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A criança com diabetes Mellitus Tipo 1: a vivência do adoecimento* * Extraído do trabalho de conclusão de curso: “A criança com diabetes mellitus tipo 1: vivência e enfrentamento”, Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, Universidade Federal Fluminense, 2018.

RESUMO

Objetivo:

Identificar os principais desafios vivenciados pela criança com diabetes mellitus tipo 1 e descrever as estratégias de enfrentamento que utilizam para se adaptarem.

Método:

Estudo de abordagem qualitativa, realizado por meio de entrevista semiestruturada com crianças de 8 a 11 anos com diagnóstico de diabetes mellitus tipo 1 atendidas em ambulatório de um hospital universitário no Estado do Rio de Janeiro. Os resultados foram analisados e categorizados segundo análise temática.

Resultados:

Participaram cinco crianças. Os relatos emergiram da sistematização dos dados qualitativos, em um processo de apreensão de significado dos depoimentos das crianças e adolescentes, que derivou na categoria “Viver com diabetes”, com duas subcategorias: “Desafios no enfrentamento do adoecimento” e “Participação e apoio da família no processo do adoecimento”.

Conclusão:

Constata-se que o processo de enfrentamento do adoecimento ocorre de forma singular para cada criança. No entanto, a participação e o apoio da família, assim como a comunicação dos profissionais de saúde, são fundamentais nesse processo.

DESCRITORES:
Criança; Diabetes Mellitus Tipo 1; Adaptação Psicológica; Enfermagem Pediátrica; Família; Doença Crônica

ABSTRACT

Objective:

To identify the main challenges faced by children with type 1 diabetes mellitus and describe their coping strategies.

Method:

Qualitative study conducted with a semi-structured interview with children aged 8 to 11 with type 1 diabetes mellitus diagnosis who received care in the outpatient clinic of a university hospital in the state of Rio de Janeiro, Brazil. The results have been analyzed and categorized as per thematic analysis.

Results:

Five children have participated. The reports have emerged from the systematization of the qualitative data, in a process of apprehending meaning from statements of children and adolescents, which led to the category “Living with diabetes”, including two subcategories: “Challenges to disease coping” and “Family participation and support in the disease process”.

Conclusion:

The process of disease coping is observed to occur differently for each child. However, family participation and support, as well as communication with health professionals, are fundamental in this process.

DESCRIPTORS:
Child; Diabetes Mellitus, Type 1; Adaptation, Psychological; Pediatric Nursing; Family; Chronic Disease

RESUMEN

Objetivo:

Identificar los principales desafíos para los niños con diabetes mellitus tipo 1 y describir las estrategias de afrontamiento que utilizan para adaptarse.

Método:

Estudio cualitativo, realizado a través de entrevistas semiestructuradas con niños de 8 a 11 años diagnosticados con diabetes mellitus tipo 1 y atendidos en el ambulatorio de un hospital universitario del estado de Rio de Janeiro, en Brasil. Los resultados se analizaron y clasificaron según el análisis temático.

Resultados: Participaron cinco niños. Los relatos surgieron de la sistematización de los datos cualitativos, en un proceso de aprehensión del significado de los testimonios de niños y adolescentes, que derivó en la categoría “Vivir con diabetes”, con dos subcategorías: “Desafíos en el afrontamiento de la enfermedad” y “Participación y apoyo de la familia en el proceso de la enfermedad”.

Conclusión:

Se constata que el proceso de afrontamiento de la enfermedad ocurre singularmente con cada niño. Sin embargo, la participación y el apoyo de la familia, así como la comunicación de los profesionales sanitarios, son esenciales en este proceso.

DESCRIPTORES:
Niño; Diabetes Mellitus Tipo 1; Adaptación Psicológica; Enfermería Pediátrica; Familía; Enfermedad Crónica

INTRODUÇÃO

A diabetes Mellitus tipo 1 (DM1) é uma doença crônica, não transmissível, caracterizada pela destruição de células beta pancreáticas, responsáveis pela produção de insulina. Trata-se de um dos distúrbios metabólicos e endócrinos mais comuns entre crianças e adolescentes(11 Merino MFG, Oliveira RR, Silva PLAR, Carvalho MDB, Pelloso SM, Higarashi IH. Hospitalization and mortality by diabetes mellitus in children: analysis of temporal series. Rev Bras Enferm. 2019;72 Suppl 3:147-53. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0299
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018...
). No ranking mundial, em 2019, o Brasil encontrava-se em terceiro lugar, com 51.500 crianças e adolescentes (0-14 anos) com DM1 e uma estimativa de 7.300 novos casos por ano(22 International Diabetes Federation. IDF Diabetes Atlas [internet]. Brussels: IDF; 2019. [cited 2020 June 29]. Available from: https://www.diabetesatlas.org
https://www.diabetesatlas.org...
).

A convivência da criança com DM1 remete a comprometimentos tanto fisiológicos como emocionais. Essas crianças vivenciam situações estressantes ao longo do tratamento, que afetam o convívio social e familiar, tendo em vista que a terapêutica para controle da doença implica em limitações de atividades, seguimento de dieta específica, submissão a procedimentos dolorosos, alterações corporais e repetidas internações hospitalares. Diante dessas demandas, elas podem ter dificuldades para aceitar sua condição, que lhes desperta sentimento de revolta por perceberem-se diferentes de seus pares(33 Silva MEA, Moura FM, Albuquerque TM, Reichert APS, Collet N. Network and social support in children with chronic diseases: understanding the child's perception. Texto Contexto Enferm. 2017;26(1):1-10. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072017006980015
https://doi.org/10.1590/0104-07072017006...
).

Os desafios de viver com a DM1 são inúmeros e os profissionais de saúde precisam compreendê-los, assim como as estratégias de enfrentamento, a fim de auxiliarem crianças e suas famílias na melhor condução do tratamento e a se adaptarem a uma nova forma de viver. Crianças são as melhores fontes de informação sobre suas próprias experiências e sentimentos. Elas podem expressar seus pensamentos de diferentes formas e, para isso, é necessário o profissional de saúde adentrar o universo infantil e permitir que expressem as situações por elas vivenciadas(33 Silva MEA, Moura FM, Albuquerque TM, Reichert APS, Collet N. Network and social support in children with chronic diseases: understanding the child's perception. Texto Contexto Enferm. 2017;26(1):1-10. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072017006980015
https://doi.org/10.1590/0104-07072017006...
-44 Santos PM, Silva LF, Depianti JRB, Cursino EG, Ribeiro CA. Nursing care through the perception of hospitalized children. Rev Bras Enferm. 2016;69(4):646-53. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167.2016690405i
https://doi.org/10.1590/0034-7167.201669...
).

É preciso dar voz às crianças para que suas singularidades sejam respeitadas, uma vez que a maioria das pesquisas sobre o cuidado à criança aborda o tema sob a perspectiva dos familiares ou dos profissionais de enfermagem(44 Santos PM, Silva LF, Depianti JRB, Cursino EG, Ribeiro CA. Nursing care through the perception of hospitalized children. Rev Bras Enferm. 2016;69(4):646-53. doi: https://doi.org/10.1590/0034-7167.2016690405i
https://doi.org/10.1590/0034-7167.201669...
). Nesse sentido, ouvir a criança com diabetes, além de ser uma forma de valorização da sua experiência, fornece subsídios para o cuidado clínico dessa população(55 Queiroz MVO, Brito LMMC, Pennafort VPS, Bezerra FSM. Sensitizing children with diabetes to self-care: contributions to educational practice. Esc Anna Nery. 2016;20(2):337-43. doi: https://doi.org/10.5935/1414-8145.20160046
https://doi.org/10.5935/1414-8145.201600...
).

Assim, justifica-se a importância deste estudo, que teve por objetivos identificar os principais desafios vivenciados pela criança com Diabetes Mellitus tipo 1 e descrever as estratégias de enfrentamento que utilizam para se adaptarem a essa doença.

MÉTODO

Desenho do estudo

Trata-se de estudo de abordagem qualitativa(66 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014.) realizado no ambulatório especializado de um hospital universitário no estado do Rio de Janeiro.

População

Participaram cinco crianças que estavam em seguimento ambulatorial e atenderam aos seguintes critérios de inclusão: em idade escolar, alfabetizadas, diagnosticadas com DM1 por um período mínimo de um ano e que aceitassem participar do estudo. Foram excluídas crianças com alguma doença mental que impossibilitasse a realização da entrevista ou que não comparecessem às consultas ambulatoriais durante a fase de coleta de dados. Vale ressaltar que, no período da coleta de dados, havia seis crianças em atendimento, e apenas uma não aceitou participar da pesquisa.

Coleta dos dados

A coleta de dados foi realizada de janeiro a fevereiro de 2018. As crianças foram convidadas a participar do estudo enquanto aguardavam a consulta de acompanhamento no ambulatório do serviço de endocrinologia. As entrevistas semiestruturadas foram gravadas e aconteceram em uma sala reservada e privada que estivesse disponível no momento. As entrevistas tiveram duração média de 40 minutos. Foi utilizada a seguinte questão disparadora: “conte para mim, como é pra você viver com diabetes tipo 1?” As entrevistas foram realizadas na presença dos responsáveis pelas crianças. Assim que finalizadas, foram feitas as transcrições dos áudios a fim de se obter uma construção analítica dos dados e compreender a experiência das crianças diante da descoberta da doença e as mudanças que sofreram, assim como a vivência e os sentimentos que transpassaram essa experiência.

Análise e tratamento dos dados

A análise dos dados foi realizada segundo a técnica de Análise de temática(66 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; 2014.). Foram seguidas as três etapas para a operacionalização dos dados qualitativos: Pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados para a produção de sentidos e significados a partir da inferência e interpretação. Os núcleos de sentido foram identificados e agrupados para categorização levando em consideração as ideias centrais e relevantes presentes nos relatos das crianças.

Aspectos éticos

O estudo respeitou as diretrizes e critérios estabelecidos na Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital cenário do estudo sob o Parecer n. 2.436.143 em dezembro de 2017. O anonimato dos participantes foi garantido por meio da identificação da letra C (criança) seguida de algarismos arábicos, de acordo com a sequência das entrevistas (1, 2, 3, ...). O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi entregue em duas vias a cada responsável da criança e, somente após a leitura e esclarecimentos, foi assinado por aqueles que concordaram em participar. As crianças assinaram o termo de assentimento e foi assegurada a liberdade de participação espontânea e o direito de desistência em qualquer momento da pesquisa.

RESULTADOS

Os participantes do estudo foram cinco crianças, três do sexo feminino e duas do sexo masculino, com idades entre 8 e 11 anos, que estavam entre o 4° e o 7° ano do ensino fundamental. O tempo de patologia no grupo variou de dois a seis anos.

A partir dos relatos das crianças, emergiu uma única categoria: “Viver com diabetes”, com apresentação de duas subcategorias: “Desafios no enfrentamento do adoecimento” e “Participação e apoio da família no processo do adoecimento”.

Viver com diabetes

Essa categoria apresenta o cotidiano da criança com DM1, seus sentimentos, as dificuldades em aceitar a doença e o dia a dia na escola, em casa e com os amigos.

Desafios no enfrentamento do adoecimento

Durante a vivência com a DM1, a criança passa por diversas fases devido ao seu diagnóstico e muitas coisas começam a mudar em sua vida. Essas mudanças acabam levando a uma profunda transformação do seu mundo, fazendo com que ela necessite conviver com certas limitações, situações e novas rotinas. A cada dia é necessário passar por diversos desafios: tudo que ela podia e agora não pode mais, as dificuldades na aplicação de insulina e as barreiras e as limitações referentes à alimentação, principalmente com relação ao alimento doce, conforme observa-se nas seguintes falas:

É difícil, né (...). Todo mundo assim: ah, você já tem desde pequena, então vai ser a mais controlada de todas. Não, não éassim que funciona. É difícil porque eu fazia um monte de besteira que não erapra fazer (C1).

É que eu fico, quando o açúcar fica alto, eu fico chateado quando vejo as pessoas comendo doce (C2).

Ficar sem comer doce. Isso é difícil pra mim... e tomar insulina todo dia também (C3).

(.) via alguém comendo doce e queria também, mas sei que não posso agora, mas eu gostava muito. Eu comia muito. Hoje não posso desse jeito (C5).

Uma das crianças participantes destacou a dificuldade em aceitar a doença como algo definitivo. Observa-se que, ao mesmo tempo que parece aceitar a doença, tem a esperança de que seja algo temporário, que algum dia se encontre a cura e não precise se submeter a tudo aquilo:

(.) eu sei que eu tenho, né, mas ainda tem aquela coisa assim: espero que um dia venha uma cura e eu não precise ter que levar essa coisa de..pô, seria muito bom se eu não fosse diabética (C1).

No decorrer do tempo, a criança vai adquirindo autoco-nhecimento e começa a aprender e reconhecer os sinais que seu corpo dá com relação à doença. Ela passa a entender o que é a tontura, o cansaço, a polidipsia (vontade de beber água) ou a polaciúria (vontade de ir ao banheiro várias vezes), conforme evidenciam os seguintes relatos:

(.) comecei a passar mal, eu não sabia falar, não conseguia falar porque às vezes acontece isso, de você perder a voz, de ficar cega, e não consegue falar (C1).

Às vezes meu corpo fica ruim. Quando a diabetes sobe, fico cansado, com as costas doendo. Quando ela tá alta, toda hora bebo água, aí toda hora vou no banheiro (C3).

Às vezes é chato, porque fico sem açúcar e passo muito mal, fico cansada, não sinto minhas pernas, fico tonta (C4).

No entanto, quando a criança passa a reconhecer os sinais e sintomas e a entender seus significados, percebe também que não pode manter a sua rotina e nem brincar com a mesma intensidade ou fazer exercícios físicos como antes de descobrir a DM1:

Ah, andar de bicicleta. Eu andava muito de bicicleta, corria. Agora não, cansa, cansa mais rápido. Às vezes, quando eu vou andar de bicicleta, a perna começa a ficar mole, eu paro. (C4).

Tipo, tem Educação Física na escola, aí eu faço, mas não muito, porque fico muito cansada (...) Pra andar sozinha também, aí eu não ando (C5).

Outro desafio que a criança enfrenta está relacionado à monitorização da glicemia capilar, a frequência na administração da insulina, as marcas da aplicação no corpo e a necessidade da realização desses procedimentos várias vezes por dia:

Me picar (...) é muito ruim e o dedo fica doendo depois (...) a barriga (...) fica cheia de manchinha (...) porque são muitas vezes (C4).

(.)fico com o meu dedo doendo [na monitorização da glicemia capilar]. Minha barriga também [na aplicação da insulina]. Sei que tenho que fazer, né, então eu faço (C5).

O sentimento de revolta que essa vivência traz está diretamente relacionado ao processo de aceitação da doença. Nas entrevistas, nota-se frustração, inconformismo e irritação voltados, principalmente, para a insulina, para o tratamento e para a dieta, como podemos ver:

(...) tem aquela coisa de não quero aplicar insulina, não quero fazer isso. Não quero furar meu dedo, que fica todo machucado, todo furado. É uma coisa que às vezes eu não quero. Tem vezes que eu acho que não tenho diabetes, porque meus resultados ficam bons (C1).

Não gosto de colocar insulina. Às vezes digopra minha mãe que não quero [tomar]. (...) Dói muito (C2).

(.) e eu tenho que levar picada toda hora no meu dedo (...) e doí, né. Não gosto disso também (C3).

É horrível. Não sabia o que era isso e tive que tirar muita coisa que eu gostava de comer. Aí ela [a médica] foi me tirando tudo que eu gostava e fiquei bem irritada (C4).

Eu não sabia o que era, depois que ela [a médica] foi falando, eu não acreditei que iaficar sem comer doce e me picar (...) achava que ia passar, mas é pra sempre (...) fiquei irritada (C5).

Junto a esse sentimento, vem também o medo e ansiedade, com o preconceito, que pode levar ao isolamento. Este pode acontecer principalmente na escola e nas rodas de amizades, além do rótulo que acabam impondo à criança que possui DM1 ao diferenciá-la dos demais. Esses motivos também a levam a não contar para todo mundo sobre a sua doença:

Não, eles [amigos] não sabem não (C2).

Tenho duas melhores amigas. Pra elas, eu contei. Mas eu procuro não falar, eu não falo. Assim, tem pessoas que sabem que eu tenho, mas eu procuro não falar pra ninguém (C4).

Contudo, acredita-se que o maior desafio enfrentado diariamente nesse ambiente pelas crianças entrevistadas está relacionado a como a DM1 se manifesta e às suas necessidades de saúde, que em alguns momentos podem levar à exposição da criança, como é perceptível nas falas a seguir:

Aí na escola se eu passasse mal, eu saía de sala, às vezes eu ficava uma hora fora de sala, porque minha glicemia subia ou ficava baixa por causa do meu tratamento (C1).

(...) a professora deixa eu ir beber água. A professora não deixa os outros meninos beber água, muito. Mas aí ela deixa, só eu. Eles perguntaram aí ela falou que eu tinha diabetes (C3).

(.) eu sei porquefico assim [corpo ruim] e aí eu saio da sala e como alguma coisa. As professoras também sabem e deixam (C4).

Concomitante a isso, percebe-se que a criança com DM1 precisa de um acompanhamento e de uma atenção da equipe de saúde constantes, o que engloba médicos, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos e terapeutas ocupacio-nais. Entretanto, observa-se que, na vivência da criança, os médicos, enfermeiros e nutricionistas estão mais presentes, conforme as falas abaixo:

Tento manter a alimentação correta, comer o que a nutricionista manda (C1).

A médica me disse. Depois veio uma moça [a enfermeira] e veio comigo pra essa sala pra explicar a parte de furar o dedo (C3).

Depois eles levam a gentepra salinha e falam como é prapicar, onde (...) explicaram, né(C5).

Percebe-se que a atuação do profissional de saúde também pode ser um desafio. Podemos verificar abaixo a abordagem dos profissionais em diversas situações de atendimento à criança com DM1:

(...) os enfermeiros e os médicos [da emergência] iam cortar a minha insulina, queriam começar a aplicar outras insulinas em mim, querendo mudar o meu tratamento. Não perguntaram nada (C1).

(...) a doutora também me disse [no momento do diagnóstico], mas não entendia (...). Porque tinha queficar sem comer aquilo tudo (...) o que era aquilo, não sabia (C4).

(.) levou no hospital (...) e eu fiquei lá o mó [maior] tempão (...) me furaram pra tirar sangue, fiquei com remédio lá na veia (...) depois a doutora falou que eu tinha diabetes. Assim (C5).

Entretanto, também foi encontrado neste estudo o relato de uma criança que recebeu orientações diferenciadas, como o uso de outras tecnologias, incluindo materiais educativos, para ajudar no enfrentamento da doença, conforme observamos a seguir:

Lá na insulina [instituição externa] eu ganhei um livrinho (...) vem um livrinho falando sobre um sapinho que édiabético. (...) No hospital... não ganhei nada (C2) [A criança recebeu o material em consulta realizada em outra instituição, após o diagnóstico)]

Participação e apoio da família no processo do adoecimento

Nessa subcategoria, observou-se que a família também passa por um período de ajuste, de aceitação da doença, e que se utiliza de estratégias para conviver e cuidar de seu filho, muitas vezes buscando ajuda profissional:

Eu fiz terapia, eu e minha mãe. Foi no outro ano, na quarta [feira]. Euparei já. Iapra falar e ficava contando tudo, sabe? (C3).

Além disso, os familiares, como os pais e irmãos, se tornam indispensáveis no cuidado, pois também atuam como facilitadores na adaptação de seus filhos e irmãos à doença. Para as crianças, a família se apresenta como suporte e apoio, como observamos abaixo:

(...) na escola eu comecei a ficar maispra baixo e eu faleipra minha mãe: “não sai daqui” (...) Aí eu pedi pra ela ficar lá comigo, porque eu não queria ficar lá sozinha. Aí ela ficou comigo (C1).

Eles [família] cuidam de mim e fica comigo (C2).

(.) ter as pessoas comigo (.). Mas meus pais e meu irmão tão ali, né(.) já me ajuda (C5).

Vê-se a importância da família também no ambiente hospitalar, em uma situação de urgência ou internação. Nas falas abaixo, observa-se que a presença da família durante esse momento é de grande importância, pois é nela que a criança se apoia, considerando-a como porto seguro:

Uma vez fui pro hospital e se minha mãe não estivesse lá, eu ia estar ferrada (C1).

(.) teve o último dia de ficar lá [no hospital] (.) toda família minha foi lá e me visitar (C2).

Conforme a criança vai se adaptando às novas necessidades, aprendendo a conviver sem o alimento doce, optando por uma alimentação mais saudável, cuidando do corpo, a família se torna uma incentivadora e influenciadora desses processos. Como forma de apoio, muitas vezes, também mudam seus próprios hábitos alimentares e rotinas:

(...) minha mãe que faz minha unha (...) porque falaram que tem que ter cuidado com pé. Aí lavo e seco muito os dedos, mas ela que faz minha unha, corta, pra não inflamar (C5).

Minha mãe, nem minha irmã come doce. Elas comem o que eu como. Isso ajuda, porque não fico com muita vontade de comer doce. Aí ajuda (C4).

DISCUSSÃO

De acordo com os relatos das crianças participantes deste estudo, dentre os desafios relacionados à convivência com a DM1, destacou-se a necessidade de mudanças na alimentação e a restrição aos alimentos doces. Esses dados vão ao encontro de outro estudo, no qual se percebeu que a restrição alimentar devida às exigências terapêuticas e as dificuldades de não poder se alimentar como os amigos que não têm DM1 são fatores que impactam no cotidiano do indivíduo com DM1. Dentre os fatores mencionados, encontram-se as limitações na ingestão de doces quando na presença dos amigos na hora do lazer e na escola(77 Cordeiro TSR, Rebouças TS. Desenvolvimento e validação de tecnologia educativa para adolescentes com diabetes mellitus tipo 1. In: Siebra e Silva AV, Mattos SM, Moreira TMM, Chaves EMC, Gomes ILV, editoras. Saúde infantil e hebiátrica: ludicidade, tecnologias e desafios. Curitiba: CRV; 2019. p. 61-72.).

Outros autores reforçam a ideia e argumentam que a alimentação representa um dos principais aliados do tratamento, de forma que também é considerada como a maior vilã e um dos principais desafios, pois existe a dificuldade de aceitação da restrição alimentar, principalmente doces)(88 Bertin RL, Elizio NPS, Moraes RNT, Medeiros CO, Fiori LS, Ulbrich AZ. Perceptions of the daily food for children and adolescents with type 1 diabetes mellitus. Rev Contexto Saúde. 2016;16(30):100-9. doi: https://doi.org/10.21527/2176-7114.2016.30.100-109.
https://doi.org/10.21527/2176-7114.2016....
).

A oferta e a venda de alimentos saudáveis pelas cantinas escolares em âmbito nacional, de acordo com o que é preconizado pela portaria interministerial do Ministério da Saúde e do Ministério da Educação, n. 1.010, de 8 de maio de 2006(9), reduziriam os desconfortos vivenciados pela criança cuja dieta tem restrições e estimulariam a adoção de alimentação mais saudável para todas as crianças)(33 Silva MEA, Moura FM, Albuquerque TM, Reichert APS, Collet N. Network and social support in children with chronic diseases: understanding the child's perception. Texto Contexto Enferm. 2017;26(1):1-10. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072017006980015
https://doi.org/10.1590/0104-07072017006...
).

Além disso, saber que a doença é incurável e que a acompanhará no seu cotidiano, independentemente de sua vontade, se torna um desafio constante. Embora a criança já tenha sido diagnosticada há anos, o seu processo de adaptação pode ainda permanecer por um tempo indeterminado. Portanto, entende-se que não existe um tempo específico para a criança passar por esses desafios e adaptar-se à nova realidade. Isso acontece continuamente e de forma singular, no tempo de cada uma. Conforme a criança vai se adaptando, ela passa a reconhecer a linguagem do corpo. Nessa convivência com o adoecimento e as necessidades impostas pela doença, as crianças são capazes de reconhecer os sintomas de hipoglicemia ou hiperglicemia e sabem agir para minimizar tais sintomas. O conhecimento e habilidades para manejar a doença trazem uma perspectiva positiva sobre a vida dessas crianças, que estão em pleno crescimento e desenvolvimento)(55 Queiroz MVO, Brito LMMC, Pennafort VPS, Bezerra FSM. Sensitizing children with diabetes to self-care: contributions to educational practice. Esc Anna Nery. 2016;20(2):337-43. doi: https://doi.org/10.5935/1414-8145.20160046
https://doi.org/10.5935/1414-8145.201600...
).

Muitas vezes, esses sintomas são manifestados enquanto praticam atividades físicas e, por isso, algumas delas se sentem impossibilitadas de realizá-las. Contudo, a atividade física regular é recomendada para crianças com DM1, pois estas apresentam maior risco para desenvolver doenças micro-vasculares (retinopatia, nefropatia e neuropatia diabéticas) e cardiovasculares, sendo causas de óbito precoce quando não tratadas adequadamente. De forma geral, a adesão à dieta, através de um plano alimentar individualizado, o controle glicêmico e a prática de exercícios são consideradas condições essenciais para prevenção de complicações da doença e morte prematura)(1010 Andrade CS, Ribeiro GS, Santos CAST, Neves RCS, Moreira Junior E. Factors associated with high levels of glycated haemoglobin in patients with type 1 diabetes: a multicenter study in Brazil. BMJ Open. 2017;7(12). doi: 10.1136/ bmjopen-2017-018094
https://doi.org/10.1136/ bmjopen-2017-01...
).

Com relação ao tratamento e ao autocuidado, pode-se observar em algumas respostas uma negação por parte da criança em querer aceitar a terapia ou em querer aceitar que ela possui a doença. Essa negação pode ser intensificada na convivência social. Quando a criança se encontra na escola, ela acaba ampliando seu convívio social. Considerada como um dos cenários principais desse convívio social, a escola se mostra como ambiente onde a criança com DM1 acaba tendo que lidar com a doença diante de outras pessoas significativas, como seus colegas, professores e outras pessoas que participam desse contexto)(1111 Pennafort VPS, Queiroz MVO, Nascimento LC, Guedes MVC. Network and social support in family care of children with diabetes. Rev Bras Enferm. 2016;69:856-63. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0085
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2015...
).

Assim, como esse cenário pode representar suporte social importante na vivência da criança com o adoecimento crônico, essencialmente no controle do diabetes, na identificação e correção das alterações glicêmicas, bem como na prevenção da hipoglicemia, a escola também pode repercutir de maneira negativa na vida da criança, quando os colegas de sala e outros amigos não consideram que a criança tem DM1, ou quando não colaboram no seguimento da dieta, pois a criança com DM1 tem restrições alimentares, podendo gerar, ocasionalmente, um constrangimento e exclusão social)(1111 Pennafort VPS, Queiroz MVO, Nascimento LC, Guedes MVC. Network and social support in family care of children with diabetes. Rev Bras Enferm. 2016;69:856-63. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0085
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2015...
).

No que se refere ao ambiente escolar, o professor tem um papel importante e direto com a criança portadora de DM1. É necessário que os professores sejam orientados sobre a doença, o tratamento e quais as restrições que a essa criança terá que vivenciar para orientar não apenas o aluno com diabetes, como também os demais do seu convívio, pois, além da saúde física, a criança precisa ter saúde psicológica, dado que a infância é um período de intensa construção de saber, crescimento e desenvolvimento do ser humano)(1212 Vargas DM, Barbaresco AC, Steiner O, Silva CRLD. A psychoanalytic approch at children and adolescents with diabetes Mellitus type 1 and its family. Rev Psicol Saúde. 2020;12:87-100. doi: http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v12i1.858.
http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v12i1.85...
). Além disso, a aproximação da equipe de saúde nas escolas também se mostra essencial. A integração entre escola e profissional de saúde contribui para o desenvolvimento de estratégias no enfrentamento do adoecimento crônico e adversidades que permeiam o cuidado da criança(1111 Pennafort VPS, Queiroz MVO, Nascimento LC, Guedes MVC. Network and social support in family care of children with diabetes. Rev Bras Enferm. 2016;69:856-63. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0085
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2015...
).

Com relação aos profissionais de saúde, sabe-se que a criança com DM1 tem a necessidade de acompanhamento, de apoio e de seguimento contínuo por uma equipe mul-tiprofissional, pois, quando são acompanhados de forma sistemática, é possível prevenir as complicações crônicas do DM1, de forma a não trazer consequências negativas para a qualidade de vida e o aspecto físico e emocional do indivíduo que possam impossibilitar adesão adequada ao tratamento)(33 Silva MEA, Moura FM, Albuquerque TM, Reichert APS, Collet N. Network and social support in children with chronic diseases: understanding the child's perception. Texto Contexto Enferm. 2017;26(1):1-10. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072017006980015
https://doi.org/10.1590/0104-07072017006...
).

Contudo, quando se tem por finalidade o desenvolvimento do autocuidado, o aumento do conhecimento da criança, a valorização de suas experiências e o suporte oferecido pela rede social, não basta apenas um trabalho multipro-fissional, mas sim o trabalho de uma equipe interdisciplinar especializada que potencialize o controle do DM1 com base em interação estreita entre a criança, a família e os demais membros da equipe de saúde)(1111 Pennafort VPS, Queiroz MVO, Nascimento LC, Guedes MVC. Network and social support in family care of children with diabetes. Rev Bras Enferm. 2016;69:856-63. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0085
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2015...
). Para o adequado manejo da doença, é indispensável o acompanhamento das crianças nas várias fases de seu crescimento e desenvolvimento, voltado para a sua individualidade, o meio em que vivem, suas crenças, medos e relações familiares, conduzindo-as a uma vida saudável a partir de suas potencialidades, não apenas a partir das questões biomédicas(33 Silva MEA, Moura FM, Albuquerque TM, Reichert APS, Collet N. Network and social support in children with chronic diseases: understanding the child's perception. Texto Contexto Enferm. 2017;26(1):1-10. doi: https://doi.org/10.1590/0104-07072017006980015
https://doi.org/10.1590/0104-07072017006...
).

Outro resultado deste estudo foi a importância da participação familiar para facilitar o enfrentamento da criança na sua vivência com DM1. A criança passa a requerer cuidados específicos e a família acaba por se inserir em uma nova realidade. Pacientes com DM1 que possuem apoio familiar adequado aderem melhor às orientações de autocuidado. Acrescenta-se que a maneira como a família trata a situação e o conhecimento que possui sobre a patologia influenciam a aceitação ou negação da criança, assim como a compreensão das limitações podem ajudá-la a não se revoltar com a doença)(1313 Gomes GC, Moreira MAJ, Silva CD, Mota MS, Nobre CMG, Rodrigues EF. Family experiences in the diagnosis of diabetes mellitus in children/adolescents. J Nurs Health [Internet]. 2019 [cited 2019 June 2];9(1):e199108. Available from: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/enfermagem/article/view/13393/9961
https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/ind...
). Nesse contexto, destaca-se a importância do apoio da equipe de saúde na orientação da criança e de sua família.

Quando a criança e seus familiares são bem esclarecidos sobre a doença, acabam criando mecanismos de adaptação ao DM1. Quando entendem a realidade em que estão inseridos e têm uma melhor compreensão da doença, os indivíduos passam a enfrentá-la de forma diferenciada, incorporando novos hábitos alimentares e de vida, marcados por um recomeço de uma nova rotina a ser seguida. É importante ressaltar que o tratamento é mais eficaz com a adesão às mudanças comportamentais e maior habilidade nos cuidados diários, como monitorar a glicemia e administrar a insulina)(1414 Pimentel RRS, Targa T, Scardoelli MGC. From diagnosis to the unknown: perceptions of parents of children and adolescents with diabetes mellitus. Rev Enferm UFPE. 2017;11(3):1118-26. doi: 10.5205/reuol.10544-93905-1-RV.1 103201 701
https://doi.org/10.5205/reuol.10544-9390...
-1515 Tonetto IFA, Baptista MHB, Gomides DS, Pace AE. Quality of life of people with diabetes mellitus. Rev Esc Enferm. USP. 2019;53:e03424. doi: https://doi.org/10.1590/s1980220x2018002803424.
https://doi.org/10.1590/s1980220x2018002...
)).

O ambiente hospitalar não é diferente. Nele, a presença de um familiar durante atendimento ou internação, garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)(1616 Brasil. Lei n. 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília; 1990.), contribui para promoção e manutenção da inter-relação entre criança e sua família, de forma a neutralizar os efeitos decorrentes da separação, a colaborar na assistência integral à criança e a melhorar sua adaptação ao contexto hospitalar. Além disso, é importante a permanência do familiar acompanhante durante a hospitalização da criança, pois favorece o estabelecimento de um clima agradável e contribui na realização dos cuidados ao paciente. Nesse caso, a presença do familiar favorece o compartilhamento do cuidado entre a equipe e família de modo colaborativo e facilitador da adesão da criança ao tratamento e aos procedimentos dolo-rosos(1717 Azevedo AVS, Lançoni JAC, Crepaldi MA. Nursing team, family and hospitalized child interaction: an integrative review. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(1 1):365-66. doi: https://doi.org/10.1590/1413-812320172211.26362015
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), como aqueles necessários para a monitorização da glicemia e aplicação da insulina. Além disso, torna possível um espaço de treinamento da criança e seu familiar para o cuidado domiciliar.

Neste sentido, é necessário a inclusão do familiar nas decisões sobre o tratamento da criança, pois esse é um processo da família, que é o cerne do apoio à criança no cotidiano. O fortalecimento desse vínculo através da participação de toda a família possibilita a redução de tensões e maior organização do sistema de apoio, contribuindo positivamente no cuidado à criança com doença crônica(1111 Pennafort VPS, Queiroz MVO, Nascimento LC, Guedes MVC. Network and social support in family care of children with diabetes. Rev Bras Enferm. 2016;69:856-63. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0085
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2015...
).

Tendo em vista que o cuidado à criança com DM1 não se restringe apenas à doença e sim ao meio em que se vive, é necessário o olhar do profissional de saúde voltado a todas essas vertentes. Observa-se que o suporte da equipe de saúde quanto a essas questões é, muitas vezes, ineficiente, aumentando as dificuldades no enfrentamento da doença.

Ademais, o enfermeiro deve estar atento para identificar a incidência de sobrecarga sobre o cuidador principal. É necessário criar um plano de ação com orientações e ações educativas que permitam modificar os fatores que podem afetar a saúde física, psicológica e social do cuidador, de modo que este possa continuar exercendo seu papel e, assim, garantir também a qualidade do cuidado à criança. A partir desse contexto, a figura do enfermeiro é indispensável para detectar evidências que indiquem possíveis alterações na qualidade do cuidado exercido pelo cuidador e intervir com uma assistência de enfermagem direcionada para proporcionar um bem-estar físico, psíquico e emocional. Além disso, quando necessário e possível, deve auxiliar a família no processo de escolha de outros membros para assumir responsabilidades diretas no cuidado da criança ou compartilhar outras atividades do lar(1818 Oliveira RA, Moura TM, Perrelli JG, Lopes MV, Mangueira SO. La tensión generada en el rol del cuidador principal frente al cuidado de niños con cáncer. Rev Cubana Enferm [Internet]. 2015 [citado 2019 Jun. 4]; 31(2). Disponíble en: http://revenfermeria.sld.cu/index.php/enf/article/view/331.
http://revenfermeria.sld.cu/index.php/en...
).

Assim, é relevante avaliar o conhecimento prévio e discutir com a criança e a família acerca da doença, desmistificando os preconceitos e orientando a melhor maneira de cuidar e conviver com a DM1. A utilização de estratégias criativas na comunicação entre o profissional e a criança facilita a expressão de sentimentos e vivências com significados importantes para o seu cuidado clínico(55 Queiroz MVO, Brito LMMC, Pennafort VPS, Bezerra FSM. Sensitizing children with diabetes to self-care: contributions to educational practice. Esc Anna Nery. 2016;20(2):337-43. doi: https://doi.org/10.5935/1414-8145.20160046
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).

No que se refere à orientação, o enfermeiro deve atuar como educador, analisando a forma mais adequada para se trabalhar com a criança e seus familiares, compartilhando informações relevantes e precisas. A educação em saúde é um papel de extrema importância do profissional de enfermagem e atividade essencial no controle do DM1. No entanto, observa-se que o enfermeiro, durante a sua prática profissional, tanto hospitalar como ambulatorial, tem dificuldades na abordagem à criança, de modo que ela e a família possam entender, decidir e agir em sua condição de saúde, aderindo ao projeto terapêutico. Nesse contexto, é indispensável que o profissional conheça a realidade, a visão de mundo e as expectativas de cada sujeito, pois só assim consegue priorizar as necessidades dos clientes e seguir as exigências terapêuticas(55 Queiroz MVO, Brito LMMC, Pennafort VPS, Bezerra FSM. Sensitizing children with diabetes to self-care: contributions to educational practice. Esc Anna Nery. 2016;20(2):337-43. doi: https://doi.org/10.5935/1414-8145.20160046
https://doi.org/10.5935/1414-8145.201600...
).

Nessa perspectiva, o enfermeiro, ao lidar com a criança diabética, pode utilizar ferramentas educativas para apoiar e ensinar à criança os cuidados essenciais no controle da doença e melhoria do bem-estar infantil. De acordo com os autores, o estímulo lúdico se mostra como uma boa opção para a criança com diabetes, pois trabalhar de forma lúdica a questão do cuidado à criança facilita o seu processo de entendimento e possibilita maior interação com seus pares e familiares, considerada fonte de energia e força(55 Queiroz MVO, Brito LMMC, Pennafort VPS, Bezerra FSM. Sensitizing children with diabetes to self-care: contributions to educational practice. Esc Anna Nery. 2016;20(2):337-43. doi: https://doi.org/10.5935/1414-8145.20160046
https://doi.org/10.5935/1414-8145.201600...
).

Uma estratégia que pode ser implementada é um programa de educação em diabetes que envolva não só a criança, como também a organização e qualificação do enfermeiro e da equipe, na busca da melhora no atendimento prestado a essas crianças. Com essa finalidade, o uso de linguagem simples, brincadeiras, pinturas, desenhos, filmes e leituras pode estar inserido nesses programas, pois essas estratégias lúdicas são válidas para promover o aumento da expressão dos sentimentos das crianças, contribuindo para o seu aprendizado, adesão ao tratamento, autoestima e outros(1919 Gonzaga P, Resende J, Passos V, Simões P. A influência da ludicidade para a aprendizagem de crianças em regime de internação hospitalar. REVASF [Internet]. 2016 [citado 2019 jun. 4];6(11):125-45. Disponível em: http://periodicos2.univasf.edu.br/index.php/revasf/article/view/850/640
http://periodicos2.univasf.edu.br/index....
).

Nesse mesmo sentido, um estudo, que objetivou analisar a aplicabilidade das dinâmicas realizadas para sensibilização das crianças para o cuidado de si por meio de suas experiências, observou que a aproximação da equipe com a criança, por meio de atividades criativas que lhe deram prazer, promoveu momentos de descontração e facilitou a reflexão e o aprendizado sobre a condição de saúde e o uso da insulinoterapia, socializando entre eles a vivência de cada um. Diante disso, entende-se que os enfermeiros, ao utilizar atividades educativas e criativas com a criança, juntamente com os familiares, estimulam e encorajam a criança para que ela se sinta segura e, com isso, enfrente o adoecimento e o tratamento, amenizando os traumas e prejuízos(55 Queiroz MVO, Brito LMMC, Pennafort VPS, Bezerra FSM. Sensitizing children with diabetes to self-care: contributions to educational practice. Esc Anna Nery. 2016;20(2):337-43. doi: https://doi.org/10.5935/1414-8145.20160046
https://doi.org/10.5935/1414-8145.201600...
).

Considerou-se limitação do estudo o número reduzido de crianças participantes por conta de o período de coleta de dados ter coincidido com as férias escolares. Portanto, o estudo pode não refletir a situação de outros grupos populacionais.

CONCLUSÃO

Constata-se que o processo de enfrentamento do adoecimento ocorre de forma singular para cada criança. No entanto, neste estudo, foram comuns sentimentos de medo, insegurança, revolta, negação, frustração e ansiedade durante a fase da descoberta e na convivência com a DM1. Esses sentimentos devem ser valorizados pela equipe de saúde.

Neste estudo, foi possível observar fragilidades relacionadas à prática dos profissionais de saúde. Observou-se um cuidado junto à criança e a sua família mais direcionado para o controle da doença e menos voltado às expectativas, necessidades e repercussões psicológicas e sociais. Para tanto, a criança e a família devem ser ouvidas, a fim de tecerem em conjunto uma rede de apoio que auxilie na elaboração de estratégias de enfrenta-mento dos intensos e constantes desafios diários. Deve-se levar em consideração também a necessária prática interdisciplinar entre as diversas disciplinas da saúde, que permitirá um cuidado integral e humanizado à criança e sua família.

Destaca-se a importância de práticas educativas junto às crianças/famílias, mediadas por recursos lúdicos e linguagem simples, como estratégia para ampliar seu conhecimento sobre a DM1, o tratamento e as limitações, a fim de favorecer o autocuidado e aumentar possibilidades de enfrentamento.

  • *
    Extraído do trabalho de conclusão de curso: “A criança com diabetes mellitus tipo 1: vivência e enfrentamento”, Escola de Enfermagem Aurora de Afonso Costa, Universidade Federal Fluminense, 2018.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2020
  • Aceito
    18 Nov 2020
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