Incidência de delirium após internação de idosos com fraturas: fatores de risco e mortalidade

RESUMO

Objetivo:

Identificar a incidência, os fatores de risco para o delirium e sua associação com óbito em idosos hospitalizados com fraturas.

Método:

Coorte prospectiva, com seguimento de um ano de idosos com diagnóstico clínico ou radiológico de fratura, de um hospital de urgência e trauma de Goiás. O desfecho delirium foi definido pela descrição médica no prontuário. As variáveis preditoras foram demográficas, condições de saúde e complicações da internação. Realizou-se análise múltipla hierarquizada utilizando-se regressão de Poisson robusta, com Risco Relativo como medida de efeito.

Resultados:

Foram incluídos 376 idosos. A incidência de delirium foi 12,8% (n = 48). Os fatores de risco foram: sexo masculino, idade ≥80 anos, demência, cardiopatia, osteoporose, doença pulmonar obstrutiva crônica, acidentes de alta energia, pneumonia, infecção do trato urinário e cirurgia. O risco de óbito na amostra foi 1,97 vezes maior (HR: 1,97 IC 95% 1,19–3,25) em idosos com delírio.

Conclusão:

O delirium teve uma incidência intermediária (12,8%); o risco de óbito nesse grupo foi cerca de 2 vezes maior em um ano após a admissão hospitalar. Fatores demográficos, história pregressa de doenças, realização de cirurgia e ocorrência de complicações aumentaram o risco e precisam ser monitorados durante a internação de idosos com fraturas.

DESCRITORES
Idoso; Fraturas Ósseas; Hospitalização; Delírio; Mortalidade; Enfermagem Geriátrica

ABSTRACT

Objective:

To identify the incidence, risk factors for delirium, and its association with death in the elderly hospitalized with fractures.

Method:

Prospective cohort, with a one-year follow-up of elderly people with clinical or radiological diagnosis of fracture, from an emergency and trauma hospital in the state of Goiás. The outcome delirium was defined by the medical description in the medical record. The predictor variables were demographic, health conditions, and hospitalization complications. A hierarchical multiple analysis was performed using robust Poisson regression, with Relative Risk as a measure of effect.

Results:

A total of 376 elderly patients were included. The incidence of delirium was 12.8% (n = 48). Risk factors were male gender, age ≥80 years, dementia, heart disease, osteoporosis, chronic obstructive pulmonary disease, high-energy traumas, pneumonia, urinary tract infection, and surgery. The risk of death in the sample was 1.97 times higher (HR: 1.97 95% CI 1.19–3.25) in elderly people with delirium.

Conclusion:

Delirium had an intermediate incidence (12.8%); the risk of death in this group was about 2 times higher in one year after hospital admission. Demographic factors, past history of diseases, surgery, and complications have increased the risk and require monitoring during hospitalization of elderly people with fractures.

DESCRIPTORS
Aged; Fractures, Bone; Hospitalization; Delirium; Mortality; Geriatric Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Identificar la incidencia, los factores de riesgo para el delirium y su asociación con el óbito en ancianos hospitalizados con fracturas.

Método:

Cohorte prospectiva, con acompañamiento de un año con ancianos con diagnóstico clínico o radiológico de fractura, de un hospital de urgencias y trauma en Goiás, Brasil. El resultado delirium fue definido por la descripción médica en el registro médico. Las variables predictoras fueron demográficas, condiciones de salud y complicaciones de la hospitalización. Se realizó el análisis de regresión múltiple jerárquica utilizando la regresión de Poisson con varianza robusta, con Riesgo Relativo como medida de efecto.

Resultados:

Fueron incluidos 376 ancianos. La incidencia de delirium fue 12,8% (n = 48). Los factores de riesgo fueron: sexo masculino, edad ≥ 80 años, demencia, cardiopatía, osteoporosis, EPOC, traumas de alta energía, neumonía, infección urinaria y cirugía. El riesgo de óbito en la muestra fue 1,97 veces mayor (HR: 1,97 IC 95% 1,19–3,25) en ancianos con delirium.

Conclusión:

El delirium tuvo una incidencia intermediaria (12,8%); el riesgo de óbito en ese grupo fue aproximadamente 2 veces mayor en un año después de la admisión hospitalaria. Factores demográficos, historia anterior de enfermedades, realización de cirugía y la ocurrencia de complicaciones aumentaron el riesgo y necesitan ser monitoreados durante la hospitalización de ancianos con fracturas.

DESCRITORES
Anciano; Fracturas Óseas; Hospitalización; Delirio; Mortalidad; Enfermería Geriátrica

INTRODUÇÃO

O delirium é uma desordem aguda de atenção, consciência e cognição, que cursa com capacidade reduzida de concentrar ou sustentar a atenção, déficit de memória, desorientação e distúrbios de linguagem. Esta desordem tende a desenvolver-se em curto período de tempo e pode ser classificada, conforme suas manifestações clínicas, em hipoativa, hiperativa e mista(¹).

Trata-se de uma condição com incidência variando de 9 a 50%(²–⁴) em idosos com diferentes condições clínicas. Diferentes fatores contribuem para a ocorrência do delirium: faixas etárias mais avançadas(⁵–⁶), procedimentos cirúrgicos(²,⁷–⁸), retenção urinária e obstipação intestinal(⁶,⁹), imobilidade(⁶,¹⁰), dor(¹⁰), desidratação(⁹–¹⁰), uso de polifarmácia(¹⁰), demência(³,¹¹), redução da ingesta calórica e proteica(⁶) e infecções(⁹–¹⁰).

Embora o delirium ocorra em diferentes cenários, o ambiente hospitalar é o mais comum. Sua ocorrência aumenta o tempo de permanência hospitalar(³,⁷), a probabilidade de readmissões(¹²), piora a funcionalidade(⁴), aumenta os óbitos(²,¹¹,¹³–¹⁴) e os custos hospitalares(¹⁵).

As fraturas provenientes de traumas de baixa energia são muito incidentes em idosos e têm se tornado um importante problema de saúde pública pois, além dos gastos, relaciona-se com redução da mobilidade, pior qualidade de vida e ocorrência de complicações de difícil manejo em diversos ambientes de cuidado. O delirium é uma complicação frequente em idosos hospitalizados com fraturas(⁷,¹¹–¹²) que, de maneira individual, correlaciona-se com piores desfechos, inclusive com o óbito.

Alguns estudos mostraram que as internações por fratura de fêmur e/ou quadril(³,⁷) estão entre as principais causas de hospitalização que levam ao delirium. No entanto, poucos estudos analisaram os fatores preditores do delirium em idosos que são hospitalizados com fraturas(³,¹⁶).

Considerando as projeções do aumento da proporção de idosos, e que as fraturas são condições que trazem demandas importantes para a saúde dos idosos e para os serviços de saúde, como o delirium, compreender os fatores que precipitam o delirium no ambiente hospitalar poderá auxiliar na proposição de medidas que diminuam o risco desta complicação e consequentemente melhore o desfecho clínico destes pacientes.

Portanto, o objetivo deste estudo foi identificar a incidência de delirium, os seus fatores de risco e a sua associação com óbito em idosos hospitalizados com fraturas.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Estudo longitudinal prospectivo, com idosos hospitalizados por fraturas em um período de seis meses. O acompanhamento dos idosos incluídos foi de um ano, a partir da data de admissão neste período.

População

A população foi constituída por idosos (idade ≥ 60 anos) admitidos por qualquer tipo de fratura em um hospital de referência em urgência e trauma da cidade de Goiânia (Estado de Goiás, Brasil Central), em um período de seis meses (01 de setembro de 2016 a 28 de fevereiro de 2017).

O hospital supracitado é de grande porte, com 407 leitos de internação, referência para o atendimento de emergências clínicas e traumáticas de alta complexidade. É um hospital de ensino que recebe anualmente a residência médica e multiprofissional em diversas especialidades.

Critérios de Seleção

No período do estudo foram hospitalizados 1541 idosos com diferentes diagnósticos médicos. Destes, foram incluídos todos os idosos que apresentavam diagnóstico clínico ou radiológico de fratura descrito no prontuário, conforme a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10): S02, S12, S22, S32, S42, S52, S62, S72, S82, S92, T02, T08, T10 e T12. Foram excluídos idosos que permaneceram internados na instituição por um período inferior a 72 horas, pela ausência da maioria das variáveis investigadas neste estudo. Sendo assim, a população deste estudo foi de 376 pessoas idosas que apresentavam qualquer tipo de fratura, correspondendo a 24,4% de todas as internações ocorridas em um período de seis meses.

Coleta de Dados

Os dados foram coletados em prontuário eletrônico e físico e no sistema de informação de mortalidade (SIM) da Secretaria Municipal de Saúde do Município de Goiânia. O Serviço de Arquivo Médico do local disponibilizou uma lista de pessoas com 60 anos ou mais internadas no período do estudo. A partir desta lista, foram triados os idosos com diagnóstico de fratura em qualquer localidade, por descrição médica em prontuário com sinais clínicos e comprovados por laudo de raios X e/ou tomografia. Para a coleta de dados, utilizou-se um instrumento estruturado, elaborado com base na literatura, previamente testado em estudo piloto com informações sobre condições demográficas, de saúde e clínicas, dados da hospitalização, mecanismos de trauma e complicações durante a internação. Os dados do estudo piloto não integraram a análise desta pesquisa. Os dados de óbito foram coletados por meio do SIM utilizando o nome do idoso e da mãe.

Análise e Tratamento dos Dados

A variável dependente deste estudo foi delirium, definida pelo registro médico nos prontuários do período da admissão até a alta hospitalar ou óbito. As hipóteses diagnósticas não concluídas de delirium não foram classificadas para análise. Os sinais de delirium (sonolência, agitação e confusão) foram coletados, mas não foram incluídos no desfecho.

Variáveis Independentes

Em relação às variáveis independentes, os fatores de risco analisados foram agrupados em: (i) sociodemográficas: sexo e faixa etária; (ii) condição de saúde: comorbidades autorreferidas (demência, cardiopatia, diabetes, hipertensão, osteoporose, doença pulmonar obstrutiva crônica), Índice de Charlson (0–2 e ≥3)(¹⁷); polifarmácia, definido pelo uso concomitante de cinco ou mais medicamentos(¹⁸), história médica de vertigem, fraturas anteriores; (iii) fatores relacionados ao trauma: osso fraturado e mecanismo do trauma (trauma de baixa energia que corresponde a queda da própria altura ou acidente de alta energia equivalente a queda de alturas, colisão de veículo a motor, colisão com motociclista, ciclista e atropelamento de pedestres); (iv) complicações (pneumonia e infecção do trato urinário) e cirurgia durante a internação (sim ou não).

Para essa análise da associação entre delirium e óbito, a variável delirium foi considerada exposição, e a variável óbito por qualquer causa durante o período de acompanhamento dos idosos foi considerada como desfecho.

Os dados coletados foram analisados no Software for Statistics and data Science (STATA) versão 12.0. Na análise univariada, a magnitude da associação foi estimada pelo Risco Relativo (RR) e seus respectivos intervalos de confiança (IC 95%). As variáveis com p ≤ 0,20 na análise univariada foram incluídas em um modelo de regressão múltiplo, com abordagem hierarquizada distal-proximal(¹⁹), modelo que pressupõe que as variáveis do nível proximal apresentam maior relação com a ocorrência do desfecho do que as do bloco intermediário e distal. Sendo assim, seguindo um sentido distal-proximal, partiu-se das características demográficas (primeiro nível ou distal), para agregarem-se as variáveis relativas às condições prévias de saúde (segundo nível ou intermediário) e as variáveis ocorridas durante a internação (terceiro nível ou proximal). Após inclusão de um novo bloco, mantiveram-se as variáveis do bloco já testado, ou seja, os blocos posteriores não influenciaram os anteriores. Mantiveram-se no modelo de seu respectivo nível as variáveis que apresentaram valor p ≤ 0,05 ou quando houve mudanças na RP ajustada maiores que 10%. A relação entre delirium e óbito foi apresentada pela curva de Kaplan Meier e o efeito da associação foi estimado pelo Hazard Ratio (HR).

Aspectos Éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital de Urgência de Goiânia, parecer 2.874.973/2018. Por se tratar de dados secundários, dispensou-se a aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido sendo, portanto, solicitado o termo de compromisso para utilização de dados para coleta em prontuário.

RESULTADOS

No período estudado, foram avaliados 1541 prontuários de idosos e foram incluídos 376, que atenderam aos critérios de elegibilidade. Nesse total, 54,3% eram mulheres, 66,5% estavam entre a faixa etária de 60 a 79 anos com média de idade de 74,7 anos (±9,37), 24,3% faziam uso de 5 ou mais medicações, 21,3% apresentavam baixo peso, 26,0% possuíam 4 ou mais doenças (Tabela 1).

Tabela 1
Análise univariada entre condições sociodemográficas e de saúde e a ocorrência de delirium em idosos admitidos com fraturas – Goiânia, GO, Brasil, 2017.

Variáveis	Total n (%)	Incidência de delirium n (%)	RR (IC 95%)	p ≤ 0,05
Sexo
Feminino	204 (54,3)	29 (14,2)	1,00	0,362
Masculino	172 (45,7)	19 (11,1)	0,79 (0,45–1,33)
Faixa etária (anos)
60–79	250 (66,5)	10 (4,0)	1,00
≥80	126 (33,5)	38 (30,1)	7,53 (3,88–14,64)	≤0,001
História de doenças
Demências	39 (10,4)	17 (45,5)	4,20 (2,57–6,85)	≤0,001
Cardiopatia	73 (19,4)	20 (27,4)	2,59 (1,55–4,32)	≤0,001
Diabetes	81 (21,5)	8 (9,8)	0,63 (0,30–1,30)	0,214
Hipertensão	216 (57,4)	33 (15,2)	1,23 (0,69–2,17)	0,472
Osteoporose	63 (16,8)	27 (42,8)	5,61(3,40–9,26)	≤0,001
DPOC	39 (10,4)	14 (35,9)	3,15 (1,86–5,34)	≤0,001
Índice de charlson
0–2	338 (89,9)	35 (10,3)	1,00
≥3	38 (10,1)	13 (34,2)	3,30 (1,92–5,67)	≤0,001
Polifarmácia
0–4	302 (80,3)	30 (9,9)	1,00
≥5	74 (19,7)	18 (24,3)	2,44 (1,44–4,14)	0,001
Fraturas anteriores
Não	316 (84,0)	27 (8,5)	1,00
Sim	60 (16,0)	21 (35,0)	4,09 (2,48–6,75)	≤0,001

A incidência de delirium foi de 12,8% (n = 48). Em relação ao tipo, 20,8% foram classificados como hipoativos, 37,5% hiperativos, 18,7% mistos e 23,0% não foram informados pelo médico assistente. Sinais de delirium (hipoatividade/sonolência, confusão e/ou agitação psicomotora) foram descritos em 27,7% (n = 104) dos idosos.

Na Tabela 1, a análise univariada demonstrou risco aumentado de delirium para as variáveis: faixa etária ≥80 anos, demência, cardiopatia, osteoporose e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), índice de Charlson ≥3, polifarmácia e fraturas anteriores.

Em relação às variáveis relacionadas à internação, houve maior risco de delirium em idosos que sofreram acidentes de baixa energia, fratura de fêmur, tiveram como complicações pneumonia e infecção do trato urinário (Tabela 2).

Tabela 2
Análise univariada entre as condições da fratura e da internação e ocorrência de delirium em idosos admitidos com fraturas – Goiânia, GO, Brasil, 2017.

Variáveis	Total n (%)	Incidência de delirium N (%)	RR (IC 95%)	p < 0,05
Mecanismo do trauma¥
ABE*	247 (66,3)	47 (19,0)	23,97 (3,33–172,21)	0,002
AAE*	126 (33,7)	1 (1,0)	1,00
Osso fraturado
Fêmur	200 (53,2)	41 (20,5)	5,15 (2,37–11,20)	≤0,001
Tíbia	42 (11,2)	2 (4,7)	0,34 (0,08–1,37)	0,132
Úmero	25 (6,6)	4 (16,0)	1,27 (0,49–3,27)	0,611
Rádio	27 (7,2)	3 (11,1)	0,86 (0,28–2,59)	0,789
Ossos da face	24 (6,4)	3 (12,5)	0,97 (0,32–2,92)	0,968
Vértebras	30 (8,0)	1 (3,3)	0,24 (0,34–1,72)	0,107
Complicações durante a internação
Pneumonia	60 (15,9)	26 (43,3)	6,22 (3,78–10,22)	≤0,001
ITU	42 (11,2)	18 (42,9)	4,77 (2,92–7,78)	≤0,001
Cirurgia durante a internação
Sim	265 (70,5)	32 (66,6)	0,83 (0,47–1,46)	0,534
Não	111 (29,5)	16 (33,4)	1,00

• ^*
  ABE: Acidente de baixa energia
• ^*
  AAE: Acidente de alta energia
• ITU: infecção do trato urinário
• ^¥
  dados ausentes para 3 participantes

No modelo de análise múltipla hierarquizada final, permaneceram associados ao delirium: sexo masculino, ter 80 anos ou mais, demência, cardiopatia, osteoporose, DPOC, pneumonia e cirurgia (Tabela 3).

Tabela 3
Análise de Regressão múltipla em blocos hierarquizados para ocorrência de delirium nos pacientes admitidos no estudo – Goiânia, GO, Brasil, 2017.

Variáveis	Bloco distal		Bloco intermediário		Bloco proximal
	RR1 (95% CI2)	p3	RR (95% CI)	p	RR (95% CI)	p
Sexo
Feminino	1,00		1,00		1,00
Masculino	1,25 (0,75–2,08)	0,378	2,18 (1,36–3,52)	≤0,001	2,25 (1,41–3,57)	≤0,001
Idade (anos)
60–79	1,00		1,00		1,00
≥80	7,98 (4,07–15,65)	≤0,001	4,03 (2,22–7,30)	≤0,001	2,33 (1,22–4,45)	0,010
índice de charlson
0–2			1,00		1,00
≥3			0,97 (0,55–1,70)	0,937	1,04 (0,61–1,77)	0,862
Demência			2,81 (1,76–4,48)	≤0,001	2,72 (1,51–4,89)	≤0,001
Cardiopatia			1,80 (1,21–2,69)	0,004	1,75 (1,13–2,71)	0,011
Osteoporose			3,58 (2,14–6,00)	≤0,001	2,47 (1,37–4,44)	0,002
DPOC4			2,34 (1,49–3,68)	≤0,001	1,79 (1,07–2,98)	0,024
Polifarmácia			1,58 (1,05–2,39)	0,026	1,27 (0,84–1,92)	0,253
Mecanismo do trauma
AAE5					1,00
ABE6					5,65 (0,75–42,48)	0,092
Fratura de fêmur					1,05 (0,48–2,30)	0,893
Pneumonia					2,75 (1,48–5,11)	0,002
ITU7					1,74 (1,11–2,73)	0,016
Cirurgia					2,01 (1,06–3,83)	0,032

• ¹
  Risco relativo
• ²
  Intervalo de confiança
• ³
  Valor de p
• ⁴
  DPOC: Doença pulmonar obstrutiva crônica
• ⁵
  AAE: Acidente de alta energia
• ⁶
  ABE: Acidente de baixa energia
• ⁷
  ITU: Infecção do trato urinário

Do total de 376 idosos internados, 86 (22,9%) evoluíram para óbito por qualquer causa, e destes, 21 apresentaram delirium durante a internação (24,7%). A ocorrência de delirium aumentou o risco de óbito em 1,97 (HR: 1,97 IC 95% 1,19–3,25, p = 0,008) (Figura 1).

Figura 1
Associação entre delirium durante a internação e óbito por qualquer causa em idosos com fraturas – Goiânia, GO, Brasil, 2017.

DISCUSSÃO

A incidência de delirium encontrada neste estudo (12,8%) pode ser considerada como intermediária comparada a estudos pregressos(²–³,¹¹,²⁰). Há evidências de variação na incidência de delirium de 9%(²⁰) a 17%(¹¹) em serviços de emergência, 28%(²) a 34%(³) em pacientes com fraturas, aumentando para cerca de 50% em pacientes com condições prévias de saúde presentes na admissão, como demência(³). Nesse estudo, essa incidência intermediária pode ser atribuída ao subdiagnóstico do delirium, uma vez que 28% apresentaram critérios clínicos para diagnóstico. Apesar de ser um assunto amplamente discutido na literatura, na prática clínica o diagnóstico e o manejo do delirium ainda são incipientes(²¹). Por se tratar de uma complicação comum em idosos com fraturas é importante reconhecer os fatores de risco para sua ocorrência.

A relação entre idade avançada (≥80 anos) e delirium corrobora estudos anteriores(⁵,²²). Durante o processo de envelhecimento, os idosos têm dificuldades em manter sua homeostasia, o que leva a uma diminuição gradual da reserva fisiológica e consequente declínio acumulado em vários sistemas fisiológicos, propiciando a ocorrência de delirium(²²). Ainda em relação aos aspectos demográficos, idosos do sexo masculino apresentaram maior risco de delirium comparados às mulheres. Esse dado pode estar relacionado a maior incidência de acidentes de trânsito pelos homens e consequente maior número de admissões no local de estudo. Trata-se de um achado que precisa ser mais bem explorado pois estudos anteriores mostraram maior proporção entre as mulheres(³–⁴,¹⁶).

Quanto às comorbidades, idosos com história prévia de demência, cardiopatia, DPOC e osteoporose tiveram risco aumentado de delirium. Estudos anteriores mostram que a demência é um dos mais importantes fatores de risco para delirium(³–⁴,⁶,⁹,¹⁶). Um estudo analisou os fatores de risco para a ocorrência de delirium em pacientes admitidos por fratura de quadril e a incidência observada foi 35% no grupo com demência e de 21% naqueles sem demência prévia(³). Na demência, há comprometimento de estruturas corticais e subcorticais e uma desregulação na liberação de neurotransmissores que atuam na homeostasia dos indivíduos, levando a declínio cognitivo funcional, o que pode justificar essa sobreposição do delirium à demência(⁹,²²).

Idosos com DPOC também tiveram maior risco de delirium neste estudo. Estudo demonstrou que idosos internados com DPOC apresentam com maior frequência: infecções recorrentes, infecções respiratórias baixas, distúrbios hidroeletrolíticos, doenças cardíacas associadas, suporte ventilatório, maior tempo de permanência em UTI(²³) O conjunto desses fatores pode contribuir para complicações, entre elas o delirium(²³).

Não foram encontrados estudos avaliando a relação entre cardiopatia e delirium em idosos com fraturas. Porém, estudos prévios com idosos hospitalizados(²⁴–²⁵) mostram que, entre os cardiopatas, ocorre uma fração de ejeção menor, arritmias e baixa perfusão periférica(²⁴), o que poderia justificar quadros confusionais com maior frequência. Além disso, apresentam maior instabilidade hemodinâmica durante o período perioperatório, aumentando complicações e tempo de internação(²⁴–²⁵).

História de osteoporose também foi associada ao delirium. Um estudo observou uma associação entre a redução da Densidade Mineral Óssea com osteoporose e comprometimento cognitivo(²⁶). A hipótese levantada pelos autores para essa associação foram as alterações hormonais e o aumento de marcadores inflamatórios que sabidamente podem alterar a função cognitiva(²⁶).

Durante a internação, foram fatores de risco para delirium: realização de cirurgia e complicações como pneumonia e infecção do trato urinário.

Idosos hospitalizados com fraturas frequentemente necessitam de abordagem cirúrgica; porém, suas condições clínicas nem sempre estão em um nível satisfatório por serem submetidos ao estresse cirúrgico. O período pós-operatório tem sido associado ao delirium e a um curso complicado de internação(²–⁴,⁸). Investigação entre os fatores de risco pós-operatório de cirurgia ortopédica e o delirium demonstrou associação com eventos ocorridos durante o período intraoperatório, como: perda sanguínea e alterações laboratoriais, principalmente aos marcadores inflamatórios como proteína C reativa (PCR)(⁸). Há também evidências de que idosos com classificação ASA >3 tem risco aumentado para delirium(¹⁰,¹⁴,²⁷). Outros estudos(²⁶,²⁸) têm relacionado o delirium no período pós-operatório a maior incidência de dor, imobilização, retenção urinária e permanência em leito de terapia intensiva.

Durante o período de hospitalização, os idosos que desenvolveram pneumonia e ITU apresentaram maior risco de delirium, dados que corroboram estudos prévios(³,⁹–¹⁰,¹³). Pneumonia e ITU são complicações frequentes durante a internação de idosos por diferentes causas(³,⁹–¹⁰,¹³). As hospitalizações por fraturas em geral são prolongadas(³,⁷), contribuindo para a diminuição da funcionalidade e da mobilidade, levando a complicações como as respiratórias e urinárias. No entanto, nesse estudo, o diagnóstico dessas complicações nem sempre foi concluído antes da ocorrência do delirium, o que nos sugere que existe uma associação dessas infecções com o delirium durante a internação, porém sem possibilidade de inferir causalidade.

A ocorrência de delirium aumentou o risco de óbito nessa população de idosos hospitalizados com fraturas. A relação entre delirium e óbito em idosos com diferentes condições clínicas, incluindo as fraturas, tem sido discutido na literatura(⁴,¹⁶,²⁹). Estudos mostram que a taxa de óbito é alta nos idosos com fraturas, com elevada proporção naqueles com delirium(⁴,¹⁶). Um estudo observou que em um ano a taxa de óbito em pacientes com fraturas foi de 19%, aumentando para 39% naqueles com delirium(¹⁶). Foi constatado em estudo que pacientes internados com delirium tiveram três vezes mais chances de morrer quando comparados àqueles que não apresentaram delirium(²⁷). Apesar da taxa elevada, não está claro na literatura se o delirium se relaciona diretamente ao desfecho óbito ou se pode ser indicador de gravidade das comorbidades e das condições de saúde e complicações(³–⁴,⁹,²⁹–³⁰). Em conjunto, esses fatores podem aumentar a ocorrência de óbitos.

Como limitações deste estudo podemos citar a coleta de dados em prontuários, que impossibilitou a aplicação de instrumentos padronizados para detecção do delirium. Além dessa, destaca-se a ausência de informações em prontuários que impossibilitou a investigação de variáveis como incapacidades. Para superar essas limitações, alguns cuidados como padronização do formulário, coleta do diagnóstico médico, realização de teste piloto foram realizados para assegurar a confiabilidade dos dados coletados.

CONCLUSÃO

Os achados deste estudo demonstraram incidência de 12,8% de delirium em idosos com fraturas. Fatores demográficos, história pregressa de doenças, realização de cirurgia e a ocorrência de complicações na internação foram fatores de risco para delirium durante a internação. A ocorrência de delirium aumentou o risco de óbito em 1,97 vezes e foi, durante a internação, um preditor para óbito por qualquer causa entre os idosos após um ano de seguimento da admissão hospitalar.

Em conjunto, os achados sinalizam a necessidade de avaliação das condições de saúde e monitoramento de complicações como pneumonia e ITU para identificação precoce do delirium e consequente manejo.

A equipe multiprofissional, por possuir conhecimentos diversos em áreas específicas e acompanhar diariamente a evolução desses pacientes, deve atuar na identificação desses fatores de risco para prevenção de delirium e intervir para que sejam controlados ou minimizados diante de uma assistência direcionada.

Além disso, considerando-se que a incidência de delirium após fraturas diminui ao se utilizar a avaliação multidimensional de idosos, recomenda-se que protocolos de avaliação geriátrica sejam implementados em hospitais de grande porte como este para avaliação clínica e o acompanhamento de idosos hospitalizados com fraturas.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  20 Ago 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  25 Out 2020
• Aceito
  24 Mar 2021