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Experiências de famílias de adolescentes com incongruência de gênero à luz dos Modelos Calgary para famílias

RESUMO

Objetivo:

conhecer as experiências de familiares de adolescentes com incongruência de gênero.

Método:

estudo de caso qualitativo, apoiado pelo referencial teórico-metodológico dos Modelos Calgary de Avaliação e Intervenção Familiar. A coleta dos dados ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas, observação participante em grupos de familiares e análise documental, com oito familiares. A análise dos dados foi realizada seguindo os preceitos da análise de conteúdo.

Resultados:

com a avaliação familiar, emergiram duas categorias: “Desafios em face à transição de gênero”, que evidenciou os problemas relacionados às expectativas criadas ao nascimento, novos nomes, pronomes e fluidez de gênero e o medo do preconceito, e “Aspectos apoiadores diante da possibilidade de transição de gênero”, que revelou o apoio familiar como ponto forte.

Conclusão:

conhecer as experiências permitiu compreender os desafios que os familiares enfrentam ao se deparar com aspectos físicos e emocionais da transição de gênero de seus filhos. Percebeu-se que o ato de procurar ajuda e de oferecer apoio é importante para uma transição saudável. Os achados proporcionaram melhor compreensão das questões familiares e forneceram sugestões de como a enfermagem pode elaborar o cuidado a essa população.

DESCRITORES
Enfermagem no Consultório; Identidade de Gênero; Adolescente; Família; Relatos de Casos; Saúde Mental

ABSTRACT

Objective:

to know the experiences of family members of adolescents with gender incongruence.

Method:

this is a qualitative case study, supported by the Calgary Family Assessment and Intervention Models theoretical-methodological framework. Data collection took place through semi-structured interviews, participant observation in family groups and document analysis, with eight family members. Data analysis was performed following the precepts of content analysis.

Results:

with family assessment, two categories emerged: “Challenges in the face of gender transition”, which highlighted the problems related to the expectations created at birth, new names, pronouns and gender fluidity and the fear of prejudice, and “Supporting aspects in the face of the possibility of gender transition”, which revealed family support as a strong point.

Conclusion:

knowing the experiences allowed us to understand the challenges that family members face when facing physical and emotional aspects of their children’s gender transition. It was noticed that the act of seeking help and offering support is important for a healthy transition. The findings provided a better understanding of family issues and provided suggestions on how nursing can develop care for this population.

DESCRIPTORS
Office Nursing; Gender Identity; Adolescent; Family; Case Reports; Mental Health

RESUMEN

Objetivo:

conocer las vivencias de familiares de adolescentes con incongruencia de género.

Método:

estudio de caso cualitativo, sustentado en el referencial teórico-metodológico de los Modelos de Evaluación e Intervención Familiar de Calgary. La recolección de datos se llevó a cabo a través de entrevistas semiestructuradas, observación participante en grupos familiares y análisis de documentos, con ocho familiares. El análisis de los datos se realizó siguiendo los preceptos del análisis de contenido.

Resultados:

con el diagnóstico familiar surgieron dos categorías: “Desafíos frente a la transición de género”, que destacó los problemas relacionados con las expectativas creadas al nacer, nuevos nombres, pronombres y fluidez de género y miedo al prejuicio, y “Aspectos de apoyo ante la posibilidad de transición de género”, que revelaron el apoyo familiar como punto fuerte.

Conclusión:

conocer las experiencias permitió comprender los desafíos que enfrentan los miembros de la familia al enfrentar aspectos físicos y emocionales de la transición de género de sus hijos. Se notó que el acto de buscar ayuda y ofrecer apoyo es importante para una transición saludable. Los hallazgos proporcionaron una mejor comprensión de los problemas familiares y proporcionaron sugerencias sobre cómo la enfermería puede desarrollar el cuidado de esta población.

DESCRIPTORES
Enfermería de Consulta; Identidad de Género; Adolescente; Familia; Informes de Casos; Salud Mental

INTRODUÇÃO

A maneira como a pessoa se expressa no mundo e se reconhece diz respeito à sua identidade. Quando identidades ou comportamentos de gênero não são congruentes com o sexo designado ao nascimento de uma pessoa, utiliza-se o termo “incongruência de gênero”. A prevalência de crianças e adolescentes com incongruência de gênero é difícil de determinar; estima-se que corresponda de 0,3% a 1,2% da população(11. Coleman E, Bockting W, Botzer M, Cohen-Kettenis P, DeCuypere G, Feldman J, et. al. Normas de atenção à saúde das pessoas trans e com variabilidade de gênero 7ª versão. East Dundee: World Professional Association for Transgender Health [Internet]; 2012. [cited 2021 Nov 10]. Available from: https://www.wpath.org/media/cms/Documents/SOC%20v7/SOC%20V7_Portuguese.pdf
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,22. Claahsen-van der Grinten H, Verhaak C, Steensma T, Middelberg T, Roeffen J, Klink D. Gender incongruence and gender dysphoria in childhood and adolescence-current insights in diagnostics, management, and follow-up. Eur J Pediatr. 2021;180(5):1349-57. DOI: http://dx.doi.org/10.1007/s00431-020-03906-y
http://dx.doi.org/10.1007/s00431-020-039...
).

Uma pequena parte dessas crianças pode desenvolver, na adolescência, sofrimento significativo, causado por essa discordância entre a identidade de gênero e o sexo designado à pessoa ao nascer (e o papel de gênero associado e/ou características sexuais primárias e secundárias), denominado como disforia de gênero(33. Shumer DE, Nokoff NJ, Spack NP. Advances in the care of transgender children and adolescents. Adv Pediatr. 2016;63(1):79-102. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.yapd.2016.04.018
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).

Intervenções que podem ser benéficas para indivíduos que apresentam incongruência de gênero incluem psicoterapia, transição social de gênero, terapia hormonal, cirurgia de afirmação de gênero e/ou outros serviços de acompanhamento. Considerando a população adolescente, a transição inicia-se pela transição social(44. Murchison G. Supporting & caring for transgender children. Washington D.C: American Academy of Pediatrics [Internet]; 2016 [cited 2021 Nov 10]. Available from: https://assets2.hrc.org/files/documents/SupportingCaringforTransChildren.pdf
https://assets2.hrc.org/files/documents/...
).

As transições sociais em crianças e adolescentes envolvem mudar os pronomes, o penteado, as roupas e, às vezes, o nome, para se alinhar com a identidade de gênero, que difere da designada ao nascimento. Infelizmente, por violar expectativas de gênero enraizadas na cultura da sociedade, aqueles que diferem do preestabelecido se tornam alvo de discriminação, constituindo uma comunidade marginalizada e vulnerável, propensa a vivenciar mais problemas de saúde e psicossociais do que outros grupos(55. Rae JR, Gülgö S, Durwood L, DeMeules M, Lowe R, Lindquist G, et al. Predicting early-childhood gender transitions. Psychological Science. 2019;30(5):669-81. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/0956797619830649
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).

A literatura existente evidencia que a transição de gênero é um processo familiar e, desse modo, afeta todos os seus membros de formas e em intensidades variadas(66. Wagner LD, Armstrong E. Families in transition: the lived experience of parenting a transgender child. J Fam Nurs. 2020;26(4):337-45. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/1074840720945340
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,77. Alegría, CA. Supporting families of transgender children/youth: parents speak on their experiences, identity, and views. Int J Transgend Health, 2018;19(2):132-43. DOI: http://dx.doi.org/10.1080/15532739.2018.1450798
http://dx.doi.org/10.1080/15532739.2018....
). É necessário compreender que os pais desses adolescentes podem desenvolver sentimentos de perda, luto e incertezas, frente à exposição de uma identidade de gênero diferente da experienciada desde o nascimento(88. Brown C, Porta CM, Eisenberg ME, McMorris BJ, Sieving RE. Family relationships and the health and well-being of transgender and gender-diverse youth: a critical review. LGBT Health. 2020;7(8):407-19. DOI: http://dx.doi.org/10.1089/lgbt.2019.0200
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1010. Gray S, Sweeney KK, Randazzo R, Levitt HM. “Am I doing the right thing?” pathways to parenting a gender variant child. Fam Process. 2016;55(1):123-38. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/famp.12128
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). Assim, enfermeiras que considerarem a importância da família poderão encontrar maneiras de desenvolver intervenções que promovam um ambiente saudável(66. Wagner LD, Armstrong E. Families in transition: the lived experience of parenting a transgender child. J Fam Nurs. 2020;26(4):337-45. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/1074840720945340
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1010. Gray S, Sweeney KK, Randazzo R, Levitt HM. “Am I doing the right thing?” pathways to parenting a gender variant child. Fam Process. 2016;55(1):123-38. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/famp.12128
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).

Nesse contexto, as famílias têm procurado ajuda profissional, porém encontram profissionais que não estão preparados para acolher e identificar suas necessidades(1111. James S, Herman J, Rankin S, Keisling M, Mottet L, Anafi M. Executive summary of the report of the 2015 U.S. transgender survey. Washington D.C.: National Center for Transgender Equality [Internet]; 2016. [cited 2022 Feb 28]. Available from: https://transequality.org/sites/default/files/docs/usts/USTS-Executive-Summary-Dec17.pdf
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). De acordo com uma pesquisa realizada com pessoas transgênero que procuraram um serviço de saúde, um terço delas relatou experiências negativas relacionadas à sua identidade de gênero, envolvendo negligência do nome social, assédio verbal e recusa ao atendimento(1111. James S, Herman J, Rankin S, Keisling M, Mottet L, Anafi M. Executive summary of the report of the 2015 U.S. transgender survey. Washington D.C.: National Center for Transgender Equality [Internet]; 2016. [cited 2022 Feb 28]. Available from: https://transequality.org/sites/default/files/docs/usts/USTS-Executive-Summary-Dec17.pdf
https://transequality.org/sites/default/...
). A falta de conhecimento para desenvolver o cuidado de enfermagem pode, além disso, resultar em orientações às famílias sem fundamentos e que, muitas vezes, expô-las a situações de julgamentos e preconceitos por aqueles que deveriam agir no sentido contrário(1212. Santos JS, Silva RNF, Ferreira MA. Health of the lgbti+ population in primary health care and the insertion of nursing. Escola Anna Nery revista de enfermagem. 2019;23(4):e20190162. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-EAN-2019-0162
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).

Favorecer um ambiente familiar apoiador está diretamente relacionado à maior satisfação com a vida e, consequentemente, menos sintomas depressivos nos adolescentes com incongruência de gênero. Dessa forma, otimizar o apoio dos pais e compreender seus desafios se faz essencial, à medida que fornecem aos profissionais de enfermagem e demais integrantes da equipe de saúde embasamento para desenvolver um cuidado objetivando a compreensão das necessidades e as disparidades de saúde dessa população(55. Rae JR, Gülgö S, Durwood L, DeMeules M, Lowe R, Lindquist G, et al. Predicting early-childhood gender transitions. Psychological Science. 2019;30(5):669-81. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/0956797619830649
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1313. Wright LM, Leahey M. Enfermeira e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 3rd. São Paulo: Roca; 2002.).

Entretanto, considerando haver extensa literatura afirmando a importância das famílias no desenvolvimento de uma transição de gênero saudável, percebe-se uma escassez de pesquisas que apresentem um olhar voltado às suas necessidades, especialmente sobre as experiências dos pais de ter um filho que está vivenciando uma série de mudanças físicas e emocionais, que também os afetam(11. Coleman E, Bockting W, Botzer M, Cohen-Kettenis P, DeCuypere G, Feldman J, et. al. Normas de atenção à saúde das pessoas trans e com variabilidade de gênero 7ª versão. East Dundee: World Professional Association for Transgender Health [Internet]; 2012. [cited 2021 Nov 10]. Available from: https://www.wpath.org/media/cms/Documents/SOC%20v7/SOC%20V7_Portuguese.pdf
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1313. Wright LM, Leahey M. Enfermeira e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 3rd. São Paulo: Roca; 2002.). Da mesma forma, ao se pensar no cuidado de enfermagem a essa população, observa-se um avanço em estudos direcionados especificamente ao indivíduo transgênero, porém estes, geralmente, não se aprofundam na atenção ao seu entorno, justificando o desenvolvimento de pesquisas que forneçam referências que suportem a prática(55. Rae JR, Gülgö S, Durwood L, DeMeules M, Lowe R, Lindquist G, et al. Predicting early-childhood gender transitions. Psychological Science. 2019;30(5):669-81. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/0956797619830649
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,66. Wagner LD, Armstrong E. Families in transition: the lived experience of parenting a transgender child. J Fam Nurs. 2020;26(4):337-45. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/1074840720945340
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).

Assim, este estudo teve como objetivo conhecer as experiências de familiares de adolescentes com incongruência de gênero.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Estudo de caso qualitativo único e incorporado(1414. Yin RK. Estudo de Caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman; 2015.), que segue as recomendações dos Consolidated criteria for Reporting Qualitative research (COREQ)(1515. Tong A, Sainsbury P, Craig, J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. DOI: http://dx.doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
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).

Participantes

Participaram cinco mães e três pais de cinco adolescentes em transição de gênero atendidos em um ambulatório de gênero e sexualidades, totalizando oito familiares.

LOCAL

Ambulatório de gênero e sexualidades de um hospital de ensino do interior do estado de São Paulo. O serviço oferece atendimento multidisciplinar às crianças e adolescentes de quatro a 20 anos de idade que vivenciam incongruência com o sexo de nascimento. Objetiva a avaliação e a promoção da saúde mental e da qualidade de vida dessa população, bem como de seus familiares, por meio do acompanhamento ambulatorial por profissionais da área da saúde, como médicos psiquiatras, endocrinologistas, ginecologistas, enfermeiros, psicólogos, fonoaudiólogos, arteterapêutas, entre outros.

Critérios de seleção

Critérios de inclusão: ser membro da família; ter proximidade do adolescente (identificado pela construção de um genograma); ter mais de 18 anos; e ter disponibilidade para comparecer às consultas de enfermagem e grupos de familiares. Como critério de exclusão, considerou-se a não convivência cotidiana ou proximidade com o adolescente.

Definição da Amostra

A seleção foi realizada a partir de contatos iniciais com as famílias, optando-se por selecionar aquelas que apresentavam maior frequência nas atividades do ambulatório, que foram identificadas pela pesquisadora e pelos demais profissionais da equipe, para assegurar a continuidade na pesquisa.

Coleta de Dados

Consideram-se três grandes métodos de coleta de dados no estudo de caso: fazer perguntas, observar eventos e ler documentos(1414. Yin RK. Estudo de Caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman; 2015.,1616. André M. O que é um estudo de caso qualitativo em educação?. Revista da FAEEBA - Educação e Contemporaneidade. 2013;22(40):95-103. DOI: https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2013.v22.n40.p95-103
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). As fontes de evidência utilizadas neste estudo foram a observação participante, a entrevista semiestruturada e a análise documental. Em suas três formas, a coleta de dados foi realizada nos meses entre fevereiro de 2019 e fevereiro de 2020, mensalmente, nos dias agendados para os grupos de familiares, isto é, com duração de dez dias (considerando que não houve encontros nos meses de julho e dezembro devido ao recesso do ambulatório), que resultou cerca de 40 horas de observação.

A coleta de dados se iniciou pelas entrevistas semiestruturadas, realizadas com os membros eleitos de cada família nos consultórios do ambulatório e gravadas por um dispositivo de áudio, após sua anuência, com duração de cerca de 30 minutos. Como roteiro, foi utilizado instrumento pré-elaborado com base nos Modelos Calgary de Avaliação e Intervenção Familiar (MCAIF). O instrumento propôs a apresentação da família por questionamentos referentes às três categorias principais dos MCAIF: estrutural, de desenvolvimento e funcional(1313. Wright LM, Leahey M. Enfermeira e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 3rd. São Paulo: Roca; 2002.).

A categoria estrutural tem por finalidade compreender a estrutura da família e como é a relação entre seus membros, dados obtidos a partir da construção do genograma e ecomapa. A categoria de desenvolvimento refere-se à transformação progressiva da história familiar, acessada por perguntas como: quais foram as maiores mudanças na criação desse adolescente? O que você vê como prioridade desse adolescente em suas vidas nesse momento? A categoria funcional se refere ao modo como os indivíduos da família interagem. Assim, foram realizadas perguntas como: como você percebe que seu filho está lidando com a situação? Como a família está lidando com a situação(1313. Wright LM, Leahey M. Enfermeira e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 3rd. São Paulo: Roca; 2002.)?

Em um segundo momento, os pais foram convidados a participar do grupo de familiares, que resultou em adesão total, favorecendo o desenvolvimento da observação participante não só através de conversas informais nos corredores do ambulatório.

Em cada encontro com o grupo, as condutoras (pesquisadora e uma psicóloga da equipe do ambulatório) se apresentavam, explicavam os objetivos do grupo, que consistiam em oferecer um ambiente seguro para a troca de experiências entre pessoas que estão passando por uma situação em comum, ressaltando sua importância como fonte de dados para este estudo. Os familiares eram convidados a se apresentar, bem como apresentarem seus filhos, e eram encorajados a contar o motivo de sua inserção no grupo. Em todas as sessões, esse movimento foi suficiente para levantar um tema a ser discutido e, assim, os encontros se desenvolviam. Os registros eram realizados imediatamente no diário de campo, de modo a evitar a perda de informações relevantes dos dados observados, como preconiza a literatura(1717. Delfini G, Toledo VP, Garcia APRF. The nursing team work process in children and adolescents psychosocial care centers. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e03775. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2020044403775
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,1818. Moser A, Korstjens I. Series: practical guidance to qualitative research. part 3: sampling, data collection and analysis. Eur J Gen Pract. 2018;24(1):9-18. DOI: https://doi.org/10.1080/13814788.2017.1375091
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).

Os prontuários foram acessados, de modo a identificar o motivo pelo qual os familiares haviam procurado o ambulatório, que continham as mudanças percebidas nos adolescentes, relacionadas à sua identidade de gênero.

Análise e Tratamento dos Dados

As transcrições das entrevistas e os registros do diário de campo foram organizados segundo o referencial da análise de conteúdos, que abrange três etapas com o propósito de significar os dados coletados: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados, por meio da inferência e interpretação(1919. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011.).

Iniciou-se pela releitura das entrevistas e dos registros do diário de campo, visando identificar os aspectos relevantes referentes ao contexto da experiência das famílias; identificação e posterior agrupamento dos aspectos significativos dos depoimentos em unidades de significados; síntese das unidades de significados para, posteriormente, compor as categorias temáticas a serem discutidas(1919. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011.).

Os dados obtidos nos prontuários foram organizados em quadro, de modo a apresentar o familiar que procurou o serviço, a idade de seu filho e as primeiras mudanças na expressão de gênero percebidas.

Os relatos e observações oriundos da coleta de dados, que remetem a problemas enfrentados pelos participantes, foram agrupados na categoria “Desafios em face à transição de gênero”, que compreende as dificuldades apresentadas pelos familiares ao vivenciar a transição de gênero de um de seus membros. Ademais, ao longo dos encontros, foram identificados padrões de pontos fortes, apresentados na categoria “Aspectos apoiadores diante da possibilidade de transição de gênero”, que representam as fortalezas percebidas, caracterizadas como o apoio que a família oferece e sua capacidade de aceitar receber ajuda.

Aspectos Éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNICAMP, sob Parecer nº 3.049.342, no ano de 2018, e seguiu todas as recomendações da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. A coleta de dados se iniciou após a anuência do participante por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e do Termo de Anuência, para gravação da voz. Para preservar o anonimato dos participantes, os nomes dos adolescentes foram substituídos pelas cores Laranja, Azul, Verde, Amarelo e Violeta, referindo-se à bandeira do orgulho LGBTQIA+.

RESULTADOS

Cada família participou de, no mínimo, uma consulta para avaliação. No quadro abaixo, estão relacionados dados referentes à avaliação familiar do adolescente com incongruência de gênero, apresentando a história obtida por meio da entrevista e dos dados provenientes do prontuário do adolescente.

Quadro 1.
História do adolescente com incongruência de gênero segundo familiar participante – Campinas, SP, Brasil, 2022.

Desafios em Face a Transição de Gênero

As vivências dos familiares expressam suas angústias em relação às mudanças provenientes da transição de gênero de seus filhos. Adaptar imagens construídas e que fazem referência ao gênero de nascimento foi assunto recorrente em todos os encontros.

Eu lembro quando ela nasceu, eu peguei ela no colo, eu vi a genitália, vi uma vagina, era uma menina mesmo (…) aí você já pensa em nomes e como você acha que vai ser quando crescer. (Pai de Amarelo)

Eu vou acordar ele, dou um beijo e falo “Bom dia, princesa”, como sempre fiz. (Pai de Verde)

Eu acabei mudando o jeito como eu chamo a atenção dela, porque não é do mesmo jeito que eu falo como meu filho mais velho. Com ele, eu me exalto, dou uns gritos, mas com a Laranja, eu me policio para ser mais delicada. (Mãe de Laranja)

Os embaraços dão prosseguimento quando se enganam ao utilizar os novos nomes e pronomes em diálogos com a pessoa em transição. Algumas vezes, são censurados e, outras vezes, são eles mesmos quem identificam seus próprios deslizes e se corrigem.

A irmã consegue chamar ela no masculino, mas a gente não. Tem hora que eu me descuido, e ela, ele, reclama. (Pai de Azul)

Tem que chamar ele na frente da avó de “ela”, aí o meu outro filho fica confuso, porque já tá acostumado a chamar por “ele”. (Mãe de Verde)

Os momentos de encontros com outros familiares afligem os pais, que se sentem pressionados entre compartilhar ou não a identidade de seus filhos.

O pai, logo de início, queria contar pra família, e eu falei que não! Porque ela não tava preparada, mas agora eu tô esperando ela estar preparada, mas eu acho que isso não vai acontecer. (Mãe de Azul)

Eu quero contar, pra não ficar em cima do muro! Porque faz meses que a gente tá nessa situação. (Pai de Azul)

Para além das fronteiras familiares, há os ambientes públicos. Os familiares sofrem por pensar no que pode acontecer a seus filhos em uma sociedade preconceituosa que pode não aceitar essa identidade destoante e até ocasionar ações violentas, principalmente quando começam a mudar o visual, como o corte de cabelo e as vestimentas.

Na escola, ela vai como “ele”. Como ela já está lá desde o primeiro ano, agora tá no quarto ano, é muito difícil você dormir menino e acordar uma menina. Então até pra ela isso é muito difícil. Existem barreiras e preconceitos e ela tem plena convicção disso. (Mãe de Laranja)

Eu fico com medo porque, você viu como ela é, né? As roupas mostram o corpão, as curvas (…) então, eu tenho medo de como podem ver ela e quererem se aproveitar. (Mãe de Violeta)

A fluidez de gênero, percebida em ações do cotidiano, relacionadas à sua expressão, como vestimentas, uso de maquiagem, corte de cabelo, faz com que os pais se prendam à esperança de que o filho possa mudar de ideia e não seguir com a transição social.

Essa semana ele tava arrumando o guarda-roupa, separando todas as roupas de menina pra doar. Depois, eu fui lá ver como estava e vi que ela tinha mesmo tirado tudo, menos dois vestidos que ela gostava muito e a caixinha de música, aí já me deu aquela esperança, né! (…) eu não sei se ele já se decidiu ou não. Queria que fosse mais decidido. (Mãe de Azul)

Nesse momento, a mãe procurou uma foto em seu celular para mostrar ao grupo. A mãe de Amarelo, com os olhos marejados, mostra a foto do filho, hoje um menino trans, usando um biquíni na praia, exaltando suas características femininas.

Hoje, por exemplo, você pode ver lá fora, se maquiou, tá de brinco. A gente não entende! Mas também não acho ruim, não. (Pai de Verde)

Aspectos Apoiadores Diante da Possibilidade de Transição de Gênero

Considerando os problemas que os familiares enfrentam, todos demonstraram capacidade de dar apoio, segurança e incentivo para os adolescentes, ou seja, aspectos apoiadores diante da possibilidade de transição de gênero. O fato de procurar um ambulatório específico para as questões de gênero, com foco na saúde mental, fomenta esse achado.

Eu vou no ritmo dela! Ah, é esse o problema? Então vamos atrás disso. Ela me dá opções… então a gente vai atrás do que ela fala. Eu levo ela pra comprar roupas, porque ela gosta de um determinado estilo, mas é ela quem escolhe. (Mãe de Laranja)

Ela não que ir pra faculdade agora… então nós conversamos com a psicóloga, de dar um crédito pra ela, de confiança… então nós apoiamos ele estudar em casa. Ver se ele consegue se planejar e estudar em casa… (Mãe de Azul)

A gente vem nos grupos, vem nas consultas, pra gente entender mesmo e estar com ela nas decisões, porque ela depende da gente ainda, tem menos de 18 anos. Então, a gente vai junto, a gente participa… (Mãe de Verde)

Eu não sei se ele já se decidiu ou não… queria que fosse mais decidido, mas a gente vai apoiar no que ele decidir. (Pai de Azul)

Da mesma forma como demonstram a capacidade para oferecer suporte a seus filhos, os familiares entendem que também precisam de ajuda nesse processo.

A gente [mãe e namorado] conversa sobre tudo e principalmente sobre isso e pra mim é um apoio, coisa que não acontece com o pai dela mesmo! (Mãe de Laranja)

Nessas horas, você percebe quem realmente importa na sua vida, e se não quiser fazer parte, tudo bem, pode ir. (Mãe de Amarelo)

Outros pais dizem estar em acompanhamento com profissionais da psicologia e que a indicação ocorreu por meio do atendimento de seus filhos.

Eu tô fazendo terapia e está sendo muito bom pra mim, sabe. (Mãe de Azul)

Depois que eu comecei a entender pelo lado da constelação familiar, mudou o meu jeito de pensar e está sendo muito importante! (…) antes, eu encarava como luto, minha filha morreu e agora eu tenho um filho. Agora, eu entendo que continua sendo a mesma pessoa, apenas com nome e roupas diferentes… é um ser de luz, é como se fosse uma engenharia… o que houve foi uma reconstrução e não morte. (Mãe de Amarelo)

Exaltam também a importância do apoio recebido nos encontros no ambulatório de gênero, ouvindo histórias semelhantes às suas, realizando trocas de informações, com apoio de uma equipe multiprofissional.

A gente já escutou várias histórias aqui, no grupo, isso é legal! (Pai de Azul)

Essa troca que acontece aqui, eu acho super importante! (Mãe de Violeta)

No quadro abaixo, sintetizam-se os problemas e pontos fortes elencados a partir dos encontros, assim como as intervenções propostas:

Quadro 2.
Problemas, pontos fortes e intervenções das famílias participantes – Campinas, SP, Brasil, 2022.

DISCUSSÃO

A partir do conhecimento das experiências das famílias dos adolescentes com incongruência de gênero por meio da aplicação dos MCAIF, foi possível identificar questões que se caracterizam como problemas e pontos fortes relacionados à vivência da transição de gênero de um dos membros.

Os problemas se mostraram presentes em vários níveis do sistema familiar. No nível estrutural, por exemplo, na questão de ajustar-se à nova forma familiar, com um filho passando por uma transição social, adaptando-se a um gênero incongruente ao designado em seu nascimento. No nível de desenvolvimento, em relação ao ciclo vital da família e nos vínculos afetivos entre seus membros. E no nível funcional, na crença do padrão heterocisnormativo que precisa ser reconstruído, na expressão e demonstração de sentimentos(1313. Wright LM, Leahey M. Enfermeira e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 3rd. São Paulo: Roca; 2002.).

Os participantes trouxeram a dificuldade em lidar com os passos da transição de gênero do adolescente, definida como termo genérico para as etapas que uma pessoa trans e sua comunidade tomam para afirmar sua identidade de gênero. Dependendo da idade e de suas necessidades individuais, essas etapas podem incluir mudanças sociais, médicas, cirúrgicas e legais. Nos adolescentes, a transição de gênero é principalmente um processo social(44. Murchison G. Supporting & caring for transgender children. Washington D.C: American Academy of Pediatrics [Internet]; 2016 [cited 2021 Nov 10]. Available from: https://assets2.hrc.org/files/documents/SupportingCaringforTransChildren.pdf
https://assets2.hrc.org/files/documents/...
,1313. Wright LM, Leahey M. Enfermeira e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 3rd. São Paulo: Roca; 2002.).

A transição de gênero afeta simultaneamente o sistema individual e o familiar, influenciando os membros em graus variados. O maior desafio em face da mudança em uma pessoa é que não será possível às outras responderem como anteriormente e, para os pais, isso pode significar abandonar seus sonhos para que seus filhos possam viver os seus. Passar de alguém que cuidava de uma filha para alguém que cuida agora de um filho, por exemplo, implica a criação de novos significados e percepções dessa relação, o que poderá demandar que aquelas expectativas originais para o futuro do adolescente sejam abandonadas(44. Murchison G. Supporting & caring for transgender children. Washington D.C: American Academy of Pediatrics [Internet]; 2016 [cited 2021 Nov 10]. Available from: https://assets2.hrc.org/files/documents/SupportingCaringforTransChildren.pdf
https://assets2.hrc.org/files/documents/...
,66. Wagner LD, Armstrong E. Families in transition: the lived experience of parenting a transgender child. J Fam Nurs. 2020;26(4):337-45. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/1074840720945340
http://dx.doi.org/10.1177/10748407209453...
,1313. Wright LM, Leahey M. Enfermeira e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 3rd. São Paulo: Roca; 2002.).

Os pais relacionam a escolha do nome a um período muito antes do nascimento, em que já planejavam e já imaginavam como seriam seus filhos. Estudos sugerem que os pais de filhos pertencentes a minorias sexuais podem estar sofrendo com a perda de uma imagem alimentada por eles desde o nascimento de seu filho, que se evidencia no momento em que esse adolescente começa a manifestar sua identidade de gênero publicamente de maneira não correspondente ao seu sexo biológico, por meio de seu nome, vestimenta, corte de cabelo, comportamento, voz e/ou características corporais e como interage com as demais pessoas(2020. Wahlig JL. Losing the child they thought they had: therapeutic suggestions for an ambiguous loss perspective with parents of a transgender child. J GLBT Fam Stud. 2015;11(4):305-26. DOI: https://doi.org/10.1080/1550428X.2014.945676
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,2121. www.glaad.org [Internet]. New York and Los Angeles: GLAAD Media Reference Guide; 2016 [cited 2022 Feb 28]. Available from: https://www.glaad.org/reference
https://www.glaad.org/reference...
).

Em meio ao processo de desenvolver ajustes às mudanças, tanto no sistema individual quanto no familiar, os pais também podem lidar com sentimentos de lealdade conflitantes, entre as decisões tomadas por seus filhos e as expectativas da sociedade. Corroborando com os resultados de um estudo anterior, os participantes deste estudo se mostraram inseguros em como agir ou sobre o que dizer às outras pessoas, à medida que a transição ia evoluindo, em uma tentativa de abordar em simultâneo seus próprios sentimentos e os de seus filhos(66. Wagner LD, Armstrong E. Families in transition: the lived experience of parenting a transgender child. J Fam Nurs. 2020;26(4):337-45. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/1074840720945340
http://dx.doi.org/10.1177/10748407209453...
).

É comum que famílias se sintam isoladas no processo de compreender esses sentimentos, reforçando a importância de se oferecer ambientes seguros que acolham essas pessoas e proporcionem o desenvolvimento de relacionamentos de confiança, nos quais seja possível identificar maneiras de promover o ajuste a problemas no funcionamento familiar(66. Wagner LD, Armstrong E. Families in transition: the lived experience of parenting a transgender child. J Fam Nurs. 2020;26(4):337-45. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/1074840720945340
http://dx.doi.org/10.1177/10748407209453...
).

A partir da avaliação familiar, observou-se que os grupos familiares eram constituídos por poucas pessoas, geralmente apenas pelos pais e filhos. Visando ampliar a rede de suporte, o presente estudo sugeriu a participação dos pais em grupos de apoio oferecidos pelo próprio ambulatório como uma intervenção, corroborando achados de pesquisas anteriores(66. Wagner LD, Armstrong E. Families in transition: the lived experience of parenting a transgender child. J Fam Nurs. 2020;26(4):337-45. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/1074840720945340
http://dx.doi.org/10.1177/10748407209453...
,77. Alegría, CA. Supporting families of transgender children/youth: parents speak on their experiences, identity, and views. Int J Transgend Health, 2018;19(2):132-43. DOI: http://dx.doi.org/10.1080/15532739.2018.1450798
http://dx.doi.org/10.1080/15532739.2018....
,1313. Wright LM, Leahey M. Enfermeira e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 3rd. São Paulo: Roca; 2002.,2222. Shumer DE, Nokoff NJ, Spack, NP. Advances in the care of transgender children and adolescents. Adv Pediatr. 2016;63(1):79-102. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.yapd.2016.04.018
http://dx.doi.org/10.1016/j.yapd.2016.04...
). A participação em grupos de apoio onde são reunidas pessoas que estão enfrentando problemas semelhantes incentiva os familiares a contar as suas próprias narrativas, o que os estimula a lidar com as situações enfrentadas(77. Alegría, CA. Supporting families of transgender children/youth: parents speak on their experiences, identity, and views. Int J Transgend Health, 2018;19(2):132-43. DOI: http://dx.doi.org/10.1080/15532739.2018.1450798
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,1313. Wright LM, Leahey M. Enfermeira e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 3rd. São Paulo: Roca; 2002.).

À medida que a compreensão e a aceitação se desenvolvem, os pais podem continuar a sentir perda e tristeza, desamparo em relação à situação e ansiedades sobre o futuro, incluindo se o filho realmente permanecerá como transgênero(66. Wagner LD, Armstrong E. Families in transition: the lived experience of parenting a transgender child. J Fam Nurs. 2020;26(4):337-45. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/1074840720945340
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,77. Alegría, CA. Supporting families of transgender children/youth: parents speak on their experiences, identity, and views. Int J Transgend Health, 2018;19(2):132-43. DOI: http://dx.doi.org/10.1080/15532739.2018.1450798
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). Essa dúvida se manifesta na maioria das famílias participantes, ao perceberem uma fluidez na identidade e/ou na expressão de gênero dos adolescentes. Nesse contexto, a enfermeira pode intervir acessando o domínio cognitivo, oferecendo informações sobre questões que permeiam a identidade de gênero(1313. Wright LM, Leahey M. Enfermeira e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 3rd. São Paulo: Roca; 2002.).

A fluidez de gênero se refere à mudança temporal na expressão ou identidade de gênero de uma pessoa ou em ambos. Essa mudança pode ser na expressão, mas não na identidade, ou na identidade, mas não na expressão, ou ambas podem mudar juntas(2222. Shumer DE, Nokoff NJ, Spack, NP. Advances in the care of transgender children and adolescents. Adv Pediatr. 2016;63(1):79-102. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.yapd.2016.04.018
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,2323. Agana MG, Greydanus DE, Indyk JA, Calles Jr JL, Kushner J, Leibowitz S, et al. Caring for the transgender adolescent and young adult: current concepts of an evolving process in the 21st century. Dis Mon. 2019;65(9):303-56. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.disam.2019.07.004
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). Para alguns jovens, a fluidez pode ser uma forma de explorar o gênero antes de chegar a uma expressão ou identidade de gênero mais estável. Para outros, a fluidez de gênero pode continuar indefinidamente como parte de sua experiência de vida com o gênero(2222. Shumer DE, Nokoff NJ, Spack, NP. Advances in the care of transgender children and adolescents. Adv Pediatr. 2016;63(1):79-102. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.yapd.2016.04.018
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,2323. Agana MG, Greydanus DE, Indyk JA, Calles Jr JL, Kushner J, Leibowitz S, et al. Caring for the transgender adolescent and young adult: current concepts of an evolving process in the 21st century. Dis Mon. 2019;65(9):303-56. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.disam.2019.07.004
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).

Assim como em estudo anterior, os participantes mostraram urgência em presenciar o desfecho do processo de transição de gênero evidenciado pelo desconforto em ver o filho vivendo “entre gêneros”(77. Alegría, CA. Supporting families of transgender children/youth: parents speak on their experiences, identity, and views. Int J Transgend Health, 2018;19(2):132-43. DOI: http://dx.doi.org/10.1080/15532739.2018.1450798
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). Essa tensão gerada no sistema familiar pode resultar em um cenário em que, por um lado, os pais vivem em um estado de antecipação quando o resultado esperado é aparentemente prolongado, mas, por outro, desconhecem ou não concebem a possibilidade do adolescente apresentar uma identidade de gênero não binária ou que se mantenha fluida(77. Alegría, CA. Supporting families of transgender children/youth: parents speak on their experiences, identity, and views. Int J Transgend Health, 2018;19(2):132-43. DOI: http://dx.doi.org/10.1080/15532739.2018.1450798
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).

Reconhecendo suas angústias, todos os participantes deste estudo relataram buscar ajuda profissional, seja por um profissional ou por uma pessoa de confiança, o que foi listado como um ponto forte a ser explorado. Os familiares de adolescentes com incongruência de gênero têm a necessidade de serem ouvidos e compartilhar suas histórias e, muitas vezes, recorrem a grupos de apoio que favoreçam a construção do significado daquela situação em suas vidas, o que corrobora com os achados apresentados(66. Wagner LD, Armstrong E. Families in transition: the lived experience of parenting a transgender child. J Fam Nurs. 2020;26(4):337-45. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/1074840720945340
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,77. Alegría, CA. Supporting families of transgender children/youth: parents speak on their experiences, identity, and views. Int J Transgend Health, 2018;19(2):132-43. DOI: http://dx.doi.org/10.1080/15532739.2018.1450798
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,99. Coolhart D, Ritenour K, Grodzinski A. Experiences of ambiguous loss for parents of transgender male youth: a phenomenological exploration. Contemp Fam Ther. 2018;40:28-41. DOI: http://dx.doi.org/10.1007/s10591-017-9426-x
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).

Ao promover oportunidades para que os membros da família expressem suas narrativas, os MCAIF propõem capacitá-los a extrair seus próprios pontos fortes e recursos para mútuo apoio. A enfermeira pode ser o catalisador que facilitará a comunicação entre os membros da família ou entre estes e outros profissionais de saúde(66. Wagner LD, Armstrong E. Families in transition: the lived experience of parenting a transgender child. J Fam Nurs. 2020;26(4):337-45. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/1074840720945340
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,1313. Wright LM, Leahey M. Enfermeira e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 3rd. São Paulo: Roca; 2002.). Para isso, o uso de perguntas interventivas pode ser uma opção para alcançar o domínio afetivo familiar, buscando compreender quais membros estão sofrendo, como estão se comportando e, assim, conhecer suas percepções e reações sobre determinado problema(1313. Wright LM, Leahey M. Enfermeira e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 3rd. São Paulo: Roca; 2002.).

A validação desse afeto intenso pode aliviar sentimentos de isolamento e solidão e ajudar os membros da família a fazer a ligação entre a situação vivenciada por um deles e a resposta emocional de todos os outros. Como recomendado pelos MCAIF, é importante que a enfermeira valide essas emoções, incentive a narrativa e estimule o apoio(66. Wagner LD, Armstrong E. Families in transition: the lived experience of parenting a transgender child. J Fam Nurs. 2020;26(4):337-45. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/1074840720945340
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,77. Alegría, CA. Supporting families of transgender children/youth: parents speak on their experiences, identity, and views. Int J Transgend Health, 2018;19(2):132-43. DOI: http://dx.doi.org/10.1080/15532739.2018.1450798
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,1313. Wright LM, Leahey M. Enfermeira e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 3rd. São Paulo: Roca; 2002.).

O apoio familiar ao adolescente com incongruência de gênero tem sido associado na literatura à maior satisfação com a vida e com os relacionamentos sociais e menos sintomas depressivos(66. Wagner LD, Armstrong E. Families in transition: the lived experience of parenting a transgender child. J Fam Nurs. 2020;26(4):337-45. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/1074840720945340
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99. Coolhart D, Ritenour K, Grodzinski A. Experiences of ambiguous loss for parents of transgender male youth: a phenomenological exploration. Contemp Fam Ther. 2018;40:28-41. DOI: http://dx.doi.org/10.1007/s10591-017-9426-x
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). Do mesmo modo, a falta de apoio configura risco de rejeição familiar, suicídio, discriminação e relutância em procurar serviços de saúde(66. Wagner LD, Armstrong E. Families in transition: the lived experience of parenting a transgender child. J Fam Nurs. 2020;26(4):337-45. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/1074840720945340
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88. Brown C, Porta CM, Eisenberg ME, McMorris BJ, Sieving RE. Family relationships and the health and well-being of transgender and gender-diverse youth: a critical review. LGBT Health. 2020;7(8):407-19. DOI: http://dx.doi.org/10.1089/lgbt.2019.0200
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).

Adolescentes com incongruência de gênero são considerados um dos grupos escolares mais marginalizados e oprimidos. Alguns estudos sugerem que minorias sexuais estão ganhando maior visibilidade e, consequentemente, maior aceitação. Entretanto, estudantes com incongruência de gênero continuam a enfrentar um clima escolar mais hostil se comparado aos seus colegas homossexuais ou bissexuais, por exemplo(2525. Davy Z, Cordoba S. School cultures and trans and gender-diverse children: parent’s perspectives. J GLBT Fam Stud. 2020;16(4): 349-67. DOI: http://dx.doi.org/10.1080/1550428X.2019.1647810
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).

A avaliação da família é, em geral, ensinada ao nível de graduação em enfermagem, entretanto o foco limitado na teoria da enfermagem da família e nas questões de identidade de gênero podem ser insuficientes para desenvolver o conhecimento e habilidades necessárias para o cuidado a essa população, o que se apresenta como uma limitação de sua aplicação(1313. Wright LM, Leahey M. Enfermeira e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 3rd. São Paulo: Roca; 2002.).

Desse modo, conhecer essas experiências deve impelir a enfermagem a pensar em um cuidado que enfatiza a importância do papel da família, não no desenvolvimento da incongruência de gênero, nem na cura da mesma, mas em sua capacidade de encontrar formas colaborativas de nutrir seus filhos, de apoiar sua personalidade e suas escolhas. Essas medidas são essenciais para estabelecer limites, garantir a segurança e preparar para tomar decisões informadas sobre a potencial transição médica e social ou a falta dela(66. Wagner LD, Armstrong E. Families in transition: the lived experience of parenting a transgender child. J Fam Nurs. 2020;26(4):337-45. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/1074840720945340
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,1313. Wright LM, Leahey M. Enfermeira e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 3rd. São Paulo: Roca; 2002.,2626. Leahey M, Wright LM. Application of the calgary family assessment and intervention models: reflections on the reciprocity between the personal and the professional. J Fam Nurs. 2016;22(4):450-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1177/1074840716667972
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).

CONCLUSÃO

A abordagem metodológica do estudo de caso qualitativo contribuiu para conhecer as experiências das famílias de adolescentes com incongruência de gênero, reveladas por meio dos MCAIF em um ambulatório de gênero e sexualidades na infância e adolescência.

O alcance das experiências utilizando um modelo de avaliação e intervenção possibilitou o conhecimento de que esses familiares percorrem uma série de desafios ao acompanhar um adolescente em uma transição de gênero. Enquanto se tem avançado no cuidado ao indivíduo transgênero e no reconhecimento de seus direitos, o foco específico nessa população parece não oferecer o mesmo espaço para que aqueles com quem convivem tenham suas necessidades ouvidas.

Os MCAIF mostraram ser ferramentas eficazes nesse sentido, ao proporcionar à enfermeira o envolvimento com essas famílias, de modo a avaliar, explorar e identificar os pontos fortes e problemas e tomar decisões para intervir. As dificuldades que os familiares enfrentam ao se deparar com aspectos físicos e emocionais da transição de gênero de seus filhos precisam ser acolhidas e manejadas pela enfermeira, embasadas tanto no conhecimento de suas peculiaridades quanto em uma metodologia que suporte sua prática.

Percebeu-se que os familiares apresentam pontos fortes, evidenciados pela intenção de procurar ajuda e oferecer apoio aos adolescentes, porém cabe à enfermagem facilitar o acesso dessa população aos serviços de saúde e advogar por seus direitos. Desenvolver um relacionamento de confiança mútua e empatia e favorecer a narrativa dessas famílias para expressar seus sentimentos e problemas pode capacitá-los a utilizar seus pontos fortes para criar ferramentas de superação das dificuldades.

Aponta-se, por fim, que este estudo apresentou como limitação o fato de ser um caso recortado de um único ambulatório, compreendendo apenas as famílias estudadas, o que abre possibilidades para o desenvolvimento de novos estudos.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Ivone Evangelista Cabral

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2022
  • Aceito
    31 Maio 2022
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