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Risco de violência e capacidade funcional de idosos hospitalizados: estudo transversal

RESUMO

Objetivo:

Analisar o risco de violência associado à capacidade funcional e características sociodemográficas de idosos hospitalizados.

Método:

Estudo quantitativo, transversal e multicêntrico, desenvolvido com idosos atendidos em hospitais universitários dos municípios de João Pessoa e Campina Grande, Paraíba, Brasil. Foram aplicadas as escalas de Katz e a Hwalek-Sengstock Elder Abuse Screening Test. Os dados foram analisados por estatística descritiva e inferencial utilizando testes qui-quadrado de Pearson, correlação de Spearman e regressão logística múltipla.

Resultados:

Participaram 323 idosos. O risco de violência foi predominante entre idosas, com idade entre 60 e 70 anos, que não sabem ler e escrever, moram com alguém, não exercem atividade laboral e possuem renda acima de um salário mínimo. Os idosos dependentes para as atividades básicas e instrumentais apresentam escore de 2,11 (Intervalo de Confiança = 1,22–3,64; p = 0,000) e 1,70 (1,01–2,85; p = 0,044) e maior risco de violência.

Conclusão:

Os idosos que dependem de terceiros para realizar tanto as atividades mais complexas quanto as mais básicas são aqueles que estão mais expostos às situações de violência.

DESCRITORES
Idoso; Violência; Atividades Cotidianas; Enfermagem Geriátrica; Saúde do Idoso

ABSTRACT

Objective:

To analyze the risk of violence associated to functional capacity and sociodemographic characteristics of hospitalized elderly.

Method:

Quantitative, cross-sectional, multicenter study conducted with elderly receiving care at university hospitals of the municipalities of João Pessoa and Campina Grande, in the state of Paraíba, Brazil. The scales Katz and Hwalek-Sengstock Elder Abuse Screening Test were applied. The data was analyzed through descriptive and inferential statistics using Chi-squared Pearson test, Spearman correlation test, and multiple logistic regression.

Results:

The participating elderly amounted to 323. The risk of violence was predominant among female elders aged 60 to 70 who are unable to read or write, live with someone, perform no labor activity, and whose income is higher than a minimum wage. Elders who were dependent for basic and instrumental activities presented a 2.11 score (Confidence Interval = 1.22–3.64; p = 0.000) and 1.70 (1.01–2.85; p = 0.044) and a higher risk of violence.

Conclusion:

Elders who depended on other people to perform both complex and basic activities are the most exposed to situations of violence.

DESCRIPTORS
Aged; Violence; Activities of Daily Living; Geriatric Nursing; Health of the Elderly.

RESUMEN

Objetivo:

Analizar el riesgo de violencia asociado a la capacidad funcional y a las características sociodemográficas de los ancianos hospitalizados.

Método:

Estudio cuantitativo, transversal y multicéntrico, desarrollado con pacientes ancianos atendidos en hospitales universitarios de los municipios de João Pessoa y Campina Grande, en el estado de Paraíba, en Brasil. Se aplicaron la escala de Katz y el Hwalek-Sengstock Elder Abuse Screening Test. Los datos se analizaron mediante estadística descriptiva e inferencial utilizando las pruebas de chi-cuadrado de Pearson, de correlación de Spearman y la regresión logística múltiple.

Resultados:

Participaron 323 ancianos. El riesgo de violencia fue predominante entre las ancianas con una edad de entre 60 y 70 años, que no saben leer ni escribir, viven con alguien, no ejercen ninguna actividad laboral y tienen una renta superior a un salario mínimo. Los ancianos dependientes para las actividades básicas e instrumentales presentaron una puntuación de 2,11 (Intervalo de Confianza = 1,22–3,64; p = 0,000) y 1,70 (1,01– 2,85; p = 0,044) y un mayor riesgo de violencia.

Conclusión:

Los ancianos que dependen de otros para realizar tanto las actividades más complejas como las más básicas son los que están más expuestos a situaciones de violencia.

DESCRIPTORES
Anciano; Violencia; Actividades Cotidianas; Enfermería Geriátrica; Salud del Anciano

INTRODUÇÃO

A violência contra a pessoa idosa é definida pela Organização Mundial da Saúde como “qualquer ação, única ou repetida, ou ainda a ausência de uma ação devida, que cause sofrimento e angústia, em uma relação em que haja expectativa de confiança”(11. Silva GCN, Almeida VL, Brito TRP, Godinho MLC, Nogueira DA, Chini LT. Violência contra idosos: uma análise documental. Aquichan. 2018;18(4):449-60. http://dx.doi.org/10.5294/aqui.2018.18.4.7
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). Considerando que o processo de envelhecimento proporciona modificações fisiológicas, funcionais e sociais, que favorecem o surgimento de vulnerabilidades e conflitos interpessoais, esse processo pode também resultar no aumento da prevalência da Violência contra a Pessoa Idosa(22. World Health Organization. Missing voices: views of older persons on elder abuse [Internet]. Geneva: WHO; 2002 [cited 2020 June 02]. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/67371
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).

Diante do aumento da prevalência da violência contra o idoso, verificou-se que esse fenômeno avançou como uma questão de pouca visibilidade social(22. World Health Organization. Missing voices: views of older persons on elder abuse [Internet]. Geneva: WHO; 2002 [cited 2020 June 02]. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/67371
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). Todavia, com o aumento exponencial de casos, os desfechos foram conduzidos para o âmbito da saúde e ratificados como um problema de saúde pública. No que se refere à prevalência desses casos ao redor do mundo, observa-se que os resultados são heterogêneos, a exemplo de estudos no Irã (90,4%)(33. Piri N, Tanjani PT, Khodkarim S, Etemad K. Domestic elder abuse and associated factors in elderly women in Tehran, Iran. Epidemiol Health. 2018;40:e2018055. http://dx.doi.org/10.4178/epih.e2018055
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), na Croácia (21,4%)(44. Neuberg M, Meštrović T, Ribić R, Šubarić M, Canjuga I, Kozina G. Contrasting vantage points between caregivers and residents on the perception of elder abuse and neglect during long-term care. Psychiatr Danub. 2019;31 Suppl 3:345-53.) e no Brasil (10%)(55. Machado BP, Araújo IMB, Figueiredo MCB. Forensic nursing practice. What do the students know anyway? Forensic Sci Int. 2020;2: 138-43. http://dx.doi.org/10.1016/j.fsisyn.2020.04.003
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).

A ampliação do fenômeno da violência contra a pessoa idosa evidencia diferentes formas de agressão, dentre as quais a violência física, psicológica, sexual, financeira, o abandono, a negligência e a autoinfligida, sendo as duas primeiras mais predominantes na literatura(66. Sudan A, Shahi P, Julka D. Prevalence of abuse in elders with psychiatric morbidity and its sociodemographic association. Cureus. 2020;12(4):e7906. http://dx.doi.org/10.7759/cureus.7906
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77. Santos MAB dos, Moreira RS, Faccio PF, Gomes GC, Silva VL. Factors associated with elder abuse: a systematic review of the literature. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(6):2153-75. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020256.25112018
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). Além disso, destacam-se alguns fatores de risco, como espaço geográfico, estereótipos negativos de envelhecimento e padrões socioculturais(77. Santos MAB dos, Moreira RS, Faccio PF, Gomes GC, Silva VL. Factors associated with elder abuse: a systematic review of the literature. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(6):2153-75. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020256.25112018
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). No Brasil, a prevalência desses casos de agressão está relacionada ao sexo feminino, aos baixos níveis educacionais e cognitivos, à falta de apoio social e à diminuição da capacidade funcional(55. Machado BP, Araújo IMB, Figueiredo MCB. Forensic nursing practice. What do the students know anyway? Forensic Sci Int. 2020;2: 138-43. http://dx.doi.org/10.1016/j.fsisyn.2020.04.003
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).

Com efeito, a capacidade funcional é caracterizada como a manutenção das habilidades físicas e mentais necessárias para a independência e autonomia do indivíduo e pode ser mensurada mediante a utilização de instrumentos de avaliação, como o índex de Katz, que avalia as Atividades Básicas de Vida Diária, referentes às atividades de autocuidado; o teste de Lawton, que se refere às Atividades Instrumentais de Vida Diária, constituídas por ações mais complexas, como realizar atividades domésticas, preparar refeições e utilizar meios de transporte; e pelas Atividades Avançadas de Vida Diária, que incluem atividades de lazer independentes, de participação social, trabalho e práticas educacionais, dependentes, todavia, de motivação pessoal(88. Aguiar BM, Silva PO, Vieira MA, Costa FM, Carneiro JA. Evaluation of functional disability and associated factors in the elderly. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2019;22(2):e180163. http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562019022.180163
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). Os referidos instrumentos viabilizam a determinação da dependência ou independência da pessoa idosa para execução de atividades comuns do dia a dia.

Desse modo, considera-se que o grau de dependência é proporcional à dependência do idosos a cuidados, frequentemente executados por familiares, os quais, por sua vez, são igualmente potenciais agressores. Por isso, a violência perpetrada pelo familiar representa a maior parte das agressões contra a pessoa idosa, e os fatores relacionados são, geralmente, a diminuição da capacidade funcional desse público e a consequente sobrecarga dos cuidadores(99. Lino VTS, Rodrigues NCP, Lima IS, Athie S, Souza ER. Prevalência e fatores associados ao abuso de cuidadores contra idosos dependentes: a face oculta da violência familiar. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(1):87-96. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018241.34872016
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).

Por conseguinte, o declínio da capacidade funcional pode acarretar prejuízos à mobilidade e agravamento de distúrbios clínicos que, em acréscimo a um cenário de violência, conduzem à redução da qualidade de vida e à intensificação do risco de institucionalização, hospitalização e mortalidade(1010. Almakki ZE, Alshehri SZ, Wahab MAM. Knowledge and attitudes regarding elder abuse in the community, Eastern Province Saudi Arabia. BMC Geriatr. 2020;20:85. https://doi.org/10.1186/s12877-020-1416-4
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).

Com o aumento da expectativa de vida e o crescimento do número de doenças crônico degenerativas, a demanda por internações de pessoas idosas também tem se apresentado frequente em ambientes hospitalares. Logo, o referido ambiente deve ser considerado estratégico para a identificação de situações de violência. O exercício da enfermagem exige do profissional habilidades para detecção de situações de violência contra idosos(1111. Castro VC, Rissardo LK, Carreira L. Violence against the Brazilian elderlies: an analysis of hospitalizations. Rev Bras Enferm. 2018;71 Suppl 2:777-85. http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0139
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).

Ressalta-se, então, o papel da enfermagem, visto que esses profissionais apresentam contato próximo e contínuo com o paciente, atuando na identificação dos riscos e casos de violência, no preenchimento adequado da notificação, assistência, acompanhamento e monitoramento dos casos de violência contra o idoso. Os profissionais de enfermagem estão aptos a efetuar uma articulação e integração entre serviços de saúde, jurídicos e de assistência social, indispensáveis para o estabelecimento de uma rede social de apoio e de enfrentamento desse fenômeno(1212. Naderi Z, Gholamzadeh S, Zarshenas L, Ebadi A. Hospitalized elder abuse in Iran: a qualitative study. BMC Geriatr. 2019;19:307. https://doi.org/10.1186/s12877-019-1331-8
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).

Acerca das hospitalizações, embora haja estudos que relacionem a incidência de violência contra os idosos e suas respectivas internações, o quantitativo ainda é incipiente. Entretanto, a permanência dos idosos nos serviços de saúde exprime uma oportunidade de detecção e intervenção no ciclo da violência por meio de uma assistência crítica, com olhar ampliado para o manejo qualificado das ocorrências.

Com base no exposto, este estudo apresenta como pergunta de pesquisa: há influência da realização das atividades cotidianas e fatores sociodemográficos no risco de violência entre idosos hospitalizados? Buscando responder tal questionamento, o objetivo deste estudo foi analisar o risco de violência associado à capacidade funcional e características sociodemográficas de idosos hospitalizados.

MÉTODO

Tipo do Estudo

Trata-se de um estudo quantitativo, transversal e de caráter multicêntrico, guiado pela ferramenta Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).

População

Foi desenvolvido com idosos atendidos no hospital universitário da capital da Paraíba (João Pessoa – JP) e da segunda maior cidade do estado (Campina Grande – CG). A população do estudo foi composta por 1.259 idosos, que foram admitidos nos setores no mesmo período de coleta do ano anterior.

Critérios deSeleção

Foram inseridos indivíduos com idade igual ou superior a 60 anos, que estivessem em atendimento no Hospital Universitário Alcides Carneiro da Universidade Federal de Campina Grande e no Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba.

Os setores de coleta no Hospital Universitário Lauro Wanderley foram a Clínica Médica, Clínica Cirúrgica, Unidade de Doença Infecto Contagiosa e Parasitárias, Ambulatório de Geriatria e de Psicogeriatria. No Hospital Universitário Alcides Carneiro, a coleta foi realizada nas alas cirúrgica, pneumologia e clínica médica feminina e masculina. Esses setores foram escolhidos por, normalmente, apresentarem maior prevalência de idosos em atendimento em relação a outros setores do hospital.

Foram excluídos 46 idosos, 23 por estarem em estágio terminal, 12 por apresentarem dificuldade grave de comunicação, 10 por disporem de condições clínicas que impedissem a participação, como em casos de instabilidade hemodinâmica, e 1 por déficit cognitivo grave. A avaliação desses fatores foi realizada pelo pesquisador de acordo com os conhecimentos adquiridos no treinamento para coleta de dados ou mediante informações fornecidas pelos profissionais do setor.

A amostra foi calculada mediante a fórmula de população finita para estudos epidemiológicos, com frequência esperada de 60%, totalizando 323 idosos.

Coleta deDados

A coleta de dados aconteceu entre os meses de junho de 2019 a fevereiro de 2020 com idosos hospitalizados, que foram abordados e convidados para participar do estudo. Após aceite e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, buscou-se um local reservado no setor para sua realização, garantindo a privacidade do entrevistado. Nos casos em que o idoso estava acamado, era solicitado, respeitosamente, que o acompanhante se retirasse do local, para promover maior conforto e liberdade para o idoso responder os questionamentos acerca do risco de violência.

Foi então aplicado inicialmente um instrumento para caracterização da amostra e, em seguida, o Hwalek-Sengstock Elder Abuse Screening Test (H-S/EAST)(1313. Reichenheim ME, Paixão Jr CM, Moraes CL. Adaptação transcultural para o português (Brasil) do instrumento Hwalek-Sengstock Elder Abuse Screening Test (HS/EAST) utilizado para identificar risco de violência contra o idoso. Cad Saúde Pública. 2008;24:1801-13. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2008000800009
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); o índice de Katz para as atividades básicas(1414. Katz S, Akpom CA. A Measure of primary sociobiological functions. Int J Health Serv. 1976;6(3):493-508. http://dx.doi.org/10.2190/uurl-2ryu-wryd-ey3k
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); a escala de Lawton e Brody para avaliação das atividades instrumentais(1515. Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and Instrumental Activities of Daily Living. Gerontologist. 1969;9(3):179-86. http://dx.doi.org/10.1093/geront/9.3_Part_1.179
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); e um questionário adaptado da rede “Fragilidade em Idosos Brasileiros” para as atividades avançadas(1616. Oliveira EM, Silva HS, Lopes A, Cachioni M, Falcão DVS, Batistoni SST, et al. Atividades Avançadas de Vida Diária (AAVD) e desempenho cognitivo entre idosos. Psico USF. 2015;20(1):109-20. http://dx.doi.org/10.1590/1413-82712015200110
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).

O instrumento de caracterização da amostra continha as variáveis sexo, idade, estado conjugal, sabe ler e escrever, arranjo de moradia, atividade laboral e renda. O H-S/EAST avalia o risco de violência mediante o escore por ela apresentado: atribui-se um ponto para cada resposta afirmativa, com exceção dos itens 1, 6, 12 e 14, em que o ponto é atribuído à resposta negativa. O escore maior ou igual a 3 indica risco aumentado de o idoso estar sofrendo violência(1313. Reichenheim ME, Paixão Jr CM, Moraes CL. Adaptação transcultural para o português (Brasil) do instrumento Hwalek-Sengstock Elder Abuse Screening Test (HS/EAST) utilizado para identificar risco de violência contra o idoso. Cad Saúde Pública. 2008;24:1801-13. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2008000800009
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). A variável risco de violência foi definida como a variável dependente do estudo.

A avaliação das atividades básicas ocorreu por meio do índice de Katz, investigando o desempenho do idoso em executar atividades de menor complexidade, tais como deslocamento, controle dos esfíncteres, tomar banho, vestir-se e alimentar-se. Foi classificado como dependente o idoso que relatasse necessitar de ajuda para realizar pelo menos uma das atividades analisadas(1414. Katz S, Akpom CA. A Measure of primary sociobiological functions. Int J Health Serv. 1976;6(3):493-508. http://dx.doi.org/10.2190/uurl-2ryu-wryd-ey3k
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).

Em relação às atividades instrumentais, a escala de Lawton e Brody se propõe analisar a capacidade do idoso em realizar atividades de complexidade intermediária, em que o idoso refere o quanto necessita de ajuda para realizar atividades de manuseio do dinheiro, transporte, medicação, uso do telefone e realização de tarefas domésticas. O idoso que referiu necessitar de ajuda em uma dessas atividades foi classificado como dependente(1515. Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and Instrumental Activities of Daily Living. Gerontologist. 1969;9(3):179-86. http://dx.doi.org/10.1093/geront/9.3_Part_1.179
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).

No tocante às atividades avançadas, o instrumento avalia atividades mais complexas, como realizar visitas, dirigir automóvel, realizar viagens, fazer trabalho e participar de universidade. Os idosos foram classificados em mais ativos e menos ativos, de acordo com a participação nessas atividades. Foram classificados como mais ativos aqueles que realizaram quatro ou mais atividades(1616. Oliveira EM, Silva HS, Lopes A, Cachioni M, Falcão DVS, Batistoni SST, et al. Atividades Avançadas de Vida Diária (AAVD) e desempenho cognitivo entre idosos. Psico USF. 2015;20(1):109-20. http://dx.doi.org/10.1590/1413-82712015200110
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).

Foram realizados três treinamentos de 4 horas cada para calibração da equipe para a etapa de coleta de dados. Constituíram a equipe de coleta 24 alunos da graduação, 9 vinculados à pós-graduação e 5 profissionais, todos integrantes do grupo de estudos e pesquisas em enfermagem forense da Universidade Federal da Paraíba. Uma planilha no Google Docs foi elaborada, a fim de evitar a duplicidade, e alimentada com informações (nome, setor, idade, número do prontuário) referentes ao idoso que aceitou participar da pesquisa.

AnáliseeTratamento dos Dados

Os protocolos de coleta foram revisados por dois integrantes habilitados para essa função e os dados foram tabulados e analisados em um software estatístico, mediante análise estatística (frequência absoluta e relativa) e inferencial (Teste Qui-quadrado de Pearson; Teste de Correlação de Spearman, Modelo de Regressão Logística Múltipla). O teste não paramétrico foi escolhido com base no resultado do teste de normalidade de Kolmogorov–Smirnov, em que os dados apresentaram tendência à não normalidade.

Foi estabelecido como critério de entrada no Modelo de Regressão Logística ter apresentado p-valor < 0,2 na análise bivariada; no entanto, no modelo final, foi considerado significativo o valor de 0,05 ou menos. Para todos os testes, foi adotado o nível de significância de 5% (p-valor < 0,05).

Aspectos Éticos

Este estudo é parte do projeto intitulado “Instrumentalização da Enfermagem Forense diante do cuidado ao idoso hospitalizado”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Lauro Wanderley com o número de parecer 3.709.600/2019 e do Hospital Universitário Alcides Carneiro, parecer 3.594.339/2019, e esteve em conformidade com a Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

A amostra foi composta por 323 idosos. A maioria era do sexo feminino (196; 60,7%), com idade entre 60 e 70 anos (170; 52,6%), que sabem ler e escrever, moram com alguém (288; 89,2%) e possuem renda de 1 a 2 salários mínimos (259; 80,2%).

Na associação entre risco de violência e as variáveis sociodemográficas, conforme ilustra a Tabela 1, houve significância para o sexo (p = 0,004). O risco foi predominante entre os idosos com idade de 60 a 70 anos (103; 60,9%), sem companheiro (104; 67,1%), que não sabem ler e escrever (71; 68,9%), que moram com alguém (181; 63,1%), não exercem atividade laboral (164; 65,1%) e possuem renda acima de 1 salário mínimo (88; 65,2%).

Tabela 1
Associação do risco de violência e as características sociodemográficas dos participantes – Paraíba, Brasil, 2019–2020.

Houve associação entre o risco de violência e as variáveis de capacidade funcional do idoso, especificamente entre idosos dependentes, no que se refere às atividades básicas diárias (p < 0,00), atividades instrumentais (p = 0,001) e entre os idosos menos ativos (p = 0,015) para execução de atividades avançadas, como mostra a Tabela 2.

Tabela 2
Distribuição das variáveis de capacidade funcional com o risco de violência entre os idosos – Paraíba, Brasil, 2019–2020.

Foram inseridas no modelo de regressão logística todas as variáveis de capacidade funcional que apresentaram p < 0,2 na análise bivariada, como exposto na Tabela 3. No modelo final, permaneceram com significância as atividades básicas e instrumentais da vida diária, o que possibilita inferir que os idosos dependentes para atividades básicas e instrumentais com, respectivamente, 2,11 (IC = 1,22–3,64; p = 0,000) e 1,70 (1,01–2,85; p = 0,044) possuem mais possibilidade de apresentar risco de violência quando comparados com os independentes.

Tabela 3
Variáveis associadas ao risco de violência e capacidade funcional por meio de regressão logística múltipla – Paraíba, Brasil, 2019–2020.

A área da curva Receiver Operating Characteristics (ROC) para o modelo de regressão logística no tocante ao risco de violência foi de 0,63 (p < 0,000), conforme se observa na Figura 1.

Figura 1.
Curva Receiver Operating Characteristics baseada no modelo de regressão logística do risco de violência – Paraíba, Brasil, 2019–2020.

A Tabela 4 apresenta que, na análise da correlação do escore total do risco de violência e a capacidade funcional, houve significância entre todas as variáveis, indicando que quanto mais dependente e menos ativo o idoso for, maior é o risco de violência.

Tabela 4
Correlação entre os escores de risco de violência e capacidade funcional – Paraíba, Brasil, 2019–2020.

DISCUSSÃO

Pesquisa desenvolvida na Espanha relata a experiência da implantação de um plano de detecção de casos suspeitos de violência entre idosos internados por meio da Comisión Contra la Violencia del Hospital Clínico San Carlos e concluiu em seus achados de 3 anos de investigação que o uso da ferramenta pode ser adotado em diversas instâncias de saúde e que a emergência é o local mais propício para detecção do fenômeno. O perfil de vítimas observado era de mulheres com deficiência física e cognitiva severa(1717. Del Nogal ML, Férnandez C, Serrano P, Santiago A, Villavicencio P, Martin T. Detección y seguimiento de malos tratos en personas mayores en un hospital terciario: experiencia de 3 años. Rev Esp Geriatr Gerontol. 2018;53(1):15-8. https://doi.org/10.1016/j.regg.2017.02.003
https://doi.org/10.1016/j.regg.2017.02.0...
). Os achados desse estudo evidenciaram que houve associação significativa entre o risco de violência e o gênero feminino, condizendo com pesquisas prévias(66. Sudan A, Shahi P, Julka D. Prevalence of abuse in elders with psychiatric morbidity and its sociodemographic association. Cureus. 2020;12(4):e7906. http://dx.doi.org/10.7759/cureus.7906
http://dx.doi.org/10.7759/cureus.7906...
,1717. Del Nogal ML, Férnandez C, Serrano P, Santiago A, Villavicencio P, Martin T. Detección y seguimiento de malos tratos en personas mayores en un hospital terciario: experiencia de 3 años. Rev Esp Geriatr Gerontol. 2018;53(1):15-8. https://doi.org/10.1016/j.regg.2017.02.003
https://doi.org/10.1016/j.regg.2017.02.0...
1818. Agunbiade OM. Explanations around physical abuse, neglect and preventive strategies among older Yoruba people (60þ) in urban Ibadan Southwest Nigeria: a qualitative study. Heliyon. 2019;5:e02888:1-13. http://dx.doi.org/10.1016/j.heliyon.2019.e02888
http://dx.doi.org/10.1016/j.heliyon.2019...
).

Apesar de distintas, pois a violência contra o idoso envolve relações intergeracionais e a violência contra a mulher relaciona-se às questões de gênero, ambas as agressões estão alicerçadas sobre relações de poder assimétricas e podem estar associadas. Nesse contexto, as mulheres idosas tornam-se mais vulneráveis, posto que culturalmente permanecem maior tempo em casa, com uma sociabilidade mais restrita e, frequentemente, são expostas a submissões financeiras e emocionais pelos membros familiares. Essa subordinação favorece o surgimento de situações de estresse e sentimentos depressivos, fatores que influenciam no aumento da frequência da violência(1919. Machado DR, Kimura M, Duarte YAO, Lebrão ML. Violência contra idosos e qualidade de vida relacionada à saúde: estudo populacional no município de São Paulo, Brasil. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(3):1119-28. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020253.19232018
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320202...
).

No que se refere à faixa etária, sublinha-se que idosos mais jovens constituem fator de risco de violência; no entanto, são também estes que fazem as principais denúncias de violência(2020. Rodrigues RAP, Santos AMR, Pontes MLF, Monteiro EA, Fhon JRS, Bolina AF, et al. Report of multiple abuse against older adults in three Brazilian cities. PLoS One. 2019;14(2):e0211806. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0211806
http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0...
,2121. Santos AMRD, Nolêto RDDS, Rodrigues RAP, Andrade EMLR, Bonfim EG, Rodrigues TS. Violência econômico-financeira e patrimonial contra o idoso: estudo documental. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e190182. https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017043803417
https://doi.org/10.1590/s1980-220x201704...
). Considerando que, nesse período, o vigor físico e a capacidade cognitiva e funcional costumam estar mais bem preservadas, esses idosos expressam melhor sua autonomia, opondo-se e confrontando o agressor, inclusive procurando ajuda e relatando os abusos.

Paradoxalmente, a violência é utilizada pelo agressor como forma de demonstração de poder em que, através da força, procura subjugar esses idosos, assim como anular as tensões e posturas de embates das vítimas, o que implica em maior risco para agressões. Diferentemente do presente estudo, pesquisas realizadas em países como Irã, EUA e Brasil abordaram, dentre seus achados, a violência contra idosos nas comunidades, com casos de violência doméstica, bem como denúncias de agressões aos idosos. Ainda que analisando populações distintas, esses estudos evidenciaram que a idade avançada pode ser considerada um fator de risco de violência, em razão das dependências geradas pelas próprias comorbidades e vulnerabilidades funcionais e psicológicas adquiridas com a longevidade, enfatizando, então, que a fragilização do idoso é considerada fator de risco de violência, considerando que o idoso frágil poderá ficar mais susceptível às diversas formas de violência, principalmente pela incapacidade de reação(33. Piri N, Tanjani PT, Khodkarim S, Etemad K. Domestic elder abuse and associated factors in elderly women in Tehran, Iran. Epidemiol Health. 2018;40:e2018055. http://dx.doi.org/10.4178/epih.e2018055
http://dx.doi.org/10.4178/epih.e2018055...
).

Com relação à instrução educacional, foi demonstrado que a baixa escolaridade é determinante social para potencial risco de violência(2222. Amaral AKFJ, Moreira MASP, Coler MA, Saler MSCF, Mendes FRP, Silva AO. Violência e maus tratos contra a pessoa idosa: representações sociais de jovens, adultos e idosos. Rev Enferm UERJ. 2018;26:e31645. http://dx.doi.org/10.12957/reuerj.2018.31645
http://dx.doi.org/10.12957/reuerj.2018.3...
). Estudo realizado na Coreia do Sul mostrou interação entre o gênero e o baixo nível educacional, destacando o papel de gênero em situações de violência, no qual as mulheres desempenham o papel social voltado para atividades domésticas e familiares, enquanto os homens executam atividades externas condicionais à necessidade de formação educacional(2323. Jeon GS, Cho SI, Choi K, Jang KS. Gender differences in the prevalence and correlates of elder abuse in a community-dwelling older population in Korea. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(1):100. http://dx.doi.org/10.3390/ijerph16010100
http://dx.doi.org/10.3390/ijerph16010100...
). Tais condições históricas influenciam diretamente na ocorrência e no tipo de violência perpetrada contra o sexo feminino(2323. Jeon GS, Cho SI, Choi K, Jang KS. Gender differences in the prevalence and correlates of elder abuse in a community-dwelling older population in Korea. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(1):100. http://dx.doi.org/10.3390/ijerph16010100
http://dx.doi.org/10.3390/ijerph16010100...
).

Ademais, o aumento do risco de violência em idosos com baixa escolaridade pode estar relacionado não apenas a uma maior permanência no ambiente doméstico, mas também à dificuldade das vítimas de identificarem as formas de violência e à pouca consciência de seus próprios direitos e de como assegurá-los a fim de interromper o ciclo de violência, ainda que reconheçam a necessidade de assistência à saúde para tratar dos agravos decorrentes da violência. Com efeito, esse aspecto corrobora o entendimento de que os serviços de saúde têm um papel de destaque na rede de serviços voltados para o enfrentamento da violência ao idoso.

Outro aspecto relevante do risco de violência contra o idoso diz respeito às pessoas que convivem em seu ambiente familiar, posto que, a depender de quem divide a casa com o idoso, diferentes formas de violência podem ser praticadas. De acordo com uma revisão sistemática, foi observado que viver com outros membros da família constituiu risco para negligência; viver com a família de um filho casado ou somente o filho contribui para violência financeira; e conviver em um núcleo familiar conflituoso configurou risco de violência psicológica, física, econômica e negligência(77. Santos MAB dos, Moreira RS, Faccio PF, Gomes GC, Silva VL. Factors associated with elder abuse: a systematic review of the literature. Ciênc Saúde Coletiva. 2020;25(6):2153-75. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020256.25112018
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320202...
).

No entanto, não apresentar um companheiro também denota um fator de risco de violência, principalmente se a idosa for viúva. A frequência da viuvez entre idosas retrata o efeito da feminização e susceptibilidade a situações de pobreza e dependência intelectual. Logo, pode haver uma predisposição à violência financeira, patrimonial e negligência, em conformidade com investigações recentes na Índia(66. Sudan A, Shahi P, Julka D. Prevalence of abuse in elders with psychiatric morbidity and its sociodemographic association. Cureus. 2020;12(4):e7906. http://dx.doi.org/10.7759/cureus.7906
http://dx.doi.org/10.7759/cureus.7906...
).

Considerando o fato de os idosos do presente estudo possuírem renda superior a um salário mínimo como risco de violência, é possível estabelecer uma relação causal com a violência financeira, na qual o agressor tem a intenção de apropriar-se dos bens e economias do idoso(2121. Santos AMRD, Nolêto RDDS, Rodrigues RAP, Andrade EMLR, Bonfim EG, Rodrigues TS. Violência econômico-financeira e patrimonial contra o idoso: estudo documental. Rev Esc Enferm USP. 2019;53:e190182. https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017043803417
https://doi.org/10.1590/s1980-220x201704...
). Outra perspectiva, que é oportuno destacar, compete à ausência de atividade laboral como fator de risco de violência, pois a manutenção do trabalho está associada à capacidade física e cognitiva para desempenho das atividades laborais, à preservação da autonomia e à independência econômica. Tendo em vista que a maioria dos idosos recebe renda proveniente da aposentadoria, a incapacidade laboral e, frequentemente, funcional impõem uma maior permanência no ambiente doméstico e distanciamento social(2424. Carmona-Torres JM, Carvalhal-Silva RM, Vieira-Mendes MH, Recio-Andradre B, Goergen T, Rodríguez-Borrego MA. Elder abuse within the family environment in the Azores Islands. Rev Latino Am Enfermagem. 2017;25e2932. http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.1871.2932
http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.1871...
).

A dependência funcional representa um fator de risco de violência devido ao estresse provocado pelo grau de cuidados requeridos pelo idoso(2323. Jeon GS, Cho SI, Choi K, Jang KS. Gender differences in the prevalence and correlates of elder abuse in a community-dwelling older population in Korea. Int J Environ Res Public Health. 2019;16(1):100. http://dx.doi.org/10.3390/ijerph16010100
http://dx.doi.org/10.3390/ijerph16010100...
). O fato de as atividades básicas e instrumentais diárias aumentarem duas vezes o risco de violência pode ser demonstrado em diferentes cenários de prática. Em um estudo com idosos comunitários e seus respectivos cuidadores, foi observado que, mediante a presença de altos níveis de sobrecarga, houve um aumento de 11 vezes na probabilidade de ocorrência de violência(99. Lino VTS, Rodrigues NCP, Lima IS, Athie S, Souza ER. Prevalência e fatores associados ao abuso de cuidadores contra idosos dependentes: a face oculta da violência familiar. Ciênc Saúde Coletiva. 2019;24(1):87-96. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018241.34872016
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182...
).

Nesse contexto, os cuidadores, muitas vezes informais, não estão habilitados para prover os cuidados transversais à dependência funcional e, em ausência do acompanhamento periódico dos profissionais de saúde, surge a dificuldade de identificação dos episódios de violência, haja vista que os idosos não costumam denunciá-los por receio de ficarem sem assistência(2525. Silva CFS, Dias CMSB. Violência contra idosos na família: motivações, sentimentos e necessidades do agressor. Psicol Ciênc Prof. 2016;36(3):637-52. http://dx.doi.org/10.1590/1982-3703001462014
http://dx.doi.org/10.1590/1982-370300146...
). Além disso, constitui uma tática do agressor impor ao idoso tarefas excessivas para além de suas capacidades físicas com intuito de inferiorizá-lo.

Já em instituições de longa permanência, estudo realizado com equipes de enfermagem em uma instituição da Noruega constatou que 60,8% dos profissionais já tinham cometido um ou mais episódios de abuso dentro de um ano, variando entre as formas psicológica e de negligência(2626. Botngård A, Eide AH, Mosqueda L, Malmeda W. Elder abuse in Norwegian nursing homes: a cross-sectional exploratory study. BMC Health Serv Res. 2020;20:9. http://dx.doi.org/10.1186/s12913-019-4861-z
http://dx.doi.org/10.1186/s12913-019-486...
). Uma vez que as relações de poder são representadas nesses ambientes pelos profissionais cuidadores, o surgimento da violência pode suscitar a agressão verbal, utilizada para manter a ordem e o controle sobre os idosos. Não obstante, esses atos são justificados por falhas operacionais, dificuldade de comunicação e excesso de atividades, incluindo as negligências não reconhecidas como responsabilidade individual que podem contrastar com as percepções dos idosos(44. Neuberg M, Meštrović T, Ribić R, Šubarić M, Canjuga I, Kozina G. Contrasting vantage points between caregivers and residents on the perception of elder abuse and neglect during long-term care. Psychiatr Danub. 2019;31 Suppl 3:345-53.).

Em relação aos hospitais, verificou-se na literatura que idosos internados por maus tratos obtiveram maior tempo de internação e custos econômicos e de proteção social(2727. Baker PRA, Francis DP, Hairi NH, Othman S, Choo WY. Interventions for preventing abuse in the elderly. Cochrane Database Syst Rev. 2016;(8):CD010321. http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD010321.pub2
http://dx.doi.org/10.1002/14651858.CD010...
). Além disso, acerca do risco de violência nesses estabelecimentos, aponta-se que a violência física pode ser expressa pelo excesso de procedimentos, tratamentos invasivos, e lesões por quedas(1212. Naderi Z, Gholamzadeh S, Zarshenas L, Ebadi A. Hospitalized elder abuse in Iran: a qualitative study. BMC Geriatr. 2019;19:307. https://doi.org/10.1186/s12877-019-1331-8
https://doi.org/10.1186/s12877-019-1331-...
); por sua vez, as atitudes de negligência se assemelham àquelas dos profissionais nas instituições de longa permanência(44. Neuberg M, Meštrović T, Ribić R, Šubarić M, Canjuga I, Kozina G. Contrasting vantage points between caregivers and residents on the perception of elder abuse and neglect during long-term care. Psychiatr Danub. 2019;31 Suppl 3:345-53.). Considerando que o declínio funcional esteve presente nos idosos do estudo, tais situações de violência podem exacerbar o comprometimento dessa habilidade e originar outros desfechos negativos.

Conforme o risco de violência se faz presente na dependência funcional, no que tange às atividades avançadas do cotidiano, os resultados são semelhantes. Os idosos menos ativos, isto é, menos engajados em atividades diárias de lazer e de participação social, tendem a ter uma maior susceptibilidade à violência. Embora não tenham sido identificados estudos que apontassem tal associação, é possível inferir que essas atividades têm a capacidade de prevenir o declínio cognitivo e o isolamento social(1616. Oliveira EM, Silva HS, Lopes A, Cachioni M, Falcão DVS, Batistoni SST, et al. Atividades Avançadas de Vida Diária (AAVD) e desempenho cognitivo entre idosos. Psico USF. 2015;20(1):109-20. http://dx.doi.org/10.1590/1413-82712015200110
http://dx.doi.org/10.1590/1413-827120152...
), considerados fatores de risco de violência(2828. Sathya T, Premkumar R. Association of functional limitations and disability with elder abuse in India: a cross sectional study. BMC Geriatr. 2020;20:220. http://dx.doi.org/10.1186/s12877-020-01619-3
http://dx.doi.org/10.1186/s12877-020-016...
).

A hospitalização se configura como uma das causas que mais contribuem para a incapacidade funcional em idosos, haja vista que a resolução do motivo da internação pode desencadear um novo problema a esse indivíduo, pois a maioria dos idosos não recupera a sua funcionalidade evidenciada na pré-admissão(2929. Velilla NM, Herrero AC, Ferraresi FZ. Effect of exercise intervention on functional decline in very elderly patients during acute hospitalization: a randomized clinical trial. JAMA. 2019;179(1):28-36. http://dx.doi.org/10.1001/jamainternmed.2018.4869
http://dx.doi.org/10.1001/jamainternmed....
). As consequências advindas da hospitalização tendem a ocasionar no idoso uma diminuição de suas várias funções e, consequentemente, o abandono pelos familiares e outros tipos de violência(1212. Naderi Z, Gholamzadeh S, Zarshenas L, Ebadi A. Hospitalized elder abuse in Iran: a qualitative study. BMC Geriatr. 2019;19:307. https://doi.org/10.1186/s12877-019-1331-8
https://doi.org/10.1186/s12877-019-1331-...
).

Com base nos dados analisados neste estudo, é possível evidenciar como os profissionais de saúde em instituições hospitalares, especialmente os profissionais de enfermagem, devem estar aptos para avaliar os indícios e os riscos de situações de violência ao idoso, sabendo perscrutar os sinais da violência em meio ao histórico clínico dos pacientes, às suas capacidades funcional e cognitiva, e aos seus contextos sociais e familiares. Ressalta-se ainda que os agravos que conduzem o idoso aos serviços hospitalares em decorrência da violência costumam ser graves, além de conter uma desproporcionalidade entre os achados da anamnese clínica e a narrativa contextual das causas dos acontecimentos, de modo que esses serviços adquirem uma posição estratégica e deôntica para interrupção do ciclo de violência(3030. Nicolau IF, Prado JA, Gonçalves LDPP, Pacheco RF, Souza SD. Considerações acerca da atuação da psicologia frente a situações de violência em um hospital de urgência e emergência. Rev Med Minas Gerais. 2018;28 Supl. 5:S280512. http://dx.doi.org/105935/2238-3182.20180124
http://dx.doi.org/105935/2238-3182.20180...
).

Considerando o trabalho interdisciplinar na conjuntura hospitalar, os profissionais de saúde inseridos na assistência ao idoso devem estar qualificados para a perspectiva da prática de combate à violência. Portanto, conhecer os fatores associados ao risco de violência contra os idosos e as competências para a assistência assertiva e eficaz poderá subsidiar as intervenções adequadas, observando a completude e detalhamento dos registros e documentações e desempenhando a garantia dos direitos jurídicos e de proteção por meio de uma rede multidisciplinar de assistência social, a fim de proteger os idosos vitimados, responsabilizar os agressores e romper com o ciclo de violência.

Configura-se como limitação do estudo a impossibilidade de utilizar uma técnica de amostragem probabilística, bem como a falta de opções de instrumentos de rastreio de todos os tipos de violência que possuam adaptação transcultural para o contexto brasileiro. Entretanto, essa limitação não compromete a qualidade dos achados e mantém a viabilidade do estudo.

CONCLUSÃO

A capacidade funcional apresentou relação significativa com o risco de violência entre os idosos hospitalizados que são dependentes para atividades de vida diária e instrumentais e menos ativos para as atividades avançadas. Verifica-se que os idosos que dependem de familiares e profissionais de saúde para realizar tanto as atividades mais complexas quanto as mais básicas no ambiente hospitalar são aqueles que estão mais expostos a situações de violência. Essas variáveis apresentam uma correlação direta, ou seja, o desenvolvimento de uma pode acentuar o risco para a outra situação, o que, por sua vez, reforça a primeira, ocasionando um ciclo de perdas.

  • Apoio financeiro Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Edital Universal Nº 28/2018, Processo Nº 424604-2018-3.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2020
  • Aceito
    22 Abr 2021
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