Estágio curricular supervisionado em enfermagem na pandemia Covid-19: experiência no programa Brasil Conta Comigo

RESUMO

Objetivo:

Relatar a experiência do estágio curricular supervisionado em enfermagem no programa “O Brasil Conta Comigo” realizado na pandemia da Covid-19.

Método:

Relato de experiência sobre as atividades desenvolvidas na Atenção Primária à Saúde em um município da região sul do estado de Goiás durante a pandemia da Covid-19, no período de abril a novembro de 2020.

Resultados:

A inserção no programa governamental possibilitou o fortalecimento do papel ativo da estudante no processo de ensino-aprendizagem e a aproximação ensino-serviço tendo a estudante como elo, o que resultou na implementação de ações para o enfrentamento da pandemia no município, tais como elaboração, implementação e avaliação do fluxograma de atendimento às pessoas com suspeita de Covid-19.

Conclusão:

A experiência vivenciada foi exitosa, pois consolidou saberes como a liderança e a autonomia, integração entre teoria e prática, pensamento crítico e resolução de problemas baseada em evidências. A participação no programa possibilitou contribuições na assistência e gestão nas ações de combate ao novo coronavírus no âmbito da atenção primária, além de contribuir com a formação da estudante preceptorada por enfermeiros no campo e supervisionada por professores da universidade federal de origem.

DESCRITORES
Atenção Primária à Saúde; Infecções por Coronavírus; Enfermagem; Programas Governamentais

ABSTRACT

Objective:

To report the experience of the nursing supervised curricular internship in the program “O Brasil Conta Comigo” carried out in the Covid-19 pandemic.

Method:

Experience report of activities developed in Primary Health Care in a municipality in the southern region of the state of Goiás during the Covid-19 pandemic, from April to November 2020.

Results:

The inclusion in the government program allowed the strengthening of the student’s active role in the teaching-learning process and teaching-service approximation, with the student as the point of connection, which resulted in the implementation of actions for the fight against the pandemic in the municipality, such as elaboration, implementation, and evaluation of the service flowchart for people with suspected Covid-19.

Conclusion:

The experience was successful, as it consolidated knowledge regarding leadership and autonomy, integration between theory and practice, critical thinking, and evidence-based problem solving. The participation in the program allowed for contributions to assistance and management in the actions to combat the new coronavirus in the scope of primary care, as well as for the contribution to the training of the student tutored by nurses in the field and supervised by professors from the federal university of origin.

DESCRIPTORS
Primary Health Care; Coronavirus Infections; Nursing; Government Programs

RESUMEN

Objetivo:

relatar la experiencia de la pasantía curricular supervisada en enfermería en el programa “O Brasil Conta Comigo” realizado en la pandemia de Covid-19.

Método:

relato de experiencia sobre las actividades desarrolladas en Atención Primaria de Salud en un municipio de la región sur del estado de Goiás durante la pandemia de Covid-19, de abril a noviembre de 2020.

Resultados:

La inclusión en el programa de gobierno posibilitó el fortalecimiento del rol activo de la alumna en el proceso de enseñanza-aprendizaje y la aproximación enseñanza-servicio ya que logró tener la alumna como vínculo, lo que resultó en la implementación de acciones de enfrentamiento de la pandemia en el municipio, tales como la elaboración, implementación y evaluación del flujograma de servicios para personas con sospecha de Covid-19.

Conclusión:

La experiencia vivida fue exitosa, ya que consolidó conocimientos como liderazgo y autonomía, integración entre teoría y práctica, pensamiento crítico y resolución de problemas basada en evidencias. La participación en el programa posibilitó contribuciones para la asistencia y gestión de las acciones de combate al nuevo coronavirus en el ámbito de la atención primaria, así como la contribución en la formación de la alumna tutelada por enfermeros en el campo y supervisada por profesores de la Universidad Federal de origen.

DESCRIPTORES
Atención Primaria de Salud; Infecciones por Coronavirus; Enfermería; Programas de Gobierno

INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2019 iniciou-se a propagação do vírus SARS-CoV-2, causador da atual pandemia Covid-19. Desde então, muitos têm sido os desafios mundiais em relação à quebra da cadeia de transmissão e vigilância da doença, como: manutenção das medidas de prevenção, testagem da população, manejo clínico dos casos em diferentes níveis de gravidade e gestão de leitos, principalmente no que se refere ao cuidado intensivo em que a demanda supera o ofertado(¹–³).

No âmbito nacional, em resposta à diligência por atendimento em saúde a partir da disseminação local do vírus, os estados têm implementado estratégias como hospitais de campanha, contratação de novos profissionais e capacitação da equipe multiprofissional, com importante papel das universidades públicas brasileiras e serviços de saúde de referência(⁴–⁵).

Para fomentar os novos saberes e auxiliar na condução do agravo pelas equipes de saúde, destaca-se a importância da elaboração de documentos como o Protocolo de Manejo Clínico do Coronavírus (Covid-19) na Atenção Primária à Saúde (APS)(⁶), suas atualizações e demais documentos que foram intensamente publicados pelo Ministério da Saúde (MS) e outros órgãos competentes, a partir das evidências produzidas com grande agilidade por toda a comunidade acadêmica mundial.

Uma estratégia adotada no Brasil e em outros países(⁷) foi o chamamento de estudantes da área da saúde(⁵) ou a antecipação da colação de grau para aqueles em níveis mais avançados de formação(⁸), contribuindo com a disponibilização de mais profissionais para atender à demanda trazida com a Covid-19.

Nesse contexto, destaca-se o Edital nº 4, de 31 de março de 2020(⁵), com a Ação Estratégica denominada “O Brasil Conta Comigo” (BCC) como estímulo aos estudantes de último ano dos cursos de Enfermagem, Medicina, Fisioterapia e Farmácia a incorporarem a linha de frente na assistência à saúde.

A participação dos alunos de universidades públicas federais que se encaixavam nos critérios acima foi organizada por meio do próprio MS a partir de um cadastro que os conectava com os serviços de saúde que, igualmente, via sistema informatizado, sinalizavam o desejo de recebê-los em suas dependências(⁵).

Cabe ressaltar que o edital não incluía as universidades como tendo um papel específico no programa, exceto a vinculação do estudante e a análise curricular de aproveitamento de horas ou créditos acadêmicos, seguindo o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) e tendo como guia as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)(⁵).

A Faculdade de Enfermagem à qual a estudante estava vinculada no momento da convocação do BCC decidiu manter o acompanhamento adaptando o modelo regular de estágio supervisionado da instituição, designando professores supervisores para acompanhar a realização das atividades na modalidade remota. Tal decisão foi tomada a partir da análise do contexto epidemiológico do estado e da cidade em que seria cumprido o programa, da matriz curricular e normativas vigentes.

Assim, o presente artigo teve como objetivo relatar a experiência do desenvolvimento de estágio curricular supervisionado em enfermagem na Atenção Primária à Saúde, no contexto da pandemia da Covid-19, por meio do programa “O Brasil Conta Comigo”.

MÉTODO

Tipo do Estudo

Relato de experiência sobre as ações desenvolvidas em uma unidade de APS.

Cenário

Unidade de Atenção Primária à Saúde do interior do estado de Goiás no combate ao novo coronavírus, durante o estágio supervisionado de enfermagem, inserido no programa “O Brasil Conta Comigo”, no período de 27 de abril a 9 de novembro de 2020.

O estágio foi realizado em um município da região sul do estado que possui 51 serviços de saúde, sendo 24 públicos e da esfera municipal. Destes, 22 são unidades de saúde organizadas pela Estratégia da Saúde da Família (ESF).

A ESF onde foi vivenciada a prática abrange três bairros da cidade com população adstrita de 4.000 pessoas. Realiza atendimentos à população de forma geral em todo o ciclo de vida, de neonatos a idosos, perpassando atividades comuns às Unidades Básicas de Saúde da ESF, no contexto das políticas nacionais de saúde e linhas de cuidado.

População

A população do estudo foi constituída pela estudante que vivenciou a experiência, bem como pelos docentes que acompanharam o estágio, além dos profissionais da própria unidade de saúde e os usuários do serviço.

Coleta de Dados

Com a pandemia foram necessárias alterações na rotina da instituição visando à inclusão das atividades para manejo e controle da Covid-19. Incorporou-se a rotina de teleatendimentos de medicina e de enfermagem para acompanhamento de casos suspeitos e/ou confirmados, triagem rápida de casos suspeitos na unidade e adesão ao programa “O Brasil Conta Comigo” pela enfermeira, realizado via portal eletrônico do MS, permitindo a inserção do campo para estágio supervisionado em enfermagem.

O estágio teve todo o suporte da universidade com acompanhamento de docentes orientadores, por meio de reuniões periódicas, com discussão das necessidades, avaliação do material elaborado, bem como esclarecimentos de dúvidas. Para o desenvolvimento das atividades do estágio foi utilizada a metodologia PDSA, que se baseia em: planejar, fazer, estudar e agir, objetivando aprimorar qualidades de sistemas(⁹).

Em conjunto com a preceptora e docentes orientadoras foi definido como problema prioritário a elaboração de fluxo e consequente planejamento para sua implementação para pacientes suspeitos e confirmados para Covid-19 na unidade de saúde.

A avaliação do fluxograma elaborado foi realizada de modo constante pela equipe multiprofissional da unidade e modificada à medida que novas evidências norteavam a atualização dos processos de trabalho e de cuidado.

AnáliseeTratamento dos Dados

Os dados a seguir são apresentados de forma descritiva e discutidos de acordo com os referenciais da OMS, artigos publicados e os seguintes documentos nacionais: Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) datada de 2017, Protocolo de Manejo Clínico do Coronavírus (Covid-19) na Atenção Primária à Saúde e Orientações para Manejo de Pacientes com Covid-19, ambos de 2020.

Aspectos Éticos

Trata-se de um relato de experiência profissional no qual foram respeitados todos os aspectos éticos relacionados à pesquisa.

RESULTADOS

Para analisar a experiência da estudante no BCC quanto aos desafios e contribuições, é preciso que o relato contemple a perspectiva do que o programa representou, tanto para a unidade de saúde quanto para a formação em enfermagem, sob o ponto de vista da estudante e das professoras supervisoras.

Cabe destacar que a rotina de atendimentos no serviço de saúde não se limitou às ações de combate à pandemia, o que possibilitou à estudante atuar promovendo consultas de enfermagem de vigilância do crescimento e desenvolvimento infantil, pré-natal, puerpério, acompanhamento e manejo clínico de pacientes em diferentes linhas de cuidado atendidas na rede do SUS, atuação em sala de imunização, entre outras.

As atividades realizadas em parceria com a equipe de saúde tiveram preceptoria de uma enfermeira e supervisão de professoras de sua universidade de origem, por meio de reuniões virtuais e orientações de estudos, nas quais foram definidos os objetivos de aprendizagem, o plano de atividades durante o período e avaliação dos resultados obtidos com a experiência.

No primeiro mês foi possível concretizar a elaboração de um fluxograma para atendimento de pacientes que apresentassem sinais e/ou sintomas gripais, ou de síndrome aguda respiratória grave (Figura 1). O fluxograma foi elaborado em consonância com a literatura científica e protocolos do MS, corroborando a resolução de problemas baseados na evidência científica; antecedendo sua implantação na unidade de saúde, foi aprovado pela orientadora, preceptora e pelos profissionais da unidade, reforçando a interação ensino-serviço.

Figura 1.
Fluxograma para atendimento de pacientes suspeitos e/ou confirmados de SG, SRAG e/ou Covid-19.

Foram necessárias adaptações de uso da estrutura física da unidade para implantar o fluxograma. Visando a possibilitar uma sala de isolamento para paciente suspeito ou confirmado, a unidade deixou de realizar curativos no período, redirecionando-os para unidade de especialidades do município. Desse modo, a sala inicialmente designada para esse fim tornou-se uma sala de isolamento, consulta e manejo conforme protocolo, evitando exposição de outras pessoas na unidade.

Para implantação ágil do fluxograma, dadas as demandas urgentes advindas com a piora do quadro epidemiológico no Brasil, ele foi apresentado e discutido junto com a equipe. A estagiária preparou e conduziu uma aula expositiva e dialogada, como estratégia da educação permanente, explanando a fisiopatologia da doença, modos de contágio por SARS-CoV-2 e comportamentos de proteção (dentro e fora da unidade de saúde), bem como sinais e sintomas sugestivos de Covid-19 para rápido isolamento, confirmação diagnóstica, manejo clínico e acompanhamento.

Portanto, com a equipe esclarecida e alinhada quanto aos procedimentos e às adequações de uso do espaço físico realizadas, o fluxograma foi incorporado às ações da unidade. Todas as etapas da assistência ao paciente foram sistematicamente registradas em prontuário físico arquivado em pastas com fácil identificação para que a organização dos prontuários fosse mantida, mesmo com o iminente aumento de atendimentos esperados com a curva crescente de novos casos. Como parte da rotina diária, todas as pastas e arquivo passavam por limpeza e desinfecção, estando armazenados em materiais passíveis desses procedimentos.

As intervenções propiciaram atendimento mais dinâmico, seguro e consequentemente com menor tempo de permanência do paciente na unidade, influenciando diretamente na cadeia de transmissão do vírus SARS-CoV-2 e diminuindo o risco de contaminação dentro da unidade.

Todas as intervenções relacionadas ao enfrentamento da Covid-19 foram amplamente divulgadas no município e a unidade tornou-se modelo de fluxo para outros serviços de saúde. Cabe destacar que o fluxograma foi constantemente avaliado e ajustado conforme novas informações sobre o novo coronavírus e as medidas de biossegurança, reforçando a segurança do paciente e da equipe multiprofissional.

Há de se ressaltar a implantação do telemonitoramento na instituição, o qual foi incorporado no fluxograma, sendo realizado pela estudante, sob responsabilidade da enfermeira e da médica da unidade da ESF, assim como o acompanhamento dos docentes orientadores.

Além das contribuições para a unidade ESF, que se fortaleceu com a aproximação com a universidade por meio da estagiária e sua atuação direta na assistência e gestão de prevenção e manejo não apenas da Covid-19, mas de todas as atividades da APS, é importante discutir os avanços percebidos na formação da estudante.

Oportunizou-se a vivência da assistência e da gestão de unidade da APS, gestão de conflitos e de pessoas, esta última com enfoque na liderança da equipe de ACS. À estudante foi possível experienciar a dinâmica de trabalho da equipe multiprofissional de forma mais intensa e analisar a influência direta na qualidade do atendimento ao paciente e na integralidade da assistência quando vários profissionais de saúde contribuem, o que inclusive trouxe avanços na percepção do escopo de atuação de cada membro.

Em todas as atividades desenvolvidas, coube à estagiária a busca de elementos teórico-científicos que qualificassem sua prática e auxiliassem na interpretação dos processos de trabalho na APS, considerando as redes de atenção à saúde e as linhas de cuidado, na interface com as políticas. Tornou-se um importante elo entre a universidade e os profissionais de saúde do interior do estado que, mesmo em cidades diferentes, possibilitou o fortalecimento da articulação teórico-prática.

Destarte, a estudante percebeu em si própria o avanço no pensamento crítico e reflexivo, desenvoltura de comunicação para estabelecer vínculo com a equipe e famílias atendidas, assim como impacto positivo no contexto de controle da pandemia a partir do estudo de protocolos e materiais científicos, elaboração e avaliação do fluxograma, modificação da rotina para atender aos objetivos de biossegurança e papel ativo do início à manutenção dos novos processos de trabalho e protocolos de atendimento. Essa percepção foi corroborada pela avaliação formativa realizada pelas professoras supervisoras, consolidando a importância da integração teórico-prática e a resolução de problemas a partir de evidência científica.

Nota-se que os resultados foram muito positivos, potencialmente porque, apesar da não menção ao papel da universidade de origem no acompanhamento da estagiária durante o programa BCC, a Faculdade de Enfermagem manteve o papel de supervisão designando professoras para acompanhar o processo de formação da estudante e contribuir com a aproximação ensino-serviço.

A exclusão do papel da universidade nesse programa durante sua condução, para além da avaliação final de aproveitamento de créditos prevista no edital, foi uma fragilidade reconhecida a tempo pela Faculdade de Enfermagem, que manteve sua prática de orientação regular – reuniões periódicas (adaptadas para o modelo virtual), comunicação com a preceptoria, revisão de materiais produzidos e portfólio como estratégia de consolidação das aprendizagens.

Ademais, nas reuniões com a estudante, temas relacionados ao escopo de sua atuação como futura enfermeira, mas atualmente como estagiária, surgiram e demandaram reflexões e apoio a partir da lei do exercício profissional, ética em enfermagem e protocolos de assistência de enfermagem no estado. Assim, a atuação próxima das professoras, apesar da distância física, foi fundamental para a formação em enfermagem, articulação entre teoria e prática e aproximação entre ensino-serviço.

DISCUSSÃO

Como descrito na PNAB(¹⁰), a APS é porta de entrada do SUS, referência para a população quando não se trata de urgências e emergências, representando a longitudinalidade da assistência integral, mesmo que os atendimentos se deem em múltiplos serviços de saúde e níveis de atenção do sistema.

Com a pandemia, previu-se aumento da demanda de atendimentos tanto dos casos leves da Covid-19 quanto da recepção de casos com agravamento e necessidade de encaminhamentos na rede que se organizou de forma especial para responder ao contexto epidemiológico. Ainda, surgiu uma nova necessidade, que foi o acompanhamento sistemático por telemonitoramento de pacientes com suspeita ou confirmação dos casos, devidamente notificados no sistema de vigilância epidemiológica(⁴,⁶).

Discutiram-se muito as formas de conduzir atendimentos de forma ágil e segura, promovendo menos tempo de exposição das pessoas na unidade e garantia de proteção por meio de máscaras, disponibilidade de álcool em gel e papel toalha, recursos necessários para a segurança de pacientes e equipe, visando a diminuir a chance de transmitir o SARS-CoV2(⁶,¹¹–¹²).

Vários países no mundo adaptaram suas unidades para o manejo da Covid-19, em sua maioria por meio do atendimento ambulatorial, testes diagnósticos e telemonitoramento que, com auxílio da tecnologia e profissionais de saúde preparados, possibilitou acompanhar, encaminhar e sanar dúvidas dos pacientes(¹¹–¹⁷).

O diferencial do Brasil é a garantia da saúde como direito por meio do SUS gratuito e organizado de forma descentralizada, o que possibilitou ampliação do acesso sem aglomerações em grandes serviços de saúde(¹⁰). Não obstante, dificuldades também foram vivenciadas, e continuam sendo, como a escassez de recursos disponíveis em termos de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para os profissionais de saúde, a necessidade de mais profissionais de saúde atuantes, com destaque para a enfermagem, e poucos testes diagnósticos disponíveis para a população.

Na unidade em questão, houve significativa dificuldade para operacionalizar os protocolos e medidas de biossegurança devido à fragilidades na estrutura física existente, além dos poucos dispositivos tecnológicos na unidade e não domínio de seu uso (computadores e sistemas de informação), reforçando a necessidade de fortalecer a saúde digital em todo o SUS(⁴), com ênfase para a APS que concentra a maior parte dos atendimentos(¹⁰).

Nesse sentido, a aplicação do fluxograma na rotina da unidade foi essencial para o desenvolvimento das ações que, para sua total operacionalização, teve como barreiras a dificuldade de espaço físico, falta de domínio de tecnologias pela equipe, carência de conhecimento sobre o SARS-Cov2 e informações inverídicas disseminadas pelas redes sociais. Porém, foi ao encontro da necessidade de a equipe estar capacitada e organizada para lidar com as demandas da pandemia, corroborando o desenvolvimento de estratégias para resolução de problemas baseados em evidências científicas(¹⁸) e com o uso de ferramentas da gestão em enfermagem e saúde(¹⁹).

A escassez de testes diagnósticos, bem como as diferentes acurácias – a depender do tipo de procedimento laboratorial, qualidade da coleta e tipo de amostra – foram fator dificultador das ações de controle não apenas na unidade de saúde em pauta, mas também nas unidades de todo o país(⁴,²⁰).

Apesar dos empecilhos, é fundamental destacar a capacidade de articulação e organização dos serviços de saúde, universidades públicas e órgãos competentes diante da adversidade apresentada. Ficou evidente o papel das instituições de ensino superior brasileiras na construção dos saberes e aplicação direta desses na sociedade, promovendo melhores práticas, bem como dos profissionais de saúde do SUS, que se adaptaram a uma nova realidade, reinventando sua forma de atuar para atender a população e mitigar os danos da pandemia.

Universidades envolveram-se com atividades diversas, como o conserto de ventiladores mecânicos, produção de EPI, composição das equipes de testagem em inquérito populacional, e também em iniciativas mais complexas de triagem, teste diagnóstico, consultas e telemonitoramento sistemático, preparo e oferta de cursos com máxima agilidade nas áreas de medidas de biossegurança, triagem e manejo clínico de suspeição de Covid-19 na APS, manejo clínico em UTI, entre outros(²¹–²²).

Nessas ações, os estudantes participaram ativamente junto com seus professores e vivenciaram a aprendizagem sustentada pela já referida resolução de problemas embasados na evidência científica, mediada pelos professores, que atuaram como facilitadores, fomentando o desenvolvimento do pensamento crítico e raciocínio clínico(²¹–²²). Semelhantemente a outras experiências com estágios na enfermagem(²³–²⁴), os resultados desse relato sugerem que a atuação dos professores no papel de facilitadores propicia a integração teoria-prática, favorecendo a transposição de conhecimentos obtidos pelos estudantes nas aulas teóricas para sua atuação na prática clínica e problematizando a realidade do serviço de saúde para o estudo em profundidade.

Foi possível por meio dessas ações, incluindo a experiência relatada neste estudo, aprimorar a capacidade de pensamento crítico e reflexivo, aplicar a teoria na prática e buscar a teoria por meio das necessidades que na prática se apresentam, exercer o cuidado humanizado, com vínculos de confiança com o paciente, família e equipe, além de valorizar a atuação interprofissional, atributos fundamentais para a formação em saúde(²⁵–²⁷).

O Programa “O Brasil Conta Comigo” como resposta do governo à pandemia resultou em alteração no campo de estágio em relação ao previsto em cronograma, mas que pela consolidação do PPC, que é pautado nas necessidades de saúde da população e contexto dos serviços de saúde, e pela atuação dos professores na supervisão e orientação da estudante em estágio, mesmo com distância geográfica, permitiu à estudante vivências ímpares na atuação da enfermagem diante da pandemia da Covid-19.

Reforça-se a necessidade de que os PPC dos cursos de graduação da Enfermagem, seguindo as DCN, sejam elaborados na perspectiva de formar profissionais para atender às demandas da população no SUS que sejam líderes que atuam com humanização, baseados em evidências e com habilidades de resolução de problemas a partir do pensamento crítico.

A formação por meio do BCC foi permeada nesse período por fragilidades e inseguranças, como o acesso aos EPI dependente dos recursos disponíveis nas unidades de saúde(²⁸) e o risco de sobrecarga dos preceptores ao terem que combinar suas ações diárias, que aumentaram com a pandemia, com a supervisão direta dos estudantes sem a presença do professor no local(²⁸). Esse acompanhamento pelas professoras durante as reuniões virtuais foi fundamental para apoio e orientações tanto pedagógicas como de segurança da estudante no processo.

O suporte da universidade é fundamental durante toda a formação do estudante, da mesma forma como foi realizado durante a vivência desta estudante no BCC, apesar da não inclusão do MS sobre o papel da instituição de ensino superior no decorrer das práticas assistenciais durante o programa.

No caso relatado, a universidade garantiu seguro-saúde durante toda a realização do estágio e acompanhamento pedagógico docente, experiência que possibilita reflexões sobre a conjuntura da saúde e da educação, em intrínseca relação, durante a pandemia de Covid-19 no Brasil norteada por ações governamentais e multissetoriais.

CONCLUSÃO

A pandemia de Covid-19 trouxe consigo diversas adaptações, não apenas nos serviços de saúde, mas na relação desses com as universidades e, ainda, com todas as instituições em uma perspectiva intersetorial.

No que cabe à estudante, a experiência da formação em enfermagem em meio à adesão ao programa “O Brasil Conta Comigo” resultou, apesar de adversidades, na consolidação de saberes como a liderança e a autonomia, integração entre teoria e prática, pensamento crítico e resolução de problemas baseada em evidências.

Para a unidade de saúde houve a contribuição com a manutenção de protocolos de rotina, mesmo em período pandêmico, e resposta rápida e embasada em evidências científicas para endereçar o novo desafio, reforçando a importância da atenção primária para a comunidade e o SUS.

O acesso à formulação e execução do fluxograma de assistência a casos suspeitos e confirmados de Covid-19 foi essencial para prevenção de infecção pelo SARS-CoV-2, além de fortalecer o vínculo entre equipe e estudante. Ademais, com a aplicação da educação permanente em saúde a equipe garantiu maior segurança para enfrentar os desafios da pandemia com suporte da universidade.

É válido ressaltar a importância da parceria entre MS e as Instituições de Ensino Superior, com a intenção de oferecer todo o respaldo necessário para estudantes e serviços de saúde, devendo ser regulamentada, o que não ocorreu no edital do programa BCC.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  10 Set 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  20 Jan 2021
• Aceito
  06 Maio 2021