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Qualidade da atenção básica à saúde e vulnerabilidade social: uma análise espacial* * Extraído da dissertação: “Qualidade da atenção básica e sua relação com a vulnerabilidade social nos municípios do Nordeste do Brasil”, Universidade Federal de Sergipe, 2020.

RESUMO

Objetivo:

Analisar a associação entre a qualidade da atenção básica e a vulnerabilidade social nos municípios do Nordeste brasileiro.

Método:

Estudo ecológico com análise espacial, utilizando os índices de Moran global e local univariados. As análises bivariadas foram empregadas para examinar a relação entre a qualidade da atenção básica e o Índice de Vulnerabilidade Social no Nordeste. A variável dependente correspondeu às notas finais de certificações das equipes de atenção básica do Nordeste que participaram do terceiro ciclo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica. A variável independente foi o Índice de Vulnerabilidade Social municipal.

Resultados:

A análise bivariada apontou presença de áreas de baixa vulnerabilidade com alta qualidade da atenção básica em municípios dos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia. O Maranhão destacou-se por apresentar baixo desempenho da atenção básica em um grande número de municípios com alta vulnerabilidade.

Conclusão:

O estudo revelou a relação espacial entre indicadores de vulnerabilidade social e qualidade da atenção básica no Nordeste, sugerindo que limitações no acesso a recursos e serviços de saúde podem estar relacionados a determinantes sociais de saúde.

DESCRITORES
Atenção Primária à Saúde; Qualidade da Assistência à Saúde; Vulnerabilidade Social; Análise Espacial

ABSTRACT

Objective:

To analyze the association between quality of basic health care and social vulnerability in municipalities of the Brazilian northeast.

Method:

Ecological study with spatial analysis using univariate global and local Moran’s indexes. Bivariate analyses were employed to examine the relationship between the quality of basic health care and the Social Vulnerability Index in the Northeast. The dependent variable corresponded to the final scores of certifications of teams of basic health care in the Northeast that had participated in the third cycle of the Brazilian Program for the Improvement of Access and Quality of Basic Health Care. The independent variable was the Social Vulnerability Index of the municipality.

Results:

The bivariate analysis has pointed out the presence of areas of low vulnerability with high quality basic health care in the municipalities in the states of Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, and Bahia. The state of Maranhão is emphasized for its low performance in basic health care in a large number of municipalities with high vulnerability.

Conclusion:

The study has revealed a spatial relation between the indicators of social vulnerability and quality of basic health care in the Northeast, suggesting that limitations in access to health resources and services may be related to social and health determinants.

DESCRIPTORS
Primary Health Care; Quality of Health Care; Social Vulnerability; Spatial Analysis

RESUMEN

Objetivo:

Analizar la asociación entre la calidad de la atención básica y la vulnerabilidad social en municipios del Nordeste de Brasil.

Método:

Estudio ecológico con análisis espacial, utilizando índices de Moran globales y locales univariados. Se emplearon análisis bivariados para examinar la relación entre la calidad de la atención básica y el Índice de Vulnerabilidad Social en el Nordeste. La variable dependiente fue las puntuaciones finales de las certificaciones de los equipos de asistencia básica del Nordeste que participaron en el tercer ciclo del Programa Nacional de Mejoramiento del Acceso y la Calidad de la Atención Básica. La variable independiente fue el Índice de Vulnerabilidad Social municipal.

Resultados:

El análisis bivariado mostró la presencia de áreas de baja vulnerabilidad con alta calidad de atención básica en los municipios de los estados de Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco y Bahia. El estado de Maranhão se destacó por presentar un bajo desempeño de la atención básica en un gran número de municipios con alta vulnerabilidad.

Conclusión:

El estudio reveló la relación espacial entre los indicadores de vulnerabilidad social y la calidad de la atención básica en el Nordeste, sugiriendo que las limitaciones en el acceso a los recursos y servicios de salud pueden estar relacionadas con los determinantes sociales de la salud.

DESCRITORES
Atención Primaria de Salud; Calidad de la Atención de Salud; Vulnerabilidad Social; Análisis Espacial

INTRODUÇÃO

O acesso e a qualidade dos serviços de saúde têm sido objeto de discussão e análise política nas conferências internacionais, principalmente a partir dos anos 1970, quando se passou a enfatizar a saúde integral. Desde então, com a melhoria das condições de vida, a sociedade vem exigindo cada vez mais a qualidade e a equidade do acesso aos serviços a ela prestados, em especial por órgãos públicos, tornando fundamental a criação de mecanismos de avaliação e controle da qualidade assistencial. Assim, os governos têm buscado formas de melhorar a eficiência, a eficácia e a capacidade de resposta de seus sistemas de saúde(11. Souza EA, Cossentini LA. A melhora da assistência ao cliente por meio da gestão da qualidade em saúde. Braz J Surg Clin Res. 2017;18(2):95-7.22. Pereira GS, Pereira SS. A importância da qualidade do serviço na gestão hospitalar. Rev Eletr Atualiza Saúde. 2015;1(1):109-17.).

No Brasil, a Atenção Básica (AB) compreende o componente de assistência à saúde que exerce protagonismo ao permitir transformações na estrutura e reorganização do sistema de saúde. A expansão da Estratégia Saúde da Família (ESF) foi responsável por ampliar o acesso e a oferta de serviços para todo o país, sobretudo para as regiões mais pobres e vulneráveis, além de proporcionar ao usuário a principal porta de entrada para o atendimento das suas necessidades de saúde(33. Morosini MVGC, Fonseca AF, Lima LD. Política Nacional de Atenção Básica 2017: retrocessos e riscos para o Sistema Único de Saúde. Saúde Debate. 2018;42(116):11-24. https://doi.org/10.1590/0103-1104201811601
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).

Entretanto, mesmo com os avanços da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) nos últimos anos, as marcantes desigualdades sociais e de saúde do Brasil persistem e seguem representando um dos grandes desafios para a qualidade e capacidade dos serviços de saúde(44. Viacava F, Oliveira RAD, Carvalho C, Laguardia J, Bellido JG. SUS: oferta, acesso e utilização de serviços de saúde nos últimos 30 anos. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6):1751-62. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.06022018
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). A vulnerabilidade social encontra-se diretamente relacionada aos determinantes sociais de saúde que se expressam no cotidiano dos sujeitos em seus territórios e contribuem para a promoção ou suscetibilidade dos seus processos saúde-doença(55. Carmo ME, Guizardi, FL. O conceito de vulnerabilidade e seus sentidos para as políticas públicas de saúde e assistência social. Cad Saúde Pública. 2018;34(3):e00101417. https://doi.org/10.1590/0102-311x00101417
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).

A concepção de vulnerabilidade denota a heterogeneidade de conceitos não estritamente condicionados à ausência ou precariedade no acesso à renda, mas atrelada também às fragilidades e desigualdades de acesso a bens e serviços públicos. O ser humano vulnerável é aquele que está mais susceptível a riscos e danos de naturezas diversas, uma vez que possui desvantagens para a mobilidade social. Dessa forma, indivíduos que se encontram em condições sociais desfavoráveis apresentam maior exposição a riscos no processo saúde-doença devido à limitação no acesso a recursos e serviços que auxiliam no enfrentamento das situações de adoecimento(55. Carmo ME, Guizardi, FL. O conceito de vulnerabilidade e seus sentidos para as políticas públicas de saúde e assistência social. Cad Saúde Pública. 2018;34(3):e00101417. https://doi.org/10.1590/0102-311x00101417
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).

Com a finalidade de fortalecer a AB à saúde e responder melhor às demandas das populações mais vulneráveis, o Ministério da Saúde (MS) estruturou o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB) como uma das principais estratégias para o monitoramento e avaliação de processos e resultados da AB, a fim de melhorar a estruturação desse componente de atenção. O programa tem o objetivo de compreender os determinantes e as diferentes realidades de saúde, além de envolver, mobilizar e corresponsabilizar os diversos atores envolvidos para produzir mudanças significativas nos modos de cuidar e gerir o cuidado que permitam a melhoria do acesso e da qualidade da AB(66. Flôres GMS, Weigelt LD, Rezende MS, Telles R, Krug SBF. Gestão pública no SUS: considerações acerca do PMAQ-AB. Saúde Debate. 2018;42(116):243-247. https://doi.org/10.1590/0103-1104201811619
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).

Diante disso, esta pesquisa tem o objetivo de analisar a associação entre a qualidade da atenção básica e a vulnerabilidade social em municípios do Nordeste brasileiro.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Trata-se de um estudo ecológico com técnicas de análise espacial e uso de dados secundários provenientes do PMAQ-AB e do Atlas de Vulnerabilidade Social do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)(77. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Atlas da vulnerabilidade social nos municípios brasileiros [Internet]. Brasília: IPEA; 2015 [cited 2020 abr. 25]. Available from: http://ivs.ipea.gov.br/images/publicacoes/Ivs/publicacao_atlas_ivs.pdf
http://ivs.ipea.gov.br/images/publicacoe...
).

Local

A região Nordeste do Brasil é composta por nove estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe e 1.794 municípios. Sua extensão territorial abrange uma área de 1.554.257 km2, a qual abriga cerca de 53.081.950 habitantes, o que representa cerca de 28% da população residente no Brasil. Sua densidade demográfica é de 34,1 habitantes/km² e o seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é o menor do país: 0,608(88. Banco do Nordeste. Nordeste em mapas [Internet]. Brasília; 2020 [cited 2020 ago. 11]. Available from: https://www.bnb.gov.br/documents/88765/89729/nordeste-mapas.pdf/9e8eaaa7-1dbf-43b7-8ed6-58046400df34?version=1.0
https://www.bnb.gov.br/documents/88765/8...
).

Coleta de Dados

As unidades de análise foram os municípios do Nordeste cujas equipes de AB participaram do terceiro ciclo do PMAQ-AB, o que correspondeu a 16.215 equipes distribuídas em 1.752 municípios na região. Foram excluídos da análise 42 municípios que não aderiram ao terceiro ciclo do programa.

A qualidade da AB no Nordeste foi representada pela média aritmética do ponto de corte das notas finais de certificações das equipes que participaram do terceiro ciclo do programa de cada cidade, de modo que a unidade de análise do estudo passou a ser o município. Os dados referentes às certificações do terceiro ciclo, que ocorreu entre 2015/2019, foram obtidos no site do PMAQ – Portal do Departamento da Atenção Básica do Ministério da Saúde e variaram entre cinco categorias de desempenho correspondentes a faixas de pontuação de zero a dez, somadas aos critérios de cumprimento dos padrões de qualidade definidos pelo MS: Ótimo (nota >= 8), Muito bom (nota > 7 até 7,99), Bom (nota > 6 até 7), Regular (nota > 4 até 6) e Ruim (nota 0 até 4)(99. Brasil. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade (PMAQ). Retratos da Atenção Primária [Internet] Brasília; 2020 [cited 2020 ago. 11]. Available from: https://retratos.hmg.navi.ifrn.edu.br/
https://retratos.hmg.navi.ifrn.edu.br/...
).

A vulnerabilidade social dos municípios nordestinos foi representada pelo Índice de Vulnerabilidade Social (IVS) municipal, composto por 16 indicadores que representam as dimensões de Infraestrutura Urbana (IVS-IU), Capital Humano (IVS-CH) e Renda e Trabalho (IVS-RT). O IVS varia de 0 a 1, de modo que, quanto mais próximo a 1, maior é a vulnerabilidade social de um município, classificada em muito baixa (0 a 0,200), baixa (0,201 a 0,300), média (0,301 a 0,400), alta (0,401 a 0,500) e muito alta (≥ 0,501)(77. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Atlas da vulnerabilidade social nos municípios brasileiros [Internet]. Brasília: IPEA; 2015 [cited 2020 abr. 25]. Available from: http://ivs.ipea.gov.br/images/publicacoes/Ivs/publicacao_atlas_ivs.pdf
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). Esse índice foi escolhido devido à sua capacidade de revelar condições de vulnerabilidade social nas diversas escalas do território brasileiro nos contextos de trabalho e renda, educação e saúde, condições de transporte, habitação e saneamento. A definição de vulnerabilidade em que esse IVS se ancora diz respeito à ausência ou à insuficiência de ativos, constituindo-se, assim, num instrumento de identificação das falhas de oferta de bens e serviços públicos no território nacional por parte do Estado(77. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Atlas da vulnerabilidade social nos municípios brasileiros [Internet]. Brasília: IPEA; 2015 [cited 2020 abr. 25]. Available from: http://ivs.ipea.gov.br/images/publicacoes/Ivs/publicacao_atlas_ivs.pdf
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).

Análise e Tratamento dos Dados

Foi realizada análise univariada através de indicadores locais de autocorrelação espacial – Local Indicator of Spatial Autocorrelation (LISA), baseados no Índice de Moran Global para verificar se a distribuição espacial da qualidade da AB ocorre de forma aleatória no espaço. O objetivo do LISA é avaliar se o espaço é uma variável relevante para o fenômeno estudado a partir da produção de valores específicos para cada área territorial que, com isso, identifica áreas de aglomerados (clusters) com padrões significativos de associação espacial com seus vizinhos(1010. Anselin L. Local Indicators of Spatial Association – LISA. Geogr Anal. 1995;27:93-115. https://doi.org/10.1111/j.1538-4632.1995.tb00338.x
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).

A análise da distribuição do LISA permite classificar a variável de interesse em quatro clusters: alto/alto, ou seja, observações com valores acima da média, com vizinhança também acima da média; clusters de baixo/baixo, que denotam aquelas abaixo da média com vizinhos também na mesma situação; os clusters de alto/baixo e baixo/alto, que representam, respectivamente, áreas de valores baixos cercadas por valores altos e áreas de valores altos cercados de valores baixos. Esses dois últimos são tidos como outliers espaciais e são, portanto, definidos como autocorrelações espaciais locais negativas(1010. Anselin L. Local Indicators of Spatial Association – LISA. Geogr Anal. 1995;27:93-115. https://doi.org/10.1111/j.1538-4632.1995.tb00338.x
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).

Foi utilizado também o índice de Moran local bivariado para a identificação de correlação espacial entre a qualidade da AB e o IVS e entre a qualidade da AB e as dimensões do IVS a fim de identificar os padrões de associação espacial de cada um e sua influência na composição do resultado do IVS geral. A análise bivariada mostra quatro tipos de relação espacial entre as variáveis propostas, considerando uma unidade de lugar e as unidades vizinhas, as quais serão caracterizadas da seguinte forma neste estudo: alto-alto – com alta qualidade da AB e cercadas de alta vulnerabilidade; alto-baixo – alta qualidade da AB e cercadas de baixa vulnerabilidade; baixo-alto – baixa qualidade da AB e cercadas de alta vulnerabilidade; baixo-baixo – baixa qualidade da AB e cercadas por baixa vulnerabilidade(1111. Anselin L. Exploring a spatial data with GeoDaTM: a workbook. Illinois: Center for Spatially Integrated Social Science, University of Illinois; 2005.).

Foram utilizados os programas TerraView versão 4.2.0, QGis versão 3.4.5 e GeoDa™ 1.14 para a construção dos mapas utilizando a base cartográfica, em formato shapefile, no sistema de projeção geográfica latitude/longitude (Sistema Geodésico de Referência – SIRGAS 2000) da região Nordeste, disponível no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Aspectos Éticos

Por se tratar de uma pesquisa com dados secundários de domínio público, este estudo prescindiu da necessidade de submissão de projeto ao Comitê de Ética em Pesquisa.

RESULTADOS

O total de equipes de AB que aderiram voluntariamente e participaram do terceiro ciclo do PMAQ-AB foi de 16.215, distribuídas em 1.752 municípios do Nordeste. Esses valores representam 37,8% do total das equipes de todo o Brasil no ano de 2017, segundo dados do MS, e aproximadamente 31,5% do total dos municípios do país no mesmo ano, de acordo com dados do IBGE.

Das 781 equipes desclassificadas, 87,5% se recusaram a responder à avaliação externa e 12,5% não possuíam cadeira odontológica em condições de uso. Além disso, 23 equipes foram classificadas com desempenho insatisfatório por não cumprirem os requisitos mínimos de permanência no programa. Os estados do Maranhão (n = 12), Piauí (n = 9) e Bahia (n = 8) se destacam entre aqueles com maior número de municípios sem equipes avaliadas no ciclo.

Os resultados das certificações de desempenho no terceiro ciclo do PMAQ-AB demonstraram que o Maranhão é o estado do Nordeste com o maior percentual de equipes com desempenho ruim (43%) e regular (33,8%). Em contrapartida, o Piauí apresentou maior percentual de equipes com desempenho muito bom (23%) e ótimo (11,2%) na região. Com exceção do Maranhão, os demais estados apresentam maior percentual de equipes com desempenho bom em relação às demais categorias de classificação (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição das certificações do terceiro ciclo do PMAQ-AB por estados do Nordeste – Aracaju, SE, Brasil, 2020.

Na Figura 1A é possível observar o mapa da distribuição das certificações das equipes. O mapa de Moran da Figura 1B permite identificar aglomerados de municípios de padrão alto-alto, ou seja, municípios com alto desempenho cujos vizinhos também apresentam alto desempenho, em quase todos os estados, com exceção do Maranhão e Sergipe. No Maranhão, é importante observar um grande aglomerado de municípios de padrão baixo-baixo, isto é, cidades com baixo desempenho da AB, cujos vizinhos também apresentam baixo desempenho. Além dele, os estados do Piauí, Bahia e Sergipe também apresentam padrões de municípios baixo-baixo.

Figura 1
Distribuição e autocorrelação espaciais do desempenho das equipes da AB, Nordeste, Brasil.

(A): Distribuição espacial do desempenho das equipes de AB pelo PMAQ-AB; (B): Análise Moran do desempenho das equipes de AB pelo PMAQ-AB em que: alto-alto – alta qualidade da AB e alta vulnerabilidade; alto-baixo – alta qualidade da AB e baixa vulnerabilidade; baixo-alto – baixa qualidade da AB e alta vulnerabilidade; baixo-baixo – baixa qualidade da AB e baixa vulnerabilidade.


A Tabela 2 mostra a distribuição do IVS dos municípios por estados do Nordeste. Pode-se observar que há predomínio de munícipios com IVS muito alto nos estados Alagoas e Maranhão. Nos estados de Sergipe e Rio Grande do Norte, essa relação se inverte, com aproximadamente 10,8% de municípios com IVS muito alto. No estado do Rio Grande do Norte, também houve maior concentração de municípios com baixo e médio IVS em relação aos demais estados da região. O único estado que apresentou alguma cidade com IVS muito baixo foi o Piauí.

Tabela 2
Distribuição dos municípios por IVS nos estados do Nordeste – Aracaju, SE, Brasil, 2020.

A análise bivariada apontou presença de agrupamentos espaciais alto-baixo principalmente em municípios dos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia, o que corresponde a áreas de baixa vulnerabilidade social com alta qualidade da atenção básica. O Maranhão destaca-se por apresentar baixo desempenho das atividades de atenção básica em um grande número de municípios com alta vulnerabilidade social (Figura 2A).

Figura 2
Análise bivariada da qualidade da AB e da vulnerabilidade social, Nordeste, Brasil.

(A): Moran Bivariado da qualidade da AB e o IVS; (B): Moran Bivariado da qualidade da AB e IVS-CH; (C): Moran Bivariado da qualidade da AB e IVS-R/T; (D): Moran Bivariado da qualidade da AB e IVS-IU.


Em relação às dimensões do IVS (Figuras 2B, 2C e 2D), é possível observar que em todas o Maranhão apresenta baixa qualidade da AB em um número significativo de cidades com altos indicadores de vulnerabilidade. Destaca-se também esse mesmo padrão no estado da Bahia na dimensão relacionada ao IVS-RT. Foi possível identificar ainda municípios com uma boa qualidade da AB em áreas de baixos valores dos indicadores relacionados às três dimensões do IVS, em especial nos estados da Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte.

DISCUSSÃO

Pretendeu-se neste estudo reunir subsídios para uma abordagem crítica do espaço para além da dimensão político-operativa do sistema de saúde, por meio das técnicas de geoprocessamento, para avaliação das certificações do PMAQ-AB, visto que o território consiste em importante instrumento de organização dos processos de trabalho e das práticas de saúde. Na busca por referenciais que embasassem o presente estudo nas bases de dados National Center for Biotechnology Information (NCBI/PubMed), Scopus, Web of Science, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e a biblioteca virtual Scientific Electronic Library Online (SciELO), observou-se que, no período de busca (2019/2020), havia uma escassez de publicações que avaliassem o trabalho e desempenho das equipes de atenção básica por essa ótica. Da mesma forma, há uma lacuna quanto à utilização da análise espacial para a avaliação dos serviços de saúde e os diferentes contextos em que eles se inserem.

O estudo revelou associação inversa entre indicadores de vulnerabilidade social e qualidade da AB, indicando que, quanto menor a vulnerabilidade social, maiores as chances de a qualidade ser superior. Tal resultado permite inferir que os critérios de implantação da ESF devem levar em conta fatores relacionados aos determinantes sociais, além da equidade e acessibilidade dos serviços, com o objetivo de identificar falhas na oferta de bens e serviços públicos.

A evolução histórica das políticas de saúde no Brasil está relacionada diretamente com a evolução político-social e econômica, organizando-se de acordo com as necessidades e contextos específicos e conforme as tendências vigentes da sociedade. As desigualdades regionais decorrentes das heranças históricas também influenciaram a conformação dos serviços de saúde, com concentração de atividades em espaços litorâneos e em grandes centros urbanos(1212. Albuquerque MV, Viana ALD’A, Lima LD, Ferreira MP, Fusaro ER, Iozzi FL. Desigualdades regionais na saúde: mudanças observadas no Brasil de 2000 a 2016. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(4):1055-64. https://10.1590/1413-81232017224.26862016
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).

Mesmo com o surgimento do Sistema Único de Saúde (SUS), resultante de um conjunto de lutas da Reforma Sanitária Brasileira, que visava, para além do sistema de saúde, uma transformação social, manteve-se a configuração territorial de desigualdades regionais no Brasil, com equipamentos de média e alta complexidade concentrados principalmente em capitais e metrópoles. Entretanto, no caso da AB, ocorreu o contrário: a expansão da ESF priorizou locais com condições socioeconômicas menos favoráveis, contribuindo para um aumento da equidade no acesso à saúde e redução das disparidades regionais de diversos indicadores de saúde(1212. Albuquerque MV, Viana ALD’A, Lima LD, Ferreira MP, Fusaro ER, Iozzi FL. Desigualdades regionais na saúde: mudanças observadas no Brasil de 2000 a 2016. Ciênc Saúde Coletiva. 2017;22(4):1055-64. https://10.1590/1413-81232017224.26862016
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).

O processo de implantação da ESF foi intenso no Nordeste, com expansão de cobertura geográfica, devido ao aumento progressivo no número de municípios que aderiram ao programa pela necessidade de priorizar políticas públicas que superassem suas vulnerabilidades sociais e programáticas. Houve uma tendência de melhora dos indicadores de desenvolvimento e saúde com a implantação da ESF, o que contribuiu substancialmente para a melhoria do sistema de saúde(1313. Carvalho FC, Vasconcelos TB, Arruda GMMS, Macena RHM. Modificações nos indicadores sociais da região nordeste após a implementação da atenção primária. Trab Educ Saúde. 2019;17(2):e0018925. http://dx.doi.org/10.1590/1981-7746-sol00189
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).

Apesar de melhoras significativas nos aspectos sociais, a região ainda apresenta vários problemas de ordem socioeconômica, tais como elevadas taxas de mortalidade infantil (33,2 óbitos a cada mil nascidos vivos) e falta de saneamento em mais da metade (55%) das residências. Atualmente, a ESF possui uma estimativa de cobertura de 81,74% e as equipes de Saúde Bucal, de 85.31%. Além disso, a região possui o maior número de municípios que aderiram ao terceiro ciclo do PMAQ-AB, com uma porcentagem de aproximadamente 98% de adesão(1414. Brasil. Ministério da Saúde, Departamento de Atenção Básica. Relatório Cobertura da Atenção Básica [Internet]. Brasília; 2020 [cited 2020 abr. 25]. Available from: https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCobertura.xhtml
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).

Ainda que a cobertura da AB seja elevada na maior parte dos municípios brasileiros, há persistência das disparidades socioespaciais e econômicas entre as regiões, conforme dados de estudo que avaliou as desigualdades regionais e sociais em saúde no período de 1998 a 2013. As regiões Norte e Nordeste apresentam os piores indicadores ao longo de toda a série, reafirmando que o aumento do acesso não repercute necessariamente em equidade na qualidade dos serviços, entendida como um fator essencial para a justiça social(1515. Viacava F, Porto SM, Carvalho CC, Bellido JG. Desigualdades regionais e sociais em saúde segundo inquéritos domiciliares (Brasil, 1998-2013). Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(7):2745-60. https://10.1590/1413-81232018247.15812017
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).

Corroborando este estudo, autores apresentaram resultados de baixo desempenho na região Nordeste ao avaliar a qualidade da AB no Brasil. Também foram observados estados com bom desempenho, a exemplo do Piauí e Rio Grande do Norte, demonstrando diferenças interestaduais na região(1616. Abreu DMX, Pinheiro PC, Queiroz BL, Lopes EAS, Machado TGM, Lima AMLD, et al. Análise espacial da qualidade da Atenção Básica em Saúde no Brasil. Saúde Debate. 2018;42(n.esp):67-80. https://doi.org/10.1590/0103-11042018S105
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). Dessa maneira, ao considerar uma avaliação da AB, deve-se levar em conta a heterogeneidade nas diferentes áreas geográficas, tanto em termos de acesso quanto da relação demanda-oferta e as possíveis dimensões do cuidado.

As diferentes classificações de qualidade da AB entre os estados podem estar associadas à implantação desigual desse nível de atenção no Nordeste, relacionada à disponibilidade financeira dos municípios, sua capacidade de gestão e, em alguns casos, à disponibilidade de profissionais que compõem as equipes. Por serem unidades político-administrativas autônomas, os municípios possuem diferentes capacidades de gestão e arrecadação e aqueles com maiores recursos e capacidade organizacional têm maior potencial de investimentos na AB(1414. Brasil. Ministério da Saúde, Departamento de Atenção Básica. Relatório Cobertura da Atenção Básica [Internet]. Brasília; 2020 [cited 2020 abr. 25]. Available from: https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCobertura.xhtml
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).

Outra possível razão para as desigualdades observadas é a vulnerabilidade social, pois a saúde é produzida nos espaços onde as pessoas estabelecem relações em diferentes contextos sociopolíticos e econômicos(1717. Frutoso MFP, Mendes R, Rosa KRM, Castro e Silva CR. Gestão local de saúde em território de vulnerabilidade: motivações e racionalidades. Saúde Debate. 2015;39(105):337-49. https://doi.org/10.1590/0103-110420151050002003
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). As metas de qualidade tendem a ser mais difíceis de serem alcançadas em locais onde a população é socialmente vulnerável devido a maiores necessidades e demandas de saúde dessa população, pois se sabe que populações mais pobres são mais suscetíveis a doenças, o que acarreta uma sobrecarga na estruturação dos serviços e nas condições de trabalho para os profissionais(1818. Cookson R, Asaria M, Ali S, Shaw R, Doran T, Goldblatt P. Health equity monitoring for healthcare quality assurance. Soc Sci Med. 2018;198(1):148-56. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2018.01.004
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).

Na região Nordeste, o Maranhão é o estado com maior número de municípios com alta vulnerabilidade social e está entre os estados do Brasil com menor arrecadação e investimentos na saúde(1414. Brasil. Ministério da Saúde, Departamento de Atenção Básica. Relatório Cobertura da Atenção Básica [Internet]. Brasília; 2020 [cited 2020 abr. 25]. Available from: https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCobertura.xhtml
https://egestorab.saude.gov.br/paginas/a...
). Tal fato corrobora os dados encontrados neste estudo, em que o Maranhão se destacou por apresentar desempenho classificado como ruim na maioria de suas equipes. Dessa maneira, a qualidade da AB pode se encontrar impactada pela alta vulnerabilidade do território.

Sugere-se que a melhoria da qualidade dos serviços se baseie não só na promoção de cuidados diretos à saúde, como também dos seus determinantes sociais, para maior impacto no atendimento às populações em regiões vulneráveis. Utilizar medidas de vulnerabilidade no planejamento e organização dos serviços de AB mostra-se útil para a redução de desigualdade no uso dos seus serviços por meio da estratificação de risco populacional, conforme estudo realizado no Distrito Federal que avaliou a vulnerabilidade de famílias assistidas na AB(1919. Silva TMR, Alvarenga MRM, Oliveira MAC. Avaliação da vulnerabilidade de famílias assistidas na Atenção Básica. Rev Latino Am Enfermagem. 2012;20(5): https://doi.org/10.1590/S0104-11692012000500016
https://doi.org/10.1590/S0104-1169201200...
).

Desse modo, ao apontar para a articulação entre território e vulnerabilidade, deve-se abranger aspectos individuais, coletivos e contextuais quanto à disponibilidade ou à carência de recursos destinados à proteção das pessoas. Os dados e informações produzidos pelo PMAQ-AB são capazes de evidenciar situações problemáticas nesse contexto, devido à sua larga abrangência. Além disso, as classificações de desempenho representam as certificações das equipes ponderadas por estratos socioeconômicos para fins de repasses de recursos mais justos e que estimulem a equidade(2020. Matta-Machado ATG, Santos AF, Abreu DMX, Jorge AO, Reis CMR, Lima AMLD, et al. Asistencia sanitaria, certificación de calidad y apoyo institucional: la atención primaria en Brasil. Rev Salud Publica Méx. 2016;58(3):358-65. http://dx.doi.org/10.21149/spm.v58i3.7895
http://dx.doi.org/10.21149/spm.v58i3.789...
).

Nesse contexto, as relações entre os problemas de saúde e as intervenções capazes de resolvê-los sofrem um julgamento de valor com o objetivo de ajudar na tomada de decisão. Esse julgamento pode ser resultado de várias análises obtidas por métodos e abordagens diferentes. Contudo, esses resultados não podem ser facilmente resumidos em um pequeno número de recomendações, pois as avaliações buscam informações mais profundas sobre os motivos do não alcance dos objetivos da intervenção(11. Souza EA, Cossentini LA. A melhora da assistência ao cliente por meio da gestão da qualidade em saúde. Braz J Surg Clin Res. 2017;18(2):95-7.).

O uso de indicadores promove o desenvolvimento de sistemas de informação em saúde, além de facilitar o monitoramento de determinado serviço. A disponibilidade de informações válidas e confiáveis é crucial para a análise da situação de saúde e, consequentemente, para a tomada de decisões. A má qualidade da informação pode comprometer a qualidade dos processos de monitoramento e avaliação(2121. Sousa AN. Monitoramento e avaliação na atenção básica no Brasil: a experiência recente e desafios para a sua consolidação. Saúde Debate. 2018;42(n.esp):289-301. https://doi.org/10.1590/0103-11042018S119
https://doi.org/10.1590/0103-11042018S11...
2222. Albuquerque C, Martins M. Indicadores de desempenho no Sistema Único de Saúde: uma avaliação dos avanços e lacunas. Saúde Debate. 2017;41(n.esp):118-37. https://doi.org/10.1590/0103-11042017S10
https://doi.org/10.1590/0103-11042017S10...
).

O conjunto dos indicadores definidos pelo PMAQ-AB se refere a alguns dos principais focos estratégicos desse nível de atenção e promove a complementação de informações sobre a oferta de serviços com o objetivo de refletir o esforço das equipes de saúde e da gestão na melhoria da qualidade da AB(2323. Carvalho MF, Vasconcelos MIO, Silva ARV, Meyer APGFV. Utilização de monitoramento e análise de indicadores na Atenção Primária à Saúde. SANARE. 2017;16(01):67-73.). A presença de indicadores relacionados ao acesso demonstra o interesse em estabelecer mecanismos que assegurem acessibilidade e acolhimento de todas as pessoas que procuram os serviços de AB de modo universal e sem diferenciações excludentes. Contudo, a saúde é construída nos espaços da vida onde há diferentes contextos sociais e econômicos, os quais manifestam assimetrias no acesso aos cuidados à saúde, apesar das garantias constitucionais de equidade(1717. Frutoso MFP, Mendes R, Rosa KRM, Castro e Silva CR. Gestão local de saúde em território de vulnerabilidade: motivações e racionalidades. Saúde Debate. 2015;39(105):337-49. https://doi.org/10.1590/0103-110420151050002003
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).

Nesse sentido, um serviço de AB localizado em território vulnerável agrega questões relacionadas à infraestrutura, informação, transporte, inadequação de determinadas instalações do equipamento de saúde, dificuldade de acesso dos trabalhadores às pessoas, assim como o acesso das pessoas aos próprios trabalhadores(2424. Mota ST, Vicentin MCG. Visibilidade, estigmatização e territorialização: percepções acerca da vulnerabilidade na Atenção Básica à Saúde. Distúrbio Comun. 2017;29(1):158-71. http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.2017v29i1p158-171
http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.201...
). Trata-se assim de um processo mais amplo de construção de condições de vida, com objetivos relacionados ao setor saúde, mas que não se resumem a eles(1717. Frutoso MFP, Mendes R, Rosa KRM, Castro e Silva CR. Gestão local de saúde em território de vulnerabilidade: motivações e racionalidades. Saúde Debate. 2015;39(105):337-49. https://doi.org/10.1590/0103-110420151050002003
https://doi.org/10.1590/0103-11042015105...
).

No Brasil, o acesso à saúde é fortemente influenciado pela condição socioeconômica e pelo local de residência. Pessoas com melhor condição socioeconômica e moradoras de regiões mais desenvolvidas têm mais acesso aos serviços de saúde. No entanto, há uma tendência de que indivíduos com menores condições socioeconômicas façam mais uso dos serviços após acessá-los. Nesse sentido, para um melhor acesso e promoção da saúde com equidade, fazem-se necessárias atividades de planejamento que identifiquem e analisem a vulnerabilidade quanto à compreensão dos seus mecanismos e consequências que influenciam a efetividade dos serviços de saúde(2525. Dilélio AS, Tomasi E, Thumé E, Silveira DS, Siqueira FCV, Piccini RX, et al. Padrões de utilização de atendimento médico ambulatorial no Brasil. Cad Saúde Pública. 2014;30(12):2594-606. http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00118713.
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00118...
2626. Shrestha R, Flacke J, Martinez J, Maarseveen MV. Environmental health related socio-spatial inequalities: identifying “hotspots” of environmental burdens and social vulnerability. Int J Environ Res Public Health. 2016;13(7). http://dx.doi.org/10.3390/ijerph13070691
http://dx.doi.org/10.3390/ijerph13070691...
).

Também foram observados neste estudo poucos locais espalhados pelo Maranhão, Piauí e Bahia que apresentaram alta qualidade da AB e baixa vulnerabilidade. Uma possível explicação para esse achado é a influência direta da atenção básica no desenvolvimento da área que ela abrange, por contribuir com melhorias nas condições de vida do indivíduo e da coletividade(1717. Frutoso MFP, Mendes R, Rosa KRM, Castro e Silva CR. Gestão local de saúde em território de vulnerabilidade: motivações e racionalidades. Saúde Debate. 2015;39(105):337-49. https://doi.org/10.1590/0103-110420151050002003
https://doi.org/10.1590/0103-11042015105...
).

A prática curativo-preventiva, observada no modelo biomédico tradicional, pode ser contornada e ampliada a partir da responsabilização das equipes pela saúde da população territorializada em sua área de atuação, buscando englobar, também, aspectos relativos à vida subjetiva, familiar, trabalho, ambiente, relações sociais, estética e cultura, a fim de promover uma melhor qualidade de vida. Nisso reside um dos principais fundamentos da mudança do modelo assistencial em saúde, que consiste no trabalho com os determinantes sociais da saúde(1717. Frutoso MFP, Mendes R, Rosa KRM, Castro e Silva CR. Gestão local de saúde em território de vulnerabilidade: motivações e racionalidades. Saúde Debate. 2015;39(105):337-49. https://doi.org/10.1590/0103-110420151050002003
https://doi.org/10.1590/0103-11042015105...
).

Com relação à associação da qualidade da AB com as dimensões do IVS, foi possível observar que as condições de acesso aos serviços de saneamento básico e de mobilidade urbana, fatores relacionados à renda e perspectivas atuais e futuras de saúde e educação dos indivíduos, podem influenciar no desempenho das equipes de AB(2727. Facchini LA, Tomasi E, Dilélio AS. Qualidade da Atenção Primária à Saúde no Brasil: avanços, desafios e perspectivas. Saúde Debate. 2018;42(n.esp.1):208-23. http://dx.doi.org/10.1590/0103-11042018S114
http://dx.doi.org/10.1590/0103-11042018S...
). As três dimensões representam conjuntos de estruturas ou recursos, também denominados de “ativos”, cuja posse ou privação determina as condições de bem-estar das populações nas sociedades contemporâneas. Assim, a definição de vulnerabilidade ancorada pelo IVS refere-se ao acesso, ausência ou insuficiência de tais ativos, constituindo-se em instrumento de identificação das falhas de oferta de bens e serviços públicos no território(77. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Atlas da vulnerabilidade social nos municípios brasileiros [Internet]. Brasília: IPEA; 2015 [cited 2020 abr. 25]. Available from: http://ivs.ipea.gov.br/images/publicacoes/Ivs/publicacao_atlas_ivs.pdf
http://ivs.ipea.gov.br/images/publicacoe...
).

Além de oportunos, os serviços de saúde devem ser seguros, efetivos e resolutivos, de maneira que identifiquem as necessidades, com a solução de problemas de saúde do usuário, ofertando desde a consulta inicial e demais procedimentos na AB até o encaminhamento qualificado ao atendimento especializado, quando necessário. Para que as equipes possam atingir seu potencial resolutivo, é necessário que gestores e profissionais analisem e intervenham, de acordo com a sua realidade, em aspectos relacionados à estruturação dos seus serviços(2727. Facchini LA, Tomasi E, Dilélio AS. Qualidade da Atenção Primária à Saúde no Brasil: avanços, desafios e perspectivas. Saúde Debate. 2018;42(n.esp.1):208-23. http://dx.doi.org/10.1590/0103-11042018S114
http://dx.doi.org/10.1590/0103-11042018S...
).

O aumento da exposição a riscos no processo saúde-doença, bem como a limitação no acesso a recursos e serviços, pode estar relacionado a determinantes sociais de saúde e diferenças socioeconômicas, de gênero, étnicas, raciais e geográficas. Desse modo, ao apontar para a articulação entre qualidade da atenção básica e vulnerabilidade, busca-se ir além da dimensão individual, abrangendo aspectos coletivos e contextuais, assim como a disponibilidade ou a carência de recursos destinados à proteção das pessoas(2828. Barros MBA, Lima MG, Medina LPB, Szwarcwald CL, Malta DC. Social inequalities in health behaviors among Brazilian adults: National Health Survey, 2013. Int J Equity Health. 2016;15(1):1-10. http://dx.doi.org/10.1186/s12939-016-0439-0
http://dx.doi.org/10.1186/s12939-016-043...
).

Nessa configuração, dentre os profissionais que integram as equipes de ESF, o enfermeiro frequentemente assume o planejamento, gerenciamento, manutenção e avaliação das ações e indicadores do serviço de saúde, o que justifica na maioria das vezes a coordenação do processo e busca pelos padrões de qualidade estipulados pelo PMAQ. Isso é evidenciado nos dados do PMAQ em que, dentro da equipe, os profissionais delegam ao enfermeiro o papel de autoridade cognitiva na passagem de informações sobre os processos de organização do trabalho(2929. Oliveira IC, Weiller TH, Soder RM, Santos JLG, Peiter CC. Programa nacional de melhoria do acesso e da qualidade da atenção básica: visão de enfermeiros. Cogitare Enferm. 2020;25:e62846. http://dx.doi.org/10.5380/ce.v25i0.
http://dx.doi.org/10.5380/ce.v25i0...
).

Essa posição que o enfermeiro tem assumido como coordenador/gestor das equipes de ESF aponta a ampliação dos limites de atuação profissional para além das atividades estritamente assistenciais. Além disso, “a gestão também faz parte do cuidado e deve ser desenvolvida de modo responsável e compromissado com as necessidades de saúde, a fim de efetivar as práticas de cuidado, que têm o coletivo e a família como focos de atenção”(3030. Galavote HS, Zandonade E, Garcia ACP, Freitas PSS, Seidl H, Contarato PC, et al. O trabalho do enfermeiro na atenção primária à saúde. Esc Anna Nery. 2016;20(1):90-8. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20160013
https://doi.org/10.5935/1414-8145.201600...
).

Dessa maneira, a relevância dos achados deste estudo está na possibilidade de contribuir não só para o direcionamento de políticas públicas em prol da prestação de cuidados de alta qualidade e equidade dos serviços de saúde do país, como também para orientar, em especial, os enfermeiros responsáveis pela gestão e coordenação das equipes na construção de mudanças eficazes na AB. Contudo, tais mudanças não podem ser artificialmente produzidas por portarias, e sim pelo envolvimento de todos os processos, meios internos e a complexidade dos territórios existenciais dos usuários.

CONCLUSÃO

Ao avaliar a qualidade da AB pela ótica de associação com os determinantes sociais, constatou-se que as equipes com melhores desempenhos estavam localizadas em áreas com menor vulnerabilidade social. Acredita-se que o conhecimento mais aprofundado sobre os fatores contextuais associados à qualidade seja o ponto de partida para reorganização do trabalho e da gestão em saúde.

Mesmo com a influência de outras variáveis, como subfinanciamento, mudança de perfil epidemiológico da população, má gestão e aumento das demandas dos usuários, a perspectiva de olhar para o território propõe uma prática de assistência à saúde mais complexa e longitudinal, podendo viabilizar a integração de redes de atenção com outras áreas relacionadas à saúde do sujeito, além de ações intersetoriais modificadoras dos determinantes sociais de saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Set 2020
  • Aceito
    09 Abr 2021
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