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Fatores inerentes ao surgimento da incontinência urinária no idoso hospitalizado analisados à luz da tríade donabediana

Factores relacionados al surgimiento de la incontinencia urinaria en el anciano hospitalizado analizados a la luz de la tríade donabediana

RESUMO

Objetivo

Apreender os fatores relacionados ao surgimento e/ou piora da incontinência urinária no idoso hospitalizado, considerando a tríade donabediana.

Método

Estudo qualitativo, descritivo, realizado com enfermeiros e técnicos de enfermagem de um hospital público universitário. Os dados foram coletados por meio da técnica de grupo focal; para tratamento e análise foi utilizada a análise de conteúdo, com posterior codificação das unidades de registro no software WebQDA, relacionando o corpus obtido com os pilares donabedianos.

Resultados

Os fatores relacionados ao surgimento e/ou piora da incontinência urinária na pessoa idosa hospitalizada mais relatados estavam interligados ao pilar estrutura, com destaque para o atributo recursos humanos, seguido dos atributos recursos materiais e estrutura física; o segundo pilar donabediano que teve maior associação com os relatos foi o pilar processo e, por último, o pilar resultado.

Conclusão

A identificação dos fatores relacionados ao desfecho investigado no cenário hospitalar proporcionou a reflexão e sensibilização dos participantes com relação ao problema, sendo possível, assim, propor medidas e intervenções a fim de minimizá-lo e de garantir um cuidado seguro e de qualidade ao idoso hospitalizado.

Idoso; Gestão de Riscos; Incontinência Urinária; Hospitalização; Qualidade da Assistência à Saúde

RESUMEN

Objetivo

Comprender los factores relacionados al surgimiento y/o agravación de la incontinencia urinaria en el anciano hospitalizado, considerando la tríade donabediana.

Método

Estudio cualitativo, descriptivo, realizado con enfermeros y técnicos de enfermería de un hospital público universitario. Los datos fueron reunidos por medio de la técnica de grupo focal; para tratamiento y análisis se utilizó el análisis de contenido y, luego, la codificación de las unidades de registro en el software WebQDA, haciendo un puente entre el corpus obtenido con los pilares donabedianos.

Resultados

Los factores relacionados al surgimiento y/o agravación de la incontinencia urinaria en los ancianos hospitalizados más relatados se refieren al pilar estructura, con énfasis en los recursos humanos; enseguida vienen los recursos materiales y estructura física; el segundo pilar donabediano con mayor relación con los relatos fue el pilar proceso y, finalmente, el pilar resultado.

Conclusión

La identificación de los factores relacionados al desenlace investigado en el escenario hospitalario, proporcionaron la reflexión y sensibilización de los participantes con relación al problema, por lo que propuso medidas e intervenciones para minimizarlo y garantizar un cuidado seguro y de calidad al anciano hospitalizado.

Anciano; Gestión de Riesgos; Incontinencia Urinaria; Hospitalización; Calidad de la Atención de Salud

ABSTRACT

Objective

To apprehend the factors related to the onset and/or worsening of urinary incontinence in the hospitalized elderly patient, considering the Donabedian’s triad.

Method

This is a qualitative, descriptive study, conducted with nurses and nursing technicians from a public university hospital. Data were collected using the focus group technique; content analysis was used for treatment and analysis, with subsequent coding of the registration units in the software WebQDA, relating the corpus obtained with the Donabedian’s pillars.

Results

The most reported factors related to the onset and/or worsening of urinary incontinence in hospitalized elderly patients were linked to the pillar structure, with emphasis on the attribute human resources, followed by the attributes material resources and physical structure; the second Donabedian’s pillar with the greatest association with the reports was process and, finally, the pillar outcome.

Conclusion

The identification of factors related to the outcome investigated in the hospital environment provided the participants with reflection and awareness about the problem, therefore allowing the proposition of measures and interventions to minimize it and ensure safe and quality care to the hospitalized elderly patient.

Aged; Risk Management; Urinary Incontinence; Hospitalization; Quality of Health Care

INTRODUÇÃO

A hospitalização de pessoas idosas leva ao afastamento da família e do convívio social, podendo causar isolamento e restrição da autonomia e independência para a realização das atividades básicas e instrumentais de vida diária. Tal situação propicia diversos riscos, principalmente aqueles que favorecem o surgimento ou piora das grandes síndromes geriátricas, como: isolamento social, iatrogenias, instabilidade postural, insuficiência cerebral e incontinência urinária (IU)(11. Sanguino GZ, Previato GF, Silva AF, Camboin Meireles V, Góes HLF, Denardi Antoniassi Baldissera V, et al. The nursing work in care of hospitalized elderly: limits and particularities. Rev Pesq Cuid é Fundam. 2018;10(1):160. https://doi.org/10.9789/2175-5361.2018.v10i1.160-166
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).

A IU é definida pela Sociedade Internacional de Continência (ICS) como a queixa de qualquer perda involuntária de urina. Trata-se de uma síndrome geriátrica multifatorial e, em situações como durante uma internação hospitalar, diversos fatores modificáveis podem favorecer seu surgimento ou agravamento(22. Samuelsson E, Odeberg J, Stenzelius K, Molander U, Hammarström M, Franzen K, et al. Effect of pharmacological treatment for urinary incontinence in the elderly and frail elderly: a systematic review. Geriatr Gerontol Int. 2015;15(5):52134. https://doi.org/10.1111/ggi.12451
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). Atualmente, o gerenciamento da IU visando à redução de seus riscos ainda é malconduzido em cenários hospitalares. Estudos têm demonstrado que fatores relacionados ao ambiente e ao processo de cuidado, tais como pouca sinalização, privacidade inadequada, má orientação, pouco estímulo à independência com uso de banheiros, e uso indiscriminado de dispositivos de controle urinário como fraldas e cateter vesical permanente, contribuem para o surgimento ou piora dessa síndrome nesses locais(33. Furlanetto K, Emond K. “Will I come home incontinent?” A retrospective file review: incidence of development of incontinence and correlation with length of stay in acute settings for people with dementia or cognitive impairment aged 65 years and over. Collegian. 2016;23(1):7986. https://doi.org/10.1016/j.colegn.2014.09.013
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4. Hälleberg Nyman M, Forsman H, Ostaszkiewicz J, Hommel A, Eldh AC. Urinary incontinence and its management in patients aged 65 and older in orthopaedic care - what nursing and rehabilitation staff know and do. J Clin Nurs. 2017;26(21-22):334553. https://doi.org/10.1111/jocn.13686
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-55. Góes RP, Pedreira LC, David RA, Silva CF, Torres CA, Amaral JB. Hospital care and urinary incontinence in the elderly. Rev Bras Enferm. 2019;72(suppl 2):28493. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0273
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).

Isso porque a prática atual de cuidados no âmbito hospitalar geralmente se concentra em medidas paliativas, como o uso de produtos absorventes para controle de urina após a IU já instalada, em vez de gerenciamento proativo, medidas de prevenção ou identificação de risco. Em uma sociedade que envelhece, práticas como facilitar o acesso ao banheiro em tempo hábil, incentivar a independência na realização da higiene pessoal, além do uso de dispositivos como urinóis em pacientes idosos restritos ao leito, podem e devem ocorrer, sendo componentes chave na promoção da continência, que precisam ser incluídos e estimulados na prática clínica diária da equipe de enfermagem(55. Góes RP, Pedreira LC, David RA, Silva CF, Torres CA, Amaral JB. Hospital care and urinary incontinence in the elderly. Rev Bras Enferm. 2019;72(suppl 2):28493. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0273
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-66. Regat-Bikoï C, Vuagnat H, Morin D. [Urinary incontinence in aged hospitalised geriatric patients: is it really a priority for nurses?] Rech Soins Infirm. 2013;115(115):5967. French. https://doi.org/10.3917/rsi.115.0059
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).

Destarte, é possível associar esta problemática ao modelo conceitual de Avedis Donabedian e seus pilares estrutura, processo e resultado. Compreende-se que esses estão relacionados aos fatores de risco modificáveis para surgimento e/ou piora da IU durante a hospitalização de pessoas idosas, intimamente ligados à gestão do cuidado da equipe e ao ambiente institucional, o que reflete na qualidade da assistência(55. Góes RP, Pedreira LC, David RA, Silva CF, Torres CA, Amaral JB. Hospital care and urinary incontinence in the elderly. Rev Bras Enferm. 2019;72(suppl 2):28493. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0273
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). O pilar Estrutura descreve o contexto em que os cuidados são prestados, incluindo a estrutura física do hospital, recursos humanos, financiamento, equipamentos e recursos materiais. O pilar Processo denota toda a oferta de cuidados de saúde ocorrida entre pacientes e cuidadores. Já o pilar Resultado refere-se aos efeitos dos cuidados ofertados numa determinada estrutura e processo, sob o estado de saúde dos pacientes e populações, representado pela satisfação dos usuários e indicadores de saúde(77. Donabedian A. The definition of quality and approaches to its assessment. Chicago: Health Administration Press; 1980.).

Considerando os conceitos da tríade donabediana no ambiente hospitalar, questionou-se: quais são os fatores relacionados ao surgimento e/ou piora da IU no idoso hospitalizado? Esse estudo objetivou apreender quais são os fatores relacionados ao surgimento e/ou piora da IU no idoso hospitalizado, considerando a tríade donabediana.

MÉTODO

TIPO DE ESTUDO

Pesquisa qualitativa, exploratória e descritiva, produto de um estudo apresentado no 8º Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa(88. Góes RP, Pedreira LC, Oliveira E, Fonseca S, Motta AH. [Dialogues on urinary incontinence in the hospitalized elderly person using the focal group technique]. Atas CIAIQ2019 [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 6];2:1802-11. Portuguese. Available from: https://proceedings.ciaiq.org/index.php/CIAIQ2019/article/view/2480/2376
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), recorte de uma dissertação de mestrado inserida no projeto matriz intitulado “Cuidado à pessoa idosa durante a hospitalização e transição hospital-domicílio”.

POPULAÇÃO E CENÁRIO

A pesquisa foi realizada em uma unidade de internação com perfil de atendimento de pacientes de clínica médica de um hospital público universitário na cidade de Salvador, Bahia, Brasil. Com relação à estrutura física, trata-se de uma unidade que possui vinte e três leitos, sendo três quartos separados para pacientes em precaução de contato e vinte leitos distribuídos em sete enfermarias. Cada enfermaria possui um banheiro, totalizando dez banheiros para pacientes na unidade. Os banheiros possuem barras de apoio na região do chuveiro e sanitário e são compartilhados pelos pacientes. No quarto de precaução de contato, o banheiro é exclusivo. Existem também recursos materiais como duas cadeiras de rodas e duas cadeiras higiênicas para auxiliar as pessoas com dificuldade de mobilidade até o banheiro. Os participantes da pesquisa foram enfermeiros e técnicos de enfermagem atuantes na assistência direta aos pacientes na unidade(88. Góes RP, Pedreira LC, Oliveira E, Fonseca S, Motta AH. [Dialogues on urinary incontinence in the hospitalized elderly person using the focal group technique]. Atas CIAIQ2019 [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 6];2:1802-11. Portuguese. Available from: https://proceedings.ciaiq.org/index.php/CIAIQ2019/article/view/2480/2376
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).

CRITÉRIOS DE SELEÇÃO

Dos 23 técnicos de enfermagem e nove enfermeiros assistenciais atuantes na unidade, participaram da coleta de dados dez profissionais, sendo quatro enfermeiros e seis técnicos de enfermagem. Utilizaram-se como critérios de inclusão: exercer atividades fixas no setor, ter no mínimo um ano de experiência, e estar presente no dia da coleta. Para delimitar os participantes, foi necessária uma aproximação da pesquisadora com o campo e apresentação da proposta aos profissionais elegíveis para participar dos encontros de Grupo Focal (GF) propostos(88. Góes RP, Pedreira LC, Oliveira E, Fonseca S, Motta AH. [Dialogues on urinary incontinence in the hospitalized elderly person using the focal group technique]. Atas CIAIQ2019 [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 6];2:1802-11. Portuguese. Available from: https://proceedings.ciaiq.org/index.php/CIAIQ2019/article/view/2480/2376
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).

COLETA DE DADOS

A coleta de dados ocorreu no período de outubro a novembro de 2018, por meio da técnica de GF. Para aprofundamento da discussão, a proposta foi dividida em quatro encontros, com dois grupos diferentes de cinco profissionais. Assim, cada grupo teve a oportunidade de participar de dois encontros. Os encontros de GF foram realizados na sala de treinamento do hospital, mediante agendamento prévio, viabilizando que os encontros ocorressem em um espaço privativo, sem interrupções e livre de ruídos. Os participantes dispuseram-se em círculo, promovendo o ambiente adequado e favorável ao diálogo.

O primeiro e o segundo encontros de GF, com dois grupos diferentes de cinco profissionais, ocorreram nos dias 9 e 23 de outubro, tiveram duração média de 66 minutos. Para viabilizar o rigor metodológico requerido nas discussões(88. Góes RP, Pedreira LC, Oliveira E, Fonseca S, Motta AH. [Dialogues on urinary incontinence in the hospitalized elderly person using the focal group technique]. Atas CIAIQ2019 [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 6];2:1802-11. Portuguese. Available from: https://proceedings.ciaiq.org/index.php/CIAIQ2019/article/view/2480/2376
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), os encontros foram conduzidos pela pesquisadora, com função de moderadora, e mais três voluntários que ficaram responsáveis pelas funções de observar, gravar as discussões, controlar o tempo, organizar a entrega de crachás, do termo de consentimento e arquivar esse termo.

No início desses dois encontros, os participantes preencheram um questionário de caracterização identificando sua cor de crachá, sexo, idade e perfil de formação. Em seguida, deu-se início à explicação da dinâmica dos encontros, da teoria de Avedis Donabedian relacionada ao objeto de estudo e ao objetivo da pesquisa. A proposta desses encontros foi discutir os fatores da hospitalização que poderiam favorecer o surgimento ou piora da IU na pessoa idosa, além do conhecimento do grupo com relação a esta síndrome geriátrica e seus fatores de risco. Para isso, a moderadora seguiu um roteiro previamente construído, contendo um caso clínico utilizado para reflexão da temática e norteamento das questões disparadoras que seriam utilizadas nestas e nas próximas oficinas(88. Góes RP, Pedreira LC, Oliveira E, Fonseca S, Motta AH. [Dialogues on urinary incontinence in the hospitalized elderly person using the focal group technique]. Atas CIAIQ2019 [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 6];2:1802-11. Portuguese. Available from: https://proceedings.ciaiq.org/index.php/CIAIQ2019/article/view/2480/2376
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).

O caso clínico utilizado relatava a história de uma idosa hígida e independente, que fazia todas as suas atividades no domicílio, e que sofreu uma queda, fraturou o fêmur e foi submetida a uma cirurgia, precisando ficar internada por 15 dias no hospital. Durante esses quinze dias, foram colocadas fraldas geriátricas e a idosa passou a ficar dependente desse dispositivo, retornando para casa ainda em uso do mesmo, comprometendo sua capacidade funcional, autonomia e independência(88. Góes RP, Pedreira LC, Oliveira E, Fonseca S, Motta AH. [Dialogues on urinary incontinence in the hospitalized elderly person using the focal group technique]. Atas CIAIQ2019 [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 6];2:1802-11. Portuguese. Available from: https://proceedings.ciaiq.org/index.php/CIAIQ2019/article/view/2480/2376
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).

A partir daí, foi iniciada a discussão, por meio do questionamento: “Pensando nesse caso, e em outros pacientes idosos atendidos na vivência assistencial de vocês, quais os fatores da hospitalização, abrangendo tanto a estrutura como o processo de cuidado, vocês acreditam que influenciam no desfecho/resultado da IU na pessoa idosa?”.

O terceiro e quarto encontros de GF ocorreram nos dias 6 e 21 de novembro de 2018, tiveram duração média de 52 minutos, e contaram com as mesmas pessoas do primeiro e segundo encontros. Inicialmente foram levantados, pela moderadora, os pontos mais relevantes da discussão anterior, rememorados e validados pelos participantes. Em seguida, deu-se início à discussão norteada pelas seguintes questões: “Que intervenções de enfermagem vocês acreditam que possa prevenir o surgimento da IU em pessoas idosas hospitalizadas ou melhorar essa função naquelas que já se internam com o problema? e “Que medidas poderiam ser adotadas ou incorporadas à assistência de vocês, para amenizar o problema ou estimular o cuidado da equipe de enfermagem para promoção da continência urinária de pessoas idosas hospitalizadas?(88. Góes RP, Pedreira LC, Oliveira E, Fonseca S, Motta AH. [Dialogues on urinary incontinence in the hospitalized elderly person using the focal group technique]. Atas CIAIQ2019 [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 6];2:1802-11. Portuguese. Available from: https://proceedings.ciaiq.org/index.php/CIAIQ2019/article/view/2480/2376
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). A partir das questões norteadoras houve uma participação ativa do grupo relatando situações relacionadas ao desfecho investigado.

ANÁLISE E TRATAMENTO DOS DADOS

Foi respaldada na análise de conteúdo de Bardin(99. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2016.). Inicialmente, houve a transcrição na íntegra de todo o conteúdo gravado nos encontros. Posteriormente, realizou-se a leitura flutuante e exploração do material, identificando os pontos que convergiram ao objetivo proposto, relacionando os relatos dos participantes com cada pilar da teoria donabediana (estrutura, processo e resultado). Logo, foram definidas as categorias: estrutura com as subcategorias recursos humanos, recursos materiais e estrutura física; a categoria processo e a categoria resultado(88. Góes RP, Pedreira LC, Oliveira E, Fonseca S, Motta AH. [Dialogues on urinary incontinence in the hospitalized elderly person using the focal group technique]. Atas CIAIQ2019 [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 6];2:1802-11. Portuguese. Available from: https://proceedings.ciaiq.org/index.php/CIAIQ2019/article/view/2480/2376
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).

Para auxiliar na separação das unidades de registro em cada pilar da teoria donabediana, utilizou-se o software para análise de pesquisas qualitativas WebQDA, que possibilitou realizar a codificação das unidades de registro. Após essa codificação, foi obtida a frequência exata das falas de cada participante com relação a cada categoria e subcategoria definidas a priori. As frequências encontradas pelo software foram exportadas para o programa Excel, sendo apresentadas por meio de tabelas e gráficos(88. Góes RP, Pedreira LC, Oliveira E, Fonseca S, Motta AH. [Dialogues on urinary incontinence in the hospitalized elderly person using the focal group technique]. Atas CIAIQ2019 [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 6];2:1802-11. Portuguese. Available from: https://proceedings.ciaiq.org/index.php/CIAIQ2019/article/view/2480/2376
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).

ASPECTOS ÉTICOS

Atendendo às diretrizes e normas que regem as pesquisas brasileiras envolvendo seres humanos (Resoluções nº 466/2012 e nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde), a pesquisa foi submetida à apreciação do Comitê de ética em pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia e aprovada pelo parecer de número 2.699.510.

Para preservar o anonimato dos participantes, foram entregues crachás com cores e cada pessoa passou a se identificar com a sua cor correspondente. Após a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, foi realizada a autorização da gravação da discussão ocorrida nos encontros.

RESULTADOS

Com relação à caracterização dos participantes, a idade de metade deles variou entre 31 e 35 anos, o tempo de formação variou muito, sendo que quatro deles tinham entre 10 a 15 anos de formado, três tinham entre dois a cinco anos, dois mais de cinco anos e um entre cinco e dez anos de formado; a maior parte tinha pouco tempo de atuação na unidade pesquisada (sete com menos de dois anos). Com relação ao sexo, seis dos dez participantes eram do sexo masculino. Com relação ao questionamento sobre a participação em algum curso ou capacitação em que foi abordado o tema da IU, seis dos participantes relataram nunca terem presenciado nenhuma capacitação que abordasse o tema, corroborando a necessidade de visibilidade do problema. Todos os quatro que relataram ter participado de algum tipo de capacitação relacionada à temática ressaltaram que esta não foi fornecida pelo hospital e sim em cursos externos.

A análise do corpus obtido nos encontros de GF possibilitou a codificação das unidades de registro relacionando-as com cada pilar da tríade donabediana, e denotou maior frequência das falas relacionadas ao pilar estrutura. O segundo componente da tríade mais destacado foi o processo, relatado pelas falas dos participantes quando descreviam a operacionalização de ações de cuidado da equipe que poderiam influenciar no desfecho investigado. Por fim, o pilar resultado obteve menor frequência, sendo abordado como o desfecho do cuidado de enfermagem que a equipe oferta ou não para prevenção, promoção ou reabilitação da continência urinária da pessoa idosa hospitalizada, conforme demonstrado na Figura 1(88. Góes RP, Pedreira LC, Oliveira E, Fonseca S, Motta AH. [Dialogues on urinary incontinence in the hospitalized elderly person using the focal group technique]. Atas CIAIQ2019 [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 6];2:1802-11. Portuguese. Available from: https://proceedings.ciaiq.org/index.php/CIAIQ2019/article/view/2480/2376
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).

Figura 1
Frequência de falas dos participantes relacionadas a cada pilar da tríade donabediana - Salvador, BA, Brasil, 2019.

Com relação ainda ao pilar estrutura, destaca-se maior frequência de falas relacionadas à subcategoria recursos humanos, seguida da subcategoria recursos materiais e, por último, da estrutura física, como se observa na Figura 2(88. Góes RP, Pedreira LC, Oliveira E, Fonseca S, Motta AH. [Dialogues on urinary incontinence in the hospitalized elderly person using the focal group technique]. Atas CIAIQ2019 [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 6];2:1802-11. Portuguese. Available from: https://proceedings.ciaiq.org/index.php/CIAIQ2019/article/view/2480/2376
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).

Figura 2
Frequência de falas dos participantes relacionadas às subcategorias do pilar estrutura - Salvador, BA, Brasil, 2019.

Os participantes destacaram o impacto da quantidade e qualidade dos recursos humanos para oferta do cuidado à pessoa idosa hospitalizada, principalmente no período noturno(88. Góes RP, Pedreira LC, Oliveira E, Fonseca S, Motta AH. [Dialogues on urinary incontinence in the hospitalized elderly person using the focal group technique]. Atas CIAIQ2019 [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 6];2:1802-11. Portuguese. Available from: https://proceedings.ciaiq.org/index.php/CIAIQ2019/article/view/2480/2376
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).

No hospital público, há mais dificuldade da equipe de enfermagem em estar presente para aconselhar ou encaminhar esse paciente para o autocuidado, para ir ao banheiro. E às vezes, acaba realizando alguns processos como deixar uma fralda e dizer, principalmente no período da noite, faça na fralda (Azul).

A respeito dos recursos materiais, os participantes relataram sobre a quantidade e a qualidade desses, principalmente aqueles necessários para estimular e auxiliar a pessoa idosa com o uso independente de banheiros(88. Góes RP, Pedreira LC, Oliveira E, Fonseca S, Motta AH. [Dialogues on urinary incontinence in the hospitalized elderly person using the focal group technique]. Atas CIAIQ2019 [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 6];2:1802-11. Portuguese. Available from: https://proceedings.ciaiq.org/index.php/CIAIQ2019/article/view/2480/2376
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).

A gente tem essa dificuldade da quantidade, e também na manutenção do que já possuímos, as cadeiras para banho de aspersão, elas não têm a manutenção adequada, as rodas estão travadas, e não tem descanso para os pés (Marrom).

Referente à estrutura física, ficou evidente que a iluminação inadequada no período noturno, a estrutura deficitária dos banheiros e a própria ergonomia destes dificultam o estímulo da independência no uso de banheiros de maneira segura pela pessoa idosa(88. Góes RP, Pedreira LC, Oliveira E, Fonseca S, Motta AH. [Dialogues on urinary incontinence in the hospitalized elderly person using the focal group technique]. Atas CIAIQ2019 [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 6];2:1802-11. Portuguese. Available from: https://proceedings.ciaiq.org/index.php/CIAIQ2019/article/view/2480/2376
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).

A gente tem dificuldade também na estrutura do banheiro, ele não tem uma ergonomia, nem para o paciente utilizar, nem para que a gente faça auxílio, existem batentes, paredes mais estreitas do que a capacidade da cadeira, o paciente entra muito justo, não tem nem possibilidade de manobrar a cadeira (Vermelho).

Eu acho que a questão da iluminação, por ser um quarto compartilhado, no sentido de não querer incomodar os outros pacientes do mesmo quarto e acender uma luz, uma vez que não tem a luz de cabeceira individualizada, muitas vezes para não atrapalhar o sono do outro paciente, ele acaba fazendo no leito, na fralda (Azul).

Já com relação ao pilar Processo, os participantes relataram a ausência de reconhecimento da IU que, muitas vezes, passa despercebida durante o cuidado, e no planejamento de ações/intervenções da equipe de enfermagem no ambiente hospitalar(88. Góes RP, Pedreira LC, Oliveira E, Fonseca S, Motta AH. [Dialogues on urinary incontinence in the hospitalized elderly person using the focal group technique]. Atas CIAIQ2019 [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 6];2:1802-11. Portuguese. Available from: https://proceedings.ciaiq.org/index.php/CIAIQ2019/article/view/2480/2376
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).

A gente acaba também associando à idade, o fato de ser idoso, então já se subentende que tenha relaxamento do esfíncter e, às vezes, a gente acha que é normal (Verde).

Eu estava aqui pensando sobre incontinência e a primeira coisa que veio na cabeça foi usar fralda. Isso mostra como não estamos focados na incontinência. Nosso enfoque está baseado mesmo na continência, a incontinência passa despercebida e não deixa de ser um problema de enfermagem (Preto).

Referente ao pilar Resultado, ficou evidente que algumas ações de cuidado realizadas no cenário influenciam na manutenção da continência urinária dos idosos e na percepção dos profissionais. Porém, estas são ações pontuais, não padronizadas e não sistematizadas, sendo realizadas por alguns profissionais e por outros não(88. Góes RP, Pedreira LC, Oliveira E, Fonseca S, Motta AH. [Dialogues on urinary incontinence in the hospitalized elderly person using the focal group technique]. Atas CIAIQ2019 [Internet]. 2019 [cited 2020 Jan 6];2:1802-11. Portuguese. Available from: https://proceedings.ciaiq.org/index.php/CIAIQ2019/article/view/2480/2376
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).

Além de você dar uma fralda, uma aparadeira, precisa proporcionar o conforto. Uma paciente que tem a mobilidade comprometida, tinha a vida dela em casa de ir no banheiro, ela não está acostumada a ficar numa cama, fazendo as necessidades numa fralda com alguém limpando. Se a gente tem meios para facilitar, é muito melhor do que condicionar a paciente a usar fralda e a ficar acamada e dependente (Verde).

Eu acho que a educação é o ponto chave para poder reduzir esse uso da fralda; e educação no sentido de explicar mesmo quais são os malefícios. Não é difícil encontrarmos pacientes com baixo grau de instrução aqui, que nunca ouviu falar e nem sabe o que é uma aparadeira (Laranja).

DISCUSSÃO

Com relação à caracterização dos participantes, sabe-se que é notório o fato de que a enfermagem é uma profissão exercida, majoritariamente, por mulheres; porém, a participação masculina na enfermagem atual representa um crescimento constante, que vem se confirmando de maneira gradual(1010. Lombardi MR, Campos VP. [Nursing in Brazil: intersection of gender, race and social classes relations in the professional field]. Rev ABET. 2018;17(1):28-46. Portuguese. https://doi.org/10.22478/ufpb.1676-4439.2018v17n1.41162
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) e, neste estudo, a maior parte dos profissionais de enfermagem participantes foi do sexo masculino. Em se tratando do perfil de formação, percebe-se um abismo entre as diretrizes pautadas na Política Nacional de Atenção à Saúde da Pessoa Idosa, instituída em 2006, e sua operacionalização na prática clínica, sendo muito comum profissionais ainda relatarem, mesmo com pouco tempo de formados, que, em seu processo de formação, determinadas temáticas não foram priorizadas ou abordadas, o que é ainda mais comum no caso de profissionais com maior tempo de formação, quando tais diretrizes ainda nem existiam(1111. Dias EN, Pais-Ribeiro JL. Evolução das políticas públicas à pessoa idosa no Brasil. Enferm Bras. 2018;17(4):413-20. https://doi.org/10.33233/eb.v17i4.860
https://doi.org/10.33233/eb.v17i4.860...
). Tal fato enfatiza a necessidade e importância da educação permanente em saúde e da priorização e inclusão das temáticas voltadas ao cuidado à pessoa idosa nos programas de educação permanente das instituições, principalmente das instituições hospitalares.

A análise do conteúdo discursivo dos encontros de GF evidenciou que o pilar Estrutura obteve maior frequência nas falas dos participantes, com referência dos profissionais à escassez de pessoal e dimensionamento da equipe de enfermagem (recursos humanos). Apesar de os participantes relatarem um dimensionamento de enfermagem adequado quanto ao número de profissionais e quantidade de pacientes atendidos na unidade, ressalta-se que a Resolução do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen no 543/2017(1212. Conselho Federal de Enfermagem. Resolução COFEN Nº 543/2017, de 18 de abril de 2017. Atualiza e estabelece parâmetros para o Dimensionamento do Quadro de Profissionais de Enfermagem nos serviços/locais em que são realizadas atividades de enfermagem [Internet]. Brasília, DF: COFEN; 2017 [cited 2019 Mar 8]. Available from: http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-5432017_51440.html
http://www.cofen.gov.br/resolucao-cofen-...
) propõe a necessidade da avaliação do perfil de dependência da clientela quanto à complexidade assistencial, recomendando a adoção de um sistema de classificação de pacientes (SCP) nas instituições hospitalares(1313. Fugulin FM, Gaidzinski RR, Kurcgant P. [Patient classification system: identification of the patient care profile at hospitalization units of the UH-USP]. Rev Lat Am Enfermagem [Internet]. 2005;13(1):728. Portuguese. https://doi.org/10.1590/S0104-11692005000100012
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). Portanto, para além do número de pacientes, deve-se considerar o grau de dependência desses para dimensionar adequadamente a equipe de enfermagem.

Estudo revelou que o subdimensionamento de enfermagem foi um fator estatisticamente significante para a decisão de colocação ou não de dispositivos de controle urinário, como as fraldas geriátricas, em pessoas idosas com restrição de mobilidade, o que pode estabelecer um ciclo indeterminado de causalidade, ou seja, a incontinência determina a necessidade do uso de fraldas, do mesmo modo que o uso de fraldas na pessoa idosa com eliminação espontânea preservada pode levar à incontinência, isto pela falta de estímulo no controle das eliminações e controle esfincteriano, causando, portanto, um ciclo vicioso(1414. Zisberg A. Incontinence brief use in acute hospitalized patients with no prior incontinence. J Wound, Ostomy Cont Nurs. 2011;38(5):55964. https://doi.org/10.1097/WON.0b013e31822b3292
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).

Logo, torna-se importante alertar gestores a adequar o quantitativo de pessoal de enfermagem para atender a demanda crescente de pessoas idosas hospitalizadas, para que seja possível favorecer a manutenção da funcionalidade destas pessoas, sendo também imprescindível investir na qualificação da equipe voltada para este cuidado, tanto dos pacientes idosos quanto de seus familiares/cuidadores, proporcionando também uma transição segura para o domicílio.

Com relação aos recursos materiais e estrutura física, relatados pelos participantes, ressalta-se a importância de se atentar para o macroprocesso assistencial, indo além da avaliação de indicadores do cuidado em si, mas considerando também o ambiente que o cerca e a disponibilidade dos recursos necessários para que o profissional possa ofertar o cuidado, principalmente considerando a vulnerabilidade e fragilidade intrínsecas da pessoa idosa. Percebe-se que o profissional de enfermagem considera o ambiente e os recursos disponíveis como condição essencial para o cuidado e atenção individualizados e oportunos à pessoa idosa hospitalizada, mas que ficam prejudicados pela deficiência de planejamento ambiental e estrutura física(1515. Menezes APR. Moretti B, Reis AAC. The future of the SUS: impacts of neoliberal reforms on public health – austerity versus universality. Saúde Debate. 2019;43(spe5):5870. https://doi.org/10.1590/0103-11042019S505
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).

Para além dos recursos humanos, mesmo com pessoal e equipe de enfermagem em número suficiente, sensibilizados e com qualificação para ofertar o cuidado de que a pessoa idosa hospitalizada em risco desse desfecho necessita, se os mesmos não possuem meios para isso, como um ambiente adequado e seguro, tal cuidado ficará prejudicado, especialmente pelo receio da ocorrência de quedas. Em se tratando do sistema público de saúde e de países com recursos escassos voltados para a área da saúde, a discussão e reflexão relacionadas à gestão dos recursos humanos e materiais necessários para atender a demanda crescente de pessoas idosas hospitalizadas tornam-se ainda mais urgentes e necessárias.

Esse fato constitui extrema preocupação quando se fala do atual desfinanciamento do Sistema Único de Saúde no Brasil após a implementação da Emenda Constitucional (EC) no 95 em 2016, que estabeleceu a limitação constitucional dos gastos públicos por até duas décadas, fato internacionalmente inédito. A EC no 95 desconsidera as necessidades de saúde da população, o impacto do crescimento populacional, a transição demográfica, a necessária expansão da rede pública, dentre outros aspectos que afetarão principalmente o pilar Estrutura dos serviços públicos de saúde e o atendimento das necessidades da população. “Os gastos sociais ficaram desvinculados de qualquer crescimento de receitas nos próximos 20 anos. Dessa forma, mesmo que aumente a arrecadação federal, não haverá mais investimentos nas áreas sociais”(1515. Menezes APR. Moretti B, Reis AAC. The future of the SUS: impacts of neoliberal reforms on public health – austerity versus universality. Saúde Debate. 2019;43(spe5):5870. https://doi.org/10.1590/0103-11042019S505
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).

Com relação às demandas da população idosa, ao contrário do que acontece em outros setores já sensibilizados para as necessidades peculiares do paciente, como são a pediatria, a gineco-obstetrícia e, mais recentemente, para pessoas com obesidade mórbida, poucos são os hospitais que disponibilizam espaços e recursos materiais destinados exclusivamente às pessoas idosas. A ambiência hospitalar para estas pessoas é apontada como frágil para o cuidado(1616. Nascimento ER, Silva SG, Souza BC, Souza DD, Germer Netto A. Environment of a hospital emergency unit for the elderly care: perception of nursing professionals. Esc Anna Nery. 2015;19(2):338-42. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20150046
https://doi.org/10.5935/1414-8145.201500...
).

Com relação ao pilar Processo, ficou evidente nas falas dos participantes o não reconhecimento da IU e o déficit quanto à abordagem de risco, ações e intervenções de enfermagem relacionadas à problemática. Partindo do princípio de que a sistematização da assistência de enfermagem é operacionalizada pelo processo de enfermagem, e que este possui, como primeira etapa, o levantamento de problemas, pode-se considerar o fato de que, a partir do momento em que a IU da pessoa idosa hospitalizada não é reconhecida como um problema de enfermagem, e sim como uma consequência normal do envelhecimento, não são planejadas, executadas e avaliadas intervenções que possam reverter a situação.

Estudos revelam resultados semelhantes em que a maioria dos profissionais entrevistados aponta a IU das pessoas idosas internadas como uma condição pré-existente, consequente da idade avançada. Sendo assim, o uso de fraldas é estabelecido sem a devida avaliação prévia e critérios determinados. Dadas essas crenças, os profissionais analisam que a situação de continência dessas pessoas não pode ser alterada ou reabilitada por intervenções durante a internação hospitalar(44. Hälleberg Nyman M, Forsman H, Ostaszkiewicz J, Hommel A, Eldh AC. Urinary incontinence and its management in patients aged 65 and older in orthopaedic care - what nursing and rehabilitation staff know and do. J Clin Nurs. 2017;26(21-22):334553. https://doi.org/10.1111/jocn.13686
https://doi.org/10.1111/jocn.13686...
-55. Góes RP, Pedreira LC, David RA, Silva CF, Torres CA, Amaral JB. Hospital care and urinary incontinence in the elderly. Rev Bras Enferm. 2019;72(suppl 2):28493. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0273
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,1717. Bitencourt GR, Alves LA, Santana RF. Practice of use of diapers in hospitalized adults and elderly: cross-sectional study. Rev Bras Enferm. 2018;71(2):3439. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0341
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). Esse imaginário sobre a pessoa idosa influencia tanto a equipe quanto os cuidadores no domicílio e o próprio idoso que não reconhece, não se queixa e não relata muitas vezes o problema da incontinência, sendo necessário dar visibilidade ao problema a fim de promover uma mudança nesse paradigma.

Destarte, apresentar ações voltadas para a formação profissional é uma interessante forma de proporcionar mudanças de conduta, como possibilitar aos alunos de graduação de enfermagem conhecimentos específicos direcionados ao cuidado da pessoa idosa, já que são cuidados diferenciados, e normalmente desconsiderados. Ressalta-se, também, a importância de educação continuada como forma de complementar e atualizar estes profissionais, para que já no seu exercício, esses atuem e exerçam suas funções com maior propriedade e melhor qualidade(1818. Oliveira TM, Santo FH, Chibante CL P, Nicolau IR. [Hospitalization for the elderly: Gerontological nursing contribuitions]. Rev Kairós: Gerontologia. 2016;19(3): 293-308 https://doi.org/10.23925/2176-901X.2016v19i3p293-308
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).

Com relação ao pilar Resultado, assim como neste estudo, um trabalho realizado em Portugal que objetivou avaliar que aspectos são necessários integrar para avaliar a qualidade dos cuidados de enfermeiros de reabilitação em unidades de internamento de clínica médica, utilizando como base a tríade donabediana, também encontrou o pilar donabediano Resultado como o menos explanado pelos participantes. Nas narrativas destes profissionais, os autores observaram ausência da mensuração e avaliação dos resultados de seus cuidados, assim como também na pesquisa em tela. Vale ressaltar que a mensuração dos resultados é apenas o primeiro passo de uma série de atividades para avaliação da qualidade da assistência(1919. Gomes J, Martins M, Gonçalves M, Fernandes C. Nursing rehabilitation: road to quality assessment in admission units. Rev Enferm Ref [Internet]. 2012 [cited 2019 Mar 8];III Série(nº 8):29-38. Available from: http://www.esenfc.pt/rr/index.php?module=rr⌖=publicationDetails&pesquisa=&id_artigo=2332&id_revista=9&id_edicao=50
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).

Para medir a qualidade dos cuidados, devem-se selecionar os instrumentos mais adequados, como escalas validadas, auditorias ou avaliação contínua de desfechos favoráveis ou não, como o surgimento de incapacidades em pessoas vulneráveis durante a hospitalização. Para fazer correções, é preciso olhar para trás, até o processo que conduziu os resultados não desejados, para chegar aos aspectos da estrutura que tenham sido responsáveis ou contribuído para os mesmos(2020. Sales CB, Bernardes A, Gabriel CS, Brito MF, Moura AA, Zanetti AC. Standard operational protocols in professional nursing practice: use, weaknesses and potentialities. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):126-34. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0621
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).

Pode-se observar no discurso dos participantes durante os encontros de GF que, mesmo com o reconhecimento e sensibilização de alguns profissionais, que relatam ter uma “cultura” estabelecida e um olhar diferenciado para estas questões de vulnerabilidade da pessoa idosa hospitalizada, é necessário que existam protocolos e uma padronização de ações para o exercício profissional seguro e sistematizado. Com relação ao gerenciamento da IU nos cenários hospitalares, ainda existe uma carência de instrumentos que orientem tal prática, sendo necessário e recomendado o desenvolvimento de mais estudos relacionados ao tema que possibilitem principalmente a construção e validação de instrumentos e protocolos baseados em evidências com esta finalidade, principalmente com relação ao problema da incontinência.

Vale reconhecer que novas práticas não são fáceis de introduzir dentro de uma organização. É necessário entender os processos e sensibilizar os atores envolvidos para que haja reconhecimento e disposição para mudança de atitude(2020. Sales CB, Bernardes A, Gabriel CS, Brito MF, Moura AA, Zanetti AC. Standard operational protocols in professional nursing practice: use, weaknesses and potentialities. Rev Bras Enferm. 2018;71(1):126-34. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0621
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). Os resultados do estudo trazem contribuições para a prática clínica da enfermagem, pois a experiência obtida nos encontros de GF foi importante por propiciar reflexão da equipe sobre a sua prática assistencial, estimulando essa a repensar suas condutas e encontrar meios para uma assistência de melhor qualidade, reconhecendo e gerenciando o risco da IU. Tais resultados podem aplicar-se também a outros cenários que possuem os mesmos problemas e fatores de risco do desfecho investigado. Ademais, pode-se aplicar tal alerta a outros atores da equipe de saúde atuantes no cenário hospitalar, pois a mudança de atitude e adequação deste cuidado deve ser estimulada em toda a equipe multiprofissional.

O estudo também traz importantes subsídios para a reflexão relacionada à gestão de risco da IU nos cenários hospitalares, ainda pouco discutida e difundida na prática clínica, ressaltando a necessidade de avaliação desde aspectos estruturais até aspectos relacionados à sistematização da assistência de enfermagem relacionada ao problema da IU e os meios disponíveis para que a equipe de cuidados reconheça o problema e operacionalize as intervenções necessárias, como a avaliação criteriosa com relação ao uso e manutenção de dispositivos de controle urinário, como as fraldas geriátricas.

É de suma importância que essa discussão seja colocada em pauta, que esse objeto de estudo tenha maior visibilidade, pensando não só na reversão da causa que leva a pessoa idosa ao internamento, mas sim na gestão dos riscos a que esses são expostos durante o processo de hospitalização, visando cada vez mais à manutenção da qualidade de vida e funcionalidade dessas pessoas no retorno ao domicílio.

O cuidado sustentável centrado na pessoa, no que diz respeito à promoção da continência, exige uma liderança e cultura positiva comprometida, incluindo a educação contínua de pessoal e de acompanhantes de pessoas idosas no cenário hospitalar, e também o alerta às autoridades e responsáveis pela gestão de pessoal e de materiais; logo, todos devem estar engajados neste objetivo(33. Furlanetto K, Emond K. “Will I come home incontinent?” A retrospective file review: incidence of development of incontinence and correlation with length of stay in acute settings for people with dementia or cognitive impairment aged 65 years and over. Collegian. 2016;23(1):7986. https://doi.org/10.1016/j.colegn.2014.09.013
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).

Ressalta-se que, ao englobar a teoria donabediana e analisar não só o processo de cuidado, mas aspectos também da estrutura, para além apenas da estrutura física, foi possível a identificação de problemas e déficits que estão acima da governabilidade da equipe de saúde, e que demandam custos para sua resolução. Porém, ao identificar determinadas fragilidades, pode-se orientar a prioridade de custos, alertar e sensibilizar gestores e adequar as necessidades demandadas com vistas à minimização do problema dentro das possibilidades de cada cenário.

O estudo teve como limitação a dificuldade com relação à disponibilidade dos profissionais em participar dos encontros de GF, sendo possível sua realização apenas em horário de serviço, durante dias escalados em que havia mais profissionais na unidade, com parceria da coordenação de enfermagem do setor que viabilizou tal alternativa. Também pode ser considerada como limitação a utilização do modelo teórico de investigação donabediano pré-determinado que pode ter limitado as falas dos profissionais dentro das questões propostas e o norteamento das discussões pela moderadora. Porém, tal desenho proporcionou um norte de aprofundamento e análise com relação à temática investigada que atendeu aos objetivos propostos.

CONCLUSÃO

Os fatores relacionados ao surgimento e/ou piora da IU da pessoa idosa hospitalizada, na visão da equipe de enfermagem, considerando os pilares da tríade donabediana, estão prioritariamente ligados ao pilar Estrutura, ressaltando-se o atributo recursos humanos, com enfoque não apenas em seu quantitativo, mas também na qualificação e sensibilização, sendo necessários o investimento em educação continuada e uma maior visibilidade deste problema nos programas de graduação e pós-graduação. Esse atributo é seguido pelo atributo recursos materiais e estrutura física do cenário hospitalar. O segundo pilar mais abordado pela equipe foi o Processo e, por último, o pilar Resultado. O desfecho do estudo e a experiência dos encontros de GF com a equipe de enfermagem alertam para a necessidade da criação de instrumentos e protocolos validados baseados em evidências que orientem esta prática assistencial, além da necessidade de sensibilização dos outros membros da equipe multiprofissional. Ao reconhecer a IU na pessoa idosa como problema, medidas e intervenções serão planejadas, executadas e avaliadas, reduzindo suas consequências para a pessoa acometida e o fardo desta síndrome geriátrica aos cuidadores e ao sistema público de saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    06 Fev 2020
  • Aceito
    15 Fev 2021
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