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Consumo de álcool de mulheres em um serviço de Atenção Primária à Saúde* * Extraído da tese “Rastreio e intervenção breve para mulheres que fazem uso de risco e nocivo de álcool atendidas em serviço de Atenção Primária à Saúde”, Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem, 2019.

RESUMO

Objetivo:

Identificar o padrão de consumo de álcool de usuárias de um serviço de Atenção Primária à Saúde, verificando a associação entre padrões e variáveis da amostra.

Método:

Estudo observacional que utilizou para coleta de dados o instrumento Alcohol Use Disorders Identification Test e questionário com questões sociodemográficas, clínicas e comportamentais. Realizou-se análise descritiva e univariada – teste de correlação Kendall e Kruskal-Wallis. Variáveis com valores de p≤0,2 foram introduzidas no modelo de regressão logística múltipla – teste de Mann-Whitney.

Resultados:

A amostra do estudo constituiu-se de 561 mulheres. Os resultados da análise apontam influência relevante para maiores padrões de consumo: não ter acompanhante, não ter religião, fazer uso de tabaco e de drogas e ter hipertensão arterial. Além disso, a cada ano acrescido na idade da mulher o seu padrão de consumo de álcool diminui.

Conclusão:

Reforçam-se dados de que o consumo de álcool feminino vem apresentando uma tendência ao crescimento especialmente entre as mais jovens, informação fundamental para a prestação de cuidados na Atenção Primária à Saúde.

DESCRITORES
Mulheres; Alcoolismo; Detecção de Abuso de Substâncias; Enfermagem de Atenção Primária; Atenção Primária à Saúde

ABSTRACT

Objective:

To identify alcohol consumption patterns in people cared by a Primary Health Care service and verify the association between the patterns and the variables of the sample.

Method:

Our observational study used both the Alcohol Use Disorders Identification Test instrument and a questionnaire with socio-demographic, clinical, and behavioral questions for data collection. We carried out the descriptive and univariate analysis with Kendall and Kruskal-Wallis correlation tests. We introduced variables with p ≤ 0.2 values in the multiple logistic regression – Mann-Whitney test.

Results:

The sample of the study was constituted by 561 women. The analysis results indicated relevant influence for higher patterns of consumption: not having a partner, not having a religion, smoking and drug habits, and having arterial hypertension. Besides that, within each additional year in women’s age, the alcohol consumption decreases.

Conclusion:

We endorsed data that female alcohol consumption is presenting a tendency to increase especially among younger women, this information is essential for the promotion of Primary Health Care.

DESCRIPTORS
Women; Alcoholism; Substance Abuse Detection; Primary Care Nursing; Primary Health Care

RESUMEN

Objetivo:

Identificar el patrón del consumo de alcohol de usuarias de un servicio de Atención Primaria de Salud, examinando la asociación entre los patrones y las variables de la muestra.

Método:

Se trata de un estudio observacional que utilizó el Test de Identificación de Trastornos por Consumo de Alcohol y un cuestionario con preguntas sociodemográficas, clínicas y conductuales para la recogida de los datos. Se realizó un análisis descriptivo y univariado con las pruebas de correlación de Kendall y Kruskal-Wallis. Se introdujeron variables con valores de p≤0,2 en el modelo de regresión logística múltiple – Prueba de Mann-Whitney.

Resultados:

La muestra del estudio estaba formada por 561 mujeres. Los resultados del análisis señalan influencias relevantes en los patrones de consumo más elevados: no tener pareja, no tener religión, consumir tabaco y drogas y padecer hipertensión. Además, con cada año que aumenta la edad de la mujer, su patrón de consumo de alcohol disminuye.

Conclusión:

Se refuerzan los datos de que el consumo de alcohol tiende a aumentar en las mujeres, sobre todo en las más jóvenes, una información fundamental para los cuidados en la Atención Primaria de Salud.

DESCRITORES
Mujeres; Alcoholismo; Detección de Abuso de Substâncias; Enfermería de Atención Primaria; Atención Primaria de Salud

INTRODUÇÃO

O século XX foi marcado por mudanças científicas, tecnológicas, educacionais e sociais. O gênero feminino teve transformações marcantes em suas condições social e econômica, conquistou direitos políticos, assegurou acesso à educação e ganhou espaço no trabalho extradoméstico. Tais mudanças levaram à redefinição de seu papel social, que permitiu a passagem do status de esposa e mãe para, também, o status de trabalhadora, aumentando a carga social a elas imposta(11. Gastal FL, Leite SSO, Treptow EC, Marini SS, Noal MV, Binz MAR, et al. Doença mental, mulheres e transformação social: um perfil evolutivo institucional de 1931 a 2000. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2006;28(3):245-54. https://doi.org/10.1590/S0101-81082006000300004
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).

Essa busca da identidade própria e do reconhecimento social teve impactos sobre o modelo de família, que trouxe consequências desfavoráveis para as relações entre os gêneros. A dupla jornada feminina trouxe contradições e conflitos, estando provavelmente envolvidas na psicogênese e no desencadeamento de transtornos psiquiátricos. A “liberdade feminina” fez progressos, o que trouxe consigo, também, uma maior exposição das mulheres ao risco de usar bebidas alcoólicas e drogas em geral(11. Gastal FL, Leite SSO, Treptow EC, Marini SS, Noal MV, Binz MAR, et al. Doença mental, mulheres e transformação social: um perfil evolutivo institucional de 1931 a 2000. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2006;28(3):245-54. https://doi.org/10.1590/S0101-81082006000300004
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).

Apesar da prevalência de transtornos relacionados ao uso de álcool (abuso e dependência) ainda ser maior entre homens (8,6%, cerca de 237 milhões de homens) do que entre mulheres (1,7%, cerca de 46 milhões de mulheres) no mundo, esses danos podem convergir no futuro(22. Bratberg GH, Wilsnack S, Wilsnack R, Haugland SH, Krokstad S, Sund ER, et al. Gender differences and gender convergence in alcohol use over the past three decades (1984–2008): the HUNT Study, Norway. BMC Public Health. 2016;16:723. https://doi.org/10.1186/s12889-016-3384-3
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). Em muitos países, as convergências no consumo de álcool e problemas relacionados já foram observadas em homens e mulheres(22. Bratberg GH, Wilsnack S, Wilsnack R, Haugland SH, Krokstad S, Sund ER, et al. Gender differences and gender convergence in alcohol use over the past three decades (1984–2008): the HUNT Study, Norway. BMC Public Health. 2016;16:723. https://doi.org/10.1186/s12889-016-3384-3
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55. White A, Castle IJP, Chen CM, Shirley M, Barata D, Hingson R. Converging patterns of alcohol use and related outcomes among females and males in the United States, 2002 to 2012. Alcohol Clin Exp Res. 2015;39(9):1712-26. https://doi.org/10.1111/acer.12815
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). Chamam também a atenção os altos índices de abuso e dependência observados nas Américas para ambos os sexos: 11,5% entre homens e 5,1% das mulheres(66. World Health Organization. Global status report on alcohol and health 2018. Geneva: WHO; 2018.).

No Brasil, estudo que investigou a frequência do consumo abusivo de bebidas alcoólicas nos últimos 30 dias apontou uma prevalência de 11%(77. Brasil. Ministério da Saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária.Vigitel 2018: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico [Internet]. Brasília: ANS; 2018 [cited 2019 dez. 29]. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/julho/25/vigitel-brasil-2018.pdf
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). Estudo realizado nos Estados Unidos(88. Tan CH, Denny CH, Cheal NE, Sniezek JE, Kanny D. Alcohol use and binge drinking among women of childbearing age: United States, 2011-2013. MMWR. 2015;64(37):1042-6.), em uma amostra de mulheres em idade reprodutiva, evidenciou que 53,6% das entrevistadas consumiam álcool e que o uso pesado episódico – ingestão de quatro ou mais doses de bebida alcoólica em uma única ocasião – foi de 18,2%. Os dois estudos apontaram(77. Brasil. Ministério da Saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária.Vigitel 2018: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico [Internet]. Brasília: ANS; 2018 [cited 2019 dez. 29]. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/julho/25/vigitel-brasil-2018.pdf
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88. Tan CH, Denny CH, Cheal NE, Sniezek JE, Kanny D. Alcohol use and binge drinking among women of childbearing age: United States, 2011-2013. MMWR. 2015;64(37):1042-6.) que as mulheres mais jovens tendem a beber mais. Esses resultados são consistentes com estimativas que evidenciam uma tendência de aumento do padrão de consumo de álcool das mulheres nas últimas décadas, com destaque entre as de menor idade(99. Slade T, Chapman C, Swift W, Keyes K, Tonks Z, Teesson M. Birth cohort trends in the global epidemiology of alcohol use and alcohol-related harms in men and women: systematic review and metaregression. BMJ Open. 2016;6:e011827. https://doi.org/10.1136/bmjopen-2016-011827
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).

Considerando os dados epidemiológicos, que vêm apontando o aumento e o rejuvenescimento do consumo de bebidas alcoólicas pela população feminina, bem como as repercussões físicas e sociais do consumo nocivo na saúde dessa população, é importante que as mulheres tenham acesso às informações referentes ao consumo da substância. Além disso, medias preventivas devem ser planejadas do sentido de apoiá-las, caso façam a opção por diminuir o uso, possibilitando a ampliação de suas escolhas e mudanças de comportamento(1010. Strobbe S. Prevention and screening, brief intervention, and referral to treatment for substance use in primary care. Prim Care Clin Office Pract. 2014;41(1):185-213. https://doi.org/10.1016/j.pop.2014.02.002
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1111. Hettema J, Cockrell S, Russo J, Corder-Mabe J, Yowell-Many A, Chisholm C, et al. Missed opportunities: screening and brief intervention for risky alcohol use in women´s health settings. J Womens Health (Larchmt). 2015;24(8):648-54. https://doi.org/10.1089/jwh.2014.4961
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).

Nesse sentido, os serviços de Atenção Primária à Saúde (APS) são responsáveis por desenvolver ações de prevenção em saúde no Brasil(1212. Lavras C. Atenção primária à saúde e a organização de redes regionais de atenção à saúde no Brasil. Saúde Soc. 2011;20(4):867-74. https://doi.org/10.1590/S0104-12902011000400005
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), configurando-se, portanto, em um cenário com potencialidades para o desenvolvimento de ações preventivas de consumo abusivo de álcool em mulheres. Assim, estudos que forneçam indicadores sobre o padrão de consumo de álcool das mulheres que buscam atendimento de saúde nesses espaços são importantes, principalmente quando se observa que no Brasil a maioria dos estudos dessa natureza que se propuseram a investigar essa realidade(1313. Vargas D, Bittencourt MN, Barroso LP. Padrões de consumo de álcool de usuários de serviços de atenção primária à saúde de um município brasileiro. Ciênc Saúde Coletiva. 2014;19(1):17-25. https://doi.org/10.1590/1413-81232014191.1972
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1414. Amato TC, Silveira OS, Oliveira JS, Ronzani TM. Uso de bebida alcoólica, religião e outras características sociodemográficas em pacientes da Atenção Primária à Saúde: Juiz de Fora, MG, Brasil, 2006. SMAD Rev Eletr Saúde Mental Álcool Drog. 2008;4(2):1-17. https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v4i2p01-17
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) incluem em suas análises pessoas do gênero masculino, dificultando uma análise direta da população feminina e suas especificidades.

Identificar a prevalência do padrão de consumo de álcool na população feminina permite, além de compreender as características comuns às mulheres que bebem, oferecer subsídios para a organização da Atenção Primária de Saúde para o atendimento das necessidades encontradas nessa população, a qual constitui a maior parcela de usuários de serviços de atenção primária no Brasil(1515. Guibu IA. Características principais dos usuários dos serviços de atenção primária à saúde no Brasil. Rev Saúde Pública. 2017;51 Supl. 2:17s. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2017051007070
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). Diante disso, o estudo tem como objetivo identificar o padrão de consumo de álcool de mulheres usuárias de serviços da APS da cidade de São Paulo, verificando a associação entre os padrões de uso e as variáveis sociodemográficas, clínicas e comportamentais da amostra.

MÉTODO

Tipo do Estudo

Trata-se de um estudo observacional transversal.

Cenário

Foi realizado em um serviço de APS, Unidade Básica de Saúde (UBS) da região central do município de São Paulo.

População

Uma amostra por conveniência de 561 mulheres que procuraram a UBS para atendimento de saúde participou do estudo. A Unidade Básica de Saúde investigada está localizada na região central da cidade de São Paulo e possui uma área de abrangência de aproximadamente 40 mil habitantes, contando com seis equipes de estratégia saúde da família e duas equipes de consultório na rua(1616. Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo; Coordenação de Epidemiologia e Informação. “Saúde em Dados” [Internet]. São Paulo: PMSP; 2018 [cited 2019 dez. 23]. Available from: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/epidemiologia_e_informacao/
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).

Critérios de Seleção

Os critérios de inclusão no estudo foram os seguintes: idade maior ou igual a 18 anos na data da entrevista e aceitar participar da pesquisa. Os critérios de exclusão da amostra foram: não ter fluência no português e estar grávida.

A abordagem das usuárias foi realizada em diferentes espaços do serviço de saúde, como na recepção, corredores e salas de espera, onde a mulher era convidada a participar da pesquisa. A partir disso, aquelas que aceitavam eram conduzidas para um espaço reservado, com a posterior realização das entrevistas, que tiveram duração média de 15 minutos.

Coleta de Dados

Os dados foram coletados no período de julho de 2017 até fevereiro de 2018 por cinco membros do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Enfermagem em Adições – Álcool e Outras drogas (NEPEAA), da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. Esses membros foram previamente treinados para realização das entrevistas e aplicação dos instrumentos de coleta, visando a padronização dos procedimentos. As mulheres que frequentaram a UBS nesse período foram convidadas para o estudo e aquelas que aceitaram participar da pesquisa fizeram parte da amostra (561).

Um questionário com questões sociodemográficas (idade, orientação sexual, identidade de gênero, cor ou raça/etnia, estado conjugal, religião, escolaridade, ocupação e renda familiar por classe social), clínicas (hipertensão, diabetes, colesterol e transtornos mentais diagnosticados) e comportamentais (uso de drogas – tipo, frequência e quantidade; uso de tabaco – frequência e quantidade; e o tipo de substância alcoólica de preferência) foi aplicado para caracterizar a amostra.

Para a identificação do padrão de uso de álcool, foi utilizado o instrumento Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT)(1717. Saunders JB, Aasland OG, Babor TF, de la Fuente JR, Grant M. Development of the Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT): WHO collaborative project on early detection of persons with harmful alcohol consumption II. Addiction. 1993;88(6):791-804. https://doi.org/10.1111/j.1360-0443.1993.tb02093.x
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). O AUDIT é um instrumento composto por dez questões e, de acordo com a pontuação obtida pelo participante, auxilia identificar quatro diferentes padrões de consumo de álcool: uso de baixo risco (até 7 pontos – zona I), uso de risco (de 8 a 15 pontos – zona II), uso nocivo (de 16 a 19 pontos – zona III) e provável dependência (acima de 20 pontos – zona IV). As perguntas abordam os hábitos pessoais de consumo das participantes e as consequências do uso de álcool em sua vida. O instrumento AUDIT possui validação na versão brasileira(1818. Moretti-Pires RO, Corradi-Webster CM. Adaptação e validação do Alcohol Use Disorder Identification Test (AUDIT) para população ribeirinha do interior da Amazônia, Brasil. Cad Saúde Pública. 2011;27(3):497-509. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000300010
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).

Análise e Tratamento dos Dados

Para análise, os dados foram inseridos em um banco de dados do programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences v. 20 Windows), segundo codificação previamente determinada. A partir do banco de dados, foi realizada uma análise descritiva da distribuição das participantes de acordo com seu padrão de consumo de álcool, os quais são apresentados em números absolutos e percentagens, bem como média das variáveis contínuas.

Para verificar a associação do padrão de uso de álcool das mulheres com suas características sociodemográficas, clínicas e comportamentais, foi realizada uma regressão logística univariada, utilizando o teste de correlações de Kendall para variáveis numéricas e o teste de Kruskal-Wallis para variáveis contínuas. Todas as variáveis que apresentaram valores de p ≤ 0,20 foram introduzidas passo a passo no modelo de regressão logística múltipla, utilizando o teste de Mann-Whitney.

Aspecto Éticos

O presente trabalho está inserido em um estudo mais amplo, que se intitula “Intervenção breve para mulheres que fazem uso de risco ou nocivo de álcool”. Foi realizado conforme as recomendações da Resolução n. 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde, para pesquisas com seres humanos no Brasil. A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da USP, sob número de protocolo: 1.969.800, e pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, sob número de protocolo de: 2.083.958, ambos no ano de 2017.

RESULTADOS

A amostra do estudo constituiu-se predominantemente por mulheres com média de idade de 43,2 anos (DP = 15,3), heterossexuais (n = 529, 94,8%), pardas (n = 244, 43,9%), solteiras (n = 210, 43,9%), de religião católica (n = 247, 44,2%), 2° grau completo (n = 197, 35,1%), empregadas formalmente (n = 196, 34,9%), vivendo em moradia alugada ou própria (n = 521, 94,7%), com renda familiar de até um salário mínimo (n = 282, 55,4%), como pode ser observado na Tabela 1.

Tabela 1
Descrição das variáveis sociodemográficas da amostra deste estudo – São Paulo, SP, Brasil, 2018.

Dos relatos apresentados pelas mulheres, 25% (n = 140) eram hipertensas, 10,7% (n = 60) diabéticas, 9,5% (n = 53) apresentavam colesterol aumentado e 21,4% (n = 120) apresentavam algum tipo de transtorno mental em tratamento, sendo a depressão o transtorno mental mais comum entre as participantes (n = 65, 11,6%). Tais dados podem ser observados na Tabela 2.

Tabela 2
Descrição das variáveis clínicas da amostra deste estudo – São Paulo, SP, Brasil, 2018.

Quanto às características comportamentais, 34% (n = 191) das mulheres praticavam atividades físicas, 17,5% (n = 98) eram tabagistas e 3,6% (n = 20) eram usuárias de drogas ilícitas, como pode ser observado na Tabela 3.

Tabela 3
Descrição das variáveis comportamentais da amostra deste estudo – São Paulo, SP, Brasil, 2018.

A maioria das mulheres declarou fazer uso de baixo risco do álcool ou ser abstinente – zona I do AUDIT (n = 486, 86,6%). Na zona II, com um padrão de uso de risco de álcool, tivemos 9,6% das entrevistadas (n = 54). O consumo compatível ao uso nocivo da bebida, zona III do AUDIT, foi constatado em 1,2% (n = 7) das mulheres. Por fim, 2,5% (n = 14) realizavam um uso de provável dependência da substância – zona IV do AUDIT, conforme Figura 1. Ao questionamento da bebida alcoólica de preferência para o uso, encontrou-se em primeiro lugar a cerveja (n = 172, 69,1%), sendo seguida pelo vinho (n = 46, 18,5%) e pelas bebidas destiladas, como vodka, pinga ou whisky (n = 31, 12,4%).

Figura 1
Porcentagem e número de mulheres e seu padrão de consumo do uso de álcool, conforme classificação do instrumento AUDIT (N = 561).

Como resultado da regressão logística univariada, foi encontrada associação entre maiores pontuações no instrumento AUDIT e ser homossexual (p < 0,00), não ter acompanhante (p < 0,02), não ter religião (p < 0,00), ser usuárias de tabaco (p < 0,00) e outras drogas (p < 0,00) e não apresentar hipertensão arterial (p = 0,04).

O modelo de regressão logística multivariada incluiu em sua análise as variáveis que apresentavam significância estatística (idade, estado civil, religião, uso de tabaco e uso de outras drogas, hipertensão arterial), as quais se demonstram associadas a diferentes padrões de consumo de álcool das mulheres deste estudo, conforme demonstrado na Tabela 4. Os resultados desta análise apontam que houve influência significativa entre o consumo de álcool e as seguintes variáveis: não ter acompanhante, não ter religião, fazer uso de tabaco, fazer uso de drogas, ter hipertensão. Além disso, a análise também demonstrou que a cada ano que a mulher aumenta em sua idade a pontuação no AUDIT diminui em 2%.

Tabela 4
Relação entre o padrão de consumo de álcool e as variáveis: idade, estado civil, religião, uso de tabaco, uso de outras drogas e hipertensão – São Paulo, SP, Brasil, 2018.

DISCUSSÃO

As mulheres participantes deste estudo, em sua maioria, caracterizaram-se por serem mães, solteiras, com média de idade de 43,2 anos e com renda familiar igual ou inferior a um salário-mínimo. Esses resultados refletem o perfil de mulheres que frequentam os serviços de saúde do centro da cidade de São Paulo, o que pode ser observado, por exemplo, na projeção populacional da prefeitura de São Paulo(1616. Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo; Coordenação de Epidemiologia e Informação. “Saúde em Dados” [Internet]. São Paulo: PMSP; 2018 [cited 2019 dez. 23]. Available from: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/saude/epidemiologia_e_informacao/
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), onde a maioria das mulheres que frequentou os serviços de saúde do SUS, no último ano, tinha entre 35 e 44 anos, o que coincide com a média de idade apresentada pelas mulheres deste estudo.

Ainda em relação ao perfil descritivo das mulheres participantes, o número de entrevistadas que autorrelataram depressão foi de 11,6%. Em estudo brasileiro(1919. Stopa SR, Malta DC, Oliveira MM, Lopes CS, Menezes PR, Kinoshita RT. Prevalência do autorrelato de depressão no Brasil: resultados da Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(2):170-80. https://doi.org/10.1590/1980-5497201500060015
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), que também investigou taxas de depressão entre as mulheres por meio do autorrelato, a porcentagem encontrada foi bastante semelhante (10,9%). Entretanto, considerar apenas o relato da mulher sobre o seu diagnóstico pode apresentar diferenças quando comparado ao que se observaria ao utilizar métodos diagnósticos. Isso pode ser visto em um estudo realizado na Atenção Primária(2020. Gonçalves AMC, Teixeira MTB, Gama JRA, Lopes CS, Silva GA, Gamarra CJ, et al. Prevalência de depressão e fatores associados em mulheres atendidas pela Estratégia de Saúde da Família. J Bras Psiquiatr. 2018;67(2):101-9. https://doi.org/10.1590/0047-2085000000192
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), utilizando como método um questionário, que encontrou uma taxa de depressão de 19,7% entre a população feminina. Portanto, supõe-se que a porcentagem de mulheres do estudo que apresentem depressão poderia ser maior.

O uso problemático de álcool, ou seja, aquelas mulheres que apresentam um padrão de uso de risco, nocivo ou de provável dependência, constituiu 15,85% da amostra deste estudo. Não foi encontrado nenhum estudo semelhante realizado exclusivamente com a população do sexo feminino no Brasil, entretanto, em estudo(1313. Vargas D, Bittencourt MN, Barroso LP. Padrões de consumo de álcool de usuários de serviços de atenção primária à saúde de um município brasileiro. Ciênc Saúde Coletiva. 2014;19(1):17-25. https://doi.org/10.1590/1413-81232014191.1972
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) realizado em 2014 na cidade de Bebedouro – SP, que também teve como base a aplicação do teste AUDIT em sua amostra, identificou-se que 12,9% das mulheres faziam uso problemático da substância. Tal dado sustenta a possibilidade de uma tendência a um aumento do padrão de uso prejudicial de álcool entre as mulheres atendidas nos serviços de APS. Convergindo para esse dado, o II Levantamento Nacional de Álcool e Drogas – II LENAD(2121. Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e outras Drogas; Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas. II LENAD – Levantamento Nacional de Álcool e Drogas: relatório 2012 [Internet]. São Paulo; 2014 [cited 2019 dez. 23]. Available from: https://inpad.org.br/wp-content/uploads/2014/03/Lenad-II-Relat%C3%B3rio.pdf
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) aponta para o aumento da taxa de mulheres que bebem 5 ou mais doses em um dia regular de consumo, registrando que no ano de 2006 somavam 17% e em 2012 representavam 27%.

Esses dados reforçam a sugestão de que o padrão de uso de álcool das mulheres vem se modificando com uma tendência ao crescimento, que tem se pronunciado especialmente entre a população mais jovem. Estudo com dados brasileiros constatou que, em ambos os sexos, a frequência do beber em “binge” tende a diminuir com avanço da idade e aumentar com o nível de escolaridade(77. Brasil. Ministério da Saúde; Agência Nacional de Vigilância Sanitária.Vigitel 2018: vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico [Internet]. Brasília: ANS; 2018 [cited 2019 dez. 29]. Available from: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/julho/25/vigitel-brasil-2018.pdf
https://portalarquivos2.saude.gov.br/ima...
). Neste presente estudo, entre as diferentes faixas etárias analisadas, constatou-se que a cada ano acrescido na idade de uma mulher se espera uma diminuição média de 2% na pontuação AUDIT, reforçando a tendência de encontrar um padrão de consumo superior entre as mulheres mais jovens.

Sugere-se que esse fator esteja relacionado às mudanças culturais que vêm ocorrendo no cotidiano das jovens, com aumento de consumo de álcool por essa população. Corroborando tal informação, levantamento realizado pelo SENAD(2222. Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas; Universidade Federal de São Paulo.VI Levantamento Nacional sobre o Consumo de Drogas Psicotrópicas entre Estudantes do Ensino Fundamental e Médio das Redes Pública e Privada de Ensino nas 27 Capitais Brasileiras – 2010 [Internet]. São Paulo: CEBRID/UNIFESP; 2010 [cited 2019 dez. 23]. Available from: https://www.cebrid.com.br/vi-levantamento-estudantes-2010/
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) aponta que 30,6% dos alunos de 10 a 12 anos já relatam fazer uso na vida de álcool. Estudo(55. White A, Castle IJP, Chen CM, Shirley M, Barata D, Hingson R. Converging patterns of alcohol use and related outcomes among females and males in the United States, 2002 to 2012. Alcohol Clin Exp Res. 2015;39(9):1712-26. https://doi.org/10.1111/acer.12815
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) mostrou também um aumento na prevalência de jovens adultas (21 a 34 anos) que praticam um padrão abusivo de consumo do álcool (beber em “binge”), não acontecendo o mesmo aumento para a população masculina estudada, fator que evidencia a diminuição da diferença entre o padrão de consumo entre ambos os sexos, aproximando o consumo das mulheres ao consumo realizado pelos homens.

Ao observarmos a cultura universitária, nota-se um cenário propenso ao consumo abusivo de substâncias alcoólicas(2323. Pedrosa AAS, Camacho LAB, Passos SRL, Oliveira RVC. Consumo de álcool entre estudantes universitários. Cad Saúde Pública. 2011;27(8):1611-21. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000800016
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201100...
), que pode ser explicado por um importante processo de acúmulo de estresse carregado pelos estudantes nessa fase. Outra possível explicação para o consumo elevado de álcool em mulheres jovens seria uma mudança sobre a visão que a própria sociedade tinha de mulheres que bebem, assumindo maior liberdade de escolha acerca de seu consumo de álcool.

Somado à considerável taxa de uso problemático de álcool, o estudo também encontrou que a bebida alcoólica de preferência relatada pela maioria das mulheres deste estudo foi a cerveja (69,1%). Este fato pode estar associado aos baixos preços, ao fácil acesso e à ampla divulgação do consumo da cerveja por meio de propagandas midiáticas, permitindo a propagação de anúncios de substâncias com baixo ou médio teor alcoólico em meios de comunicação nacional.

Em relação à orientação sexual das mulheres, aquelas que relataram ser homossexuais apresentaram associação com uma média maior no padrão de consumo de álcool (p < 0,00) quando comparado ao das mulheres heterossexuais. Em estudo de metanálise publicado em 2007(2424. Marshal PM, Friedman MS, Stall R, King KM, Miles J, Gold MA, et al. Sexual orientation and adolescent substance use: a meta-analysis and methodological review. Addiction. 2007;103(4):546-56. https://doi.org/10.1111/j.1360-0443.2008.02149.x
https://doi.org/10.1111/j.1360-0443.2008...
), foi analisada a relação entre o uso de substâncias (álcool, tabaco e outras drogas) por mulheres jovens de diferentes orientações sexuais, podendo-se observar que as jovens LGBT+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais, entre outros) também tiveram índices significativamente mais altos de uso de substâncias quando comparadas com as jovens heterossexuais (p < 0,00). Esse mesmo estudo(2424. Marshal PM, Friedman MS, Stall R, King KM, Miles J, Gold MA, et al. Sexual orientation and adolescent substance use: a meta-analysis and methodological review. Addiction. 2007;103(4):546-56. https://doi.org/10.1111/j.1360-0443.2008.02149.x
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) traz que, apesar dos artigos analisados terem os mesmos apontamentos em suas conclusões acerca do maior uso de substâncias pela parcela LGBT+ da amostra, nenhum deles abordou as causas deste fenômeno.

Uma possível explicação para essa associação é o que o autor chamou de “estresse da minoria”, trazido também em outra pesquisa(2525. Toledo LG, Teixeira Filho FS. As lesbianidades entre o estigma da promiscuidade e da ilegitimidade sexual. Temáticas. 2012;20(40):68-103. https://doi.org/10.20396/tematicas.v20i40.11539
https://doi.org/10.20396/tematicas.v20i4...
) que aborda o estigma vivenciado por mulheres LGBT+. Por sofrerem preconceitos, discriminações e violências acerca de sua sexualidade ou gênero, consequências de uma sociedade com padrão homofóbico de comportamento, essas mulheres carregam uma carga de estresse emocional aumentada, que consequentemente poderia levar a uma maior propensão ao uso de álcool.

A carga de estresse emocional aumentada também pode ser encontrada na população de mães sem acompanhantes. Estudo aponta que a combinação das variáveis ser solteira e ser mãe pode ser considerada fator causador de estresse, em razão da pressão social acerca das expectativas sobre seu papel como mulher e como mãe, bem como dificuldades financeiras e emocionais relacionadas com essa condição de vida(2626. Marin A, Piccinini CA. Famílias uniparentais: a mãe solteira na literatura. Psico (Porto Alegre) 2009;40(4):422-9.). Supõe-se, portanto, que esse acúmulo de função pode ser, novamente, um fator que induz a mulher a buscar alternativas para lidar com o estresse vivenciado, como, por exemplo, o consumo abusivo da bebida alcoólica, já que o estudo evidenciou que as mulheres que não tinham acompanhantes apresentaram um aumento médio de 37,0% na pontuação AUDIT quando comparadas às casadas ou amasiadas.

Existem outras possíveis explicações para o padrão de consumo de álcool mais elevados entre as mulheres solteiras. Especula-se que as atividades de lazer realizadas por pessoas solteiras, em geral, envolvem contextos que propiciam o uso da bebida, sendo utilizada como fator de socialização, inclusive na busca por uma companhia. Além disso, destaca-se o fato de não ter alguém tão próximo para auxiliar no controle do consumo da bebida, sendo possível se encontrar em uma posição de maior vulnerabilidade para o abuso da substância.

Ainda sobre o comportamento apresentado pelas mulheres do estudo, observamos que, quando comparados a indivíduos que não possuíam religião, os evangélicos apresentaram uma diminuição média de 51% na pontuação AUDIT. Em levantamento brasileiro(2121. Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e outras Drogas; Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas. II LENAD – Levantamento Nacional de Álcool e Drogas: relatório 2012 [Internet]. São Paulo; 2014 [cited 2019 dez. 23]. Available from: https://inpad.org.br/wp-content/uploads/2014/03/Lenad-II-Relat%C3%B3rio.pdf
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), a religião foi apontada como um fator de proteção para o uso indevido de substâncias entre os mais jovens. Neste trabalho, identificamos que os protestantes apresentam diminuição ainda maior do AUDIT quando comparados a outras religiões. A influência sobre o uso da bebida altera-se de acordo com as crenças dentro de cada religião e da rigorosidade dos indivíduos aos preceitos delas. Pode-se sugerir que, por pregar a abstinência ou uso mínimo do álcool entre seus seguidores, religiões protestantes tendem a apresentar baixos índices de consumo.

As mulheres tabagistas apresentam um aumento médio de 135% na pontuação do AUDIT quando comparadas com aquelas não fumantes. Dentre as usuárias de drogas, observou-se um aumento médio de 122% na pontuação do questionário quando comparado com indivíduos que não faziam uso de tais substâncias. Sabe-se que o uso associado do álcool, tabaco e substâncias ilícitas causa maior risco de desenvolvimento de doenças ou mortes prematuras. Estudo aponta que, além do risco desse uso associado, pode ser observada uma relação ainda mais comum quando analisado o uso entre pessoas com contexto social desfavorável(2727. Allen L, Williams J, Townsend N, Mikkelsen B, Roberts N, Foster C, et al. Socioeconomic status and non-communicable disease behavioural risk factors in low-income and lower-middle-income countries: a systematic review. Lancet Glob Health. 2017;5:e277-89. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(17)30058-X
https://doi.org/10.1016/S2214-109X(17)30...
2828. Redonnet B, Chollet A, Fombonne E, Bowes F, Melchior M. Tobacco, alcohol, cannabis and other illegal drug use among young adults: the socioeconomic context. Drug Alcohol Depend. 2012;121(3):231-9. https://doi.org/10.1016/j.drugalcdep.2011.09.002
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), o que vai ao encontro do perfil das mulheres do estudo.

Acerca dos dados clínicos da amostra, constatou-se que indivíduos que possuíam hipertensão arterial apresentaram um aumento médio de 52% na pontuação AUDIT quando comparados com uma pessoa que não tinha a doença. O álcool pode ser considerado um fator de risco para o desenvolvimento da hipertensão arterial, relacionando o consumo abusivo da substância com instabilidade da pressão arterial, agravo da patologia(2929. Costa JSD, Silveira MF, Gazalle FK, Oliveira SS, Hallal PC, Menezes AMB, et al. Consumo abusivo de álcool e fatores associados: estudo de base populacional. Rev Saúde Pública. 2004;38(2):284-91. https://doi.org/10.1590/S0034-89102004000200019
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) e uma importante causa de abandono do tratamento(3030. Duarte MTC, Cyrino AP, Cerqueira ATAR, Battistella MI, Iyda M. Motivos do abandono do seguimento médico no cuidado a portadores de hipertensão arterial: a perspectiva do sujeito. Ciênc Saúde Coletiva. 2010;15(5):2603-10. https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000500034
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000...
), o que sugere uma postura deficitária no autocuidado desses indivíduos e a dificuldade na mudança acerca do hábito do uso de álcool.

A pesquisa possui algumas limitações. Todos os dados coletados foram realizados pelo relato das participantes. Para a coleta das variáveis, foram utilizados instrumentos padronizados, validados e traduzidos para a língua portuguesa, entretanto, algumas delas, como o uso de drogas, tabaco ou a presença de depressão, foram investigadas apenas com a utilização de questões desenvolvidas pela própria autora, o que pode influenciar nos resultados.

CONCLUSÃO

A pesquisa reforça dados que sugerem que o padrão de uso de álcool em mulheres vem se modificando com o passar dos anos, com uma tendência ao crescimento, especialmente entre as mais jovens. Possível explicação para o consumo elevado de álcool em mulheres jovens seria uma mudança sobre a visão que a própria sociedade tinha de mulheres que bebem, assumindo maior liberdade de escolha acerca de seu consumo de álcool. Portanto, as ações de promoção e prevenção em saúde em serviços de atenção primária devem escoltar essas transformações epidemiológicas e sociais.

Maiores padrões de consumo de álcool foram associados às mulheres que carregam uma carga de estresse emocional, como preconceitos, discriminações e violências, vivenciados por sua orientação sexual ou o acúmulo de funções entre aquelas que são mães e solteiras, podendo ser o consumo da bebida considerado como uma forma alternativa de lidar com o estresse. A equipe de profissionais de saúde de serviços de APS deve ter ciência desses fatores estressantes e, além de acolher cada caso de maneira individual, pensar em ações de combate à homofobia e de suporte social para essas mulheres.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    13 Out 2020
  • Aceito
    16 Mar 2021
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