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Agentes Comunitários de Saúde no cuidado com a saúde da criança: implicações para a educação permanente

RESUMO

Objetivo:

compreender as principais situações enfrentadas pelos agentes comunitários de saúde em relação à saúde da criança sob a ótica das ações de educação permanente.

Método:

trata-se de uma pesquisa com abordagem qualitativa, que utilizou o Arco de Maguerez. Participaram do estudo 10 agentes comunitários de saúde de uma Unidade de Atenção Primária à Saúde. Foram abordadas as etapas: observação da realidade; identificação dos pontos-chave e teorização. Os discursos foram gravados, transcritos e seu conteúdo textual foi processado no software IRAMUTEQ, utilizando-se a Classificação Hierárquica Descendente.

Resultados:

Formaram-se cinco classes, que compuseram três blocos temáticos nomeados da seguinte forma: vulnerabilidade social da criança no território; o manuseio da caderneta de saúde da criança e o calendário vacinal.

Conclusão:

O desvelar das situações que impactam no trabalho dos agentes comunitários de saúde são imprescindíveis para a educação permanente, por favorecer pressupostos aplicáveis no cotidiano do trabalho com resolutividade na saúde da criança.

DESCRITORES
Agentes comunitários de saúde; Educação permanente; Saúde da Criança

ABSTRACT

Objective:

To understand the main situations faced by community health agents in relation to children’s health in the light of permanent education actions.

Method:

This is a research of qualitative approach, which used the Arc of Maguerez. Ten community health agents from a Primary Health Care Unit participated in the study. The following steps were addressed: observation of reality; identification of key points, and theorization. The speeches were recorded, transcribed, and their textual content was processed in the IRAMUTEQ software, using the Descending Hierarchical Classification.

Results:

Five classes were formed, which composed three thematic blocks named as follows: child’s social vulnerability in the territory; handling the child’s health record, and vaccination schedule.

Conclusion:

Unveiling situations that influence the work of community health agents is essential for continuing education, as this favors assumptions applicable to daily work with resoluteness in child health.

DESCRIPTORS
Community Health Workers; Education, Continuing; Child health

RESUMEN

Objetivo:

Comprender las principales situaciones vividas por los agentes de salud comunitaria en lo que se refiere a la salud del niño bajo la óptica de las acciones de educación permanente.

Método:

Es una investigación con abordaje cualitativo que utilizó el Arco de Maguerez. Participaron del estudio 10 agentes de salud comunitaria de un Centro de Atención Primaria a la Salud. Se abordaron las etapas: observación de la realidad, identificación de las cuestiones principales y teorización. Los discursos fueron grabados, transcritos y su contenido textual fue procesado en el software IRAMUTEQ utilizando la Clasificación Descendente Jerárquica.

Resultados:

Resultaron cinco clases que compusieron tres grupos temáticos nombrados de la siguiente manera: vulnerabilidad social del niño en el territorio, el manejo del carné de vacunación del niño y el calendario de vacunas.

Conclusión:

La revelación de las situaciones que impactan el trabajo de los agentes de salud es imprescindible para la educación permanente, una vez que puede favorecer premisas aplicables en el cotidiano del trabajo con resoluciones en la salud del niño.

DESCRIPTORES
Agentes Comunitarios de Salud; Educación Continua; Salud del Niño

INTRODUÇÃO

No Brasil, o contato preferencial dos usuários com o sistema de saúde se dá pela Atenção Primária à Saúde, que deve considerar o indivíduo em sua singularidade, complexidade, de forma integral com a devida inserção sociocultural, buscando sempre a promoção da saúde do indivíduo e da coletividade, com a prevenção e tratamento das doenças e a redução dos danos ou sofrimentos que possam comprometer suas possibilidades de viver em acordo com suas potencialidades e necessidades(11. Starfield B, coordinator. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO, Ministério da Saúde; 2002 [cited 2021 Nov 28]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_primaria_p1.pdf
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).

Dentre o cuidado e a atenção destinada à coletividade na Atenção Primária à Saúde (APS), destaca-se o trabalho dos agentes comunitários de saúde (ACS), que são profissionais com potencial para apoiar o acesso universal à saúde de populações e comunidades mais vulneráveis que dependem dos serviços de financiamento público(22. Giovanella L, Ruiz AM, Pilar ACA, Rosa MC, Martins GB, Santos IS, et al. Sistema universal de saúde e cobertura universal: desvendando pressupostos e estratégias. Cien Saude Colet. 2018;23(6):1763-76. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.05562018
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). Estudos internacionais ressaltam ainda a importância dos ACS por constituírem um elo entre a comunidade e a unidade de saúde, o que viabiliza a longitudinalidade do cuidado e o enfrentamento de agravos, como a atual situação de pandemia causada pela transmissão do novo Coronavírus(33. Ballard M, Bancroft E, Nesbit J, Johnson A, Holeman I, Foth J, et al. Prioritising the role of community health workers in the Covid-19 response. BMJ Glob Health. 2020;5:e002550. DOI: http://dx.doi.org/10.1136/bmjgh-2020-002550
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,44. Haines A, Barros EF, Berlin A, Heymann DL, Harris MJ. National UK programme of community health workers for Covid-19 response. Lancet. 2020;395:1173-5. DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30735-2
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).

Em nossas vivências da prática profissional, observamos certo desconhecimento sobre os próprios desafios e as experiências que os ACS enfrentam no dia a dia em relação ao cuidado destinado à saúde da criança. A problemática que este estudo elucida refere-se às capacitações e demais qualificações, por vezes descontextualizadas das principais situações que esses profissionais enfrentam, mostrando-se inadequadas aos contextos vivenciados por eles, bem como ocasionalmente negligenciadas, o que impossibilita o atendimento das necessidades reais de educação permanente em saúde (EPS) no cotidiano de suas práticas.

Esta não é uma problemática específica de uma região brasileira. Abrange, na verdade, grande parte do território nacional e internacional, entrelaçada a uma realidade de baixos investimentos e inexistência de políticas públicas que visem a construção de uma EPS com base em metodologias que valorizem os conhecimentos prévios dos trabalhadores e possam garantir qualidade na atenção à saúde da comunidade(55. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança: orientações para implementação [Internet]. Brasília; 2018 [cited 2021 Nov 30]. Available from: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2018/07/Pol%C3%ADtica-Nacional-de-Aten%C3%A7%C3%A3o-Integral-%C3%A0-Sa%C3%BAde-da-Crian%C3%A7a-PNAISC-Vers%C3%A3o-Eletr%C3%B4nica.pdf
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).

Corrobora essa observação um estudo realizado no Reino Unido, o qual destacou que a implementação de um programa de treinamento de ACS, mesmo que de caráter emergencial, teve potencial para se constituir em um modelo de apoio efetivo à saúde das famílias em longo prazo(44. Haines A, Barros EF, Berlin A, Heymann DL, Harris MJ. National UK programme of community health workers for Covid-19 response. Lancet. 2020;395:1173-5. DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30735-2
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). Outro estudo que investigou a compreensão atual dos programas de ACS em países de diferentes panoramas econômicos, como a Grécia, o México, os Estados Unidos da América, incluindo o Brasil, apontou que a quantidade adequada e o tipo de treinamento exigido pelos ACS devem estar relacionados ao contexto do sistema de saúde local, com os seus conhecimentos pré-existentes e as competências que se esperam desses trabalhadores(66. Perry HB, Zulliger R, Rogers MM. Community health workers in low-, middle-, and high-income countries: an overview of their history, recent evolution, and current effectiveness. Annu Rev Public Health. 2014;35:399-421. DOI: https://doi.org/10.1146/annurev-publhealth-032013-182354
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).

As práticas educativas devem ser consolidadas nos níveis locais, especialmente no tocante às análises das experiências vivenciadas, valorizando e fortalecendo as práticas colaborativas. O trabalho do ACS exige competências interprofissionais, haja vista a integralidade dos usuários e comunidade, que deveria ter suas necessidades atendidas pelas equipes de Saúde da Família (eSF), uma vez que tal estratégia foi idealizada visando a aproximação com os usuários por meio do trabalho interprofissional(77. Costa MV. The interprofessional education in Brasilian context: some reflections. Interface comun. Interface – Comunicação, Saúde, Educação. 2016;20(56):197-8. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0311
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).

Assim, para que o ACS exerça as suas atribuições de modo efetivo, é necessária uma qualificação concernente ao identificar, orientar, encaminhar e acompanhar os usuários, visando a resolução das demandas em saúde de seu território. A provisão de um ambiente de qualificação para os agentes é crucial para a obtenção da máxima eficiência. Assim, faz-se necessário que vários insumos estejam interconectados, a fim de que os ACS se tornem mais produtivos em suas funções(88. Njororai F, Ganu D, Nyaranga KC, Wilberforce C. Role of Socio-Demographic and Environmental Determinants on Performance of Community Health Workers in Western Kenya. Int J Environ Res Public Health. 2021;18 (21):11707. DOI: https://doi.org/10.3390/ijerph182111707
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).

Considerando a relevância das ações desenvolvidas pelos ACS no atendimento à saúde da criança, surge o seguinte questionamento: que situações problematizadas pelos ACS são consideradas na construção das ações de EPS na saúde da criança? Dessa forma, o objetivo desse estudo foi compreender as principais situações enfrentadas pelos agentes comunitários, em relação à saúde da criança, sob a ótica das ações de educação permanente.

MÉTODO

Tipo de Estudo

Foi utilizada a abordagem qualitativa de pesquisa para a compreensão das situações do cotidiano do trabalho dos ACS na atenção à saúde da criança, bem como o entendimento dos aspectos críticos, crenças e valores relacionados a esse contexto(99. Gomes RD, Ferreira S, Moreira MCN. Qualitative approaches in the Journal Ciência & Saúde Coletiva (1996-2020). Cien Saude Colet. 2020;25(12):4703-14. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320202512.18142020
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). Implementamos o método problematizador do Arco de Maguerez, por meio da discussão e da problematização como caminho diretivo para a investigação do cotidiano de trabalho dos ACS, consistindo em cinco etapas: observação da realidade; identificação dos pontos-chave; teorização; hipóteses de solução e aplicação à realidade(1010. Cauduro FLF, Kindra T, Ribeiro ER, Mata JAL. Use of problematization with the support of Maguerez Arc as a permanent education strategy for the promotion of patient safety. Espaço Para Saúde. 2017;18:150-6.). No estudo em tela foram utilizadas as etapas “observação da realidade”, “identificação dos pontos-chave” e “teorização”.

Local

O local do estudo foi uma Unidade de Saúde da Família do município de Porto Velho, Rondônia, inserida no contexto da APS do município, sendo uma das 20 unidades básicas que atendem a zona urbana, situada na Zona Leste da cidade. Esta unidade foi escolhida por se tratar de um local em que já se tinham observado relatos entre os ACS concernentes às dificuldades relacionadas ao cuidado com a saúde da criança e a necessidade de intervenções educativas em prol dos trabalhadores. Além disso, a referida unidade compõe um cenário importante para a integração com o ensino, por meio de um convênio para inserção de alunos do curso de graduação e dos programas de residência da Universidade Federal de Rondônia, aprimorando as práticas tanto dos profissionais quanto dos alunos.

Participantes do Estudo

Compuseram este estudo 10 ACS de ambos os sexos, que atuam em duas das quatro eSF de uma Unidade de Saúde da Família, situada na Zona Leste do município de Porto Velho, Rondônia. Os critérios de seleção foram: ACS atuantes na eSF por um período igual e/ou superior a um ano e que estivesse em pleno exercício de suas funções assistenciais. Para critérios de exclusão, consideramos o ACS em afastamento, férias, licença e aqueles que não desenvolveram atividades assistenciais no período estudado.

Coleta de Dados

A coleta de dados deste estudo deu-se na primeira etapa do Arco Maguerez, ou seja, a observação da realidade, compreendendo o período de agosto a novembro de 2020. A abordagem dos participantes ocorreu inicialmente por meio do contato individual e presencial da pesquisadora principal, que é enfermeira, e no momento da coleta atuava como aluna no segundo ano da residência multiprofissional em saúde da família pela Universidade Federal de Rondônia. Esse contato foi possível pois a pesquisadora desempenhava suas atribuições junto à equipe da eSF há um ano, o que propiciou a divulgação da pesquisa, seus objetivos e demais informações necessárias para o acolhimento e a aproximação junto aos participantes. Posteriormente, manteve-se o contato via e-mail e telefônico.

Após esse momento, criamos um grupo de trabalho virtual por meio do aplicativo WhatsApp(1111. Lahti M, Haapaniemi-kahala H, Salminen L. Use of social media by nurse educator students: an exploratory survey. Open J Nurs. 2017;11:26-33. DOI: https://doi.org/10.2174/1874434601711010026
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), além de um grupo de trabalho presencial, que ocorreu nas dependências da Unidade de Saúde da Família, conforme as agendas de trabalho dos ACS. Foi adicionado a ambos os grupos o total de 25 participantes, abarcando todos que trabalhavam no referido cenário. Em seguida, foi realizado o convite e devido esclarecimento sobre o estudo, de modo que 10 aceitaram participar; nove estavam afastados e seis não aceitaram participar. O principal motivo relatado para a não aderência à pesquisa foi a incompatibilidade de agenda de trabalho, mesmo com diversas tentativas de conciliar horários compatíveis. O grupo de trabalho virtual teve dupla intencionalidade: ao mesmo tempo em que aproximou os trabalhadores, também possibilitou um ambiente preciso para a coleta de informação sobre o cotidiano dos ACS, por meio da fala dos depoentes. A pesquisadora foi quem conduziu e facilitou toda a dinâmica durante a coleta dos dados, garantindo um espaço de educação permanente para a condução segura dos grupos.

Foi anexado ao grupo de trabalho virtual um roteiro semiestruturado constante de duas etapas. A primeira etapa foi referente à caracterização dos ACS, composta de perguntas fechadas sobre variáveis – idade, sexo, formação, trabalho e qualificações. Já a segunda etapa apresentou três questões abertas, que suscitaram as seguintes problematizações: Quais são as suas experiências relacionadas à saúde da criança? Que situações no cotidiano do trabalho têm ocasionado dificuldades na prática da atenção à saúde da criança? Como você tem realizado as atividades frente às dificuldades enfrentadas? A primeira etapa do roteiro foi respondida no próprio grupo de trabalho virtual e as questões abertas foram discutidas e dialogadas entre os participantes por meio dos recursos de gravação de áudio e escrita no aplicativo WhatsApp, sendo que estes momentos de discussões se estenderam durantes os encontros do grupo de trabalho presencial.

Não foi realizado teste piloto do roteiro de entrevista, visto que a produção de dados gerados nos grupos de trabalho facilitou a aproximação e a compreensão dos participantes sobre as questões disparadoras, que mobilizaram discussões suficientes para o alcance do objetivo proposto. Dessa forma, realizamos um encontro no grupo de trabalho virtual e três encontros no grupo de trabalho presencial, com duração média de 60 a 120 minutos. Todos os encontros foram registrados por meio de gravação digital e posteriormente transcritos na íntegra. A pandemia dificultou a participação presencial dos ACS devido aos afastamentos, por fazerem parte do grupo de risco e pela necessidade em reduzir os momentos presenciais.

Tratamento e Análise dos Dados

Para o tratamento dos dados, utilizamos como referência a segunda etapa do Arco de Maguerez, a identificação dos pontos-chave. Desta forma, preparamos o material transcrito, assim como a codificação, transformando em um corpus textual para, então, ser processado no software IRAMUTEQ®-Interface de R Pourles Analyses Multidimensionnelles de Texteset de Questionnaires. Esse software realiza análise das raízes lexicais e oferece os contextos em que as classes estão inseridas, de acordo com os segmentos de textos (ST)(1212. Souza MAR, Wall ML, Thuler ACMC, Lowen IMV, Peres AM. The use of IRAMUTEQ software for data analysis in qualitative research. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03353. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2017015003353
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). Em seguida, procedemos com a etapa de análise das classes, incluindo as etapas de descrição dos temas expressos nas narrativas, o que permitiu a definição de categorias e a extração dos significados dos dados, apresentados com sustentação da literatura. A condução do estudo obedeceu aos critérios consolidados para relatos de pesquisa qualitativa – COREQ(1313. Souza VR, Marziale MH, Silva GT, Nascimento PL. Translation and validation into Brasilian portuguese and assessment of the COREQ checklist. Acta Paulista de Enfermagem. 2021;34:eAPE02631. DOI: http://dx.doi.org/10.37689/acta-ape/2021AO02631
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).

Aspectos Éticos

O estudo obedeceu aos aspectos éticos e legais da pesquisa em atendimento às Resoluções 466/2012 e 580/2018 do Conselho Nacional de Saúde, estando aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Rondônia, sob o parecer número 3.720.871/2019. Para a garantia do anonimato, os segmentos de textos apresentados nos resultados foram identificados como Part 1, Part 2, Part 3 … Part 10, não seguindo a ordem dos depoimentos nos grupos de trabalho virtual e presencial.

RESULTADOS

Dentre os 10 participantes do estudo, oito eram do sexo feminino, na faixa etária predominante entre 34 a 59 anos de idade. Faz-se relevante destacar que constam neste manuscrito os trechos referentes a seis participantes, porém estas falas foram inseridas por contemplarem as falas de todos os participantes na análise das classes, assim como na construção dos blocos temáticos. Em relação ao perfil profissional e formação, cinco possuem formação superior (enfermagem, pedagogia, educação física, informática e um não informou qual a sua área); destes, dois possuem ou estão cursando especialização; três referiram possuir formação técnica e um referiu possuir nível médio. No que diz respeito à formação técnica, dois participantes identificaram sua formação em técnico de enfermagem e o outro participante não especificou sua área técnica.

Em relação ao tempo de serviço como ACS, quatro profissionais possuem até 11 anos e seis, mais de 15 anos. Sobre as qualificações, após a inserção no trabalho, cinco referiram ter realizado o curso introdutório para ACS. Sobre saúde da criança, sete deles referiram ter participado de ações educativas visando a qualificação do ACS, porém apenas um participou há menos de cinco anos; dentre estes, os temas citados foram: função do ACS, territorialização, crescimento e desenvolvimento da criança e vacinação. Na análise dos relatos e discussões nos grupos, de trabalho virtual e presencial, obtivemos um corpus textual constituído por 10 textos que, após processamento no IRAMUTEQ, por meio da CHD, resultou em 219 segmentos de texto, distribuídos em cinco classes, tendo aproveitado 169 segmentos de texto (77.17%), o que representa boa qualidade do material processado(1212. Souza MAR, Wall ML, Thuler ACMC, Lowen IMV, Peres AM. The use of IRAMUTEQ software for data analysis in qualitative research. Rev Esc Enferm USP. 2018;52:e03353. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2017015003353
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).

Na Figura 1 pode-se visualizar a composição das classes a partir da enunciação das palavras, conforme sua relevância estatística qualitativa (semânticas) e quantitativa (p < 0,05), constituindo-se base para a análise e interpretação dos dados de acordo com sua aplicação no contexto das classes. As classes foram agrupadas em blocos temáticos, de acordo com a partição do corpus textual e a devida aproximação entre classes, o que gerou três blocos temáticos, apresentados a seguir.

Figura 1
Dendograma referente à distribuição do vocábulo das classes segundo a Classificação Hierárquica Descendente, adaptado pelas autoras a partir do relatório fornecido pelo software IRAMUTEQ – Porto Velho, RO, Brasil, 2021.

Primeiro Bloco Temático: Vulnerabilidade Social da Criança no Território

Este bloco é composto pelas classes 1 e 2, o que totaliza 30,3% dos segmentos de texto e revela as vivências dos participantes no contexto social das crianças acompanhadas. Na classe 1, verificamos os elementos que apontam a vulnerabilidade socioeconômica da população, que culmina em dificuldades de acesso aos serviços de saúde. As principais dificuldades mencionadas pelos participantes foram relativas às barreiras geográficas, ao processo de agendamento de consultas e à ausência de recursos financeiros para deslocamento até a unidade. Contudo, os ACS afirmam em seus relatos que, mesmo frente a esses dificultadores, continuam realizando as orientações sobre os agendamentos e serviços ofertados pelas eSF junto aos responsáveis pelas crianças.

A gente tinha uma paciente que era deficiente e ela tinha uma criança pequena e teve um bebê. Para ela vir de lá para cá, unidade básica, era muito complicado, o marido dela trabalhava de bico e tinha caído do telhado e estava com a perna quebrada (Part. 1).

E você chega à residência e vê aquela situação precária, o pessoal tentando sobreviver (Part. 2).

A gente vai ver várias situações degradantes, sem saúde em questão de higienização, esgoto, isso vai ser ruim para uma criança estar brincando perto (Part. 04).

Na classe 2, os participantes expõem suas experiências e dificuldades no território onde realizam o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil, por meio da mensuração do peso e da altura. Uma dificuldade relacionada à aferição do peso é a ausência de balança adequada para a idade da criança, prejudicando o apropriado registro no gráfico da Caderneta de Saúde da Criança (CSC).

A minha experiência mesmo foi só com o acompanhamento e desenvolvimento da criança que era a pesagem e a verificação da altura da criança; saber se ela estava com a vacinação atrasada, se não estava, se ela estava com baixo peso, desnutrida ou sobrepeso. E também em 2004, logo que a gente entrou, nós fazíamos a multimistura, que era para dar para essas crianças baixo peso (Part. 5).

Portanto, o conteúdo temático desse bloco revela a ausência de condições sociais e ambientais favoráveis à condição básica de saúde do território que, por sua vez, afetam o trabalho dos ACS.

Segundo Bloco Temático: O Manuseio da Caderneta de Saúde da Criança – CSC

Este bloco faz referência às facilidades e aos problemas relatados no manuseio da CSC, sendo formado pelas classes 3 e 4. Nesse bloco, os participantes revelam o reconhecimento do papel do ACS enquanto facilitador do acesso da criança ao serviço de saúde, que é oportunizado por meio do vínculo e da aproximação da comunidade com as ações de saúde promovidas pela eSF, em que a Caderneta de Saúde da Criança é o instrumento utilizado para tal objetivo.

A classe 3 evidenciou a carência de qualificação do ACS no manejo da Caderneta de Saúde da Criança, visto que foram apontadas dificuldades em orientar sobre as anotações na CSC no que se referem aos agendamentos, retornos com enfermeira, médicos e técnicos de enfermagem, causando receio aos ACS em propagar orientações equivocadas, especialmente sobre o calendário vacinal. Com isso, o cotidiano de trabalho pode estar permeado pelo medo e insegurança em relação à atenção à saúde da criança.

Agora para eu olhar ali [na Caderneta de Saúde da Criança] e dizer; a gente não sabe, mas já soube, antes tinha treinamento (Part. 02).

Em relação ao gráfico da Caderneta de Saúde da Criança é tudo no olhômetro, pois tem que pesar a criança para ver se está no peso certo ou abaixo (Part. 04).

Tem coisas que os pacientes falam para gente, eu aviso: ‘quando você for à consulta com o médico, fala isso para ele não para mim, eu não vou saber explicar tudo’. (Part. 3).

A classe 4 mostrou as dificuldades que o ACS encontra ao desenvolver seu trabalho junto aos demais profissionais da equipe. Dentre elas, apontam a dificuldade em conseguir atendimento médico para a necessidade da criança identificada no território, às vezes por ausência do profissional, pela agenda superlotada e, ainda, pela baixa cobertura das eSF, gerando aumento da demanda espontânea. Em contraposição, ressaltam a importância das consultas, da visita domiciliar e das atividades em grupo, que são desenvolvidas pela equipe.

Eu prefiro levar a equipe na casa da paciente que mora muita gente e não é porque mora muita gente na casa, mas eu já percebi que quando estou só que eu não consigo falar nada com a família (Part. 5).

E a gente não pode estar indo na residência fazer vínculo, ver como é que está porque eu mudei de área, o meu médico e minha enfermeira jamais vão aceitar ou acolher essa família, que agora está em área descoberta, eu fico com dó e a família me liga (Part. 5).

Terceiro Bloco Temático: O Calendário Vacinal

Este bloco foi consolidado pelo agrupamento de palavras que formou a classe 5, composta por depoimentos relacionados às ações preventivas sobre a imunização das crianças no contexto do território durante a visita domiciliária do ACS, referida como momento de escuta, observação e de troca de informações. Os segmentos de texto presentes na classe 5 mostram dificuldades vivenciadas pelos participantes, que apontam para o déficit de qualificação quanto ao calendário vacinal da criança. Os ACS referiram dificuldades para identificar e orientar a população sobre a situação vacinal das crianças no território com base no calendário anual vigente.

Uma coisa que eu não consigo ver é a Caderneta de Saúde da Criança porque mudou muita coisa na vacina. Se perguntar para mim, pedir para olhar a Caderneta de Saúde da Criança do filho, eu não sei (Pat. 03).

Eu abro a Caderneta de Saúde da Criança e olho, se a vacina que falta estiver registrada a lápis, digo que está atrasada, mas se não tiver nada marcado, oriento ir à sala de vacina e conferir. Porque tem umas vacinas que mudou e não estou por dentro (Part. 06).

Os ACS referem que anteriormente tiveram cursos e treinamentos sobre vacinas e um espelho do cartão vacinal era fornecido pela gestão do serviço, o que subsidiava seus trabalhos nessa temática. Segundo os ACS, essa maneira facilitava o controle do calendário vacinal das crianças, além de garantir maior atenção sobre o cuidado da criança e sua vacinação.

Antigamente quando mudava, eu já tinha enfermeira que dizia assim: “gente, mudou o esquema vacinal. A enfermeira dava um cartão espelho das vacinas de cada faixa etária, então por mais que eu não entendesse, estava escrito (Part. 1).

Atualmente, os ACS buscam auxílio do vacinador local para ajudá-los na identificação da situação vacinal ou pesquisam tais informações na internet. Contudo, devido às constantes mudanças no esquema vacinal, estes profissionais sentem dificuldades e, dessa forma, é constatado um déficit no processo contínuo de EPS.

DISCUSSÃO

A primeira ação, após a constituição dos grupos de trabalho, foi o reconhecimento dos participantes que habitam e atuam no território. Metade recebeu curso introdutório para ACS e a maioria recebeu qualificação sobre a saúde da criança há mais de cinco anos, principalmente sobre a função do ACS, territorialização, crescimento e desenvolvimento da criança e vacinação. A respeito dessas variáveis de caracterização, um estudo realizado no Quênia identificou que a idade e a situação educacional são susceptíveis de influenciar o desempenho dos ACS na realização de suas funções. Nos achados deste estudo, as oportunidades de qualificação e atualização mostraram-se fatores primordiais para a atuação do ACS na atenção à saúde da criança, devendo ocorrer de forma permanente, garantindo uma aprendizagem significativa, sensibilização às demandas e o desenvolvimento de ações resolutivas(1414. Ramalho ELR, Silva MEA, Machado AN, Vaz EMC, Souza MHN, Collet N. Discourses of the community health agents about the child and adolescent with chronic disease assisted in primary care. REME. 2019;23:e-1206. DOI: http://www.dx.doi.org/10.5935/1415-2762.20190054
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).

As condições sociais e ambientais também se mostraram influenciadoras no cotidiano de trabalho do ACS. Por pertencer à comunidade, o ACS é um facilitador do acesso geográfico ao serviço de saúde, por meio da visita domiciliária. Contudo, são necessários investimentos na infraestrutura de transporte e de ampliação dos serviços de saúde, visando ampliar a cobertura e facilitar o acesso à APS. As barreiras geográficas e o acesso aos serviços de saúde configuram desafios comuns em diversos países, principalmente nos de baixa renda(1515. Perry HB, Hodgins S. Health for the People: Past, Current, and Future Contributions of National Community Health Worker Programs to Achieving Global Health Goals. Glob Health Sci Pract. 2021;9(1):1-9. DOI: https://doi.org/10.9745/GHSP-D-20-00459
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).

A temática sobre a vulnerabilidade social apresenta diversas implicações para a saúde da criança, refletindo no comprometimento do desenvolvimento infantil e em seus índices de mortalidade. Um estudo identificou os fatores de riscos individuais e contextuais da assistência à saúde na determinação da mortalidade infantil nas 27 capitais brasileiras, apontando que os fatores de vulnerabilidade socioeconômicos maternos são mediadores dos fatores biológicos determinantes da mortalidade infantil no Brasil(1616. Andrade CCB, Paschoalin HC, Sousa AI, Greco RM, Almeida GBS. Health community agents: sociodemographic profile, work conditions and health habits. Revista de Enfermagem UFPE On line. 2018;12(6):1648-56. DOI: https://doi.org/10.5205/1981-8963-v12i6a231047p1648-1656-2018
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). No território, os ACS se deparam com situações que exigem respostas complexas relacionadas aos campos da saúde e das ciências sociais e humanas. Para o alcance da resolutividade no trabalho do ACS, é necessário que haja apoio e trabalho interprofissional e intersetorial, a fim de que os problemas que requerem intervenções que ultrapassem a governabilidade da área da saúde sejam atenuados(1717. Secco AC, Rodrigues PM, Ledur CS, Zanatta E, Mozzaquatro CO, Arpini DM. Educação Permanente em Saúde para Agentes Comunitários: um projeto de Promoção de Saúde. Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia. 2020;13(1):e130108. DOI: https://dx.doi.org/10.36298/gerais2020130108
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).

A percepção desses profissionais sobre os problemas relacionados à vulnerabilidade social vai ao encontro do reconhecimento do processo saúde-doença, conforme o modelo sobre os Determinantes Sociais da Saúde, correlacionando os aspectos biológicos, estilos e hábitos de vida, as redes sociais e comunitárias, as condições de vida e de trabalho, bem como as condições socioeconômicas, culturais e ambientais gerais(1818. Maia LTS, Souza WV, Mendes ACV. Determinantes individuais e contextuais associados à mortalidade infantil nas capitais brasileiras: uma abordagem multinível. Cad Saude Publica. 2020;36(2):e00057519. DOI: https://doi.org/10.1590/0102-311X00057519
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). Portanto, diante da complexidade enfrentada no território, enquanto sujeito integrante da comunidade, e ao mesmo tempo representante do serviço de saúde, os ACS identificam as vulnerabilidades associadas aos determinantes sociais da saúde, mas encontram dificuldades para enfrentá-las(1919. Broch D, Riquinho DL, Vieira LB, Ramos AR, Gasparin VA. Social determinants of health and community health agent work Extracted from the dissertation. Rev Esc Enferm USP. 2020; 54:e03558. DOI: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2018031403558
https://doi.org/10.1590/S1980-220X201803...
2020. Araújo EFS, Paz EPA, Ghelman LG, Mauro MYC, Donato M, Farias SNP. Community health workers in educational activities: potentials and weaknesses. Revista Enfermagem UERJ. 2018;26:e18425. DOI: https://doi.org/10.12957/reuerj.2018.18425
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).

Diante das dificuldades dos ACS quanto ao preenchimento e manuseio da CSC, é importante que existam ações de EPS que trabalhem esta temática. No acompanhamento da criança, a Caderneta de Saúde da Criança destaca-se como uma importante ferramenta para o controle destas ações na comunidade, sendo um registro de saúde indispensável no acompanhamento da criança até os 10 anos de idade. Nela estão contidas as informações de identificação das crianças, orientações de saúde e informações relacionadas aos direitos da criança, além de registros sobre nascimento, acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, suplementação de vitaminas e calendário vacinal. Tais registros são de responsabilidade dos trabalhadores da saúde(2121. Brasil. Ministério da Saúde. Caderneta de Saúde da Criança [Internet]. Brasília; 2020 [cited 2021 Nov 28]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderneta_crianca_menina_2ed.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
2222. Amorim LP, Ferreira RC, Silva AG, Senna MIB, Vasconcelos M, Amaral JHL, et al. Preenchimento da Caderneta de Saúde da Criança nos serviços de saúde em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Epidemiol Serv Saude. 2018;27(1):e201701116. DOI: https://doi.org/10.5123/S1679-49742018000100016
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). Um estudo realizado na cidade de Porto Velho, com 2.483 crianças com idade até cinco anos, demonstrou que apenas 25,5% das CSC estavam preenchidas satisfatoriamente. O déficit no preenchimento da Caderneta de Saúde da Criança reflete a fragilidade no acompanhamento do crescimento e desenvolvimento integral, principalmente na primeira infância(2323. Freitas, JLG, Pereira PPS, Moreira KFA, Órfão NH, Cavalcante DF, Nascimento RC, et al. Preenchimento da caderneta de saúde da criança na primeira infância. Revista Brasileira em Promoção da Saúde. 2019;32:8407. DOI: https://doi.org/10.5020/18061230.2019.8407
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).

É importante também que haja a garantia de materiais e instrumentos de trabalho, tais como balança e fita métrica, para que os ACS desenvolvam suas ações de vigilância relacionadas ao crescimento infantil. Na Indonésia, um estudo comparou as habilidades dos ACS antes e depois da capacitação para medidas antropométricas, evidenciando a importância do acompanhamento do crescimento por meio do treinamento e da atualização regular dos ACS para uma medição antropométrica padronizada e qualificada(2424. Deni KS, Dewi MDH, Noormarina I, Ginna M, Sumintono B. Training and Assessing Model for the Ability of Community Health Volunteers in Anthropometric Measurement Using the Rasch Stacking and Racking Analyses. Journal of Environmental and Public Health. 2021:5515712. DOI: https://doi.org/10.1155/2021/5515712
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). Em relação à mensuração, também é importante que o ACS saiba reconhecer os sinais de perigo na criança e os principais parâmetros utilizados, conforme consta na Caderneta de Saúde da Criança(2222. Amorim LP, Ferreira RC, Silva AG, Senna MIB, Vasconcelos M, Amaral JHL, et al. Preenchimento da Caderneta de Saúde da Criança nos serviços de saúde em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Epidemiol Serv Saude. 2018;27(1):e201701116. DOI: https://doi.org/10.5123/S1679-49742018000100016
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).

Nesse contexto, a EPS é uma importante ferramenta para a qualificação dos ACS. Junto às eSF, têm importante papel no processo de ensino-aprendizagem do profissional, configurando-se um espaço para problematização do “fazer saúde”, oportunizando a ressignificação de suas vivências no território, fortalecendo o processo de trabalho da equipe e produzindo estratégias para a transformação da realidade. Porém, é necessário que haja constância das equipes e fortalecimento do núcleo de educação permanente local para que as ações de EPS tenham continuidade(1919. Broch D, Riquinho DL, Vieira LB, Ramos AR, Gasparin VA. Social determinants of health and community health agent work Extracted from the dissertation. Rev Esc Enferm USP. 2020; 54:e03558. DOI: https://doi.org/10.1590/S1980-220X2018031403558
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).

Para dar acesso aos serviços essenciais de promoção, prevenção e recuperação da saúde, são necessários maiores investimentos na APS, priorizando as regiões mais vulneráveis. A saúde materno-infantil está inserida nas metas da ação global sobre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas. A cobertura universal de saúde e a redução da mortalidade por causas evitáveis de mães e crianças compõem algumas das metas para o alcance do objetivo 3 – Saúde e bem-estar(1515. Perry HB, Hodgins S. Health for the People: Past, Current, and Future Contributions of National Community Health Worker Programs to Achieving Global Health Goals. Glob Health Sci Pract. 2021;9(1):1-9. DOI: https://doi.org/10.9745/GHSP-D-20-00459
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).

Com relação ao calendário vacinal, inferimos que para este estudo as orientações sobre vacina são uma das ações mais emergentes na prática do ACS e isso reforça a importância deste profissional para a captação vacinal. Todavia, o desconhecimento a respeito do calendário vacinal vigente e das informações elementares sobre vacina tem provocado o que se chama de Oportunidades Perdidas de Vacinação(2525. Neto GGP, Nunes WB, Andrade LDF, Vieira DS, Reichert APS, Santos NCCB. Child Developmental M2nitoring: Implementation Through the Family Health Strategy Nurse. Revista de Pesquisa Cuidado é Fundamental Online. 2020;12:1309-15. DOI: http://dx.doi.org/10.9789/2175-5361.rpcfo.v12.9885
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), tendo como consequência a baixa cobertura vacinal e a maior susceptibilidade da comunidade.

A troca de saberes no campo da saúde, entre profissionais e usuários, deve acontecer por meio da EPS e da educação em saúde. O ACS tem como eixo principal do seu trabalho a educação em saúde(2626. Assad SGB, Corvino MPF, Santos SCP, Cortez EA, Souza FL. Permanent education in health and vaccination activities: integration review. Revista de Enfermería UFPE on line. 2017;11:410-21.). No entanto, o medo e a insegurança em realizar o trabalho de educação em saúde indicam a falta de preparo e de conhecimento, relacionados à ausência ou à fragilidade nas ações de EPS do serviço. É preciso enfatizar que para a efetividade do trabalho na saúde, referente à EPS, e do trabalho em saúde, em relação à educação popular em saúde, é fundamental a utilização de metodologias de ensino-aprendizagem dialógicas e participativas, objetivando o alcance de uma assistência integral e equânime ao indivíduo e à comunidade(2424. Deni KS, Dewi MDH, Noormarina I, Ginna M, Sumintono B. Training and Assessing Model for the Ability of Community Health Volunteers in Anthropometric Measurement Using the Rasch Stacking and Racking Analyses. Journal of Environmental and Public Health. 2021:5515712. DOI: https://doi.org/10.1155/2021/5515712
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).

O trabalho educativo em saúde requer reflexão crítica, objetivando o compartilhamento de conhecimentos, a contribuição para que a população reconheça sua situação de risco e a promoção da mobilização para a garantia de direitos sociais. Em suma, a interatividade entre os sujeitos sociais, visando a transformação social em saúde(2727. Morosini MV, Fonseca AF. Community workers in Primary Health Care in Brazil: an inventory of achievements and challenges. Saúde em Debate. 2018;42(spe1):261-74. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-11042018S117
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).

A qualificação e a EPS da equipe multiprofissional e do ACS são importantes meios para o redirecionamento das ações de saúde para além das práticas curativas. As ações de qualificação do ACS precisam fazer uso de métodos de ensino-aprendizagem inovadores, que subsidiem o processo reflexivo e tenham como ator principal o educando, tendo como foco o desenvolvimento de competências e a proatividade(2121. Brasil. Ministério da Saúde. Caderneta de Saúde da Criança [Internet]. Brasília; 2020 [cited 2021 Nov 28]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caderneta_crianca_menina_2ed.pdf
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). Um estudo reafirma a necessidade de construir políticas públicas dirigidas à qualificação do ACS para que este tenha competência para atuar em diversos contextos que constroem e expressam o processo saúde-doença. Para isso, um dos caminhos apontados é a retomada da formação técnica do ACS, a ser implementada de modo integral e ofertada a todos(2828. Cruz PJSC, Silva MRF, Pulga VL. Popular Education and Health in educational processes: challenges and perspectives. Interface - Comunicação, Saúde, Educação. 2020;24:e200152 https://doi.org/10.1590/Interface.200152
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).

É necessário integrar a tríade “ensino, serviço e comunidade” por meio das instituições de ensino e de seus programas de pesquisa, tais como: os cursos de graduação; o Programa de Educação pelo Trabalho (PET); os programas de extensão universitária; as residências médicas e multiprofissionais, dentre outras iniciativas de ensino(2929. Ceccim RB. Conexões e fronteiras da interprofissionalidade: forma e formação. Interface – Comunicação, Saúde, Educação. 2018;22(Suppl 2): 1739-49. DOI: https://doi.org/10.1590/1807-57622018.0477
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). Ter sempre o foco sobre a vigilância em saúde e a EPS é fundamental para a criação de intervenção com maior resolutividade sobre o cuidado relativo à saúde da comunidade, principalmente à saúde da criança. A divulgação deste estudo poderá certamente contribuir para a formulação de estratégias tanto de âmbito local quanto nacional, uma vez que as situações se cruzam com diversos outros locais de atuação na Atenção Primária à Saúde.

CONCLUSÃO

Com a formação do grupo, foi possível compreender as experiências, as dificuldades, as facilidades no trabalho do ACS, bem como o reconhecimento da própria equipe e da comunidade a qual assiste. Sobre as situações enfrentadas pelos ACS, analisamos um conjunto que revelou alguns problemas que, por diversas vezes, impedem o trabalho com o cuidado da saúde da criança no território da Atenção Primária à Saúde. Estas situações principalmente apresentaram a formação de vínculo com a comunidade, no desejo de realizar orientações em saúde adequadas e de realizar atualização sobre o calendário vacinal.

As ações de EPS são fundamentais para qualificar os ACS para trabalharem a saúde da criança de modo efetivo, superando as dificuldades no plano biopsicossocial. Reconhecemos aqui o papel da EPS enquanto protagonista de mudanças substanciais no contexto da estratégia saúde da família, promovendo a qualificação da eSF, a fim de que suas ações resultem em um cuidado integral para a saúde da criança, podendo alcançar mais resolutividade, de modo a contribuir com a formação e na possibilidade de transformação e ressignificação desta realidade.

EDITOR ASSOCIADO

Ivone Evangelista Cabral

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Nov 2021
  • Aceito
    09 Fev 2022
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