Fatores preditivos da síndrome de burnout em acadêmicos de enfermagem de uma universidade pública ^*

Resumo

Objetivo:

Identificar a prevalência e analisar a existência de fatores preditivos do burnout em acadêmicos de enfermagem de uma unidade universitária pública.

Método:

Estudo quantitativo, descritivo, transversal. Utilizou-se, na coleta de dados, de dois instrumentos: um sociodemográfico e o Maslach Burnout Inventory ‒ Student Survey. Para avaliar a associação entre as variáveis foram ajustados modelos de regressões logísticas simples e múltipla.

Resultados:

Participaram da pesquisa 100 estudantes. Apresentaram a síndrome 20% da amostra. Os acadêmicos do segundo (p = 0,036) e do terceiro anos da graduação (p = 0,046), os que utilizavam medicamento (p = 0,002) e os que pensavam em desistir do curso (p = 0,001) apresentaram associação significativa com o burnout. No modelo de regressão logística múltipla, apenas os acadêmicos que pensavam em desistir do curso (p = 0,025) mantiveram associação significativa, ou seja, a probabilidade de um indivíduo da população da qual a amostra foi extraída apresentar a síndrome foi mais elevada nesta variável.

Conclusão:

A prevalência da síndrome correspondeu a 20%. Os fatores preditivos do burnout foram: segundo e terceiro anos da graduação, uso de medicamento e pensamento de desistir do curso.

Descritores:
Estudantes de Enfermagem; Educação em Enfermagem; Estresse Psicológico; Saúde Mental

Abstract

Objective:

To identify the prevalence and analyze the existence of predictive factors of burnout syndrome in nursing students of a public university unit.

Method:

A quantitative, descriptive, and cross-sectional study. Data were collected from two instruments: a sociodemographic instrument and the Maslach Burnout Inventory - Student Survey. Simple and multiple logistic regression models were adjusted to assess the association between variables.

Results:

There were 100 students who participated in the research, of which 20% presented burnout syndrome. Second (p = 0.036) and third year students (p = 0.046), those using medication (p = 0.002) and those considering dropping out (p = 0.001) were significantly associated with burnout. Only students who were thinking of dropping out of the course (p = 0.025) maintained a significant association in the multiple logistic regression model, which means that the probability of an individual from the population from which the sample was extracted presenting burnout syndrome was higher in this variable.

Conclusion:

The burnout syndrome prevalence corresponded to 20%. The predictors of burnout were: second and third years of the course, use of medication and thinking of dropping out from the course.

Descriptors:
Students, Nursing; Education, Nursing; Stress, Psychological; Mental Health

Resumen

Objetivo:

Identificar la prevalencia y analizar la existencia de factores predictivos del burnout en académicos de enfermería de una unidad universidad pública.

Método:

Estudio cuantitativo, descriptivo, transversal. Se emplearon, en la recolección de datos, dos instrumentos: uno sociodemográfico y el Maslach Burnout Inventory - Student Survey. Para evaluar la asociación entre las variables fueron ajustados modelos de regresión logística simple y múltiple.

Resultados:

Participaron en la investigación 100 estudiantes. Presentaron el síndrome el 20% de la muestra. Los académicos del segundo (p = 0,036) y del tercer curso del pregrado (p = 0,046), quienes utilizaban medicamento (p = 0,002) y quienes pensaban en desistir de la carrera (p = 0,001) presentaron asociación significativa con el burnout. En el modelo de regresión logística múltiple, solo los académicos que pensaban en desistir de la carrera (p = 0,025) mantuvieron asociación significativa, es decir, la probabilidad de que un individuo de la población de la que se extrajo la muestra presente el síndrome fue más elevada en esta variable.

Conclusión:

La prevalencia del síndrome correspondió al 20%. Los factores predictivos del burnout fueron: segundo y tercer cursos del pregrado, empleo de medicamento y pensamiento de desistir de la carrera.

Descriptores:
Estudiantes de Enfermería; Educación en Enfermería; Estrés Psicológico; Salud Mental

INTRODUÇÃO

Na década de 30 do século XX, Hans Selye cunhou o conceito do termo “estresse”, este é o estado que se manifesta por meio da síndrome geral de adaptação, que consiste em um conjunto de reações que ocorre no organismo ao ser submetido a situações críticas, excedendo a sua capacidade reguladora natural⁽¹⁾. Quando o indivíduo sofre influência de fatores psicossociais no ambiente de trabalho, e estes são desfavoráveis ao seu desenvolvimento profissional, pode resultar no aumento do estresse ocupacional, que por sua vez, ao longo dos anos, pode desencadear a síndrome de burnout ^(2-3).

O termo burnout foi conceituado pela primeira vez por Herbert J. Freudenberger, no entanto, a definição mais aceita pela comunidade científica atualmente é a de Maslach e Jackson, alicerçada na perspectiva social-psicológica, caracterizada por um processo constituído por três dimensões (exaustão emocional, descrença e baixa realização profissional), em que um indivíduo chega ao colapso da sua capacidade adaptativa⁽⁴⁾. Isto ocorre quando o estresse relacionado ao ambiente de trabalho ultrapassa os níveis adaptativos, sem um efetivo enfrentamento, e se cronifica⁽²⁾. Esta é uma síndrome multidimensional, em que a cronicidade do estresse ocupacional ocorre quando as estratégias de enfrentamento são insuficientes^(2-3).

Existe um predomínio dessa síndrome nas profissões que lidam com pessoas, surgindo como consequência das relações interpessoais e organizacionais⁽²⁾. Além disso, ela possui sintomas específicos, como: irritabilidade, incremento da agressividade, dificuldade de concentração, ceticismo, tendência ao isolamento, fadiga constante e progressiva⁽⁵⁾.

Em meados de 1974, Freudenberger observou que muitos dos voluntários com quem trabalhava apresentavam perda progressiva das suas emoções, motivação e desempenho. Por meio dos seus artigos o conceito da síndrome de burnout foi se modificando e ampliando. Apenas em 2002 as pesquisas com acadêmicos começaram a ganhar força, principalmente após o estudo, em que se confirmou nos alunos de graduação de diversas áreas a estrutura trifatorial do Maslach Burnout Inventory (MBI) ‒ General Survey (GS), instrumento que estuda a síndrome em trabalhadores⁽⁶⁾.

Nos estudantes, a síndrome é constituída por três fatores ou dimensões peculiares⁽⁵⁾. A dimensão exaustão emocional refere-se ao sentimento de estar exausto devido às intensas cobranças e à elevada demanda de estudos. A dimensão descrença é assimilada como a manifestação de uma atitude cínica, buscando se distanciar dos estudos. E a dimensão eficácia profissional é caracterizada pela percepção de estar sendo incompetente⁽⁷⁾.

A síndrome de burnout pode iniciar-se ainda na fase acadêmica, ou seja, no período de formação e preparação para o exercício profissional, principalmente nos acadêmicos de enfermagem, uma vez que estes realizam atividades similares às dos profissionais da área e sofrem influência do ambiente de prática clínica⁽⁸⁾. Os considerados fatores preditivos são apenas facilitadores ou não, eles têm pesos específicos diversos em cada indivíduo^(8-9).

Nos estudantes de enfermagem a síndrome ocorre devido a um somatório de fatores, como: características sociodemográficas, o desconhecimento do ambiente de prática clínica, o medo de causar algum dano ao paciente, o confronto com a morte, a falta de acolhimento e reconhecimento no estágio pelas diferentes equipes de saúde^(5,8,10).

A síndrome de burnout ainda é desconhecida entre boa parte dos profissionais e alunos de graduação^(5,8,11). Entretanto, nas instituições nacionais existe uma carência de programas preventivos, que busquem sua detecção, assim como reduzir sua incidência e a prevalência nos acadêmicos⁽³⁾.

A necessidade deste estudo justifica-se pela importância de conhecer a relação entre as atividades acadêmicas do curso de enfermagem e a síndrome de burnout, uma vez que os resultados encontrados podem subsidiar a implementação de um programa de prevenção e de estudos com protocolos de intervenções para o seu enfrentamento na instituição onde a pesquisa foi realizada. Acredita-se que em investigações futuras essas medidas possam impactar a redução da prevalência da síndrome, a redução do índice de desistência do curso e a melhora do desempenho dos acadêmicos nos estágios e nas disciplinas da instituição.

As questões norteadoras da pesquisa foram: Qual a prevalência da síndrome de burnout em acadêmicos de enfermagem de uma unidade universitária pública? Existem fatores que podem ser considerados preditivos da síndrome em acadêmicos de enfermagem? Dessa forma, no intuito de conhecer o perfil dos acadêmicos mais vulneráveis, para os quais deverão ser priorizadas intervenções em futuras pesquisas, o estudo teve como objetivo identificar a prevalência e analisar a existência de fatores preditivos da síndrome de burnout em acadêmicos de enfermagem de uma unidade universitária pública.

MÉTODO

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo quantitativo, descritivo, transversal.

Cenário

O estudo foi realizado em uma unidade universitária pública da cidade de São Paulo (SP), Brasil. A unidade oferece o curso de graduação em enfermagem, na modalidade bacharelado, ministrado em período integral e com duração de 4 anos.

Critérios de seleção

Adotaram-se como critérios de inclusão: ser acadêmico do curso de enfermagem do primeiro ao quarto ano, sadios, de ambos os sexos, com idade igual ou maior que 18 anos. Os critérios de exclusão foram: não aceitar participar do estudo, diagnóstico prévio de hipertensão arterial sistêmica, hipotireoidismo, diagnóstico psiquiátrico prévio fechado por um médico psiquiatra experiente, afastamento por estágio curricular obrigatório, licença-maternidade ou adoecimento. Respeitando-se esses critérios, foram excluídos dois acadêmicos com diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica, dois com diagnóstico de hipotireoidismo e 213 indivíduos que não aceitaram participar da pesquisa.

Para definir a amostra, utilizou-se da modalidade de amostragem não probabilística por conveniência. Os acadêmicos de enfermagem do primeiro ao quarto ano foram selecionados de acordo com a disponibilidade para participar do estudo e após concordarem em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). No total, o curso tinha 317 acadêmicos matriculados, porém a amostra foi constituída por 100.

Neste estudo não foi apresentado um cálculo amostral, uma vez que participaram todos os acadêmicos possíveis (que aceitaram participar). Além disso, o pesquisador responsável optou por realizar uma análise prévia com 80 acadêmicos, a qual evidenciou associação significativa entre algumas variáveis, mostrando que o número total de participantes selecionados (n = 100) era adequado, sendo grande o suficiente para que a probabilidade de encontrar associação significativa entre as variáveis fosse alta.

Coleta de dados

Os alunos foram convidados a participar do estudo pessoalmente e por e-mail. O pesquisador responsável realizou a coleta de dados entre os meses de março e maio de 2017, por agendamento de acordo com a disponibilidade de horário dos participantes. Depois de assinarem o TCLE, os acadêmicos responderam aos instrumentos autoaplicáveis. Foram utilizados o formulário de coleta de dados sociodemográficos e o Maslach Burnout Inventory (MBI) em sua versão Student Survey (SS). Para a manutenção da confidencialidade e privacidade dos acadêmicos, o preenchimento dos instrumentos ocorreu em um local reservado da unidade universitária, sendo em seguida entregues ao pesquisador responsável.

Análise e tratamento dos dados

O formulário de coleta de dados sociodemográficos foi utilizado para traçar o perfil dos participantes, sendo composto por perguntas de múltipla escolha e abertas, abrangendo: ano da graduação, turno de estudo, idade, sexo, estado civil, filhos, financiamentos dos custos para estudar, renda própria, emprego, atividade física, absenteísmo na faculdade, uso de medicamento devido aos estudos, pensamento de desistir do curso e morar com outras pessoas.

Empregou-se o MBI ‒ SS, voltado para estudantes, em sua versão traduzida, adaptada e validada por Carlotto e Câmara, com a finalidade de identificar o percentual de acadêmicos com a síndrome de burnout ⁽¹²⁾. Este instrumento possui 15 questões que se subdividem em três subescalas ou dimensões. As questões 1, 4, 6, 8 e 12 estão relacionadas à exaustão emocional (5 itens); as questões 2, 9, 10 e 14 estão relacionadas à descrença (4 itens); enquanto as questões 3, 5, 7, 11, 13 e 15 estão relacionadas à eficácia profissional (6 itens). Todos os itens são avaliados em escala Likert de sete pontos, variando de 0 (nunca) a 6 (sempre)⁽¹²⁾. Segundo um estudo para a validação da mesma versão do instrumento realizado com acadêmicos espanhóis, o coeficiente alfa de Cronbach para a exaustão emocional foi de 0,74, para a descrença foi de 0,79 e para a eficácia profissional correspondeu a 0,76, mostrando que este é um instrumento considerado confiável⁽¹³⁾.

Para a classificação do nível em cada subescala, os acadêmicos com score até 50% serão considerados como de baixo nível; e, acima desse valor, com alto nível na subescala em questão⁽¹⁴⁾. Dessa forma, quando um acadêmico apresenta alto nível de exaustão emocional, alto nível de descrença e baixo nível de eficácia profissional, constata-se a síndrome⁽¹²⁾.

Na análise descritiva das variáveis categóricas, os resultados foram expressos por meio de tabelas de frequências e percentuais, enquanto para as variáveis numéricas os resultados foram expressos por meio das medidas de posição e dispersão, como: média, mediana, desvio-padrão, valores mínimos e máximos. Para avaliar a associação entre duas variáveis categóricas ajustaram-se modelos de regressões logísticas simples (univariadas). E para avaliar os percentuais de participantes com a presença da síndrome, foi ajustado um modelo de regressão logística múltipla (multivariada) para cada uma destas variáveis, com os possíveis fatores preditivos entre os que apresentaram o valor de p < 0,20 (20,0%) nos resultados das regressões logísticas univariadas.

Em cada modelo de regressão logística univariada ou multivariada foram obtidos os valores do Odds Ratio (OR) e a significância de cada categoria em relação à categoria de base sobre o ajuste do modelo (percentuais de casos classificados corretamente, o teste Omnibus de coeficientes para verificar a aceitação do modelo global e o teste de Hosmer-Lemeshow para verificar o ajuste dos dados ao modelo). Na avaliação da presença da síndrome, devido ao número mais elevado de variáveis significativas, foi utilizado o processo de seleção Backward (passo para trás) para incluir as variáveis no modelo. Empregaram-se o nível de significância nas decisões dos testes estatísticos de 5% (p < 0,05) e os intervalos com 95% de confiança. Os dados foram digitados na planilha do programa Microsoft Office Excel 2007 e o software utilizado para a obtenção dos cálculos estatísticos foi o IMB^® SPSS^® Statistics, versão 23.

Aspectos éticos

Depois da autorização da instituição de ensino, o estudo foi encaminhado para avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa, sendo aprovado sob o Parecer consubstanciado n.º 1.887.032/2017. O desenvolvimento da pesquisa atendeu aos preceitos éticos da Resolução 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta as pesquisas que envolvem seres humanos no Brasil.

RESULTADOS

Respeitando os critérios de inclusão e exclusão estabelecidos, o número total de participantes do estudo foi de 100 acadêmicos de enfermagem. A idade variou entre 18 e 57 anos, com mediana de 21 anos e média de 22,93 (desvio-padrão = 5,22). Destes, 91% eram do sexo feminino e solteiros. A distribuição das faixas etárias foi desigual, 87% tinham entre 18 e 27 anos. Quanto ao número de filhos, 94% referiram que não tinham. Com relação ao ano da graduação, 36% eram do primeiro ano. A maior parte declarou não ter emprego (84%), não fazer uso de medicamento (77%), não pensar em desistir do curso (65%) e morar com amigos ou a família (95%).

De acordo com os resultados do MBI - SS, os percentuais dos indivíduos com alto nível de exaustão emocional, alto nível de descrença e baixo nível de eficácia profissional, foram, respectivamente: 75%, 29% e 33%, enquanto a prevalência da síndrome de burnout nos acadêmicos foi elevada, correspondendo a 20% (n = 20). A Tabela 1 mostra o perfil dos acadêmicos de enfermagem com burnout, e é importante ressaltar que todos eram solteiros, não tinham emprego, filhos nem renda própria. Além disso, 70% referiram que pensavam em desistir do curso.

Na Tabela 2 estão apresentados os resultados descritivos e das regressões logísticas univariadas, buscando avaliar a associação entre os possíveis fatores preditivos e a ocorrência da síndrome de burnout. Os participantes que estavam no segundo ano da graduação (p = 0,036), no terceiro ano da graduação (p = 0,046), os que utilizavam medicamento (p = 0,002) e os que pensavam em desistir do curso (p = 0,001) apresentaram associação significativa com a ocorrência da síndrome.

Tabela 1
Perfil dos acadêmicos de enfermagem com burnout segundo as variáveis sociodemográficas, econômicas e relacionadas aos hábitos de vida - São Paulo, SP, Brasil, 2017.

Variável	Acadêmicos de Enfermagem com Burnout
	Categorias	n	%
Sexo	Feminino	19	95
Faixa etária (anos)	18 a 27	19	95
Estado civil	Solteiro	20	100
Ano da graduação	Terceiro	8	40
Emprego	Não	20	100
Filhos	Não	20	100
Financiamento dos custos	Família	20	100
Renda própria	Não	20	100
Prática de atividade física	Não	12	60
Frequência de absenteísmo na faculdade	Uma ou mais vezes no mês	13	65
Utiliza medicamento	Nunca/Uma ou mais vezes no mês	10/10	50/50
Pensa em desistir do curso	Uma ou mais vezes no mês	14	70
Moradia	Família	18	90

Tabela 2
Resultados da regressão logística univariada para a ocorrência da síndrome de burnout segundo as variáveis sociodemográficas, econômicas e relacionadas aos hábitos de vida - São Paulo, SP, Brasil, 2017.

Variável	Síndrome de Burnout
	Presente		Ausente		p-valor	OR (IC a 95)
	n	%	n	%
Sexo
Masculino	1	11,1	8	88,9	-	1,00
Feminino	19	20,9	72	79,1	0,494	2,11 (0,25 a 17,93)
Faixa etária (anos)
18 a 27	19	21,8	68	78,2	0,259	3,35 (0,41 a 27,45)
28 a 57	1	7,7	12	92,3	-	1,00
Estado civil
Solteiro	20	22,0	71	78,0	-	-
Casado	-	-	9	100,0
Ano da graduação					0,036*
Primeiro	4	11,1	32	88,9	0,726	1,37 (0,23 a 8,17)
Segundo	6	37,5	10	62,5	0,036*	6.60 (1,13 a 38,60)
Terceiro	8	33,3	16	66,7	0,046*	5,50 (1,03 a 29,45)
Quarto	2	8,3	22	91,7	-	1,00
Emprego
Não	20	23,8	64	76,2	-	-
Sim	-	-	16	100,0
Filhos
Não	20	21,3	74	78,7	-	-
Sim	-	-	6	100,0
Financiamento dos custos
Família	20	27,0	54	73,0	-	-
Próprio	-	-	26	100,0
Renda própria
Não	20	27,4	53	72,6	-	-
Sim	-	-	27	100,0
Prática de atividade física
Não	12	21,1	45	78,9	0,762	1,17 (0,43 a 3,16)
Sim	8	18,6	35	81,4	-	1,00
Frequência de absenteísmo na faculdade
Nunca	7	16,3	36	83,7	-	1,00
Uma ou mais vezes no mês	13	22,8	44	77,2	0,421	1,52 (0,55 a 4,21)
Utiliza medicamento
Nunca	10	13,0	67	87,0	-	1,00
Uma ou mais vezes no mês	10	43,5	13	56,5	0,002*	5,15 (1,79 a 14,86)
Pensa em desistir do curso
Nunca	6	9,2	59	90,8	-	1,00
Uma ou mais vezes no mês	14	40,0	21	60,0	0,001*	6,56 (2,23 a 19,27)
Moradia
Sozinho	2	40,0	3	60,0	0,270	2,85 (0,44 a 18,34)
Com amigos ou família	18	18,9	77	81,8	-	1,00

• Nota: OR: Odds Ratio. IC: Intervalo de Confiança. (*): valor de p significativo. (n = 100).

Conforme mostra a Tabela 3, entre as três variáveis incluídas no modelo de regressão logística multivariada, apenas os acadêmicos que pensavam em desistir do curso (p = 0,025) mantiveram associação significativa com a ocorrência da síndrome de burnout. Por meio da OR dessa variável, foi possível verificar que a probabilidade de um acadêmico da população da qual a amostra foi extraída apresentar a síndrome é mais elevada nos que pensavam em desistir do curso.

A avaliação do ajuste do modelo encontrado na Tabela 3 mostrou concordância entre os valores observados e previstos, classificando corretamente os casos em 85,0% dos acadêmicos. De acordo com o teste Omnibus de coeficientes, o modelo global foi aceito (p = 0001), e segundo o teste de Hosmer-Lemeshow, mostrou-se bem ajustado (p = 0,629).

Tabela 3
Resultados da regressão logística univariada e multivariada para a ocorrência da síndrome de burnout segundo as variáveis sociodemográficas e relacionadas aos hábitos de vida por meio do processo de seleção "backward" - São Paulo, SP, Brasil, 2017.

Variável	Univariada		Multivariada
	p-valor	OR (IC a 95)	p-valor	OR (IC a 95)
Ano	0,036*		0,193
Primeiro ano	0,726	1,37 (0,23 a 8,17)	0,928	0,92 (0,14 a 6,13)
Segundo ano	0,036*	6,60 (1,13 a 38,60)	0,113	4,65 (0,70 a 31,08)
Terceiro ano	0,046*	5,50 (1,03 a 29,45)	0,446	2,07 (0,32 a 13,56)
Quarto ano	-	1,00	-	1,00
Utiliza medicamento
Nunca	-	1,00	-	1,00
Uma ou mais vezes no mês	0,002*	5,15 (1,79 a 14,86)	0,057	3,19 (0,97 a 10,51)
Pensa em desistir da faculdade
Nunca	-	1,00	-	1,00
Uma ou mais vezes no mês	0,001*	6,56 (2,23 a 19,27)	0,025*	4,12 (1,19 a 14,28)

• Nota: OR: Odds Ratio. IC: Intervalo de Confiança. (*): valor de p significativo. (n = 100)

DISCUSSÃO

De acordo com estudos nacionais realizados com acadêmicos de enfermagem, constatou-se que estes eram predominantemente do sexo feminino, solteiros, jovens, sem filhos, não trabalhavam e moravam com a família^(7,10). Esses estudos confirmam o mesmo perfil encontrado no presente estudo e mostram uma nova realidade no país, em que as mulheres, que são a maioria nas profissões da área da saúde que envolvem o cuidar, estão preferindo constituir família após a conquista da estabilidade financeira e da inserção no mercado de trabalho^(15-16).

Em uma pesquisa realizada com 570 acadêmicos de enfermagem no Brasil, a prevalência da síndrome de burnout correspondeu a 24,74%⁽¹⁰⁾. Em amostras similares constituídas por acadêmicos de medicina, os índices de burnout variavam entre 13,1% e 71%^(17-19). Desta forma, pode-se dizer que o índice deste estudo foi similar ao encontrado em estudantes de enfermagem e a alguns estudos com acadêmicos de medicina^(10,18). Porém a prevalência encontrada superou o índice de outras pesquisas realizadas com enfermeiros e técnicos de enfermagem (profissionais)^(20-21). Evidencia-se, assim, uma prevalência elevada, mostrando a necessidade da implementação de programas institucionais de prevenção, assim como de estudos com protocolos de intervenção para o seu enfrentamento, uma vez que estes acadêmicos podem ser afastados das suas atividades antes mesmo de ingressarem como profissionais no mercado de trabalho, assim como do contexto social e familiar.

Com relação ao perfil dos acadêmicos de enfermagem com a síndrome de burnout, ao comparar os resultados com um estudo cuja amostra é similar, constituída por acadêmicos de odontologia, foi possível verificar que a maioria era solteira, jovem (entre 18 e 28 anos), não tinha filho, estava no terceiro ano, utilizava medicamento e pensava em desistir do curso, corroborando o resultado encontrado nesta pesquisa⁽²²⁾.

Sobre a relação entre a síndrome de burnout e as variáveis sexo e faixa etária, os resultados encontrados na literatura são divergentes^(7,23-25). Uma pesquisa internacional realizada com acadêmicos de enfermagem de uma universidade na Espanha mostrou que a variável sexo não apresentou diferença significativa em nenhuma dimensão da síndrome⁽²⁴⁾. Porém os autores acreditam que o desenho do estudo não permite elucidar a questão, sendo necessária a realização de novos estudos longitudinais com grupos pareados de ambos os sexos que avaliem essa relação.

Quanto à faixa etária, um estudo realizado com acadêmicos de enfermagem do norte da Espanha mostrou que houve relação entre a idade e os níveis mais baixos da síndrome de burnout, ou seja, os participantes mais velhos apresentaram níveis mais baixos da síndrome⁽²⁵⁾. Embora o presente estudo apresente uma maior prevalência da síndrome nos acadêmicos mais jovens (21,8%), não houve associação significativa com a faixa etária. A literatura pontua, todavia, que os acadêmicos de enfermagem são considerados inexperientes e acabam ficando mais tensos diante das situações de sofrimento vivenciadas no ambiente de prática clínica, assim como têm sentimentos negativos sobre as atividades teóricas e práticas^(5,10), sofrendo influência do estresse ocupacional que, ao longo dos anos, pode ser um facilitador da ocorrência da síndrome⁽²⁰⁾.

Embora a literatura mostre resultados divergentes sobre a relação entre o estado civil e a ocorrência da síndrome, é importante enfatizar uma pesquisa realizada em Camarões com acadêmicos de enfermagem, em que se comprovou associação significativa entre essas variáveis, resultado oposto ao do presente estudo^(7,26). Alguns autores acreditam que ter um relacionamento afetivo estável pode ser considerado um fator protetor para a síndrome⁽²¹⁾.

Estudos nacionais mostraram que os acadêmicos de enfermagem que estavam no segundo ano da graduação e no terceiro ano da graduação não apresentaram relação significativa com a ocorrência da síndrome de burnout ^(7,16), resultado confirmado em pesquisas realizadas com acadêmicos de odontologia^(22,23). É possível que tenha ocorrido associação significativa entre o segundo ano e o terceiro ano da graduação com a ocorrência da síndrome na presente pesquisa devido às elevadas exigências dos estudos, ao aumento da carga horária dedicada a atividades de extensão universitária para alcançar os créditos necessários para avançar ao quarto ano, à maior carga horária no ambiente de prática clínica e às dificuldades dos estudantes relacionadas às disciplinas de pediatria e saúde da mulher.

Conforme mostram estudos realizados com acadêmicos de enfermagem, houve relação significativa entre a ocorrência da síndrome de burnout e as variáveis trabalho⁽⁷⁾ e filhos⁽²⁶⁾, resultado contrário ao da presente pesquisa. Aqueles acadêmicos que trabalhavam enquanto cursavam a graduação em enfermagem apresentaram associação com as três dimensões da síndrome, influenciando negativamente apenas o fator de eficácia profissional⁽⁷⁾. Acredita-se que estudantes com filhos apresentem menor índice da síndrome uma vez que este é possivelmente um fator protetivo, levando em consideração que, devido à maternidade ou paternidade, esses indivíduos têm maior responsabilidade, resiliência e expectativas mais realistas⁽²¹⁾.

Estudos encontrados na literatura nacional mostram que a maior parte dos acadêmicos de enfermagem e de odontologia com a síndrome de burnout tinham os custos financiados pela família e moravam com amigos ou a família, porém não houve relação significativa com a ocorrência da síndrome, confirmando os resultados desta pesquisa^(7,23).

Quanto à relação entre a síndrome de burnout e atividade física, um estudo com acadêmicos de medicina mostrou que houve associação significativa entre a baixa atividade física e a ocorrência da síndrome, resultado oposto ao da presente pesquisa⁽²⁷⁾.

Com relação ao uso de medicamento, de acordo com estudos encontrados na literatura nacional, a prevalência da síndrome de burnout foi maior nos acadêmicos que faziam uso de medicamento, além disso, houve relação significativa^(22,23). Uma outra pesquisa internacional realizada com acadêmicos de enfermagem e medicina mostrou que a síndrome de burnout é considerada um fator preditivo independente do uso recreativo de drogas⁽²⁸⁾. Evidencia-se, assim, que os indivíduos com a síndrome fazem uso de medicamentos buscando inibir os sintomas, muitas vezes por automedicação, sem buscar atendimento médico ou psicológico. É comum encontrar profissionais com dificuldade de estabelecer um diagnóstico preciso ou até mesmo de definir um tratamento adequado, que com frequência é diagnosticado como depressão ou estresse, provocando o agravamento do quadro clínico e a sua subnotificação^(3,29-30).

Houve associação significativa entre os acadêmicos que pensavam em desistir do curso e a ocorrência da síndrome, mostrando que o resultado encontrado é consistente^(7,23,26). Uma pesquisa internacional evidenciou que os acadêmicos de enfermagem demonstraram arrependimento de terem escolhido o curso como profissão futura, sendo esta variável considerada como determinante independente do burnout ⁽²⁶⁾.

O estudo apresentou como limitação o tamanho reduzido da amostra, uma vez que ao aumentar o número de acadêmicos os resultados poderiam ser ainda mais significativos. Outro fator limitante consiste na ausência da avaliação de um psicólogo ou psiquiatra experiente para fechar o diagnóstico da síndrome. Contudo, este foi um estudo preliminar que serviu como base para a elaboração de um ensaio clínico de intervenção na instituição, pois a partir desta análise foi possível definir os fatores preditivos da síndrome e parear a quantidade de acadêmicos com a síndrome de burnout nos grupos controle e intervenção.

CONCLUSÃO

A prevalência de acadêmicos de enfermagem com a síndrome de burnout correspondeu a 20% da amostra. Os acadêmicos que estavam no segundo (p = 0,036) e no terceiro anos da graduação (p = 0,046), os que utilizavam medicamento (p = 0,002) e os que pensavam em desistir do curso (p = 0,001) apresentaram associação significativa com a ocorrência da síndrome, sendo estes considerados fatores preditivos. O estudo contribui para o conhecimento científico na área de saúde mental, uma vez que a prevalência foi elevada e foram identificados fatores preditivos da síndrome, sendo estes resultados relevantes para a literatura.

Entre as variáveis que foram incluídas no modelo de regressão logística multivariada, verificou-se que apenas os acadêmicos que pensavam em desistir do curso (p = 0,025) mantiveram associação significativa com a ocorrência da síndrome de burnout. Os dados permitem uma reflexão sobre o processo de formação e o suporte à saúde mental dos acadêmicos de enfermagem, uma vez que a maior parte que pensava em desistir do curso apresentou a síndrome, mostrando que poderia ser afastada do âmbito acadêmico. Assim, é pertinente a inserção de terapias alternativas (como o biofeedback e o mindfulness) por meio de programas de prevenção e estudos com protocolos de intervenção para auxiliá-los no gerenciamento do estresse durante a graduação, contribuindo para a sua formação profissional, levando em consideração que isto pode proporcionar um maior equilíbrio emocional, repercutindo em um melhor rendimento nas disciplinas, e preparando-os melhor para a transição como profissionais inseridos no ambiente laboral.

Pesquisas futuras devem analisar o impacto de programas de prevenção e protocolos de intervenção e as diferentes relações entre outras variáveis e a ocorrência do burnout em unidades de ensino públicas e privadas, como variáveis relacionadas à história pregressa do aluno, traços de personalidade, resiliência, metodologias de ensino e as disciplinas da universidade.

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  Extraído da tese: “Avaliação de efetividade do biofeedback como estratégia de manejo da síndrome de burnout: um ensaio clínico randomizado”, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de São Paulo, 2018.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  26 Jun 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  19 Out 2018
• Aceito
  13 Ago 2019