Conhecimentos, habilidades e atitudes de estudantes de enfermagem sobre a prática baseada em evidências

RESUMO

Objetivo:

Identificar conhecimentos, habilidades e atitudes sobre a Prática Baseada em Evidências de estudantes de enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e explorar as relações entre conhecimentos, habilidades e atitudes e variáveis associadas.

Método:

Trata-se de um estudo exploratório, descritivo e analítico, realizado com 125 alunos do bacharelado em enfermagem. Os dados foram obtidos pela aplicação do Questionário de Prática Baseada em Evidências.

Resultados:

A pontuação média do questionário foi de 4,73 (DP = 0,79), com a maior pontuação no domínio Atitudes. Houve correlação estatística significante entre a pontuação do questionário e o ano do curso (p < 0,001).

Conclusão:

Há lacuna nos conhecimentos e habilidades associadas à Prática Baseada em Evidências entre os estudantes de enfermagem. É necessário desenvolver estratégias efetivas para o ensino da disciplina na graduação em Enfermagem.

DESCRITORES
Enfermagem Baseada em Evidências; Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde; Estudantes de Enfermagem; Educação em Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To identify knowledge, skills, and attitudes on Evidence-Based Practice of nursing students in the School of Nursing of Universidade de São Paulo and to explore the relationship between knowledge, skills, and attitudes and associated variables.

Method:

This is an exploratory, descriptive, analytical study conducted with 125 nursing undergraduate students. The data were obtained through application of the Evidence-Based Practice Questionnaire.

Results:

The mean score for the questionnaire was 4.73 (SD = 0.79), with a higher score in the Attitudes domain. There was a significant statistical correlation between questionnaire score and course year (p < 0.001).

Conclusion:

There is a gap in the knowledge and skills associated to Evidence-Based Practice among nursing students. Effective strategies for teaching this subject in the nursing undergraduate course must be developed.

DESCRIPTORS
Evidence-Based Nursing; Health Knowledge, Attitudes, Practice; Students, Nursing; Education, Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Identificar los conocimientos, habilidades y actitudes de los estudiantes de enfermería de la Escuela de Enfermería de la Universidade de São Paulo sobre la Práctica Basada en la Evidencia y explorar las relaciones entre conocimientos, habilidades y actitudes y las variables asociadas.

Método:

Se trata de un estudio exploratorio, descriptivo y analítico, realizado con 125 estudiantes del bachillerato en enfermería. Los datos se obtuvieron con la aplicación del Cuestionario de Práctica Basada en la Evidencia.

Resultados:

La puntuación media del cuestionario fue del 4,73 (SD = 0,79) y el dominio de las Actitudes tuvo la puntuación más alta. Hubo una correlación estadísticamente significativa entre la puntuación del cuestionario y el año del curso (p < 0,001).

Conclusión:

Existe una laguna en los conocimientos y habilidades asociados a la Práctica Basada en la Evidencia entre los estudiantes de enfermería. Es necesario desarrollar estrategias eficaces para la enseñanza de esta asignatura en los cursos de pregrado de Enfermería.

DESCRIPTORES
Enfermería Basada en la Evidencia; Conocimientos, Actitudes y Práctica en Salud; Estudiantes de Enfermería; Educación en Enfermería

INTRODUÇÃO

A Prática Baseada em Evidências (PBE) surgiu na década de 1980, inicialmente na área médica, com o objetivo de melhorar a qualidade da assistência à saúde. Constituiu-se como um novo paradigma para a medicina, com a criação de novas ações para guiar a prática médica, como a observação sistemática da experiência clínica, o pensamento crítico voltado para a eficácia dos tratamentos e a interpretação correta da literatura(¹). Em uma perspectiva histórica, Florence Nightingale é uma das pioneiras no uso de evidências na prática de enfermagem, utilizando suas avaliações para influenciar positivamente os resultados de pacientes(²).

De acordo com o International Council of Nurses (ICN), a PBE em enfermagem é definida como “uma abordagem de solução de problemas para tomada de decisões clínicas que incorpora a busca pelas melhores e mais recentes evidências, perícia clínica e avaliação, e que valoriza a preferência do usuário dentro de um contexto de cuidar”(³). A implementação da PBE na prática clínica é descrita atualmente em sete etapas: 0. Cultivar uma atitude questionadora; 1. Formular uma questão a ser respondida no formato que produzirá a melhor e mais relevante evidência; 2. Procurar pela melhor evidência disponível; 3. Avaliar criticamente a evidência segundo sua validade, impacto e aplicabilidade; 4. Integrar a avaliação crítica com a expertise clínica e as preferências e valores do usuário/família; 5. Avaliar os resultados da decisão baseada em evidência; 6. Disseminar os resultados da decisão(⁴).

A PBE na prática clínica é uma competência cada vez mais necessária na prestação de cuidados em saúde de qualidade, exigindo dos enfermeiros conhecimento, compreensão e habilidades na busca por evidências relevantes(⁵). As Diretrizes Curriculares Nacionais de Graduação em Enfermagem (DCNs) do Brasil preconizam que os estudantes sejam ensinados a avaliar, sistematizar e buscar por condutas mais adequadas, baseadas em evidências científicas(⁶). Para esse fim, o ensino da PBE nas Escolas/Faculdades de Enfermagem é fundamental para a implementação de evidências na prática clínica do enfermeiro, assim como a avaliação da eficácia de seu ensino(⁷).

Nos Estados Unidos, estudos anteriores a 2000 descrevem que os currículos de graduação em Enfermagem não levavam em consideração o ensino da PBE. A partir de então, começaram a surgir estudos sobre a PBE no ensino de Enfermagem devido a inúmeras organizações governamentais estimularem tal ensino e, em algumas circunstâncias, advogarem sua superioridade em relação ao ensino tradicional. Era preciso também responder às necessidades do mundo do trabalho, que exige mudança da realidade assistencial por meio da melhor evidência(⁸). No Brasil, estudo bibliométrico mostrou que a expansão da produção científica sobre a PBE ocorreu a partir de 2009; porém, o estímulo ao seu ensino decorreu de interesse e motivações autônomas de grupos de pesquisadores(⁹). Somado a isso, há um atraso importante entre a produção de resultados e sua incorporação na prática(¹⁰).

A PBE nos currículos de Enfermagem é considerada componente central(¹¹) e tem sido abordada desde a década de 2000, sendo fortemente recomendada nos Estados Unidos(¹²), na Europa(¹³), na Austrália(¹⁴) e no Canadá(¹⁵). No Reino Unido, a competência da PBE éobrigatória nos cursos de Enfermagem(¹⁶). A Noruega vem mudando os currículos nas escolas de enfermagem para o seu ensino(¹⁷). No Brasil, é ainda incipiente, embora seja recomendado nas DCNs, em editoriais(¹⁸–¹⁹) e em iniciativas pontuais(²⁰), denotando a necessidade de sua ampliação.

Considerando que a familiaridade dos estudantes de enfermagem com a PBE e o desenvolvimento de pesquisas podem proporcionar maior autoconfiança, conhecimento e melhoria nas práticas clínicas, e ainda, que é crucial para a melhoria do cuidado prestado ao paciente e da segurança na assistência à saúde(²¹), questiona-se se a PBE tem sido ensinada nos currículos de graduação em enfermagem no Brasil e, em particular, na Escola de Enfermagem da USP (EEUSP), considerada uma das melhores da América Latina. A avaliação da percepção dos estudantes acerca de seu próprio conhecimento da PBE contribuirá para compreensão de como essa metodologia tem sido ensinada, apreendida e praticada pelos estudantes. Portanto, este estudo objetiva identificar conhecimentos, habilidades e atitudes sobre a prática baseada em evidências de estudantes de Enfermagem da EEUSP e explorar as relações entre conhecimentos, habilidades e atitudes sobre a PBE e variáveis associadas.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Trata-se de um estudo exploratório, descritivo e analítico, desenvolvido com estudantes do curso de graduação em Enfermagem da EEUSP.

População

Foram convidados a participar da pesquisa todos os estudantes do bacharelado em Enfermagem regularmente matriculados na EEUSP no segundo semestre de 2019 e que tenham ingressado de 2016 a 2019.

Os estudantes do primeiro ano, ingressados em 2020, não foram incluídos na pesquisa em razão do pouco tempo de permanência no curso.

Coleta de Dados

Os dados foram coletados no período de dezembro de 2019 a junho de 2020 por meio de um questionário de autorrelato enviado por e-mail pelo serviço de graduação. A coleta dos dados foi realizada por meio de instrumento disponibilizado na plataforma Google Forms, um serviço de formulário online. O formulário continha o instrumento Evidence-based Practice Questionnaire (EBPQ)(²²), com coleta de dados sociodemográficos e de formação acadêmica dos estudantes de enfermagem.

O EBPQ possui 24 itens pontuados numa escala de um a sete. Os escores podem ser avaliados por domínios ou por item individualmente, sendo interpretados de acordo com a média aritmética das respostas da escala tipo Likert. Quanto maior a pontuação, mais positivas são as atitudes em relação à PBE. Os itens são caracterizados em três domínios: 1. Prática da Enfermagem Baseada em Evidências: questiona a frequência do uso de cada passo ou etapa da PBE por meio de seis questões (42 pontos); 2. Atitudes relacionadas à Prática Baseada em Evidências: a questão é constituída por quatro pares de afirmações sobre atitudes individuais, incluindo a percepção de barreiras, bem como julgamento pessoal sobre o valor da PBE (28 pontos); 3. Conhecimentos e habilidades associados à Prática Baseada em Evidências: autoavaliação sobre as habilidades relevantes para a implementação da PBE, a qual inclui 14 itens sobre conhecimento em pesquisa e informática, habilidade para interpretar a literatura e aplicá-la a casos individuais (98 pontos).

Inicialmente, o instrumento foi desenvolvido no Reino Unido a partir de uma extensa revisão bibliográfica dos principais fatores que influenciam a PBE e de discussões com profissionais de saúde(²²) e foi posteriormente traduzido e validado para o português do Brasil por Rospendowiski(²³). O cálculo do alpha de Cronbach não foi realizado antes de se iniciar o estudo, por reconhecer-se que o valor seria útil na validação da escala e nos cálculos de seus parâmetros psicométricos. Assim, assumiu-se a validação previamente realizada. Além do instrumento, foram incluídas na pesquisa questões fechadas de múltipla escolha acerca dos recursos utilizados para atualização de conhecimentos, hábitos de leitura e conhecimento de línguas estrangeiras dos estudantes, pois são competências importantes para a implementação da PBE, além de contribuir para a interpretação dos resultados.

Análise e Tratamento dos Dados

Para análise dos dados, utilizou-se o programa de análise estatística R 4.0.2. Foram obtidas as frequências das variáveis categóricas (gênero e ano do curso), média e mediana das variáveis contínuas (idade) para análise univariada. Para análise bivariada foram realizados os testes de Kruskal-Wallis, Wilcoxon-Mann-Whitney e teste t para variáveis categóricas, e utilizou-se o modelo ANOVA um fator. Em relação à variável idade, obteve-se o coeficiente de correlação de Pearson. Foi adotado nível de confiança de 95%.

Aspectos Éticos

A composição da amostra ocorreu por conveniência, ou seja, incluíram-se estudantes que concordaram em participar da pesquisa. O questionário foi enviado para 297 estudantes por meio da Secretaria do Serviço de Graduação da EEUSP, após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EEUSP sob o parecer 3.723.978/19.

RESULTADOS

Participaram da pesquisa 125 estudantes (42,09%). A caracterização dos estudantes é apresentada na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização dos estudantes de graduação em Enfermagem da EEUSP participantes da pesquisa – São Paulo, SP, Brasil, 2020.

Variável	N (%)		IC** 95%
Ano no curso *
1º	28 (24,40)		15,98–30,47
2º	35 (28,00)		20,88–36,44
3º	37 (29,60)		22,30–38,11
4º	25 (20,00)		13,93–27,86
Gênero
Feminino	99 (79,20)		71,27–85,39
Masculino	26 (20,80)		14,61–28,73
Conhece a PBE
Sim	104 (83,20)		75,68–88,74
Não	21 (16,80)		11,26–24,32
	Média(DP *** )	Mediana	IC * 95%
Idade	23,07 (3,35)	22,61	22,59–23,84

• *O curso de bacharelado em Enfermagem da EEUSP tem duração de quatro anos, oferecido em período integral, com carga horária total de 4170 horas.
• *IC = Intervalo de Confiança.
• **DP = Desvio Padrão.

A Tabela 2 descreve os escores do EBPQ por domínio na amostra estudada. O escore total foi de 4,73 (DP = 0,79), com um intervalo de confiança entre 4,59 e 4,87. O Domínio Atitudes relacionadas à PBE apresentou a maior pontuação média, de 5,33 (DP = 0,75), seguido do Domínio Prática da Enfermagem Baseada em Evidências, 4,76 (DP = 1,15), e do Domínio Conhecimentos e habilidades associados à PBE, 4,55 (DP = 0,86). Observa-se aumento gradual do escore do EBPQ conforme os anos de graduação, com a pontuação total média do primeiro ano de 4,31 (DP = 0,83), segundo ano de 4,65 (DP = 0,84), terceiro ano de 4,77 (DP = 0,64) e quarto ano de 5,25 (DP = 0,58). A Tabela 3 descreve os escores do EBPQ por item individualmente.

Tabela 2
Pontuação total e comparação entre os escores dos domínios por ano – São Paulo, SP, Brasil, 2020.

Domínios	Total		1º Ano		2º Ano		3º Ano		4º Ano
	Média (DP**)	IC* 95%	Média (DP)	IC 95%	Média (DP)	IC 95%	Média (DP)	IC 95%	Média (DP)	IC 95%
Prática da enfermagem baseada em evidências	4,76 (1,15)	4,55–4,95	4,24 (1,49)	3,62–4,72	4,77 (1,13)	4,36–5,10	4,86 (0,84)	4,57–5,11	5,21 (0,99)	4,76–5,53
Atitudes relacionadas à PBE	5,33 (0,75)	5,20–5,46	5,21 (0,79)	4,90–5,51	5,30 (0,75)	5,04–5,56	5,26 (0,69)	5,03–5,50	5,60 (0,74)	5,30–5,91
Conhecimentos e habilidades associados à PBE	4,55 (0,86)	4,39–4,70	4,09 (0,86)	3,76–4,42	4,41 (0,94)	4,09–4,74	4,60 (0,68)	4,37–4,82	5,16 (0,63)	4,90–5,42
EBPQ total	4,73 (0,79)	4,59–4,87	4,31 (0,83)	3,99–4,64	4,65 (0,84)	4,36–4,94	4,77 (0,64)	4,56–4,99	5,25 (0,58)	5,01–5,49

• *IC = Intervalo de Confiança; **DP = Desvio Padrão.

Tabela 3
Pontuação do instrumento por item – São Paulo, SP, Brasil, 2020.

Domínios	Média (DP)	IC * 95%
Prática da enfermagem baseada em evidências
1. Formulou uma pergunta claramente respondível	4.65 (1,49)	4,37–4,90
2. Buscou as evidências relevantes	5.14 (1,52)	4,85–5,38
3. Avaliou criticamente, com base nos critérios definidos	4.02 (1,68)	3,72–4,31
4. Integrou a evidência	5.26 (1,54)	4,98–5,52
5. Avaliou os resultados da sua prática	4.69 (1,63)	4,39–4,96
6. Compartilhou essa informação com colegas	4.76 (1,62)	4,47–5,03
Atitudes relacionadas à PBE
7. Defino um tempo para me manter atualizado	3.90 (1,47)	3,64–4,16
8. Sou aberto a questionamentos da minha prática	5.61 (1,26)	5,38–5,82
9. PBE é fundamental para a prática profissional	6.66 (0,73)	6,51–6,77
10. Mantenho métodos testados e confiáveis	5.06 (1,39)	4,80–5,29
Conhecimentos e habilidades associados à PBE
11. Habilidades em pesquisa	4.50 (1,18)	4,29–4,70
12. Habilidades em informática	4.81 (1,44)	4,55–5,05
13. Habilidades de monitoramento e revisão das práticas	3.98 (1,35)	3,74–4,21
14. Converter suas necessidades de informação em uma questão	4.26 (1,43)	4,01–4,51
15. Conhecimento dos principais tipos e fontes de informação	4.28 (1,29)	4,05–4,50
16. Capacidade para identificar lacunas na prática profissional	4.58 (1,33)	4,34–4,81
17. Conhecimento sobre como levantar evidências	4.06 (1,39)	3,82–4,30
18. Capacidade de analisar criticamente as evidências	4.34 (1,33)	4,10–4,56
19. Capacidade de determinar quão válido é o material	4.38 (1,38)	4,14–4,62
20. Capacidade de determinar quão aplicável é o material	4.22 (1,37)	3,97–4,45
21. Capacidade de aplicar o conhecimento a casos individuais	4.50 (1,32)	4,26–4,72
22. Compartilhar ideias e conhecimento com colegas	5.01 (1,29)	4,78–5,23
23. Disseminar novas ideias entre colegas	5.08 (1,33)	4,84–5,30
24. Capacidade de rever a própria prática	5.38 (1,20)	5,16–5,58

• *IC = Intervalo de Confiança.

Comparando a distribuição dos valores dos domínios entre os quatro anos da graduação, observa-se diferença estatística na pontuação total, com um valor de p < 0.001, assim como o Domínio Prática da Enfermagem Baseada em Evidências (valor de p = 0,044) e Conhecimentos e habilidades associados à PBE (valor de p < 0,001). O Domínio Atitudes relacionadas à PBE possui um valor de p = 0,223, que demonstra não ter distribuição de valores estatisticamente diferentes. A análise revelou que o gênero não prediz pontuação no questionário (valor de p = 0,966). Em relação à idade dos estudantes, o Domínio Conhecimentos e habilidades e a pontuação total apresentaram valor de p significativo, porém um coeficiente de correlação (r) desprezível (0,243 e 0,221, respectivamente), conforme Tabela 4.

Tabela 4
Preditores da PBE e medidas descritivas – São Paulo, SP, Brasil, 2020.

Domínios	Prática da enfermagem baseada em evidências	Atitudes relacionadas à PBE	Conhecimentos e habilidades associados à PBE	Total
Ano (Média e DP) *
1º	4,24 (1,49)	5,21 (0,79)	4,09 (0,86)	4,31 (0,83)
2º	4,77 (1,13)	5,30 (0,75)	4,41 (0,94)	4,65 (0,84)
3º	4,86 (0,84)	5,26 (0,69)	4,60 (0,68)	4,77 (0,64)
4º	5,21 (0,99)	5,60 (0,74)	5,16 (0,63)	5,25 (0,58)
Valor-p	0,044	0,223	<0.001	<0.001
Gênero (Média e DP) **
Feminino	4,74 (1,21)	5,31 (0,73)	4,56 (0,87)	4,73 (0,81)
Masculino	4,86 (0,90)	5,39 (0,82)	4,48 (0,86)	4,72 (0,75)
Valor-p	0,944	0,666	0,657	0,966
Idade ***
r	0,149	0,075	0,243	0,221
Valor-p	0,103	0,416	0,007	0,015

• *Modelo ANOVA um fator, exceto Teste de Kruskal-Wallis para Domínio Prática.
• **Teste t, exceto teste Wilcoxon-Mann-Whitney para Domínio Prática.
• ***Análise de correlação de Pearson.

A Tabela 5 descreve os recursos utilizados pelos estudantes para atualização de conhecimentos, a frequência dos hábitos de leitura e o nível de conhecimento em línguas estrangeiras, em números absolutos.

Tabela 5
Recursos utilizados para atualização de conhecimentos, hábitos de leitura e conhecimento de línguas estrangeiras dos estudantes – São Paulo, SP, Brasil, 2020.

Recursos utilizados para atualização de conhecimentos
Variável	Revista científica/artigos científicos	Manuais e recomendações do ministério da saúde	Livros acadêmicos	Participação em congressos/seminários/simpósio	Revisões sistemáticas
Respostas	103	99	92	79	39
Porcentagem	82,40	79,20	73,60	63,20	31,20
Hábitos de leitura
Variável	Livros acadêmicos	Livros não acadêmicos	Revistas científicas	Revistas gerais	Notícias
Frequentemente	65	59	30	9	83
Raramente	57	60	62	57	40
Nunca	3	6	33	59	2
Nível de conhecimento em línguas estrangeiras
Variável	Inglês	Espanhol	Francês	Alemão
Avançado	38	4	0	0
Intermediário	53	25	2	2
Básico	32	69	15	7
Sem conhecimento	2	27	108	116

DISCUSSÃO

A PBE é fundamentada na construção de um conhecimento que permite a busca de informações acuradas. Na Enfermagem, é essencial para o exercício de um cuidado alicerçado nas melhores evidências disponíveis. Assim, este estudo reforça a importância de entender como os estudantes de enfermagem avaliam seus conhecimentos, habilidades e atitudes sobre a PBE, a fim de contribuir para direcionar a prática do ensino na formação inicial do enfermeiro.

Os resultados do questionário mostram a maior percepção da PBE conforme os estudantes avançam nos anos da graduação. Não há muitos estudos na literatura envolvendo a aplicação do EBPQ em estudantes de graduação. A pontuação do questionário observada na amostra (4,73 pontos), pontuado numa escala de um a sete, foi semelhante ao resultado de um estudo com estudantes de enfermagem (4,69 pontos)(²¹) e ao de enfermeiros formados, sem curso de pós-graduação (4,64 pontos)(²³). Estudos mostram que maiores níveis educacionais e de preparação acadêmica resultam em pontuações mais elevadas, especialmente em relação a enfermeiros com mestrado ou doutorado(²³–²⁶).

Na graduação em Enfermagem da EEUSP, o envolvimento dos acadêmicos em atividades de pesquisa, por meio de projetos de iniciação científica e participação em grupos de pesquisa, lhes possibilita maior preparo para o consumo de pesquisas. No entanto, é preciso investir no ensino de disciplinas com aporte de bibliografias com sínteses de evidências e em atividades em campos de prática baseadas nas melhores evidências disponíveis, que são de vital importância para o avanço da PBE na formação inicial dos enfermeiros. Essa formação os instrumentaliza e os direciona para serem enfermeiros consumidores e implementadores da PBE.

Na pontuação obtida nos domínios analisados, relativa a prática (4,76 pontos), atitudes (5,33 pontos) e conhecimentos e habilidades (4,55 pontos), os estudantes tiveram maior pontuação no domínio atitudes relacionadas à PBE, ou seja, as atitudes individuais, incluindo a percepção de barreiras e o julgamento pessoal sobre o valor da PBE, o que foi corroborado em outros estudos(²³–²⁴), indicando nos estudantes predisposição e aceitabilidade da PBE no processo de cuidar. Entende-se que a disposição para considerar as melhores práticas deve ocorrer desde o início da graduação, cabendo à Universidade proporcionar esse primeiro contato com o tema e com a necessidade de fornecer cuidados adequados aos usuários de saúde que sejam baseados nas melhores evidências disponíveis. Para tanto, a integração da PBE no currículo é fortemente recomendada desde o início da carreira(⁵,²¹). O entendimento do valor da PBE é importante para o avanço da aprendizagem do estudante(⁷), o que deve ser abordado no processo educativo, incluindo conhecimentos, habilidades e atitudes da temática já na graduação.

Os estudantes tiveram menor pontuação no domínio conhecimentos e habilidades, o qual compreende os conhecimentos em pesquisa e informática, habilidades para interpretar a literatura e aplicá-la a casos individuais, fundamentais para a PBE. Os resultados evidenciam uma lacuna em tais competências e divergem de outros estudos(²¹,²⁶). O processo da PBE inicia-se com o pensamento crítico, o qual é desenvolvido ao longo do tempo e decorre de todo conteúdo teórico e prático adquirido na graduação(²⁷). Em um estudo conduzido numa escola de enfermagem de Seul, Coreia do Sul, verificou-se uma correlação significativa entre a alta pontuação no EBPQ e a disposição para pensamento crítico (Critical Thinking Disposition), sendo esse o fator de influência mais forte, reforçando a necessidade da integração de estratégias no ensino que promovam o pensamento crítico para a melhora da PBE(²¹).

As primeiras etapas do processo da PBE exigem dos estudantes a busca pelas evidências e sua interpretação, entendendo-as como competências do nível de bacharelado. Dentre os recursos mais citados pelos estudantes para a atualização de informações acadêmicas, revistas e artigos científicos apareceram com maior frequência, representando 82,40%. Porém, observa-se um número de respostas próximo aos demais recursos, como manuais e recomendações do Ministério da Saúde e livros acadêmicos, recursos esses não menos importantes, que direcionam as diretrizes de prática clínica assistencial e são de uso constante.

A EEUSP é uma Instituição que integra ensino, pesquisa e extensão, o que justifica tal achado, embora fosse esperado que houvesse maior consumo de artigos científicos e de revisões sistemáticas, que sintetizam as melhores evidências, uma vez que a EEUSP é sede do Centro Brasileiro para o Cuidado à Saúde Baseado em Evidências: Centro de Excelência do JBI (JBI Brasil), em parceria com o Hospital Universitário da USP (hospital privilegiado na formação dos estudantes) e a Universidade de Adelaide, Austrália(²⁸).

A busca significativa por informações disponibilizadas pelo Ministério da Saúde (79,20%) também foi citada em um estudo com profissionais da atenção primária à saúde, no qual a busca por tais evidências científicas pode estar relacionada à facilidade de pesquisa e ao rigoroso processo da PBE(²⁹). Portanto, a busca por evidências científicas pelos estudantes precisa ser mais bem ensinada, o que exige maiores investimentos da EEUSP.

Estudo(²¹) aponta que as gerações familiarizadas com a tecnologia da informação terão uma vantagem na PBE, dada a sua importância para tais práticas. No entanto, o conhecimento em pesquisa e informática não garante o encontro da melhor evidência disponível e a sua avaliação crítica, pois as evidências ainda podem ser difíceis de encontrar e entender(³⁰), bem como de serem colocadas em prática de modo correto e acurado.

Em uma revisão integrativa sobre as competências e barreiras para a PBE na enfermagem entre enfermeiros assistenciais no contexto hospitalar, identificou-se que as dificuldades e obstáculos na implementação da PBE estavam relacionadas ao desconhecimento sobre como identificar as melhores evidências científicas, à compreensão dos resultados de pesquisas e sua aplicação na prática(³¹). Os resultados desta pesquisa corroboram tal estudo, visto que as perguntas com as menores pontuações compreendem a busca, avaliação crítica e aplicação das evidências. Se por um lado é necessário que os estudantes sejam capazes de avaliar, sistematizar e buscar por condutas mais adequadas, por outro, autores(³⁰) reforçam a importância não somente da busca de sínteses de evidências obtidas por meio de revisões sistemáticas, resumo de evidências e diretrizes, como também da transferência de evidências, que se faz por intermédio da educação, da disseminação ativa e integração de evidências em sistemas de informação.

O inglês e o espanhol foram as línguas de maior nível de conhecimento entre os estudantes, com o inglês citado em proporção maior que o espanhol. O conhecimento de línguas estrangeiras, especificamente o inglês, é um componente essencial na difusão de materiais, visto que, na área da saúde, a literatura encontra-se majoritariamente em inglês(²⁹). O desconhecimento dessas línguas apresenta-se como uma importante barreira ao consumo das produções científicas em enfermagem.

As últimas etapas do processo da PBE envolvem a integração das evidências encontradas com o conhecimento tácito do enfermeiro, ou seja, o conhecimento acumulado de suas experiências(²). Analisando os domínios prática, atitudes, conhecimentos e habilidades e os preditores ano do curso, gênero e idade, os dados obtidos mostram que estudantes do último ano possuem maior pontuação no domínio conhecimentos e habilidades e no domínio práticas, o que é esperado, tendo em vista que ao longo do curso os estudantes da EEUSP vão adquirindo conhecimentos da profissão, tendo a prática como eixo estruturante de uma ação deliberada da ação de cuidado, conforme princípios explicitados no Projeto Político-Pedagógico do curso(³²). A inserção dos estudantes nos cenários de prática ocorre desde o primeiro semestre, permitindo a troca do saber acadêmico com o tácito e a aproximação com a realidade local(³²), o que oferece ao estudante novas percepções e práticas para compreender o contexto, as preferências dos usuários dos serviços, a expertise do profissional e a melhor evidência disponível, que são pilares da PBE.

Em relação ao domínio práticas, o qual questiona a frequência do uso de cada passo ou etapa da PBE, a correlação entre a pontuação do EBPQ com a prática identificada neste estudo não foi observada em outras pesquisas com estudantes(²¹) e profissionais(²⁵,³³). Entende-se que a divergência dessa correlação nos achados decorre da iniciativa do estudante em aplicar os seus conhecimentos e habilidades na prática da PBE. A articulação entre teoria e prática no cenário da prática envolve uma realidade complexa “com todas suas tensões, contradições e imprevisibilidade de situações decorrentes da interação entre os sujeitos envolvidos nesse processo”(³⁴), podendo potencializar ou não o processo de aprendizagem. Nesse processo, o estudante, como sujeito do processo ensino-aprendizagem(³²), tem na mediação de professores, enfermeiros, profissionais da saúde, de modo geral, e na interação com esses e com os usuários dos serviços de saúde, nos diferentes contextos em que o ensino se efetiva, os elementos fundamentais para integrar conhecimentos, habilidades e atitudes na direção de uma prática que seja de fato baseada em evidências, articulada às experiências vividas no processo educativo.

Diante da lacuna nos conhecimentos e habilidades observada nos estudantes, evidenciada pela baixa pontuação no domínio e da dificuldade dos estudantes na busca e interpretação das evidências científicas, a educação universitária precisa tomar para si o importante papel do ensino e da aprendizagem da PBE. A universidade é desafiada, portanto, a integrar a PBE no ensino e no cuidado efetivado nos campos de prática e a incorporá-la culturalmente, de modo a promover os conhecimentos e habilidades na formação dos estudantes.

As limitações do presente estudo incluem o baixo número de respostas dos estudantes, o extenso período de coleta dos dados e um único cenário, o que impede a generalização dos resultados, sobretudo quanto às diferenças observadas nas subamostras, sendo necessário desenvolvimento de estudo com delineamento longitudinal. Outra limitação consistiu no uso do EBPQ, que foi desenvolvido para profissionais já inseridos no cenário de prática. Tendo em vista que esse questionário tem uma versão para estudantes na língua inglesa, recomenda-se sua tradução e validação para o português do Brasil.

CONCLUSÃO

Este estudo demonstrou que os estudantes de graduação da EEUSP apresentaram predisposição e aceitabilidade para a PBE no processo de cuidar, com maiores escores em conhecimentos, habilidades e atitudes da PBE conforme avançam nos anos da graduação. As menores pontuações do questionário foram obtidas no domínio conhecimentos e habilidades, envolvendo a busca e interpretação de evidências científicas, o qual foi identificado como o maior obstáculo à implementação da PBE entre os estudantes. Recomenda-se que os docentes busquem estratégias efetivas para o ensino da PBE na graduação em Enfermagem, de modo a contribuir para a redução da lacuna entre o conhecimento produzido e a implementação das melhores práticas baseadas em evidências científicas, visando à melhoria do cuidado prestado e da saúde da população.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  01 Set 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  30 Set 2020
• Aceito
  09 Abr 2021