Associação entre espiritualidade e qualidade de vida de mulheres com câncer de mama em tratamento radioterápico

RESUMO

Objetivo:

Verificar se há associação entre a espiritualidade/religiosidade e a qualidade de vida de mulheres com câncer de mama em tratamento radioterápico.

Método:

Estudo transversal de caráter quantitativo, realizado no período de maio a julho de 2019, em um Hospital Oncológico de Porto Alegre. Aplicou-se um questionário sociodemográfico e os instrumentos EORTC-QLQ-C30 e WHOQOL-SRPB. Os dados foram verificados pelo teste Shapiro-Wilk, coeficiente de correlação de Pearson e Spearman.

Resultados:

A amostra foi de 108 mulheres, com idade média de 56 anos, predominantemente brancas, casadas, com ensino fundamental incompleto. Observou-se correlação positiva entre o “Escore de qualidade de vida global” com todas as facetas da espiritualidade, bem como uma correlação negativa para os sintomas “Fadiga”, “Insônia” e “Diarreia” com algumas facetas da espiritualidade, como “Fé”.

Conclusão:

A significância estatística na correlação associou positivamente a espiritualidade/religiosidade e a qualidade de vida nas mulheres com câncer de mama em tratamento radioterápico. Entender a espiritualidade como fator preponderante na qualidade de vida contribui para a interferência positiva da assistência de enfermagem, com orientações e cuidados individualizados a cada mulher.

DESCRITORES
Mulheres; Neoplasias da Mama; Radioterapia; Espiritualidade; Qualidade de Vida; Enfermagem Oncológica

ABSTRACT

Objective:

To verify whether there is an association between spirituality/religiosity and quality of life of women with breast cancer undergoing radiotherapy.

Method:

Cross-sectional, quantitative study performed between May and July 2019 in an Oncology Hospital of Porto Alegre state, Brazil. A sociodemographic questionnaire and the instruments EORTC-QLQ-C30 and WHOQOL-SRPB were applied. The data were verified through Shapiro-Wilk test, Pearson correlation coefficient, and Spearman.

Results:

The sample comprised 108 women with a mean age of 56, predominantly white, married, and with incomplete primary education. A positive correlation between “Overall quality of life score” with all facets of spirituality, as well as a negative correlation for the symptoms “Fatigue”, “Insomnia”, and “Diarrhea” with some aspects of spirituality, such as “Faith”, were observed.

Conclusion:

The statistical significance of the correlation has positively associated spirituality/religiosity and quality of life in women with breast cancer undergoing radiotherapy. Understanding spirituality as a preponderant factor in quality of life contributes to positive nursing care interference, with individualized orientation and care to each woman.

DESCRIPTORS
Women; Breast Neoplasms; Radiotherapy; Spirituality; Quality of Life; Oncology Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Verificar si hay asociación entre la espiritualidad/religiosidad y la calidad de vida en mujeres con cáncer de mama en tratamiento radioterápico.

Método:

Estudio transversal, cuantitativo, conducido de mayo a julio de 2019 en un Hospital Oncológico de la ciudad de Porto Alegre, en Brasil. Se aplicaron un cuestionario sociodemográfico y los instrumentos EORTC-QLQ-C30 y WHOQOL-SRPB. Los datos se verificaron por medio de la prueba de Shapiro-Wilk, el coeficiente de correlación de Pearson y Spearman.

Resultados:

La muestra tenía 108 mujeres con edad media de 56 años, predominantemente blancas, casadas y con educación primaria incompleta. Se observó una correlación positiva entre la “Puntuación de calidad de vida global” con las facetas de la espiritualidad, así como una correlación negativa para para los síntomas “Fatiga”, “Insomnio” y “Diarrea” con algunas facetas de la espiritualidad, como la “Fe”.

Conclusión:

La significancia estadística en la correlación asoció positivamente la espiritualidad/religiosidad a la calidad de vida de las mujeres con cáncer de mama en tratamiento radioterápico. Comprender la espiritualidad como un factor preponderante en la calidad de vida contribuye a una interferencia positiva de la asistencia de enfermería, con orientaciones y cuidados individualizados a cada mujer.

DESCRIPTORES
Mujeres; Neoplasias de la Mama; Radioterapia; Espiriatualidad; Calidad de Vida; Enfermería Oncológica

INTRODUÇÃO

O câncer de mama é o segundo câncer mais comum no mundo (11,6% dos casos), perdendo apenas para o câncer de pulmão. É o mais incidente em mulheres, representando 24,2% do total de casos de câncer femininos no mundo no ano de 2020, com aproximadamente 2,1 milhões de novos casos nesse ano(¹). No Brasil, estima-se que, para o triênio 2020–2022, ocorrerão cerca de 66.280 casos novos de câncer de mama. Desconsiderando os tumores de pele não melanoma, o câncer de mama é o mais frequente nas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. A taxa estimada de câncer de mama no Rio Grande do Sul é de 71,16 casos novos para cada 100 mil mulheres até final de 2022; entretanto, para a Região Sudeste, a estimativa é superior, com 81,06 casos novos(²).

Devido à alta incidência e sobrevida maior, torna-se cada vez mais importante conhecer os vários aspectos relacionados ao câncer de mama, entre eles o tratamento, que impõe uma abordagem multidisciplinar, considerando a cirurgia e a radioterapia como tendo papel fundamental no controle loco regional; a quimioterapia, a hormonioterapia e a terapia biológica, no tratamento sistêmico(³).

A radioterapia consiste em um tratamento realizado por meio de radiação ionizante, com o objetivo de atingir as células malignas, impedindo seu crescimento e/ou ocasionando a morte celular(⁴). Os seus efeitos colaterais – radiodermite, fadiga, sono e presença de dor – acabam por acometer negativamente a Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS) do paciente(⁵–⁶).

O termo QVRS é definido na literatura como sinônimo de Estado de Saúde Percebido e tem como propósito averiguar o quanto a doença ou estado crônico afetam a Qualidade de Vida (QV) diária de um indivíduo(⁷). O paciente oncológico passa por diversos estressores que tendem a abalar sua qualidade de vida, como a suspeita de um diagnóstico desfavorável, o diagnóstico, o medo do tratamento, a redução da autoestima, o medo da volta da doença e da morte(⁸). Sendo assim, é de extrema importância que a equipe multidisciplinar avalie a QV dos pacientes durante os tratamentos para que possa desenvolver estratégias que minimizem os desconfortos e melhorem a sua QV(⁹). Dentre esses recursos, encontra-se a espiritualidade, definida pela maneira com que os indivíduos procuram uma conexão com o sagrado, o qual é representado pela busca de um sentido para as suas vidas e pode proporcionar conforto, fé, paz e ressignificação do momento(¹⁰–¹¹). Compreender a espiritualidade como uma ferramenta terapêutica pode melhorar a qualidade de vida e promover alívio do sofrimento humano. O profissional de saúde que busca o cuidado ampliado tende a valorizar todos os aspectos do paciente e acaba por não o reduzir a um corpo em sofrimento, melhorando a relação paciente-profissional e ajudando-o a enfrentar as dificuldades da doença(¹²–¹³).

O objetivo deste estudo foi verificar se há associação entre a espiritualidade/religiosidade e a qualidade de vida das mulheres com câncer de mama em tratamento radioterápico em um hospital especializado em oncologia de Porto Alegre.

MÉTODO

Tipo do Estudo

Estudo transversal de caráter quantitativo.

População

Mulheres com câncer de mama em tratamento radioterápico no período de maio a julho de 2019, no Serviço de Radioterapia de um Centro de Alta Complexidade em Oncologia (CACON), localizado na cidade de Porto Alegre – Rio Grande do Sul.

Foram incluídos neste estudo mulheres maiores de 18 anos, apropriadas do seu diagnóstico e em tratamento radioterápico. Foram excluídas as analfabetas funcionais, definidas pelo Indicador de Analfabetismo Funcional (Inaf) como “a pessoa que, mesmo sabendo ler e escrever algo simples, não tem as competências necessárias para satisfazer as demandas do seu dia a dia e viabilizar o seu desenvolvimento pessoal e profissional”; sendo assim, estas não conseguiriam preencher as escalas.

Amostra

O cálculo amostral foi baseado no estudo “Spiritual well-being and quality of life in Iranian women with breast cancer undergoing radiation therapy” (N = 68) e na média de 79 pacientes/mês assistidas no Serviço de Radioterapia (de janeiro a novembro de 2018) para encontrar correlações de cada domínio da qualidade de vida com a espiritualidade global, utilizando uma significância de 5% e um poder de 80%. O n que contempla as correlações é de 99 pacientes. Prevendo-se perdas de 10%, a amostra final calculada foi de 110 pacientes. O cálculo amostral foi realizado no software GPower 3.1.

Coleta de Dados

As mulheres foram recrutadas durante o tratamento radioterápico a partir da 10ª sessão de radioterapia por amostra não probabilística. O período de coleta foi de maio a julho de 2019. Após apresentação inicial do estudo proposto, entregou-se o termo de consentimento livre e esclarecido e aplicou-se um questionário para a caracterização sociodemográfica das participantes, desenvolvido para este estudo. A seguir aplicou-se o instrumento EORTC-QLQ-C30 versão 3.0, desenvolvido pela Organização Europeia de Pesquisa e Tratamento do Câncer (EORTC) em 1986 e validado para o português do Brasil no ano de 2006(¹⁴). O questionário contém 30 itens compostos por escalas com múltiplos itens e medidas de item único, que visam refletir a multidimensionalidade do construto QV. Esse instrumento inclui cinco escalas funcionais (função física, função cognitiva, função emocional, função social e desempenho de papéis), três escalas de sintomas (fadiga, dor, náuseas e vômitos), uma escala de estado geral de saúde e QV, seis outros itens que avaliam sintomas comumente relatados por doentes com câncer (dispneia, falta de apetite-anorexia, insônia, constipação e diarreia) e escala de avaliação do impacto financeiro do tratamento e da doença. Os escores das escalas e das medidas variam de zero a 100; um alto valor do escore representa um alto nível de resposta. Assim, um escore alto na escala funcional representará um nível funcional saudável, enquanto um escore alto na escala de sintomas representará uma piora de sintomas e de efeitos colaterais.

O terceiro instrumento aplicado foi o Instrumento de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde – Módulo Espiritualidade, Religiosidade, e Crenças pessoais (WHOQOL-SRPB) validado no Brasil no ano de 2011, composto por 32 questões divididas em oito facetas: conexão a um ser ou força espiritual, sentido na vida, admiração, totalidade e integração, força espiritual, paz interior, esperança e otimismo e fé(¹⁵). Ambos os instrumentos são autoaplicáveis.

Análise e Tratamento dos Dados

Os dados são apresentados por meio de estatística descritiva (média, mediana, desvio-padrão, frequência e percentual), conforme a natureza das variáveis (quantitativa ou qualitativa). A normalidade das variáveis quantitativas foi verificada pelo teste Shapiro-Wilk e as correlações entre as escalas foram analisadas por meio do coeficiente de correlação de Pearson, quando normalmente distribuídas, e Spearman. A significância estatística utilizada foi de 5% e as análises foram realizadas com auxílio do software estatístico SPSS v25.

Aspectos Éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Santa Casa de Misericórdia, com parecer n. 3.222.520, no ano de 2019, e atendeu à Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde por envolver seres humanos.

RESULTADOS

A amostra do estudo foi de 108 mulheres, com média de idade de 56 anos (±12), predominantemente brancas, casadas, com ensino fundamental incompleto e em tratamento adjuvante, na radioterapia.

Duas participantes foram excluídas do estudo, pois não responderam a uma questão do questionário EORTC-QLQ-C30, o que impossibilitou o cálculo do escore, por se tratar de um fator determinante nos cálculos estatísticos. A seguir, a Tabela 1 apresenta as variáveis sociodemográficas.

Tabela 1
Variáveis sociodemográficas da amostra – Porto Alegre, RS, Brasil, 2019.

Variáveis		n (%)
Cor	Branca	89 (82,4)
	Parda	13 (12)
	Negra	6 (5,6)
Estado civil	Solteira	27 (25)
	União estável	3 (2,8)
	Casada	51 (47,2)
	Divorciada	8 (7,4)
	Viúva	19 (17,6)
Moram §	Sozinhas	16 (14,8)
	Família	91 (84,3)
Escolaridade	Fundamental incompleto	42 (38,9)
	Fundamental completo	16 (14,8)
	Ensino médio completo	36 (33,3)
	Ensino superior	14 (13)
Renda §	Até 1 salário mínimo	19 (17,8)
	De 1 a 3 salários mínimos	59 (55,1)
	Até 5 salários mínimos	19 (17,8)
	Mais de 5 salários mínimos	10 (9,3)
Aposentadas	Sim	37 (34,3)
	Não	71 (65,7)
Motivo da aposentadoria	Idade	12 (32,4)
	Tempo de serviço	12 (32,4)
	Idade + tempo de serviço	5 (13,5)
	Invalidez	5 (13,5)
	Não sabem/lembram	3 (8,1)

• ^§ Cálculos realizados para N = 107 participantes.
  Nota: (N = 108).

Na Tabela 2, são apresentados os dados da amostra para o Instrumento EORTC QLQ C30, com escores que variam de 0 a 100. Pode-se observar um alto nível funcional das mulheres com câncer de mama em tratamento radioterápico, destacando-se a “Função Emocional”, da Escala Funcional, com a menor pontuação. Na Escala de Sintomas, pode-se observar um nível baixo na sintomatologia e efeitos colaterais, com destaque para “Dificuldades financeiras”.

Tabela 2
Instrumento de qualidade de vida EORTC QLQ C30 – Porto Alegre, RS, Brasil, 2019.

EORTC QLQ C30	Média	DP
Escala de estado geral de saúde e QV	78,8581	18,56142
Escalas funcionais:
Função física	80,9874	18,74178
Desempenho de papel	81,4812	25,61109
Função emocional	71,6047	25,75060
Função cognitiva	78,2406	27,38664
Função social	83,0244	24,95920
Escalas e itens de sintomas:
Fadiga	25,4105	26,87768
Náusea e vômitos	4,3213	12,76256
Dor	24,6919	28,22887
Dispneia	12,0369	24,73483
Insônia	28,7033	35,72698
Perda de apetite	11,1110	25,37384
Constipação	20,9875	30,77197
Diarreia	7,0984	19,89075
Dificuldades financeiras	32,4070	36,01658

• Nota: (N = 108).

Na Tabela 3, são apresentados os dados coletados pelo instrumento WHOQOL-SRPB, no qual a pontuação de cada faceta pode variar de 0 a 20. É possível observar altas médias entre as facetas da espiritualidade. A variável Espiritualidade Total é uma média de todas as facetas da espiritualidade, observando-se uma média universal para espiritualidade/religiosidade de 17,76.

Tabela 3
Instrumento que avalia espiritualidade e religiosidade WHOQOL-SRPB – Porto Alegre, RS, Brasil 2019.

Facetas WHOQOL-SRPB	Média	DP	Mínimo	Máximo
Conexão com o ser ou força espiritual	18,24	1,88	12	20
Sentido na vida	18,02	2,12	10	20
Admiração	17,98	1,93	12	20
Totalidade e integração	17,03	2,29	9	20
Força espiritual	18,24	1,91	12	20
Paz interior	16,38	3,54	4	20
Esperança e otimismo	17,53	2,95	4	20
Fé	18,57	2,09	9	20
Espiritualidade total	17,76	1,84	11,6	20

• Nota: (N = 108).

A Tabela 4 mostra que todas as facetas da espiritualidade/religiosidade estão correlacionadas positivamente com a Escala de estado geral de saúde e QV das pacientes. Quanto maior a espiritualidade/religiosidade, melhor as mulheres classificavam o seu estado de saúde e sua QV na última semana.

Tabela 4
Correlação entre o “Escore de qualidade de vida global” e as “Facetas da espiritualidade” – Porto Alegre, RS, Brasil, 2019.

Facetas da espiritualidade	Escala de estado geral de saúde e QV
	p-valor	R
Conexão com o ser ou força espiritual	0,004	0,276
Sentido na vida	0,001	0,302
Admiração	0,011	0,245
Totalidade e integração	0,001	0,329
Força espiritual	0,005	0,269
Paz interior	0	0,364
Esperança e otimismo	0,004	0,274
Fé	0,005	0,268
Espiritualidade total	0	0,372

• Teste de correlação de Spearman.
  Nota: (N = 108).

Observa-se significância estatística na correlação entre as facetas da espiritualidade com a Escala de estado geral de saúde e QV. Além dos dados apresentados na Tabela 4, observaram-se correlações das escalas funcionais do instrumento de qualidade de vida com algumas facetas individuais da espiritualidade. O desempenho de papéis está correlacionado com a faceta “força espiritual” (p = 0,038 r = 0,200), enquanto a função emocional está correlacionada a diversas facetas, como “paz interior” (p = 0,004 r = 0,272), “totalidade e integração” (p = 0,013 r = 0,238) e “esperança e otimismo” (p = 0,017 r = 0,0229), bem como a média de todas as facetas da espiritualidade (p = 0,014 r = 0,237). Já a função social está associada com “esperança e otimismo” (p = 0,016 e r = 0,232).

Nas escalas de sintomas, a fadiga está correlacionada com a faceta “sentido na vida” (p = 0,018 r = −0,227) e “fé” (p = 0,022 r = −0,220), ou seja, quanto maior a fé e o sentido na vida, menos fadiga. O sintoma insônia correlaciona-se com as facetas “fé” (p = 0,012 r = −0,242), “sentido na vida” (p = 0,024 r = −0,217) e “paz interior” (p = 0,048 r = −0,191), demonstrando que as mulheres com mais fé e paz interior, bem como as que encontram maior sentido na vida, sofrem menos de insônia. O sintoma diarreia apresentou correlação com a faceta “fé” (p = 0,027 r = −0,213).

Não foram observadas correlações significativas das escalas de “Função física”, “Função cognitiva”, “dor”, “dispneia”, “diminuição do apetite”, “constipação” e “dificuldade financeira” com nenhuma das facetas da espiritualidade.

DISCUSSÃO

A média de idade das mulheres entrevistadas foi de 56 anos; a maioria era casada (47,2%) e estudou até o ensino fundamental (53,7%), dados corroborados por pesquisas realizadas no Brasil e na Tailândia nas quais a média das idades de mulheres em tratamento para o câncer de mama foi de aproximadamente 51,95 e 52,7 anos, respectivamente; nestas, a maioria era casada (64,3% e 68,8%) e tinha o ensino fundamental (47,8% e 56,2%)(¹⁶–¹⁷).

As participantes do estudo obtiveram uma pontuação média de aproximadamente 78,85 (DP = 18,56) na “Escala de estado geral de saúde e QV”. Um estudo realizado com mulheres iranianas demonstrou resultado divergente, com média de qualidade de vida total de 41,42(¹⁸). O alto escore encontrado pode ser atribuído ao fato de esta pesquisa ter sido realizada em um Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON), onde os serviços de saúde ofertados são de alta qualidade, com consultas de enfermagem periódicas no intuito de acompanhar o tratamento e o bem-estar dessas mulheres, podendo influenciar diretamente na QV(¹⁹–²⁰). Além disso, as mudanças na vida da mulher com câncer ao longo do tratamento influenciam a adaptação para essa nova etapa, e isso tem grande peso na mudança de QV e refinamento em novos padrões e valores de vida(²¹).

Verificou-se uma média de 17,76 (0–20) para “Espiritualidade total”, a qual se considera alta, pois representa mais de 88% da pontuação total. Esse dado é corroborado por um estudo que, embora tenha utilizado outra escala para investigar a qualidade de vida, encontrou uma média de 40,46 (0 a 48), representando mais de 84% da pontuação total(²²). Em outro estudo realizado com mulheres iranianas, observou-se uma menor espiritualidade, com média de 28,41 (0 a 48), representando 59% da pontuação máxima(¹⁸). Ambos os estudos mencionados utilizaram a escala FACIT spWB, o primeiro realizado com mulheres jordanianas e o segundo com iranianas. Essa divergência no escore da espiritualidade pode se dar pela diferença cultural dos países.

Encontrou-se uma associação positiva entre QV e espiritualidade, r (108) = 0,372, p = 0,000. Outros estudos, apesar de usarem escalas diferentes, encontraram importante correlação: r(148) = 0,67, p = 0,000(²⁰); r(68) = 0,555, p < 0,001(¹⁸); e r(145) = 0,471, p < 0,001(²³). O poder da força de correlação do estudo aqui descrito é menor quando comparado aos demais. Acredita-se que o fato de as mulheres entrevistadas terem um baixo nível de escolaridade possa ter levado à incompreensão das questões a serem respondidas, em razão de sua complexidade.

No estudo com mulheres jordanianas, os quatro domínios de qualidade de vida do instrumento por eles utilizado (FACIT) apresentaram correlação significativa com a espiritualidade total, sendo o bem-estar funcional o de maior correlação positiva (r = 0,63 e p<0,01) com espiritualidade total, enquanto a menor correlação positiva observada foi com o escore do domínio físico (r = 0,41, p<0,01)(²²). Outro estudo realizado em São Francisco, nos EUA, com mulheres sobreviventes do câncer de mama, apontou o bem-estar funcional como significativamente correlacionado com a espiritualidade (Adj R2 = 0,58, F = 17.57, p< 0,001)(²⁴). Neste estudo, apesar de a escala de estado geral de saúde e QV apresentar correlação com todas as facetas da espiritualidade, somente a função emocional apresentou correlação significativa com a espiritualidade total (r = 0,237, p = 0,014).

Observou-se, em pesquisa realizada na Malásia, uma relação negativa entre o sintoma estresse e espiritualidade (r = −0,337, p<0,01)(²³). No presente estudo, não foi avaliado o sintoma estresse; porém, para outros sintomas e efeitos colaterais, como fadiga, insônia e diarreia, encontrou-se relação negativa com algumas facetas da espiritualidade. A fadiga foi correlacionada negativamente com as facetas “sentido na vida” (r = −0,227 p = 0,018) e “fé” (r = −0,220 p = 0,022); insônia, com “sentido na vida” (r = −0,217 p = 0,024), “paz interior” (r = −0,191 p = 0,048), “fé” (r = −0,242 p = 0,012) e “espiritualidade total” (r = −0,219 p = 0,023); diarreia, com “fé” (r = −0,213 p = 0,027). Esses achados demonstram que a espiritualidade está correlacionada negativamente com sintomas físicos, ou seja, quanto maior a pontuação para essas facetas da espiritualidade, menos fadiga, insônia e diarreia as participantes apresentaram. Em contrapartida, um estudo realizado no Texas, EUA, com mulheres sobreviventes do câncer de mama, evidenciou que, embora a espiritualidade seja um fator importante sobre os valores e atitudes de uma pessoa em relação à vida, não foi encontrada relação entre espiritualidade e a saúde física relatada(²⁵).

Diante das diversas modificações físicas, psíquicas e espirituais das mulheres com câncer de mama, os profissionais de saúde que atuam diretamente nos cuidados aos pacientes oncológicos tendem a melhorar a assistência quando consideram os aspectos espirituais como uma abordagem humanizada do cuidado. Além disso, isso proporciona um melhor entendimento por parte do profissional quanto às estratégias de enfrentamento utilizadas pelos pacientes, aumentando, com isso, o vínculo, o respeito, a integridade e a motivação durante o tratamento. Para tanto, torna-se importante que a espiritualidade se faça presente na formação dos profissionais, a fim de subsidiar o conhecimento e oferecer novas perspectivas de cuidado(¹⁰).

Acredita-se que uma das limitações deste estudo esteja em comparar resultados entre estudos que utilizaram diferentes instrumentos para investigar a associação da espiritualidade com a qualidade de vida de mulheres com câncer de mama em tratamento radioterápico. É necessário, portanto, o desenvolvimento de novas pesquisas em serviços de radioterapia que utilizem os mesmos instrumentos de avaliação, para que se possa melhor comparar a associação entre a espiritualidade e a qualidade de vida de mulheres em tratamento para o câncer de mama.

CONCLUSÃO

Considerando os achados deste estudo, pode-se concluir que existe associação positiva entre espiritualidade/religiosidade e qualidade de vida de mulheres com câncer de mama em tratamento radioterápico. A espiritualidade é um fator preponderante de qualidade de vida nas doenças oncológicas, aumentando a capacidade de enfrentamento de doenças, bem como a resiliência de pacientes e cuidadores. Por isso, há a necessidade de os profissionais de saúde pesquisarem mais os âmbitos da espiritualidade/religiosidade, para que possam pensar em intervenções que valorizem, apoiem e incentivem as mulheres a alcançarem uma melhor qualidade de vida.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Ago 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  09 Nov 2020
• Aceito
  22 Abr 2021