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Limites e possibilidades na gestão universitária realizada por enfermeiros gestores* * Extraído da dissertação: “Gestão universitária: significado para enfermeiros docentes do Curso de Graduação em Enfermagem de uma universidade pública”, Programa de Pós- Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, 2016.

Resumo

Objetivo:

Compreender limites e possibilidades na gestão universitária realizada por enfermeiros gestores do curso de graduação em enfermagem de uma universidade pública.

Método:

Pesquisa qualitativa, com referencial teórico-metodológico ancorado na Teoria Fundamentada nos Dados. A coleta de dados ocorreu entre maio e setembro de 2016, e o cenário estudado foi o Departamento de Enfermagem de uma universidade pública da região Sul do Brasil.

Resultados:

Dentre as possibilidades, destacaram-se o perfil empreendedor e a liderança nas relações interpessoais, além da corresponsabilização na captação de recursos públicos para resolução das demandas educacionais universitárias; como limites, a escassez de recursos financeiros e a elevada demanda de atividades burocráticas que repercutem em morosidade dos processos de gestão pública universitária.

Conclusão:

O enfermeiro gestor, por meio das suas ações e interações com as pessoas, vivencia limites e reconhece possibilidades na estrutura e nos processos da coordenação de assuntos de interesse coletivo no contexto educacional universitário.

Descritores:
Docente De Enfermagem; Educação Em Enfermagem; Universidades; Organização E Administração

Abstract

Objective:

Understand limitations and possibilities in university management performed by nursing managers of the undergraduate nursing course of a public university.

Method:

A qualitative study with theoretical and methodological framework anchored in the Grounded Theory. Data collection took place between May and September 2016, and the studied scenario was the Nursing Department of a public university in southern Brazil.

Results:

The entrepreneurial profile and the leadership in interpersonal relations were highlighted among the possibilities, in addition to the co-responsibility in raising public resources to solve the university educational demands; as limitations, the scarcity of financial resources and the high demand for bureaucratic activities which have repercussions on the slowness of university public management processes.

Conclusion:

The nursing manager experiences limitations through their actions and interactions with people, and recognizes possibilities in the structure and processes of coordinating issues of collective interest in the university educational context.

Descriptors:
Faculty, Nursing; Education, Nursing; Universities; Organization and Administration

Resumen

Objetivo:

Comprender los límites y posibilidades en la gestión universitaria realizada por enfermeros gestores de la carrera de licenciado en enfermería de una universidad pública.

Método:

Investigación cualitativa, con marco de referencia teórico metodológico anclado en la Teoría Fundamentada en los Datos. La recolección de datos ocurrió entre mayo y septiembre de 2016, y el escenario estudiado fue el Departamento de Enfermería de una universidad pública de la región Sur de Brasil.

Resultados:

Entre las posibilidades, se destacaron el perfil emprendedor y el liderazgo en las relaciones interpersonales, además de la corresponsabilización en la captación de recursos públicos para resolución de las demandas educativas universitarias; como límites, la escasez de recursos financieros y la elevada demanda de actividades burocráticas que repercuten en morosidad de los procesos de gestión pública universitaria.

Conclusión:

El enfermero gestor, mediante sus acciones e interacciones con las personas, enfrenta límites y reconoce posibilidades en la estructura y los procesos de la coordinación de temas de interés colectivo en el marco educativo universitario.

Descriptores:
Docentes De Enfermería; Educación En Enfermería; Universidades; Organización Y Administración

INTRODUÇÃO

As universidades públicas são instituições de ensino que influenciam e são influenciadas pela sociedade em suas estruturas e processos. Elas diferenciam-se de outras instituições principalmente pela indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão. As pesquisas desenvolvidas nesse contexto subsidiam o ensino com a sua atualidade, que retorna para a sociedade por meio da extensão universitária(11. Gonçalves NG. Indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão: um princípio necessário. Perspectiva. 2015;33(3):1229-56. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-795X.2015v33n3p1229.
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A gestão universitária ocorre mediante ações e interações administrativas para o funcionamento da instituição, desenvolvidas, em sua maioria, por docentes universitários, mesmo que estes não possuam formação apropriada para essa finalidade. Tal atividade é aprovisionada por meio de eleição realizada pelo corpo docente, discente e técnicos administrativos, os quais, entre os critérios para o cargo, consideram principalmente os aspectos relacionais e as competências gerenciais para o enfrentamento de desafios nesse cenário(22. Adriano BM, Ramos F. Liderança universitária: uma revisão das publicações nacionais e estrangeiras sobre o tema. Navus [Internet]. 2015 [citado 2018 jul 23];5(4):44-64. Disponível em: http://navus.sc.senac.br/index.php/navus/article/view/275.
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-33. Wilhelm FA, Zanelli JC. Características das situações estressantes em gestores universitários no contexto do trabalho. Estud Pesq Psicol [Internet]. 2013 [citado 2017 jul. 28];13(2):704-23. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revispsi/article/view/8432/7327.
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Nesse contexto, os docentes enfermeiros assim como outros docentes de outras áreas de formação estendem suas responsabilidades em sala de aula, pesquisa e desenvolvimento tecnológico e humano às ações gerenciais educacionais, promovendo condições diversas para que a universidade possa cumprir sua missão educacional e social(44. Meyer JRV. A prática da administração universitária: contribuições para a teoria. Rev Univ Debate. 2014;2(1):12-26. DOI: http://doi.org/10.7213/univ.debate.02.001.AO01.
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. No entanto, estudos internacionais evidenciam a intenção de enfermeiros docentes em abandonar o ambiente universitário pelo aumento nas cargas de trabalho, devido às múltiplas atividades desenvolvidas, onde são desafiados a equilibrar atividades de ensino, pesquisa e bolsas, orientações, prática e supervisão clínica de discentes às funções administrativas institucionais, resultando em alto nível de exaustão emocional e insatisfação(55. Roughton SE. Nursing faculty characteristics and perceptions predicting intent to leave. Nurs Educ Perspect. 2013;34(4):217-25.-66. Yedidia MJ, Chou J, Brownlee S, Flynn L, Tanner CA. Association of faculty perceptions of work-life with emotional exhaustion and intent to leave academic nursing: report on a national survey of nurse faculty. J Nurs Educ. 2014;53(10):569-79. DOI: http://dx.doi.org/.3928/01484834-20140922-03..
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As múltiplas funções do enfermeiro gestor universitário podem desencadear conflitos internos e externos ao desenvolver, em grande parte de seu tempo, processos administrativos para a atividade finalística de formação(77. Candela L, Gutierrez AP, Keating S. What predicts nurse faculty members' intent to stay in the academic organization? A structural equation model of a national survey of nursing faculty. Nurse Educ Today. 2015;35(4):580-9. DOI: https://doi.org/10.1016/j.nedt.2014.12.018.
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)
. As atividades de gestão universitária desempenhadas pelo enfermeiro gestor requisitam conhecimento e reconhecimento de limites, que provocariam morosidade nos processos educacionais, todavia, criam-se possibilidades e oportunidades para superar tais obstáculos.

Considerando que as atividades de gestão universitária são importantes meios para o alcance do objetivo-fim da universidade ‒ a formação ‒, e que estes processos requerem eficiência e efetividade para superar desafios, objetivou-se compreender limites e possibilidades da gestão universitária realizada por enfermeiros gestores do curso de graduação em enfermagem de uma universidade pública.

MÉTODO

Desenho do estudo

Pesquisa qualitativa, com referencial teórico-metodológico ancorado na Teoria Fundamentada nos Dados (TFD), versão straussiana, que busca a compreensão dos fenômenos sociais a partir dos significados das relações e interações entre as pessoas em determinado contexto(88. Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. Los Angeles: Sage; 2015.). O método é orientado por meio de uma análise sistemática dos dados, de forma que estrutura e processo são integrados e possibilitam a criação de uma teoria(88. Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. Los Angeles: Sage; 2015.).

Cenário

O cenário do estudo foi o Departamento de Enfermagem de uma universidade pública, e a amostragem teórica composta de 19 enfermeiros docentes universitários, divididos em dois grupos amostrais. O primeiro grupo amostral, escolhido intencionalmente, foi constituído por enfermeiros docentes que ocuparam atividades de chefia do departamento, e o segundo grupo foi composto de coordenadores ou ex-coordenadores de curso e/ou enfermeiros docentes em outros cargos de gestão na universidade.

Critérios de seleção

Os critérios inclusivos para ambos os grupos foram: enfermeiros docentes universitários, lotados no Departamento de Enfermagem com regime de trabalho de dedicação exclusiva, ativos ou aposentados, ocupantes de cargos de gestão universitária (chefes ou ex-chefes; coordenadores ou ex-coordenadores de curso) e enfermeiros docentes em outros cargos de gestão universitária. Os critérios exclusivos para ambos os grupos se limitaram a: docentes gestores ou ex-docentes gestores afastados do trabalho por quaisquer motivos durante o período de coleta de dados e docentes substitutos.

Coleta de dados

A coleta de dados se deu entre os meses de maio e setembro de 2016. Os participantes foram convidados a fazer parte da pesquisa via e-mail, sendo as entrevistas previamente agendadas e realizadas em local de escolha do próprio participante. Realizaram-se entrevistas abertas e individuais, gravadas em gravador áudio digital de voz, com duração média de 40 minutos. A coleta e a análise dos dados ocorreram de forma simultânea, por meio da análise comparativa constante dos dados(88. Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. Los Angeles: Sage; 2015.).

A questão norteadora utilizada no primeiro grupo amostral foi: “Como você significa a gestão universitária realizada por enfermeiros gestores no departamento de enfermagem?”, gerando a hipótese de que ‘a gestão departamental está diretamente relacionada com a gestão institucional universitária’, levando ao segundo grupo amostral, onde as questões norteadoras foram “Como você significa a gestão universitária realizada por docentes gestores lotados no Departamento de Enfermagem desta universidade” e “Como você vivencia a relação e a interação entre a microgestão do curso de Enfermagem e a macrogestão universitária?”.

Análise e tratamento dos dados

O software NVivo® foi utilizado para a organização dos dados durante a fase de análise comparativa e codificação dos dados. O processo de análise seguiu a codificação aberta, codificação axial e integração(88. Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. Los Angeles: Sage; 2015.). Na codificação aberta, os dados foram analisados linha por linha, com o objetivo de identificar cada incidente. Geraram-se códigos que, depois de agrupados, promoveram a elaboração dos conceitos. Na codificação axial, os dados foram reagrupados, visando obter uma explicação mais clara e completa sobre o fenômeno, relacionando categorias às suas subcategorias por meio de um processo analítico sistematizado de comparação e conexão norteado pelo modelo paradigmático de três componentes da versão atualizada dessa vertente(88. Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. Los Angeles: Sage; 2015.). “Condição” responde a questões sobre por que, quando e como determinado fenômeno acontece, designado por meio de uma ação; “ação-interação” é a resposta expressa aos eventos ou situações, bem como as pessoas se movimentam por meio de um significado; e “consequência” expressa os desfechos e resultados previstos ou reais(88. Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. Los Angeles: Sage; 2015.). Por fim, na fase de integração, as categorias e subcategorias encontradas foram comparadas, analisadas e refinadas(88. Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. Los Angeles: Sage; 2015.), emergindo o fenômeno intitulado “Articulando coletivos complexos por meio da gestão universitária para formação qualificada de novos enfermeiros”. A saturação teórica dos dados foi alcançada quando os incidentes não acrescentaram mais dados que desenvolvessem outras propriedades dos conceitos ou suscitassem novas intuições teóricas sobre o fenômeno.

Optou-se por ampliar e aprofundar a discussão do componente “ação-interação”, inerente ao modelo paradigmático proposto pelo método, considerando que este representa os movimentos e esforços do enfermeiro gestor universitário que promovem relação importante com a compreensão do fenômeno central.

Elaboraram-se, ainda, memorandos e diagramas durante a análise dos dados(88. Corbin J, Strauss A. Basics of qualitative research: techniques and procedures for developing Grounded Theory. Los Angeles: Sage; 2015.), que dizem respeito aos registros e insights dos pesquisadores no processo de construção da teoria.

Aspectos éticos

Foram atendidos os preceitos éticos da Resolução n.º 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina, sob o Parecer n. 1.468.660/2016. Para garantir o sigilo e anonimato dos participantes, utilizou-se da letra E seguida do número correspondente à ordem de realização das entrevistas para designá-los (E1, E2...) e da indicação do grupo amostral - primeiro grupo (G1) e segundo grupo (G2) - da seguinte forma: (E1G1); (E1G2).

RESULTADOS

Os dados evidenciaram que a resolução das demandas educacionais proporciona conhecer os processos e a estrutura da gestão universitária, seus limites e possibilidades que viabilizam a tomada de decisões adequadas para cada momento, além de favorecer um olhar crítico associado a propostas de melhorias na gestão. Nesse trânsito, há a necessidade de o gestor se reconhecer como instituição, conhecendo, além dos aspectos práticos, aspectos legais e políticos, bem como a correlação de forças no contexto ideológico, fazendo uma leitura conjuntural que, em certos momentos, exigirá posições político-pedagógicas dentro do contexto institucional.

Eu acho que têm várias vantagens na gestão universitária. Conhecer para além do teu microespaço da sala de aula e compreender como esse espaço está intimamente relacionado com a estrutura maior da universidade, conseguir perceber esses vínculos e como essas ações são interdependentes (...) perceber essa dinamicidade do trabalho articulado (E6G1).

Estamos falando de uma gestão universitária pública federal que possui diferenças dependendo dos cargos, a responsabilidade dos cargos. Muitos dos múltiplos cargos que eu desenvolvi durante a minha vida acadêmica tinham diferentes demandas, diferentes atribuições, porque existe sempre o estatuto da universidade que é o orientador para cada cargo, semelhante do que é o regimento e o estatuto da universidade, isso é a carta maior que orienta o processo de gestão e as atividades dentro da universidade, o que tens de governabilidade e o que você não tem (E9G2).

Destacou-se a lógica das instituições públicas de ensino e, juntamente a isto, a burocracia que gera morosidade nos processos, sejam eles pedagógicos ou estruturais. Por outro lado, há também a compreensão de que esses procedimentos são necessários para a proteção da instituição por se tratar de um serviço público. Embora o manejo das ações de gestão universitária seja inerente aos docentes gestores, estes, por sua vez, ressaltam a sobrecarga de funções técnicas advindas da alta demanda de questões burocráticas que poderiam ser realizadas com o auxílio de profissionais técnicos administrativos.

A gestão universitária e a gestão educacional estão sempre uma em função da outra, o tempo todo. Para você conseguir fazer funcionar os cursos de graduação você tem toda uma estrutura montada, você tem os bastidores para que funcione o curso (...). Nesse processo existem limites burocráticos para conseguir comprar mesa, cadeira, computador, conseguir equipe de funcionários técnicos-administrativos capacitados que conhecessem e dessem suporte para a gestão, limites especialmente no financeiro na gestão de captação dos recursos, tudo isso demandando muito esforço do docente gestor (E11G2).

Quando eu assumi a chefia do departamento, eu não tinha ideia dessa parte burocrática e morosa da universidade para conseguir as coisas relacionadas à infraestrutura, eu não tinha noção disso (E12G2).

O docente gestor tem ainda em suas atribuições a corresponsabilização na captação de recursos para a estrutura do ensino que se inicia a partir de um edital de agências de fomento, ao qual os docentes submetem seus projetos de pesquisa. Aos projetos é requerido atender a todos os requisitos do edital, enquanto aos docentes é imprescindível produtividade acadêmica.

Quando necessitávamos captar recursos, uma das estratégias era recorrer a projetos oficializados das fundações da universidade e após aprovação conseguíamos pagar serviços terceirizados (...) conseguíamos garantir funcionários que dessem conta de necessidades como tradutor para projetos internacionais, traduções simultâneas para receber convidados internacionais, tudo isso dava um desgaste muito grande, mas também trazia um sentimento de gratificação (E9G2).

Nós nos organizamos, elaboramos um projeto bem estruturado, respondendo todos os requisitos solicitados no edital da agência de fomento, como produtividade acadêmica. Fomos muito minuciosos e após todos esses esforços fomos contemplados. Na época era uma necessidade para o curso laboratórios de práticas simuladas porque, antes, nós íamos com os alunos quase que “crus” para a prática, depois da construção do laboratório nós temos todo um trabalho simulado onde se faz as atividades em um manequim, se fortalece a questão do ego do aluno, segurança do aluno e também dá mais segurança ao professor (E11G2).

Diante desse contexto, ressalta-se o manejo do docente gestor com as relações interpessoais, que envolvem expectativas, necessidades, desejos, prioridades, visões, sejam de docentes ou discentes. É requerida do docente gestor a capacidade de entender os diferentes papéis que as pessoas têm em uma instituição, a habilidade de trabalhar com a subjetividade e as diferenças das pessoas, de seus pensamentos e seus desejos. Assim, cabe ao gestor, enquanto líder, responder pelo coletivo, mesmo em situações em que há impossibilidade de consultar os demais docentes e discentes, pois o mecanismo de gestão os respalda para isso.

Sempre as decisões são coletivas, e ao chefe cabe executar essas decisões (...). Eventualmente, claro, sempre tem uma perspectiva de que tem uma decisão independente do colegiado, que vem ao cargo da representação, por exemplo. Então fora daqui da universidade, numa reunião nacional, uma reunião internacional, com outros pares, eu sou obrigada, enquanto chefe, a responder pelo coletivo, embora não tenha sempre feito consulta. Mas o processo de gestão, o mecanismo que você impõe de gestão também lhe dá as credenciais para isso, porque você só faz isso à medida que você conhece o grupo, que você sabe com quem você conta, quais são as expectativas. Desde que você tenha simbiose com o grupo, você pode assumir compromissos porque sabe que tem identificação (E6G1).

Uma qualidade da liderança que eu mais prezo é respeitar a diversidade, as pessoas e defender suas ideias, mas respeitar as outras ideias (...). É claro que a gente conviveu com conflitos, mas eu acho que o importante é isso, ganhar credibilidade na gestão por respeitar as divergências e na democracia se decidir; as vezes que eu perdi votações e eu respeitei as decisões; as vezes que eu ganhei, eu cobrei que as pessoas que perderam respeitassem as posições (E3G1).

Os participantes evidenciaram, ainda, que a maioria dos docentes possui perfil empreendedor, conhecimento das questões voltadas ao ensino de enfermagem, o que lhe conferem autonomia ao auxiliar a chefia do departamento em subgrupos de atividades distribuídas entre laboratório, coordenação das fases, coordenação de estágio, coordenação de extensão, coordenação de pesquisa.

Existe uma estrutura e uma definição de papéis. Nós temos um grupo que trabalha mais com laboratório, temos os coordenadores das fases que nos auxiliam na organização do ensino, o coordenador de estágio, nós temos essa autonomia para auxiliar a chefia na organização das atividades práticas nos campos, o coordenador de extensão que ajuda a chefia no acompanhamento das horas de extensão dos professores, o coordenador de pesquisa em relação à pesquisa. Nós temos um grupo que dá sustentação para a chefia, a chefia, ela não trabalha sozinha, e nem deve trabalhar (E4G1).

A minha opção era debater sempre as questões no colegiado com os outros docentes e discentes, acatar e encaminhar as deliberações que tinham sido feitas pelo grupo, eleitas e decididas democraticamente. Então, independente de eu ter maioria ou não naquilo, eu estava ali para representar os interesses de um grupo, todos contribuíam, sempre formam grandes discussões (...) então eu encaminhava aquilo que o colegiado decidiu, o que a instância máxima decidiu (E9G2).

Em síntese, os dados revelaram como limites a escassez de recursos e a burocracia e a morosidade nos processos de gestão pública universitária; e como possibilidades, o perfil empreendedor e a liderança nas relações interpessoais para a dinamicidade dos processos, somando esforços na corresponsabilização de captação de recursos para resolução das demandas educacionais universitárias. Essa apreciação conduziu à proposição de um diagrama dos limites e possibilidades na gestão universitária realizada por enfermeiros gestores, conforme a Figura 1.

Figura 1
Diagrama: limites e possibilidades na gestão universitária realizada por enfermeiros gestores.

DISCUSSÃO

Os dados evidenciaram, em termos gerais, que o enfermeiro gestor, por meio das suas ações e interações com as pessoas, estrutura e processos no contexto educacional universitário, conhece na prática limites e reconhece possibilidades de suas ações na coordenação de assuntos de interesse coletivo.

Destacaram-se como limites, por se tratar de uma organização pública, os entraves burocráticos como normas, regulamentos e controles contidos nos processos de gestão para o cumprimento da legislação. Estudo sobre inovações na gestão pública brasileira ressalta como desfavoráveis as barreiras burocráticas na criação de novas ideias de gestão. A burocracia, como modelo de gestão, permite fazer somente o que está previsto em leis e em normas internas, limitando a criatividade e causando engessamento e morosidade dos processos(99. Brandao SM, Bruno-Faria MF. Inovação no setor público: análise da produção científica em periódicos nacionais e internacionais da área de administração. Rev Adm Pública. 2013;47(1):227-48. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-76122013000100010.
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Outro aspecto evidenciado como limite pelo enfermeiro gestor ao realizar a gestão universitária foi a escassez de recursos, questão presente no serviço público de ensino superior. Posto isto, é notada a ampliação das atividades de gestão que agrega mais funções ao cargo e torna ainda mais complexo o business, a busca do enfermeiro gestor por agências de fomento com vistas à captação de recursos financeiros, materiais e humanos para suprir as necessidades educacionais(1010. Barbosa MAC, Mendonça JRC. O professor-gestor e as políticas institucionais para a formação de professores de ensino superior para a gestão universitária. Econ Gestão. 2016; 16(42):61-88. DOI: https://doi.org/10.5752/P.1984-6606.2016v16n42p61.
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)
. Ainda assim são imprescindíveis esforços de governabilidade e tempo despendido em pesquisa para uma robusta produção acadêmica que possibilite serem contemplados por projetos financiados(1111. Gomes OF, Gomide TR, Gomes MAN, Araujo DC, Martins S, Faroni W. Sentidos e implicações da gestão universitária para gestores universitários. Rev GUAL. 2013;6(4):234-55. DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1983-4535.2013v6n4p234 .
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Nesses esforços, estudo realizado com nove gestores da alta administração universitária problematiza o afastamento dos gestores de sua área de atuação de ensino dentro da sala de aula, decorrente da elevada carga horária que o cargo de gestão universitária possui, em especial, a carga horária destinada às questões burocráticas e mobilização de recursos que exigem maior dedicação e tempo do gestor(1212. Gomide TR, Gomes MANG, Araujo DC, Martins S, Faroni W. Sentidos e implicações da gestão universitária para gestores universitários. Revista Gestão Universitária na América Latina. 2013;6(4):234-55. DOI: https://doi.org/10.5007/1983-4535.2013v6n4p234.
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A fim de manejar tais barreiras e burlar a morosidade, os dados desta pesquisa apresentam como possibilidades as competências de perfil empreendedor e a liderança do enfermeiro gestor na fluidez dos processos pedagógicos e estruturais na universidade. De forma semelhante, estudo desenvolvido em universidades norte-americanas destacou aspectos positivos concernentes à liderança institucional, apoio de subgrupos mediante divisão departamental, autonomia e fortalecimento das relações interpessoais na gestão universitária(1313. Emory J, Lee P, Miller MT, Kippenbrock T, Rosen C. Academic nursing administrators' workplace satisfaction and intent to stay. Nurs Outlook. 2016;1(1):1-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.outlook.2016.07.003.
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, contribuindo ainda para a corresponsabilização nos processos de gestão universitária.

Enfatizando a magnitude das relações interpessoais do enfermeiro gestor, estudo realizado com coordenadores de 14 cursos de graduação em enfermagem em Belo Horizonte, Minas Gerais, evidenciou entre seus resultados a importância do bom relacionamento interpessoal e a capacidade de liderança em relação aos demais docentes e corpo administrativo para a efetividade da gestão universitária(1414. Seabra ALC, Paiva KCM, Luz TR. Managerial competences of coordinators of undergraduate nursing courses. Rev Bras Enferm. 2015;68(5):890-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167.2015680518i .
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)
. O estabelecimento de relações interpessoais na gestão universitária pode ser compreendido como uma competência política requerida do enfermeiro gestor, caracterizada pela capacidade de compreensão da cultura organizacional, diálogo e articulação entre os pares, realização de parcerias externas para suprimento de necessidades, recursos e trocas de experiências(1515. Salles MASD, Villardi BQ. O desenvolvimento de competências gerenciais na prática dos gestores no contexto de uma IFES centenária. Rev Serv Público. 2017;68(2):467-92. DOI: https://doi.org/10.21874/rsp.v68i2.795 .
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Ademais, outra questão de grande magnitude no exercício dos cargos de gestão universitária é realizar, enquanto líder, a tomada de decisões pelo coletivo. A ética, na tomada de decisão coletiva, mostra-se desafiadora tendo em vista a dificuldade de o gestor avaliar minunciosamente as possíveis consequências que sua ação possa causar nos diversos contextos da universidade, além de superar as expectativas dos demais, que esperam que as decisões tomadas coincidam com suas opiniões(1616. Santos L, Bronnemann MR. Desafios da gestão em instituições de ensino superior: um estudo de caso a partir da percepção de diretores de centro de uma IES pública do sul do Brasil. Rev Gestão Univ América Latina. 2013;6(1):1-21. DOI: http://dx.doi.org/10.5007/1983-4535.2013v6n1p1 .
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)
, reforçando que os cargos de gestão requerem habilidades práticas administrativas, pessoais e relacionais, e que muitas destas são fortalecidas com o exercício das funções e a maturidade adquirida com o tempo(1717. Wilhelm FA, Zanelli JC. Características das situações estressantes em gestores universitários no contexto do trabalho. Est Pesq Psicol. 2013;13(2):704-23. DOI: https://doi.org/10.12957/epp.2013.8432.
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)
.

CONCLUSÃO

Os achados evidenciaram que os enfermeiros gestores, por meio das ações e interações no ambiente educacional universitário, estão expostos a limites relativos à elevada demanda de atividades burocráticas e à escassez de recursos públicos, que repercutem na morosidade dos processos e na manutenção da infraestrutura da universidade.

Assim, este estudo revelou o reconhecimento de possibilidades para a função de enfermeiro gestor, com ênfase no perfil empreendedor e de líder nas relações interpessoais, o que lhe confere autonomia e posição político-pedagógica nas decisões coletivas. Por outro lado, os limites relacionados às demandas educacionais universitárias e vivenciados pelos enfermeiros gestores exigem uma corresponsabilização na captação de recursos públicos necessários para sua superação.

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    Extraído da dissertação: “Gestão universitária: significado para enfermeiros docentes do Curso de Graduação em Enfermagem de uma universidade pública”, Programa de Pós- Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, 2016.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2018
  • Aceito
    18 Jul 2019
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