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Coping e resolução de problemas na adaptação familiar de crianças com Síndrome de Down

RESUMO

Objetivo:

Analisar as estratégias de coping e resolução de problemas, de pais de crianças com Síndrome de Down, na adaptação familiar.

Método:

Investigação qualitativa, que utilizou o Modelo de Resiliência, Stress, Ajustamento e Adaptação Familiar. Participaram mães e/ou pais de 40 famílias, de crianças com idade entre 1 e 7 anos e diagnosticadas com Síndrome de Down. Realizou-se análise de conteúdo direcionada, apoiada por software , considerando um dicionário de códigos.

Resultados:

Coping e resolução de problemas se revelou como um conjunto de ações, comportamentos, esforços e comunicações que contribuíram para a adaptação familiar, favorecendo o equilíbrio entre as demandas impostas pela Síndrome de Down e a aquisição de recursos pela família.

Conclusão:

No período inicial, que compreende o momento da notícia ou diagnóstico da síndrome e os dias inicias após o nascimento, os recursos internos e externos que representam coping são desenvolvidos para aceitar e ressignificar ideias e sentimentos relacionados à Síndrome de Down. Ao longo do tempo, esses recursos repercutem em mudanças nos padrões familiares de funcionamento e na relação dessas famílias com o mundo externo, ao buscarem o desenvolvimento da criança.

DESCRITORES:
Síndrome de Down; Família; Adaptação Psicológica; Enfermagem Pediátrica.

ABSTRACT

Objective:

To analyze problem-solving and coping strategies of parents of children with Down Syndrome in family adaptation.

Method:

This is a qualitative research that used the Resiliency Model of Family Stress, Adjustment, and Adaptation. Participants were mothers and/or fathers from 40 families of children aged 1 to 7 years diagnosed with DS. Directed content analysis was performed, supported by software and considering a code dictionary.

Results:

Problem-solving and coping proved to be a set of actions, behaviors, efforts, and communications that contributed to family adaptation and favored balance between the demands imposed by Down Syndrome and the acquisition of resources by the family.

Conclusion:

In the first moment, which corresponds to the time of news or diagnosis of the syndrome and the first days after birth, internal and external resources, which represent coping, are developed to accept and refocus ideas and feelings towards Down Syndrome. Over time these resources have an effect and cause changes in family functioning patterns and in the relationship of these families with the outside world, as they seek child development.

DESCRIPTORS:
Down Syndrome; Family; Adaptation, Psychological; Pediatric Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Analizar las estrategias de afrontamiento y resolución de problemas de los padres de niños con Síndrome de Down en la adaptación familiar.

Método:

Investigación cualitativa, que utilizó el Modelo de Resiliencia, Estrés, Ajuste y Adaptación Familiar. Madres y/o padres de 40 familias participantes, niños de 1 a 7 años y diagnosticados de Síndrome de Down. Se realizó análisis de contenido dirigido, apoyado por software, considerando un diccionario de códigos.

Resultados:

El afrontamiento y la resolución de problemas se reveló como un conjunto de acciones, comportamientos, esfuerzos y comunicaciones que contribuyeron a la adaptación familiar, favoreciendo el equilibrio entre las demandas impuestas por el síndrome de Down y la adquisición de recursos por parte de la familia.

Conclusión:

En el período inicial, que comprende el momento de la noticia o diagnóstico del síndrome y los días que comienzan después del nacimiento, se desarrollan los recursos internos y externos que representan el afrontamiento para aceptar y replantear ideas y sentimientos relacionados con el Síndrome de Down. Con el tiempo, estos recursos repercuten en cambios en los patrones de funcionamiento familiar y en la relación de estas familias con el mundo exterior, en la búsqueda del desarrollo infantil.

DESCRIPTORES:
Síndrome de Down; Família; Adaptación Psicológica; Enfermería Pediátrica

INTRODUÇÃO

A Síndrome de Down (SD), alteração cromossômica mais comum em humanos, possui incidência mundial estimada de 1 caso para 1000 nascidos vivos, representando aproximadamente 25% dos casos de atraso intelectual(11 World Health Organization. Genes and chromosomal diseases [Internet]. Geneva: WHO; 2016 [cited 2020 Jan 12]. Available from: http://www.who.int/genomics/public/geneticdiseases/en/index1.html
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). No Brasil, a estimativa é de 1 criança a cada 600 e 800 nascimentos representando aproximadamente 270 mil pessoas(11 World Health Organization. Genes and chromosomal diseases [Internet]. Geneva: WHO; 2016 [cited 2020 Jan 12]. Available from: http://www.who.int/genomics/public/geneticdiseases/en/index1.html
http://www.who.int/genomics/public/genet...
). Nesse contexto, deve-se considerar que esta população, especialmente as crianças, possuem demandas terapêuticas específicas, e os cuidados requeridos, somados às necessidades mais amplas das famílias, compõem um cotidiano de acúmulo de demandas e sobrecargas(22 Barros ALO, Barros AO, Barros GLM, Santos MTB. Sobrecarga dos cuidadores de crianças e adolescentes com Síndrome de Down. Ciênc Saúde Coletiva. 2017; 22(11): 3625-34. doi: 10.1590/1413-812320172211.31102016
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).

A experiência de ter um filho com Síndrome de Down é única e pessoal. Os pais precisam lidar com o diagnóstico e as tensões associadas às necessidades deste grupo infantil(33 Caples M, Martin AM, Dalton C, Marsh L, Savage E, Knafl G, et al. Adaptation and resilience in families of individuals with Down Syndrome living in Ireland. Br J Learn Disabil. 2018;46:146-54. doi:10.1111/Bld.12231
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). Estudos dedicados a analisar a resiliência e adaptação em situações de condições crônicas têm evidenciado que, mesmo diante de adversidades, as famílias podem adotar comportamentos e mobilizar esforços que modificam seu funcionamento, tornando as situações gerenciáveis e aceitáveis(33 Caples M, Martin AM, Dalton C, Marsh L, Savage E, Knafl G, et al. Adaptation and resilience in families of individuals with Down Syndrome living in Ireland. Br J Learn Disabil. 2018;46:146-54. doi:10.1111/Bld.12231
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-44 Rooke M I, Pereira-Silva N L. Indicativos de resiliência familiar em famílias de crianças com Síndrome de Down. Estud Psicol (Campinas). 2016;33(1):117-26. doi: 10.1590/1982-027520160001000012
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). Isso pode contribuir para o fortalecimento dos pais e das famílias como um todo, e, nesse contexto, os profissionais devem estar atentos às circunstâncias que prejudicam ou dificultam a adaptação para buscar incentivar as famílias a adotarem recursos que permitam lidar com situações estressoras(33 Caples M, Martin AM, Dalton C, Marsh L, Savage E, Knafl G, et al. Adaptation and resilience in families of individuals with Down Syndrome living in Ireland. Br J Learn Disabil. 2018;46:146-54. doi:10.1111/Bld.12231
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).

Esforços específicos, individuais ou familiares, podem ser adotados na tentativa de reduzir as demandas e buscar recursos para lidar com situações que envolvem a SD. Isso se configura na perspectiva do Modelo de Resiliência, Stress, Ajustamento e Adaptação familiar(55 Mccubbin M, Mccubbin, H. Families coping with ilness: the resiliency model family stresse, adjustment, and adaptation. In: Danielson C, Hamel-Bissell B, Winstead-Fry P. Families, health & ilness: perspectives on coping and intervention. St Louis: Mosby-Year Book; 1993. p. 21-63.) como comportamentos de coping. O coping familiar deve ser visto como a coordenação de comportamentos para resolução de problemas, envolvendo esforços individuais complementares de seus membros, podendo gerar um equilíbrio entre demandas e recursos e diminuir as dificuldades(55 Mccubbin M, Mccubbin, H. Families coping with ilness: the resiliency model family stresse, adjustment, and adaptation. In: Danielson C, Hamel-Bissell B, Winstead-Fry P. Families, health & ilness: perspectives on coping and intervention. St Louis: Mosby-Year Book; 1993. p. 21-63.). Assim, o coping se refere ao modo como as pessoas interagem com os estressores e as dificuldades, sendo possível surgir um conjunto de mecanismos pelos quais são identificados os recursos que ajudam os indivíduos a adquirirem competências duradouras para administrar situações de crise(66 Zimmer-Gembeck MJ, Skinner EA. The Development of coping: implications for psychopathology and resilience. In: Cicchetti D, editor. Developmental psychopathology. Hoboken: John Wiley & Sons; 2016. p. 1-61.).

Estudos sobre adaptação familiar às condições crônicas na infância, que adotaram o Modelo de Resiliência, Stress, Ajustamento e Adaptação familiar(55 Mccubbin M, Mccubbin, H. Families coping with ilness: the resiliency model family stresse, adjustment, and adaptation. In: Danielson C, Hamel-Bissell B, Winstead-Fry P. Families, health & ilness: perspectives on coping and intervention. St Louis: Mosby-Year Book; 1993. p. 21-63.), são realizados em diferentes localidades do mundo, incluindo crianças com SD(33 Caples M, Martin AM, Dalton C, Marsh L, Savage E, Knafl G, et al. Adaptation and resilience in families of individuals with Down Syndrome living in Ireland. Br J Learn Disabil. 2018;46:146-54. doi:10.1111/Bld.12231
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,77 Van Riper M, Knafl G, Rosigno C, Knafl, K. Family management of childhood chronic conditions: does it make a difference if the child has an intellectual disability. A J Med Genet A. 2018;176(1):82-91. doi: 10.1002/ajmg.a.38508
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) autismo(88 Kapp L, Brown O. Resilience in families adapting to autism spectrum disorder. J Psychol Afr. 2011;21(3):459-63. doi: 10.1080/14330237.2011.10820482
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), desordens genéticas e deficiência(99 Hall HR, Neely-Barnes SL, Graff JC, Krcek TE, Roberts RJ, Hankins JS. Parental stress in families of children with a genetic disorder/disability and the resiliency model of family stress, adjustment, and adaptation. Issues Compr Pediatr Nurs. 2012; 35(1):24-44. doi: 10.3109/01460862.2012.646479
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), diabetes tipo 1(1010 Brown O, Fouché P, Coetzee M. Bouncing forward: families living with a type I diabetic child. S Afri Fam Pract. 2010;52(6):536-41. doi: h10.1080/20786204.2010.10874044.
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), doenças cardíacas congênitas(1111 Tak YR, McCubbin M. Family stress, perceived social support and coping following the diagnosis of a child's congenital heart disease. J Adv Nurs. 2002;39(2):190-8. doi:10.1046/j.1365-2648.2002.02259.x.
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) e prematuros extremos(1212 Shani-Sherman T, Dolgin MJ, Leibovitch L, Mazkereth R. Internal and external resources and the adjustment of parents of premature infants. J Clin Psychol Med. 2019;26(3):339-52. doi: 10.1007 / s10880-018-9583-6
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). Contudo, as dimensões coping e resolução de problemas em situações que envolvem a SD(1313 Pisula E, Banasiak A. Empowerment in Polish fathers of children with autism and Down syndrome: the role of social support and coping with stress - a preliminary report. J Intellect Disabil Res. 2020;64(6):434-41. doi: 10.1111/jir.12681
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14 Cless JD, Nelson GBS, Durtschi JA. Hope, coping, and relationship quality in mothers of children with Down syndrome. J Marital Fam Ther. 2018;44(2):307-22. doi: 10.1111/jmft.12249
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15 Pourmohamadreza-Tajrishi M, Azadfallah P, Garakani SH, Bakhshi E. The effect of problem-focused coping strategy training on psychological symptoms of mothers of children with Down syndrome. Iran J Public Health. 2015;44(2):254-62.
-1616 Van Der Veek SMC, Kraaij V, Garnefski N. Down or up? Explaining positive and negative emotions in parents of children with Down's syndrome: Goals, cognitive coping, and resources. Am J Intellect Dev Disabil. 2009;34(3):216-29. doi: 10.1080/13668250903093133
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) não são exploradas no contexto da adaptação familiar, o que sinaliza para a relevância de desenvolver a presente investigação. Considerando o exposto, esta pesquisa foi desenvolvida a partir da seguinte questão: no processo de adaptação familiar à situação de ter uma criança com SD, quais são as estratégias de coping e resolução de problemas utilizadas por seus cuidadores? Para tanto, o objetivo da pesquisa foi analisar as estratégias de coping e resolução de problemas, de pais de crianças com SD, na adaptação familiar.

A pesquisa justifica-se por produzir evidências acerca de um conjunto de ações, esforços e comportamentos estabelecidos pelas famílias que tornam as situações que envolvem a SD algo mais gerenciável para elas. Identificar, conhecer e prever quais recursos a família poderá utilizar para se adaptar às condições inerentes à SD contribuirá para manejos e tomadas de decisões de enfermeiros acerca do cuidado prestado.

MÉTODO

TIPO DE ESTUDO

Trata-se de uma investigação qualitativa orientada pelo Modelo de Resiliência, Stress, Ajustamento e Adaptação familiar, que permite analisar como um determinado estressor provoca crises familiares e quais são as estratégias e recursos adotados para tornar a situação mais construtiva(55 Mccubbin M, Mccubbin, H. Families coping with ilness: the resiliency model family stresse, adjustment, and adaptation. In: Danielson C, Hamel-Bissell B, Winstead-Fry P. Families, health & ilness: perspectives on coping and intervention. St Louis: Mosby-Year Book; 1993. p. 21-63.). Ele se propõe a explicar o potencial de pais e familiares para lidar com situações de crise, favorecendo a compreensão dos fatores relacionados ao ajustamento e adaptação das famílias(55 Mccubbin M, Mccubbin, H. Families coping with ilness: the resiliency model family stresse, adjustment, and adaptation. In: Danielson C, Hamel-Bissell B, Winstead-Fry P. Families, health & ilness: perspectives on coping and intervention. St Louis: Mosby-Year Book; 1993. p. 21-63.). O coping e a resolução de problemas (Problem-Solving and Coping - PSC) são entendidos, nesta pesquisa, como ações para a mudança. A sua função é restaurar e contribuir para o equilíbrio entre demandas e recursos e, ao mesmo tempo, remover ou reduzir as dificuldades que envolvem a situação estressora(55 Mccubbin M, Mccubbin, H. Families coping with ilness: the resiliency model family stresse, adjustment, and adaptation. In: Danielson C, Hamel-Bissell B, Winstead-Fry P. Families, health & ilness: perspectives on coping and intervention. St Louis: Mosby-Year Book; 1993. p. 21-63.).

POPULAÇÃO

Participaram 39 mães e três pais de crianças com idade de 1 a 7 anos, diagnosticadas com SD, residentes em dois municípios localizados no centro-oeste do estado de Minas Gerais - Brasil, que foram definidos como cenários pela viabilidade para coleta dos dados e intencionalmente pela inserção dos investigadores nesses contextos. Os locais das entrevistas foram definidos pelos participantes de acordo com sua disponibilidade, incluindo seu local de trabalho, residência ou a instituição de cuidados relacionada à SD com a qual são vinculados. Um pai respondeu individualmente à entrevista e dois responderam em conjunto com as mães. Consideramos, portanto, 42 participantes referentes a 40 famílias.

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO

Para inclusão no presente estudo, o entrevistado deveria ser cuidador primário de uma criança com SD com idade entre 1 e 7 anos. O cuidador primário é a principal pessoa responsável pelos cuidados e que atende a maioria das demandas da criança em seu cotidiano. Para captação desses participantes, inicialmente, profissionais que trabalhavam em instituições ou associações de cuidados à criança com SD e suas famílias indicaram cuidadores elegíveis que foram contatados e convidados. Buscando ampliar as chances de incluir participantes de famílias com diferentes perfis e condições socioeconômicas, realizou-se contato com grupos organizados de famílias de crianças com SD, e, nesses, os próprios participantes indicavam outras famílias que atendiam ao critério.

COLETA DE DADOS

Os dados foram coletados entre os meses de fevereiro e novembro de 2017, utilizando um roteiro de entrevista semiestruturado elaborado a partir do referencial teórico. As entrevistas foram gravadas com autorização prévia dos participantes em local privativo. A coleta dos dados foi interrompida no momento em que se deu a saturação teórica dos dados, de modo que as informações se apresentavam suficientes para responder a questão do estudo(1717 Nelson J. Using conceptual depth criteria: addressing the challenge of reaching saturation in qualitative research. Qual Res. 2016;17(5):554-70. doi: 10.1177/1468794116679873
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).

ANÁLISE E TRATAMENTO DOS DADOS

As entrevistas gravadas foram transcritas a partir de dupla digitação independente, e, posteriormente, foi feita a conferência com as gravações. Cada entrevista foi numerada de acordo com a ordem de realização. Para garantir anonimato e sigilo, os nomes foram substituídos pelas letras M (Mãe), C (Criança) e P (Pai), seguida do número correspondente à ordem de realização da entrevista (ex.: C1, M1, P1). Após a transcrição, o material foi analisado utilizando a análise de conteúdo direcionada(1818 Hsieh H-F, Shannon SE. Three approaches to qualitative content analysis. Qual Health Res. 2005;15(9):1277-88. doi: 10.1177/04973230527668
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), e o software MAXQDA, versão 18 foi usado para o gerenciamento dos dados e processo de codificação.

A definição preliminar dos códigos foi orientada pelo referencial teórico. Em seguida, 8 entrevistas foram codificadadas por dois pesquisadores, independentemente e simultaneamente. As codificações foram comparadas e obtido índice Kappa de 0,75 na concordância intercodificadores. Seguiu-se, então, a codificação pelos mesmos codificadores, de maneira independente, para as demais entrevistas, e, em caso de dúvidas, reuniam-se para consensuar. Ponderamos que todo o processo investigativo adotou critérios que conferissem credibilidade, transferabilidade, dependabilidade e confirmabilidade aos resultados, conforme orientam Guba e Lincon(1919 Guba GE, Lincoln YS. Avaliação de quarta geração. Campinas: Ed Unicamp; 2011.).

ASPECTOS ÉTICOS

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Hospital Sofia Feldeman, sob o Parecer 39746614.9.0000.5132. Está em conformidade com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisas com seres humanos. Previamente às entrevistas, houve o consentimento livre e esclarecido dos participantes seguido da assinaram do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

A idade dos participantes variou de 19 a 49 anos de idade. Quanto ao estado civil, 37 eram casados, dois divorciados ou separados, dois solteiros e um viúvo. A maioria das crianças com SD (25) residia com a mãe, o pai e um ou mais irmãos, 12 residiam apenas com a mãe e o pai, 2 apenas com a mãe e 1 apenas com o pai. Dez crianças não apresentavam plano de saúde e eram usuárias exclusivas do Sistema Único de Saúde (SUS).

O processo analítico dos dados permitiu revelar quatro categorias: Recursos internos iniciais; Recursos internos ao longo do tempo; Recursos externos iniciais; Recursos externos ao longo do tempo. Os recursos internos representam um conjunto de iniciativas, decisões, ações, comunicação e comportamentos que envolvem os membros da família, ou seja, seria a capacidade dos membros de lidar internamente e resolverem os problemas. Os recursos externos representam um conjunto de ações, comunicações e decisões que envolvem membros da família e a relação desses com pessoas ou instituições que não fazem parte do esquema familiar, como, por exemplo, escolas, serviços de saúde ou profissionais, grupos de apoio. Durante o processo de análise, foi necessário distinguir o período inicial e ao longo do tempo que envolvia a SD. O período inicial corresponde ao período do diagnóstico e aos primeiros dias de vida da criança, já as situações ao longo do tempo envolviam o período continuado de crescimento e desenvolvimento da criança.

O coping e a resolução de problemas em situações de crise foram apresentados considerando os seguintes elementos(55 Mccubbin M, Mccubbin, H. Families coping with ilness: the resiliency model family stresse, adjustment, and adaptation. In: Danielson C, Hamel-Bissell B, Winstead-Fry P. Families, health & ilness: perspectives on coping and intervention. St Louis: Mosby-Year Book; 1993. p. 21-63.): (a) apreciação em nível familiar (análises que contribuem para avaliar significados associados à situação estressora); (b) gerenciamento de tensões (ações e comunicação que contribuem para gerenciar tensões resultantes do evento estressor); (c) busca assistencial ou por apoio (ações direcionadas para adquirir apoio ou repostas adicionais que não estavam disponíveis para a família); (d) redução de demandas (ações adotadas para reduzir ou eliminar o número ou intensidade de demandas criadas pela doença).

RECURSOS INTERNOS INICIAIS

Os recursos internos iniciais, utilizados pelas famílias que receberam a notícia e diagnóstico da SD durante a gestação, diferem daqueles de famílias que a receberam após o nascimento. A notícia durante a gestação, apesar de reconhecida como um momento difícil e doloroso, mostrou-se, para a maioria das famílias, como oportunidade de planejamento, preparo e comunicação entre os integrantes das famílias para lidarem com as mudanças após o nascimento da criança. A tomada de decisão de se preparar e a apreciação durante a gestação contribuíram para o processo de aceitação da SD. Especificamente os participantes M25 e P25, mesmo diante da suspeita durante a gestação, optaram por não confirmar se a criança nasceria com a SD, mas mesmo assim sinalizaram que foi possível trabalhar a aceitação ainda na gestação.

(...) então, quando ela nasceu, a gente já tinha essas definições que eu te falei de que eu ia reduzir um pouquinho [do trabalho] e levar ela pra terapias. Então, eu acho que foi bom por causa disso, do planejamento e da aceitação (M4).

A gente soube que ia ser menina e a gente soube que ia ter problema no coração, que poderia ser várias coisas, e o médico ficou muito injuriado com a gente, porque nós não fizemos o cariótipo fetal, pois ia trazer riscos pra C25 e pra mãe e era simplesmente pra matar curiosidade (P25).

Situações que envolveram o diagnóstico sobre a SD durante a gestação e após o nascimento da criança foram reconhecidas, inicialmente, como difíceis, dolorosas e preocupantes. Contudo, após o nascimento, as necessidades afetivas e de cuidados requeridas pelos recém-nascidos exigiram dos cuidadores lidar com a tristeza inicial, assegurar o cuidado e tomar decisões para a busca assistencial ou de apoio. Esse processo de apreciação, mesmo difícil, contribuiu para ressignificar a situação vivida, reconhecendo que a SD não é uma doença.

No primeiro momento, foi muito difícil, a família toda chorou muito, sabe? Eu e meu marido a gente passou, assim dias chorando, sabe? (...) todo mundo sofrendo muito, né? E eu, assim, precisei de conter essa tristeza, porque, assim, eu tinha que cuidar dele né! (M22).

Então, a gente ficou preocupado, mas, ao mesmo tempo, aliviado porque não é uma doença. É simplesmente um cromossomo a mais que ele tinha e que fazia dele diferente das outras pessoas, mas que não era problema, não (M16).

A aceitação da SD, no período inicial, pode estar ausente para um integrante da família, contudo o apoio e comunicação com outros membros da família se mostram como recurso de gerenciamento de tensões que favoreceu uma apreciação mais positiva acerca da situação.

O mais difícil foi pra ela (M7). Ela não aceitou, de maneira nenhuma ela aceitou. Depois, com muita conversa minha, com muita conversa das minhas irmãs, de todo mundo da minha família, da mãe dela. Ela já caiu um pouco mais na real (P7).

RECURSOS INTERNOS AO LONGO DO TEMPO

Ao longo do tempo, há uma redução do orçamento doméstico ocasionada, dentre outros fatores, pelos gastos com atendimentos profissionais para a criança e abandono do trabalho. A reorganização financeira, redução de gastos e aumento de jornada de trabalho foram recursos internos adotados por integrantes das famílias para lidar com isto.

A gente tem a consciência do problema que a gente tá enfrentando, esse problema financeiro (...) cortamos vários gastos né, os meninos que sempre estudaram em escola particular foram pra escola pública (M25).

A gente gasta muito dinheiro, muito dinheiro! Praticamente, meu salário é todo investido nos atendimentos dele, então eu trabalho mais um horário só pra dar condições de vida para meu filho (M22).

A comunicação e compartilhamento de tarefas entre diferentes membros das famílias e a organização da rotina e definição de prioridades são recursos de gerenciamento de tensões que auxiliaram a enfrentar situações e a solucionar problemas relacionados às diferentes demandas que se apresentam. Ao longo do tempo, foram identificados, também, desafios que envolvem os outros filhos, irmãos das crianças com SD, decorrido do tempo prolongado de cuidado que os pais dedicam às crianças com SD e também da necessidade de terem a ajuda dos irmãos nesse processo. Nessas situações, as famílias recorrem a estratégias de comunicação e participação ativa dos irmãos para o gerenciamento de tensões e auxílio no cuidado. Apesar desses desafios, os participantes reconhecem que há união familiar.

Eu fico com C7 à noite e o pai fica com ele de manhã. À tarde, ficamos nós dois, ou às vezes ele sai mais cedo pra ir trabalhar (M7).

Falar e demonstrar para ele [irmão da criança com SD]: "C33 já tem quatro anos, mas ela ainda tem atitudes de bebê, então eu preciso de cuidar e você com quatro anos já tomava seu banho sozinho e ela eu dou o banhozinho nela, então algumas coisas eu preciso fazer com ela, por ela, que você não precisa mais". É tentar mostrar isso pra ele mesmo (M33).

Tem, tem, assim, o apoio do meu marido e da minha família, né, então assim, até meu filho mais novo às vezes ele percebe "Oh, mamãe, cê tá triste? Cê quer conversar?". Eu falo assim: A mamãe tá tão cansada! "Oh, mamãe num fica assim, daqui a pouco isso passa". Igual a gente fala com ele, então isso é que ajuda assim. Se unir (M26).

Mediante a necessidade de desenvolvimento da criança, a apreciação é um recurso interno utilizado pelas famílias para auxiliá-las na aquisição de habilidades, tais como manter uma rotina de estimulação, reconhecer, respeitar e aceitar que a criança com SD, mesmo com estímulos, poderá demandar mais tempo para alcançar marcos do desenvolvimento.

Então, você tem que aprender a enxergar as coisas de outro modo pra você poder usar disso em favor da criança ou na sua rotina, porque uma coisa é criança ser levada no profissional pra fazer uma terapia, outra coisa é você transformar a rotina dela numa estimulação constante (M31).

Ao longo do tempo, foram identificadas análises das famílias quanto ao futuro das crianças especialmente relacionadas à aquisição de independência e/ou autonomia. Essa apreciação é permeada por incertezas e inseguranças e diferentes estratégias são adotadas ou pensadas para lidar com isso, tais como investir na estimulação para aquisição de habilidades, autocuidado e autonomia, reconhecer a criança para além das condições da síndrome, construir esperança de que algum membro da família assumirá os cuidados quando os pais não estiverem mais presentes, identificar direitos como pensão e acesso a emprego, reconhecer os avanços e aquisições de habilidades da criança.

É isso que eu quero fazer! Eu quero criar ele como uma criança com condições, um adulto com condições de trabalhar, de se manter, de cuidar das coisas pessoais dele. Então, ver essas possibilidades nele e incentivar desde pequenininho pra ele ter autonomia na vida dele (M15).

Eu acho que ele [irmão] que vai continuar cuidando dela quando eu não tiver aqui, que eu não puder olhar. Eu acho que ele que vai cuidar, porque os dois tem uma ligação que não dá pra entender. E as coisas vão mudando e os nossos anseios também. Quando ela não andava, eu falava assim: - Só dela andar, já vai tá bom. Aí, começou a andar, e isso já não foi mais uma preocupação. (...) e então, percebe como as coisas vão mudando? Os nossos anseios, nossas necessidades também vão mudando! (M25).

No Quadro 1, apresentamos os recursos internos iniciais e ao longo do tempo que representam coping e resolução de problemas no cenário desta investigação.

Quadro 1
Recursos internos que representam estratégias de coping e resolução de problemas.

RECURSOS EXTERNOS INICIAIS

Identificamos a busca assistencial ou de apoio no período inicial, tais como busca de informações sobre a síndrome, assistência à saúde, direitos e de grupos de apoio para auxiliar a lidar com as situações que envolvem o período logo após o diagnóstico. A busca por informações e a Crença em Deus foram também recursos identificados no período inicial

Eu tive aquele desespero no início, mas já comecei, tem que fazer, tem que ir pra fono, tem que fazer fisioterapia, vamos fazer fisioterapia (...) eu já fui correndo atrás, tudo. Tá difícil, to pagando passagem demais, vamos correr atrás do passe livre, então fui, entendeu? (M19).

Primeiro nós buscamos os médicos, pra saber o grau de dificuldade que a gente ia ter, mas antes dos médicos nós buscamos a Deus (...) e a gente buscou algumas informações na internet (M32).

RECURSOS EXTERNOS AO LONGO DO TEMPO

Ao longo do tempo, em relação à busca por informações, verificou-se uma modificação na natureza das informações que passaram a ser relacionadas a conteúdos de desenvolvimento e inclusão escolar.

Eu estudo, mas basicamente vejo o que é importante para ele e busco esses atendimentos. Leio sobre tudo, sobre a questão de inclusão na escola, até mesmo para tentar fazer valer o direito dele (M22).

Ao longo do tempo, a escolha pela melhoria do cuidado de seu filho com SD induz o gerenciamento de tensões relacionadas ao emprego dos pais, como deixar de trabalhar fora de casa, reduzir carga horária, mudar de local de trabalho para ficar próximo de casa e negociar e/ou flexibilizar horários para o acompanhamento da criança nas terapias. Outros cuidadores decidiram manter o trabalho, uma vez que a própria situação de atendimentos requeridos e despesas com a criança não deixavam outra alternativa.

Ah, eu parei de trabalhar pra cuidar dele. Acho que a mudança maior que teve foi essa. Porque eu trabalhava até quando ele nasceu, aí como a mãe dele tava com depressão pós-parto muito séria, eu parei de trabalhar pra poder cuidar dele. Levar ele pra fazer a fisioterapia, fono e tal (P2).

Quando eu voltei a trabalhar é que ficou complicado, tive que conversar aqui, o pessoal já sabia, falei "olha eu vou ter que sair todos os dias em determinado horário pra levar, pra acompanhar, deixar ele em casa e voltar" (M1).

O uso de medicação foi identificado como recurso utilizado por uma mãe para auxiliar a gerenciar tensões do cotidiano.

Muito antidepressivo, tomo muito antidepressivo pra dar conta, e ele [criança com SD]! Ele é quem me restaura todos os minutos, né? Ele é muito gostoso, muito chique. Ele e o antidepressivo (E36).

A inserção da criança no ambiente escolar é marcada pela busca de diferentes recursos como reuniões com profissionais da escola, mediação entre profissionais da escola e da saúde (fisioterapeutas, fonoaudiólogos, etc) e adaptações das atividades escolares.

Porque a questão do dever de casa não é só ele estar desperto e ter alguém pra ajuda a fazer com ele, é que o dever de casa tem que ser todo adaptado. Eles são muito visuais (...) você tem que mediar, o dever dele é todo mediado, então a gente tem que aprender a mediar e ele estar disposto pra fazer, então tem que fazer isso também (M31).

E converso muito na escola, né, marco sempre reunião pra conversar e as terapeutas vão até a escola também, né, informa à escola de algumas necessidades dele, orienta (M22).

Ao longo do tempo, a redução de demandas é mencionada por participantes a partir das seguintes estratégias: decidir por morar em local estratégico para viabilizar a rotina como procurar por escola para a criança próxima ao domicílio e reduzir deslocamentos com a mudança das terapias para o próprio domicílio; realizar decisões acerca da rotina que permita melhor aproveitamento da criança e rever a quantidade de atividades a qual a criança realiza.

Então assim a escola é perto de casa, isso é ótimo, mas isso é de propósito que a gente foi morar perto da escola. (...) a gente falou que tem que morar por aqui, então é tudo perto pra gente dar conta de tanta coisa (M40).

A agenda dela é cheíssima, eu até tô questionando muito isso, porque ninguém dá alta pra ela. Só que eu acho que a gente tem que repensar, eu acho que ela tá super sobrecarregada, ela e eu, consequentemente (M24).

No Quadro 2, apresentamos os recursos externos iniciais e ao longo do tempo que representam coping e resolução de problemas no cenário desta investigação.

Quadro 2
Recursos externos que representam estratégias de coping e resolução de problemas.

Na Figura 1, apresentamos os recursos internos e externos que representaram estratégias de coping e resolução de problemas que contribuíram para o processo de ajustamento e adaptação de famílias de crianças com SD. Destacamos que os recursos internos influenciam e interferem nos externos e vice-versa, compondo um conjunto dinâmico de relação entre estes, as famílias e o contexto, no processo adaptativo.

Figura 1
Recursos internos e externos que representam coping e resolução de problemas.

DISCUSSÃO

A apreciação familiar, inicial e ao longo do tempo, contribuiu para o desenvolvimento de recursos familiares internos na medida em que seus membros avaliam e analisam os significados associados à SD, tentando fazer desta experiência algo mais construtivo, gerenciável e aceitável para o esquema familiar. À luz do referencial(55 Mccubbin M, Mccubbin, H. Families coping with ilness: the resiliency model family stresse, adjustment, and adaptation. In: Danielson C, Hamel-Bissell B, Winstead-Fry P. Families, health & ilness: perspectives on coping and intervention. St Louis: Mosby-Year Book; 1993. p. 21-63.), podemos inferir que a análise de situações que envolvem a SD permitiu preparar, planejar para mudanças e para o futuro, desenvolver a capacidade de apoio e união intrafamiliar e reconhecer e aceitar as singularidades de uma criança com SD, resignificando as situações vividas.

Estudo com famílias de crianças com SD aponta que famílias e seus integrantes são capazes de abstrair sentido positivo às adversidades e de estabelecer novo significado para a condição(44 Rooke M I, Pereira-Silva N L. Indicativos de resiliência familiar em famílias de crianças com Síndrome de Down. Estud Psicol (Campinas). 2016;33(1):117-26. doi: 10.1590/1982-027520160001000012
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). Aliado a isso, identifica-se que habilidades de comunicação intrafamiliar, coesão entre seus membros, o apoio e a qualidade de serviços de saúde contribuem para a adaptação familiar(33 Caples M, Martin AM, Dalton C, Marsh L, Savage E, Knafl G, et al. Adaptation and resilience in families of individuals with Down Syndrome living in Ireland. Br J Learn Disabil. 2018;46:146-54. doi:10.1111/Bld.12231
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,2020 Choi EK, Yoo IY. Resilience In families of children with Down syndrome in Korea: family resilience and Down syndrome. Int J Nurs Pract. 2015;21(5):532-41. doi: 10.1111/ijn.12321
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). Pesquisadores sugerem que intervenções de enfermagem devem considerar esses aspectos para promover a resiliência(2020 Choi EK, Yoo IY. Resilience In families of children with Down syndrome in Korea: family resilience and Down syndrome. Int J Nurs Pract. 2015;21(5):532-41. doi: 10.1111/ijn.12321
https://doi.org/10.1111/ijn.12321...
).

Internamente e inicialmente, a família busca se organizar para assistir o RN em suas necessidades e demandas de cuidados, e isso pode ser reconhecido como uma estratégia de coping e resolução de problemas. Como recursos externos que representam a busca assistencial ou por apoio, encontramos busca por informações, inicialmente sobre a SD e ao longo do tempo sobre estimulação e inclusão, busca por assistência a saúde, por direitos e por grupos de apoio, adoção de estratégias para estimulação da criança, bem como a crença em Deus.

Pesquisa que objetivou analisar a esperança em mães de crianças com SD e sua associação com comportamentos de coping adotados pela família e a qualidade do relacionamento destas mães com os pais indicou que a crença em Deus ou religiosidade foram significativamente associadas à maior esperança e qualidade no relacionamento entre os pais de crianças com SD(1414 Cless JD, Nelson GBS, Durtschi JA. Hope, coping, and relationship quality in mothers of children with Down syndrome. J Marital Fam Ther. 2018;44(2):307-22. doi: 10.1111/jmft.12249
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). Resultados semelhantes são apresentados em pesquisas que apontam que, diante das dificuldades, as famílias de crianças com SD recorrem à fé religiosa e se envolvem mais com os cuidados de seu filho(44 Rooke M I, Pereira-Silva N L. Indicativos de resiliência familiar em famílias de crianças com Síndrome de Down. Estud Psicol (Campinas). 2016;33(1):117-26. doi: 10.1590/1982-027520160001000012
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), buscando assistência de profissionais e se reunindo com a equipe pedagógica da escola para traçar estratégias que possam resolver ou minimamente permitir lidar ativamente com o problema, aumentando o senso de competência e indicando um enfrentamento ativo do estressor(2121 Reis LB, Paula KMP. Coping materno da Síndrome de Down: identificando estressores e estratégias de enfrentamento. Estud Psicol (Campinas). 2018;35(1):77-88. doi: 10.1590/1982-02752018000100008
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).

Os recursos internos que representam gerenciamento de tensões são identificados como a capacidade de desenvolver a comunicação intrafamiliar para lidar com o diagnóstico, adotar uma reorganização da rotina e dos recursos financeiros da família, incorporando estratégias de definição de prioridades e compartilhamento de tarefas e decisões. Identifica-se, ainda, a habilidade de mediar situações conflituosas ou de sobrecarga que envolve os irmãos da criança com SD, e, ao superar estes conflitos, percebe-se maior união familiar.

As famílias de crianças com SD podem apresentar uma capacidade de se organizar de forma cooperativa, com diálogo, estreitamento dos vínculos contribuindo para uma perspectiva positiva e adaptativa(44 Rooke M I, Pereira-Silva N L. Indicativos de resiliência familiar em famílias de crianças com Síndrome de Down. Estud Psicol (Campinas). 2016;33(1):117-26. doi: 10.1590/1982-027520160001000012
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). Conjuntamente, os profissionais podem promover a adaptação auxiliando os pais a reduzirem os estressores, a encontrarem suportes adicionais e valorizando o desenvolvimento da criança e de sua família para lidar com as situações(99 Hall HR, Neely-Barnes SL, Graff JC, Krcek TE, Roberts RJ, Hankins JS. Parental stress in families of children with a genetic disorder/disability and the resiliency model of family stress, adjustment, and adaptation. Issues Compr Pediatr Nurs. 2012; 35(1):24-44. doi: 10.3109/01460862.2012.646479
https://doi.org/10.3109/01460862.2012.64...
).

Estudos dedicados a compreender as repercussões da síndrome para os irmãos de crianças com SD apontam que eles passam por processos de aceitação, confusão e por várias outras complexidades com a qual a síndrome está atrelada; contudo, identifica-se relação afetiva e competência de interação entre eles(2121 Reis LB, Paula KMP. Coping materno da Síndrome de Down: identificando estressores e estratégias de enfrentamento. Estud Psicol (Campinas). 2018;35(1):77-88. doi: 10.1590/1982-02752018000100008
https://doi.org/10.1590/1982-02752018000...
-2222 Choi H, Van Riper M. Maternal perceptions of sibling adaptation in korean families of children with Down Syndrome: adaptation in siblings of children with Down Syndrome. J Intellect Disabil Res. 2014;58(10):962-77. doi: 10.1111/jir.12126
https://doi.org/10.1111/jir.12126...
). Grupos de apoio direcionados aos irmãos podem auxiliar famílias a lidarem de forma positiva com os desafios presentes em situações que envolvem a adaptação de irmãos de crianças com SD(2323 Batista BR, Duarte M, Cia F. A interação entre as pessoas com síndrome de Down e seus irmãos: um estudo exploratório. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(10):3091-9. doi: 10.1590/1413-812320152110.17282016
https://doi.org/10.1590/1413-81232015211...
).

Como recursos externos adotados para gerenciar tensões, identificamos as decisões e negociações relativas ao emprego e estratégias para favorecer a inserção e a inclusão escolar da criança. Pesquisa comparativa entre grupos de crianças com desenvolvimento típico e crianças com deficiência encontrou que cuidadores deste último grupo infantil chegam a ter 3 vezes mais chances de desenvolver preocupações e stress com o orçamento familiar(2424 Goudie A, Narcisse MR, Hall DE, Kuo DZ. Financial and psychological stressors associated with caring for children with disability. Fam Syst Health. 2014;32(3):280-90. doi: 10.1037/fsh0000027
https://doi.org/10.1037/fsh0000027...
). Considerando isso e os achados da presente pesquisa, podemos inferir que a família precisa ser apoiada em suas decisões envolvendo o trabalho, considerando que isso poderá afetar ou reduzir o orçamento doméstico. As decisões familiares acerca do emprego e a reorganização financeira mostraram-se como coping e resolução de problemas na medida em que contribuíram para equilibrar as demandas apresentadas pela criança, os recursos finaceiros e a disponibilidade de tempo das famílias para dedicação à criança com SD.

Os desafios com a inclusão escolar de crianças com SD são evidentes nos dados analisados aqui, e isso é comprovado por estudo brasileiro(2525 Azevedo APD, Damke ASA. Criança com síndrome de Down: o sentido da inclusão no contexto da exclusão. Rev Educ Espec. 2017;30(57):103. doi: 10.5902/1984686X17862
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). Contudo, ao buscar reduzir a tensão entre a expectativa de incluir a criança nesse ambiente e o despreparo das instituições de ensino, a família adota estratégias de comunicação com a escola e de adptação dos materiais pedagógicos para viabilizar a permanêcia e desenvolvimento da criança com SD.

Compreendemos, conforme argumenta o Modelo de Resiliência, Stress, Ajustamento e Adaptação Familiar(55 Mccubbin M, Mccubbin, H. Families coping with ilness: the resiliency model family stresse, adjustment, and adaptation. In: Danielson C, Hamel-Bissell B, Winstead-Fry P. Families, health & ilness: perspectives on coping and intervention. St Louis: Mosby-Year Book; 1993. p. 21-63.), que a redução de demandas inclui ações para reduzir ou eliminar o número ou intensidade de demandas criadas pela condição. A partir disso, na presente investigação, a redução de demandas incluiu mudança do local de moradia e do local de realização das terapias para diminuir os deslocamentos com a criança e reavaliar para reduzir a quantidade de atendimentos que a criança está realizando.

A análise dos dados permite inferir que há uma escassez de recursos adotados pelas famílias para a redução de demandas, tendo em vista que essas famílias vivenciam sobrecargas(22 Barros ALO, Barros AO, Barros GLM, Santos MTB. Sobrecarga dos cuidadores de crianças e adolescentes com Síndrome de Down. Ciênc Saúde Coletiva. 2017; 22(11): 3625-34. doi: 10.1590/1413-812320172211.31102016
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). Esse achado é relevante na medida em que práticas profissionais e de enfermagem precisam considerar isso para incentivar as famílias a adotarem estratégias de redução das demandas em situações que envolvem a SD.

Inferimos que, ao desenvolver recursos internos iniciais, a família poderá aceitar a condição da criança e ressignificar a SD. Ao longo do tempo, os recursos internos possibilitaram equilibrar as demandas da criança com a capacidade da família de atendê-las. Os recursos externos iniciais viabilizaram a compreensão sobre a SD, favorecendo o atendimento das necessidades de cuidados da criança. Ao longo do tempo, os recursos externos foram adotados para contribuir com o desenvolvimento da criança.

A análise permite inferir que os recursos que representam coping familiar e resolução de problemas contribuíram para mudanças na dinâmica familiar. Em tese, o Modelo de Resiliência, Stress, Ajustamento e Adaptação Familiar(55 Mccubbin M, Mccubbin, H. Families coping with ilness: the resiliency model family stresse, adjustment, and adaptation. In: Danielson C, Hamel-Bissell B, Winstead-Fry P. Families, health & ilness: perspectives on coping and intervention. St Louis: Mosby-Year Book; 1993. p. 21-63.) defende que, diante de uma situação de crise, induzida por uma condição crônica, por exemplo, as famílias se adaptam por instituírem mudanças nos padrões familiares de funcionamento no esquema ou estrutura e mudanças na relação da família com o mundo externo a ela. Essa premissa é congruente com os resultados desta investigação na medida em que foi possível identificar os recursos internos desenvolvidos que repercutem na dinâmica e no funcionamento das famílias e na aquisição de recursos externos que também contribuíram para tornar as situações mais construtivas, gerenciáveis e aceitáveis.

Como limitações desta pesquisa, citamos que a maioria dos participantes do estudo estava ligada a um cenário específico, o que pode não refletir a situação vivida em outros contextos culturais e com acesso a diferentes serviços da rede de atenção a saúde. Os pais também estavam sub-representados na amostra e estamos cientes do fato de que entrevistas com outros membros do núcleo familiar poderiam trazer perspectivas complementares.

CONCLUSÃO

Inicialmente, estratégias de coping e resolução de problemas contribuíram para as famílias aceitarem e resignificarem ideias e sentimentos relacionados à SD. Neste sentido, as intervenções de enfermagem e dos profissionais, no período após o diagnóstico, precisam contribuir para que a família adote recursos, tais como busca de informações e compreensão sobre a síndrome e suas repercussões futuras, desenvolvimento de uma comunicação intrafamiliar efetiva, apoio para realizar os cuidados com o RN com SD, adotar estratégias de planejamento e preparo para as mudanças que acontecerão na família e estabelecer contato com grupos de famílias de crianças com SD.

Ao longo do tempo, os recursos adotados representaram mudanças nos padrões familiares de funcionamento e na relação da família com o mundo externo. Neste período, práticas profissionais articuladas e que apoiem as famílias em decisões assertivas acerca do crescimento e desenvolvimento da criança, bem como apoio para o gerenciamento das tensões que surgem ao longo do tempo, incentivo para a família conversar e compartilhar internamente as decisões acerca da rotina familiar, reconhecer e incentivar as potencialidades e crenças destas famílias, auxiliá-la a reconhecer e valorizar as singularidades de uma criança com SD e orientá-la acerca dos direitos sobre a inclusão social podem se configurar como práticas promotoras da adaptação familiar.

É oportuno esclarecer que a existência de estratégias de coping e de resolução de problemas não assegura uma boa adaptação, entretanto identificá-las permite apresentar quais recursos podem ser usados para tornar o processo gerenciável para o esquema familiar. Os enfermeiros poderão utilizar os achados aqui descritos como pistas para encorajar as famílias a lidarem de uma forma melhor com situações que envolvem a SD.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    02 Abr 2020
  • Aceito
    09 Maio 2020
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