occup Th. 2014;24(1):13-9., foi utilizada a versão traduzida e validada para a população japonesa, enquanto num outro estudo1313. Wang J. Group reminiscence therapy for cognitive and affective function of demented elderly in Taiwan. Int J Geriatr Psychiatry. 2007;22(12):1235-40. a versão foi traduzida e validada para a população chinesa.

Num dos estudos randomizados controlados1515. Akanuma K, Meguro K, Meguro M, Sasaki E, Chiba K, Ishii H, et al. Improved social interaction and increased anterior cingulate metabolism after group reminiscence with reality orientation approach for vascular dementia. Psychiatry Res Neuroimaging. 2011;192(3):183-7. não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre grupos no período de pós-intervenção, ainda que as pontuações globais tenham sofrido ligeiras melhorias. Com resultados semelhantes, num outro estudo randomizado controlado1414. Nakamae T, Yotsumoto K, Tatsumi E, Hashimoto T. Effects of productive activities with reminiscence in occupational therapy for people with dementia: a pilot randomized controlled study. Hong Kong J Occup Th. 2014;24(1):13-9. não foram verificadas alterações significativas da função cognitiva entre grupos. Por sua vez, de acordo com os resultados obtidos por outros autores1616. Deponte A, Missan R. Effectiveness of validation therapy (VT) in group: preliminary results. Arch Gerontol Geriatr. 2007;44(2):113-7. não foram encontradas diferenças significativas entre o grupo de TR, grupo de Terapia de Validação e grupo de controlo antes e após a intervenção. Todavia, o grupo de TR foi o único em que os escores do MMSE aumentaram significativamente neste período (Z = -2,05; p < 0,05).

Contrariamente, num estudo quasi-experimental1818. Asiret G, Kapucu S. The effect of reminiscence therapy on cognition, depression, and activities of daily living for patients with Alzheimer disease. J Geriatr Psychiatry Neurol. 2015;29(1):31-7. verificou-se um aumento estatisticamente significativo nos escores médios do MMSE no grupo de TR quando comparado ao grupo de controlo (p < 0,05), ainda assim, no grupo de TR, não foram encontradas diferenças nos escores médios entre indivíduos com diferentes níveis de compromisso cognitivo. Já num outro estudo1313. Wang J. Group reminiscence therapy for cognitive and affective function of demented elderly in Taiwan. Int J Geriatr Psychiatry. 2007;22(12):1235-40., se verificou que o grupo de TR apresentou melhorias significativas na função cognitiva comparativamente ao pré-teste (p = 0,015). Mas as pessoas idosas do grupo de controlo experienciaram um ligeiro decréscimo nos escores do MMSE entre o período de pré e pós-intervenção1313. Wang J. Group reminiscence therapy for cognitive and affective function of demented elderly in Taiwan. Int J Geriatr Psychiatry. 2007;22(12):1235-40..

SINTOMATOLOGIA DEPRESSIVA

Cinco dos estudos avaliaram a sintomatologia depressiva dos participantes, utilizando mais comummente a Geriatric Depression Scale (GDS)1313. Wang J. Group reminiscence therapy for cognitive and affective function of demented elderly in Taiwan. Int J Geriatr Psychiatry. 2007;22(12):1235-40.),(1515. Akanuma K, Meguro K, Meguro M, Sasaki E, Chiba K, Ishii H, et al. Improved social interaction and increased anterior cingulate metabolism after group reminiscence with reality orientation approach for vascular dementia. Psychiatry Res Neuroimaging. 2011;192(3):183-7.),(1818. Asiret G, Kapucu S. The effect of reminiscence therapy on cognition, depression, and activities of daily living for patients with Alzheimer disease. J Geriatr Psychiatry Neurol. 2015;29(1):31-7. e a Cornell Scale for Depression in Dementia (CSDD)1313. Wang J. Group reminiscence therapy for cognitive and affective function of demented elderly in Taiwan. Int J Geriatr Psychiatry. 2007;22(12):1235-40.)-(1414. Nakamae T, Yotsumoto K, Tatsumi E, Hashimoto T. Effects of productive activities with reminiscence in occupational therapy for people with dementia: a pilot randomized controlled study. Hong Kong J Occup Th. 2014;24(1):13-9.. A Multidimensional Observation Scale for Elderly Subjects (MOSES) e a Center for Epidemiological Studies Depression Scale (CES-D) foram utilizadas apenas num estudo randomizado controlado1414. Nakamae T, Yotsumoto K, Tatsumi E, Hashimoto T. Effects of productive activities with reminiscence in occupational therapy for people with dementia: a pilot randomized controlled study. Hong Kong J Occup Th. 2014;24(1):13-9. e num estudo quasi-experimental1717. Gonzalez J, Mayordomo T, Torres M, Sales A, Meléndez J. Reminiscence and dementia: a therapeutic intervention. Int Psychogeriatr. 2015;27(10):1731-7., respectivamente.

Num dos estudos incluídos para revisão1515. Akanuma K, Meguro K, Meguro M, Sasaki E, Chiba K, Ishii H, et al. Improved social interaction and increased anterior cingulate metabolism after group reminiscence with reality orientation approach for vascular dementia. Psychiatry Res Neuroimaging. 2011;192(3):183-7., verificou-se um aumento nas pontuações totais no grupo de TR e controlo, mas sem relevância estatística. Inversamente, outros autores1818. Asiret G, Kapucu S. The effect of reminiscence therapy on cognition, depression, and activities of daily living for patients with Alzheimer disease. J Geriatr Psychiatry Neurol. 2015;29(1):31-7. verificaram um decréscimo estatisticamente significativo nos escores médios da GDS no grupo de intervenção, quando comparado ao grupo de controlo (p < 0,05).

De forma menos acentuada e utilizando a versão de 15 itens da GDS, verificou-se num estudo1313. Wang J. Group reminiscence therapy for cognitive and affective function of demented elderly in Taiwan. Int J Geriatr Psychiatry. 2007;22(12):1235-40. um decréscimo nos escores entre o período de pré e pós-intervenção (F = 0,242; p = 0,12). Adicionalmente, ao utilizar a escala CSDD para a avaliação do mesmo domínio, verificou-se uma melhoria significativa para as pessoas idosas no grupo de TR, comparativamente à avaliação na pré-intervenção (p = 0,026).

Utilizando a mesma escala (CSDD) e a escala MOSES, não foram encontradas diferenças significativas entre grupos no período de pré e pós-intervenção num dos estudos randomizados controlados incluídos1414. Nakamae T, Yotsumoto K, Tatsumi E, Hashimoto T. Effects of productive activities with reminiscence in occupational therapy for people with dementia: a pilot randomized controlled study. Hong Kong J Occup Th. 2014;24(1):13-9.. Porém, a subescala early morning awakening da CSDD revelou diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (p = 0,046), com os participantes do grupo de TR a apresentarem melhores resultados globais1414. Nakamae T, Yotsumoto K, Tatsumi E, Hashimoto T. Effects of productive activities with reminiscence in occupational therapy for people with dementia: a pilot randomized controlled study. Hong Kong J Occup Th. 2014;24(1):13-9..

Num estudo conduzido por outros autores1717. Gonzalez J, Mayordomo T, Torres M, Sales A, Meléndez J. Reminiscence and dementia: a therapeutic intervention. Int Psychogeriatr. 2015;27(10):1731-7., verificou-se que o grupo de TR apresentou uma redução estatisticamente significativa da sintomatologia depressiva quando comparado ao grupo de controlo (F1,40 = 6,76; p = 0,015; n2 = 0,213). Ao analisar a evolução de cada grupo de forma independente, verifica-se um decréscimo significativo na sintomatologia depressiva dos participantes do grupo de TR (F1,40 = 10,56; p = 0,003, n2 = 0,150), o que não se verificou no grupo de controlo1717. Gonzalez J, Mayordomo T, Torres M, Sales A, Meléndez J. Reminiscence and dementia: a therapeutic intervention. Int Psychogeriatr. 2015;27(10):1731-7..

Transversalmente, a avaliação de todos os outcomes decorreu entre o período de pré e pós-intervenção, não tendo sido realizadas avaliações intermédias ou de seguimento em nenhum dos estudos incluídos. Por último, é de referir que em nenhum dos estudos incluídos foram avaliados os efeitos da TR na qualidade de vida dos participantes.

DISCUSSÃO

Esta revisão sistemática pretendeu sintetizar a evidência existente sobre a eficácia da Terapia de Reminiscência em pessoas idosas com compromisso cognitivo institucionalizadas. A TR centra-se na recordação de eventos de vida da pessoa idosa, com recurso a estímulos como fotografias, músicas, vídeos, imagens ou materiais e equipamentos de outrora, existindo evidência de que o interesse na sua implementação em contextos institucionais tem aumentado. Atualmente, os cuidados centrados na pessoa idosa com compromisso cognitivo são considerados sinónimos de excelência e qualidade1919. Van Bogaert P, Tolson D, Eerlingen R, Carvers D, Wouters K, Paque K, et al. SolCos model-based individual reminiscence for older adults with mild to moderate dementia in nursing homes: a randomized controlled intervention study. J Psychiatr Ment Health Nurs. 2016;23(9-10):568-575.. Por meio da TR, os profissionais de saúde estão em contacto sistemático com as histórias de vida da pessoa idosa, aprendendo em profundidade sobre a sua personalidade e preferências, informações inestimáveis que potenciam o desenvolvimento de cuidados verdadeiramente individualizados. Essa abordagem permite a promoção de valores como a liberdade de escolha, comunicação efetiva e foco nas potencialidades da pessoa idosa com compromisso cognitivo, os quais influenciam a sua autoimagem e autoconceito2020. Subramaniam P, Woods B. The impact of individual reminiscence therapy for people with dementia: systematic review. Expert Rev Neurother. 2012;12(5):545-55..

Na maioria dos estudos incluídos nesta revisão, a abordagem à TR foi realizada por um programa estruturado, com foco na evocação e partilha de memórias associadas a temáticas generalistas (infância, músicas antigas, épocas festivas, família, entre outras), com recurso a objetos e fotografias pessoais que tinham como objetivo facilitar as recordações. As temáticas genéricas utilizadas como ponto de partida para a evocação de memórias podem nem sempre ser ajustadas aos interesses e percurso de vida de cada participante, o que poderá explicar alguns dos resultados divergentes identificados.

Relativamente aos efeitos da implementação da TR na cognição, verificou-se que sua avaliação foi realizada de forma transversal, utilizando o MMSE, embora não seja clara a justificação para o seu uso pelos autores incluídos. Reconhecendo que a TR incide nas memórias autobiográficas das pessoas idosas, a utilização de um instrumento sensível a este domínio cognitivo deverá ser ponderada, de modo a avaliar de forma minuciosa o potencial terapêutico da intervenção. A utilização de instrumentos menos sensíveis poderá estar na base de alguns dos resultados menos consistentes encontrados. Não obstante, reconhece-se que a TR possibilita ao idoso relembrar vivências passadas e recordar conhecimentos, competências e estratégias apreendidas outrora. Ao se deparar com esse rol de experiências, a pessoa idosa avalia-as, num esforço cognitivo complexo que tende a culminar com a exibição de melhorias gerais neste domínio.

Respeitante à sintomatologia depressiva, reconhece-se que os idosos institucionalizados podem experienciar emoções negativas devido à sua dificuldade na adaptação aos novos contextos institucionais. A TR em dinâmica de grupo potencializa as capacidades de socialização e interação, assente na partilha de experiências significativas que podem contribuir para melhorar o bem-estar psicológico66. Dempsey L, Murphy K, Cooney A, Casey D, O'Shea E, Devane D, et al. Reminiscence in dementia: a concept analysis. Dementia. 2012;13(2):176-92..

São de realçar alguns pontos-chave da presente revisão que devem ser tidos em consideração no desenvolvimento de esforços investigacionais futuros. Em primeiro lugar, torna-se de capital importância a seleção de variáveis e medidas de resultados apropriados que reflitam o intuito da intervenção e respeitem a identidade da pessoa idosa com compromisso cognitivo institucionalizada. Em nenhum dos estudos incluídos foi avaliada a qualidade de vida das pessoas idosas, ainda que se reconheça que este domínio é profundamente afetado com a progressão do compromisso cognitivo e institucionalização da pessoa idosa.

Com igual relevância, todos os estudos avaliaram os potenciais efeitos da TR no período de pré e pós-intervenção, sem uma avaliação de seguimento (follow-up). Neste sentido, tornou-se impossível analisar se os efeitos da TR perduram no tempo, atuando como uma ferramenta de manutenção em médio e longo prazo da pessoa idosa com compromisso cognitivo.

É de igual importância realçar que a inclusão de estudos com populações reduzidas poderá explicar alguns dos resultados menos consistentes encontrados. Apesar da prevalência elevada do fenómeno em estudo, o acesso a participantes com as características de inclusão desejadas é delicado. Adicionalmente, o desenvolvimento de intervenções como a TR em grupo pode ser apontado, em termos de gestão institucional, como apresentando custos consideráveis para as instituições, na alocação de profissionais de saúde que liderem as sessões, disponibilização de materiais e equipamentos necessários para evocação de memórias e existência de espaços adequados e com privacidade para a sua condução. Essas dificuldades poderão explicar a inexistência de estudos prolongados, com avaliações de acompanhamento pós-intervenção.

As intervenções não farmacológicas, como a TR, requerem tempos de exposição consideráveis, para que os potenciais efeitos sejam mensuráveis. Neste sentido, o número de sessões, frequência, duração e abordagem das sessões desenvolvidas nos diferentes estudos podem ter influenciado os resultados obtidos no período de pós-intervenção.

A reminiscência, enquanto intervenção terapêutica, carece de formação e treino na sua implementação e desenvolvimento, podendo ser implementada por profissionais de saúde e investigadores em diferentes contextos de cuidados1919. Van Bogaert P, Tolson D, Eerlingen R, Carvers D, Wouters K, Paque K, et al. SolCos model-based individual reminiscence for older adults with mild to moderate dementia in nursing homes: a randomized controlled intervention study. J Psychiatr Ment Health Nurs. 2016;23(9-10):568-575., não obstante não ser claro, nos estudos incluídos, o percurso formativo dos dinamizadores das sessões de TR, como por exemplo, horas de treino prévio, o que pode ter influenciado os resultados obtidos.

Ainda nesta linha, em nenhum dos estudos desenvolvidos foi verificada a dinamização das sessões de TR por enfermeiros, ainda que os estudos tenham sido desenvolvidos em instituições nas quais sua presença seja comum (ou em algumas instâncias, obrigatória). Reconhecendo o contacto privilegiado entre enfermeiro e pessoa idosa (e o seu percurso de vida), assim como as suas competências para a aplicação desse tipo de intervenção terapêutica, mais estudos devem ser realizados para explorar o papel do enfermeiro enquanto profissional dinamizador de sessões nesse âmbito terapêutico.

Tradicionalmente, a prestação de cuidados por enfermeiros à pessoa idosa com compromisso cognitivo em contexto institucional alinha-se aos pressupostos inerentes ao modelo biomédico, com realização de procedimentos para o alívio ou compensação de lesões e desvantagens funcionais. A implementação e desenvolvimento de programas de TR por enfermeiros vai de encontro à transformação paradigmática atualmente vivenciada, com a viragem para cuidados centrados na pessoa e de natureza holística. Porém, os custos financeiros associados às intervenções não farmacológicas como a TR são utilizados comummente pelas figuras de gestão como razão para a não implementação e desenvolvimento desses programas2121. Kirkley C, Bamford C, Poole M, Arksey H, Hughes J, Bond J. The impact of organisational culture on the delivery of person-centred care in services providing respite care and short breaks for people with dementia. Health Soc Care Community. 2011;19(4):438-448., existindo pressão para que profissionais qualificados como os enfermeiros se centrem na prestação de cuidados que envolvam conhecimentos ou procedimentos altamente diferenciados e complexos nestes contextos. Todavia, subsiste a evidência de que a TR é uma intervenção terapêutica de baixo custo na sua implementação e desenvolvimento quando comparada a outras terapias não farmacológicas ou intervenções puramente farmacológicas2020. Subramaniam P, Woods B. The impact of individual reminiscence therapy for people with dementia: systematic review. Expert Rev Neurother. 2012;12(5):545-55..

Enquanto limitações desta revisão, verificou-se uma heterogeneidade significativa dos estudos incluídos no que concerne aos seus objetivos, desenho metodológico e amostra, o que impossibilitou a metanálise dos dados. As diferentes abordagens da TR em grupo poderão ter limitado a análise, comparação e síntese dos dados.

Durante a elaboração do protocolo de revisão, a inclusão específica de pessoas com idade superior ou igual a 65 anos de idade com compromisso cognitivo institucionalizadas poderá ter contribuído para a perda de estudos com contributos válidos, contudo, este critério de inclusão está suportado numa definição amplamente aceite e utilizada pela comunidade científica, a qual estipula que a idade para se ser considerado idoso em países desenvolvidos é de 65 anos ou mais2222. World Health Organization. Ageing and life course. Geneva: WHO; 2002..

Ainda que os estudos experimentais ofereçam contributos de maior qualidade e rigor científico, a exclusão de outro tipo de estudos neste âmbito também se afigura como uma limitação desta revisão. Na mesma linha de pensamento, a inclusão de estudos em inglês, português e espanhol poderá ter limitado o número de resultados encontrados que correspondessem aos critérios de inclusão desejados. Além disto, não foram realizadas pesquisas nas bases de dados ligadas à área da psicologia, assim como em websites de organizações profissionais, o que poderá também ter limitado o número de achados finais.

Revisões sistemáticas futuras deverão atender às fragilidades apontadas e desenvolver uma estratégia de pesquisa mais abrangente, possibilitando a obtenção de um maior número de estudos. Porém, consideramos que esta revisão apresenta contributos com elevada significância clínica, úteis para os profissionais de saúde que prestam cuidados a pessoas idosas com compromisso cognitivo institucionalizadas.

CONCLUSÃO

Os resultados sugerem que a TR se pode afigurar como uma intervenção eficaz na manutenção da função cognitiva e redução da sintomatologia depressiva em pessoas idosas com compromisso cognitivo institucionalizadas. Nos estudos em que se verificaram melhorias significativas, os participantes incluídos no grupo de reminiscência apresentaram-nas superiores nesses domínios quando em comparação com outras intervenções não farmacológicas, nomeadamente, a terapia de validação, ou com grupos de controlo em que são mantidos os cuidados habituais ou dinamizadas tertúlias temáticas.

Todavia, os efeitos da TR nas funções cognitivas e sintomatologia depressiva podem ter sido influenciados pela dimensão reduzida ou características distintas das amostras em estudo, ou pelas abordagens à reminiscência distintas no seu conteúdo, frequência e duração. Adicionalmente, não foram encontrados estudos que avaliassem a eficácia da TR na qualidade de vida das pessoas idosas com compromisso cognitivo institucionalizadas. Igualmente relevante é a inexistência de estudos com avaliação de follow-up pós-intervenção, o que impossibilita quaisquer considerações sobre a duração do efeito terapêutico testemunhado em alguns dos estudos incluídos. Neste sentido, deverão ser realizados novos esforços investigacionais cuja metodologia colmate estas lacunas.

Dado que a reminiscência em grupo é uma intervenção de fácil planeamento, implementação e avaliação, os profissionais de saúde deverão considerar a sua inclusão na abordagem terapêutica da pessoa idosa com compromisso cognitivo. A TR constitui uma abordagem centrada na pessoa, reconhecendo a sua individualidade e dignidade, valores que devem ser valorizados e privilegiados em contexto institucional.

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  • Apoio financeiro Escola Superior de Enfermagem de Coimbra.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Mar 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    06 Mar 2018
  • Aceito
    25 Set 2018
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