Acessibilidade / Reportar erro

Incidentes de segurança do paciente e o fenômeno da segunda vítima entre estudantes de enfermagem

RESUMO

Objetivo:

mapear os fatores envolvidos em incidentes que fragilizam a segurança dos pacientes e que colaboram para o fenômeno da segunda vítima entre os estudantes de enfermagem.

Método:

estudo de abordagem qualitativa, de caráter exploratório-descritivo, realizado com 23 estudantes de enfermagem de uma Universidade Federal do Sul do Brasil. As entrevistas foram analisadas através da análise textual discursiva. O software Iramuteq auxiliou no processamento dos textos.

Resultado:

falhas na comunicação entre a equipe de saúde, ausência de protocolos e de equipamentos que priorizem a segurança do paciente e os fatores relacionados ao processo de ensino-aprendizagem favorecem a ocorrência de incidentes de segurança do paciente e corroboram para o fenômeno da segunda vítima entre estudantes de enfermagem.

Conclusão

a incorporação da temática sobre segurança do paciente no curso de enfermagem pode auxiliar o desenvolvimento de uma cultura de segurança do paciente, ao incentivar a cultura do relato, admitir a possibilidade do erro e o aprendizado a partir dele, estratégias que podem propiciar na mitigação dos efeitos da segunda vítima.

DESCRITORES
Estudantes de enfermagem; Educação em enfermagem; Segurança do paciente; Gestão de segurança; Estágio clínico

ABSTRACT

Objective:

To map the factors involved in incidents that harm patient safety and contribute to the second victim phenomenon among nursing students.

Method:

Qualitative, exploratory-descriptive study addressing 23 nursing students attending a Federal University in the South of Brazil. The interviews were analyzed using text and discoursive analysis. The Iramuteq software supported the processing of texts.

Results:

Communication failures within the health staff, a lack of protocols and equipment that prioritize patient safety, and factors related to the teaching-learning process favor the occurrence of patient safety incidents and the second victim phenomenon among nursing students.

Conclusion:

Addressing the topic concerning patient safety in nursing programs can promote the patient safety culture by encouraging reporting and admitting the possibility of errors and learning from them, strategies that can mitigate second victim effects.

DESCRIPTORS
Students, nursing; Education, nursing; Patient Safety; Safety management; Clinical Clerkship

RESUMEN

Objetivo:

mapear los factores que participan en incidentes que fragilizan la seguridad de los pacientes y que colaboran para el fenómeno de la segunda víctima entre los estudiantes de enfermería.

Método:

estudio de abordaje cualitativo, de carácter exploratorio y descriptivo, realizado en 23 estudiantes de enfermería de una Universidad Federal del sur de Brasil. Las entrevistas fueron analizadas a través del análisis textual discursivo. El software Iramuteq auxilió en el procesamiento de los textos.

Resultado:

las fallas en la comunicación entre el equipo de la salud; la ausencia de protocolos y de equipamientos que den prioridad a la seguridad del paciente; y, los factores relacionados al proceso de enseñanza y aprendizaje, favorecen la ocurrencia de incidentes de seguridad del paciente y corroboran el fenómeno de la segunda víctima entre estudiantes de enfermería.

Conclusión:

la incorporación de la temática sobre seguridad del paciente, en el curso de enfermería, puede auxiliar a desarrollar una cultura de seguridad del paciente al incentivar la cultura del relato, admitir la posibilidad del error e incentivar el aprendizaje; y, partiendo de este, crear estrategias que puedan auxiliar a mitigar los efectos de la segunda víctima.

DESCRIPTORES
Estudiantes de Enfermería; Educación en Enfermería; Seguridad del Paciente; Administración de la Seguridad; Prácticas clínicas

INTRODUÇÃO

O ingresso na universidade representa, para o estudante, um momento de intensas mudanças em sua vida. Existe uma grande expectativa de novas experiências, de aprendizado e de relações, mas que, também, acompanha sentimentos de medo e insegurança diante da nova realidade. A maioria desses estudantes estão saindo do ensino médio, são jovens e, geralmente, apresentam uma certa imaturidade, carregando consigo o dilema sobre a escolha da profissão e, também, a responsabilidade de iniciar um curso de nível superior(11. Peixoto LCP, Santos EKA, Andrade LM, Carvalho PAL, Sena ELS. Vítima e vilã: experiência ambígua de estudantes de enfermagem no contexto universitário. Rev Gaúcha Enferm. 2021;42:e20200365. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200365. PubMed PMID: 34755804.
http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2021...
).

A trajetória acadêmica dentro do curso, as experiências, os relacionamentos e os vínculos adquiridos na graduação, bem como as metodologias utilizadas pelos professores podem determinar não só a permanência na profissão, como o rumo que estes estudantes vão tomar após a formatura. O professor, ou até mesmo uma aula, podem motivar e inspirar o acadêmico para tornar-se especialista em alguma área específica da assistência, estimular o estudante a seguir no campo da docência ou da pesquisa, além de poder ser responsável pela interrupção ou desistência do curso. Todos esses desfechos, somados às necessidades pessoais, são influenciados pelas experiências e relacionamentos vivenciados dentro da academia(22. Godinho MLSC, Clapis MJ, Dias A, Bitencourt F. Nurses’ training process: graduates’ point of view on practice and insertion in the world of work. Reme. 2021;25:e-1357. doi: http://dx.doi.org/10.5935/1415.2762.20210005.
http://dx.doi.org/10.5935/1415.2762.2021...
).

A enfermagem é um curso predominantemente prático, dessa maneira, durante a graduação em enfermagem, os estudantes iniciam sua formação com os eixos teóricos e, gradualmente, inserem-se nos serviços de saúde com aulas práticas, finalizando com estágios supervisionados. A formação no cenário clínico envolve a participação do acadêmico, docente e enfermeiro assistencial: baseia-se na inserção do aluno no ambiente clínico de maneira supervisionada e estruturada, oportunizando ao discente a incorporação e desenvolvimento de habilidades de comunicação, anamnese, exame físico, raciocínio clínico, diagnóstico e gerenciamento(33. Burgess A, van Diggele C, Roberts C, Mellis C. Key tips for teaching in the clinical setting. BMC Med Educ. 2020;20(Supl. 2):463. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12909-020-02283-2. PubMed PMID: 33272257.
http://dx.doi.org/10.1186/s12909-020-022...
).

O campo prático, portanto, é visto como uma oportunidade para o estudante associar seu conhecimento teórico com a prática, para aprender novos procedimentos, aperfeiçoar as atitudes e habilidades de relacionamento interpessoal e reconhecimento de identidade profissional. Para os estudantes, as aulas práticas e estágios são momentos de bastante expectativa e ansiedade, pois é o primeiro contato que eles terão com os pacientes. Entres as angústias dos estudantes, o medo de errar e a insegurança são os sentimentos que prevalecem(44. Carleto CT, Moura RCD, Santos VS, Pedrosa LAK. Adaptação à universidade e transtornos mentais comuns em graduandos de enfermagem. Rev Eletr Enferm. 2018;20. doi: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v20.43888.
http://dx.doi.org/10.5216/ree.v20.43888...
).

O acadêmico de enfermagem tem um potencial, mesmo que em menor grau, de tornar-se uma segunda vítima, quando inseridos no contexto clínico e hospitalar. O momento do estágio é visto por eles com dualidade, a possibilidade de colocar seus conhecimentos e habilidades em prática e, como um momento de bastante ansiedade, permeado pelo medo de causar danos ao paciente, ao se envolverem em incidentes de segurança do paciente(44. Carleto CT, Moura RCD, Santos VS, Pedrosa LAK. Adaptação à universidade e transtornos mentais comuns em graduandos de enfermagem. Rev Eletr Enferm. 2018;20. doi: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v20.43888.
http://dx.doi.org/10.5216/ree.v20.43888...
).

Esse medo de errar pode ser potencializado pela pressão que recebem durante a formação por parte de seus professores, colegas, equipe de saúde e, até mesmo, da sociedade. A visão de que os bons profissionais são aqueles que não cometem erros e aqueles que erram não são considerados bons, ainda impera nos cursos da área da saúde, reforçando uma cultura de segurança punitiva, com ênfase na culpabilização individual diante da ocorrência de incidentes(55. Brasil, Ministério da Saúde. Documento de referência para o programa nacional de segurança do paciente. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014.).

Faz-se necessário o fortalecimento da cultura de segurança do paciente no processo de formação dos estudantes de graduação em enfermagem, a qual pode ser definida como resultado dos valores, atitudes, percepções, competências e padrões de comportamentos, tanto individual como do grupo, que responsabiliza todos, profissionais e pacientes, pela sua própria segurança e pela segurança do paciente, prioriza o cuidado seguro e de qualidade acima de todas as outras metas e estimula a identificação, a notificação e a resolução de problemas relacionados à segurança do paciente(66. Brasil. Portaria nº 529, de 1 de abril de 2013. Institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP). Diário Oficial da União; Brasília; 2 abr 2013 [cited 2021 Dec 21]. Available from: http://portalms.saude.gov.br/images/pdf/2015/junho/03/2.c%20-%20Apresentação%20PNSP%20-%20setembro_2013.pdf
http://portalms.saude.gov.br/images/pdf/...
,77. White RM, Delacroix R. Second victim phenomenon: Is ‘just culture’ a reality? An integrative review. Appl Nurs Res. 2020;56:151319. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.apnr.2020.151319. PubMed PMID: 32868148.
http://dx.doi.org/10.1016/j.apnr.2020.15...
).

O fortalecimento da cultura de segurança do paciente, entre os estudantes, pode ajudar a mitigar os efeitos negativos relacionados ao incidente de segurança do paciente, ou seja, evento ou circunstância que causa, ou pode causar, dano desnecessário ao paciente(55. Brasil, Ministério da Saúde. Documento de referência para o programa nacional de segurança do paciente. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014.). Quando os responsáveis pelo cuidado envolvem-se nessas situações, sintomas físicos e/ou psicológicos podem estar associados. Neste contexto, surgiu o termo “segunda vítima”, utilizado para referir-se ao profissional de saúde que desenvolve algum sofrimento ou trauma após envolvimento direto em incidentes(88. Wu AW. Medical error: the second victim. The doctor who makes the mistake needs help too. BMJ. 2000;320(7237):726-7. doi: http://dx.doi.org/10.1136/bmj.320.7237.726. PubMed PMID: 10720336.
http://dx.doi.org/10.1136/bmj.320.7237.7...
).

Mais tarde, o termo “segunda vítima” estendeu-se para o prestador de serviços de saúde que se envolve, direta ou indiretamente, em um evento adverso ou ação não esperada, causando traumas e sofrimento a esta pessoa. Por ser mais ampla, esta última definição de segunda vítima foi adotada como referência para este estudo, portanto, direciona-se para profissionais de diversas áreas, acadêmicos e professores, também, podem ser considerados segunda vítima(99. Scott SD, Hirschinger LE, Cox KR, McCoig M, Brandt J, Hall LW. The natural history of recovery for the healthcare provider “second victim” after adverse patient events. Qual Saf Health Care. 2009;18(5):325-30. doi: http://dx.doi.org/10.1136/qshc.2009.032870. PubMed PMID: 19812092.
http://dx.doi.org/10.1136/qshc.2009.0328...
).

Ainda nessa perspectiva, o termo “terceira vítima” faz referência às organizações de saúde, aos profissionais da gestão e às instituições de ensino que, mesmo não envolvidos diretamente com o incidente, podem sofrer os efeitos negativos(1010. Holden J, Card AJ. Patient safety professionals as the third victims of adverse events. J Patient Saf Risk Manag. 2019;24(4):166-75. doi: http://dx.doi.org/10.1177/2516043519850914.
http://dx.doi.org/10.1177/25160435198509...
).

Os sintomas da segunda vítima como estresse pós-traumático, desgastes emocionais e psicológicos, podem ser ainda mais exacerbados nos estudantes de enfermagem, os quais se encontram em período de formação profissional. A participação em um incidente de segurança do paciente pode causar desde um descontentamento com a profissão, questionamentos sobre a escolha da profissão, transtornos de humor, utilização de medicamentos e evasão do curso(1111. van Slambrouck LV, Verschueren R, Seys D, Bruyneel L, Panella M, Vanhaecht K. Second victims among baccalaureate nursing students in the aftermath of a patient safety incident: an exploratory cross-sectional study. J Prof Nurs. 2021;37(4):765-70. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.profnurs.2021.04.010. PubMed PMID: 34187676.
http://dx.doi.org/10.1016/j.profnurs.202...
).

Neste sentido, tem-se como questão de pesquisa: quais os fatores envolvidos em incidentes fragilizam a segurança dos pacientes e que colaboram para o fenômeno da segunda vítima entre os estudantes de enfermagem? Esta pesquisa objetivou mapear as causas desses problemas.

MÉTODO

Tipo do Estudo

Estudo de abordagem qualitativa, de caráter exploratório- descritiva. Para condução deste estudo, seguiu-se Consolidated criteria for report qualitative research (COREQ), conforme o guia para estudos com abordagem qualitativa.

População

A amostra foi composta por 23 estudantes de enfermagem que estavam no nono e décimo semestre do Curso de Graduação em Enfermagem na referida universidade de estudo. O total de alunos que estavam com matrículas ativas no período da coleta de dados, de março a abril de 2021, era de 15 alunos no nono semestre e 21 no décimo. Após convite, a amostra deste estudo fechou em 23 alunos, sendo nove alunos do nono semestre e 11 alunos do décimo, após o pesquisador decidir que as informações fornecidas encontravam-se saturadas diante dos seus objetivos.

Local de Estudo

A pesquisa aconteceu junto ao curso de graduação de enfermagem de uma Universidade Federal localizada no Sul do Estado do Rio Grande do Sul. Os cenários foram as unidades de internação de clínica médica, clínica cirúrgica, traumatologia e maternidade do hospital universitário vinculado à Universidade, onde os discentes estavam desenvolvendo os estágios clínicos supervisionados, sob a supervisão técnica de enfermeiros dos respectivos setores, unidades ou serviços e sob orientação de professores enfermeiros da Escola de Enfermagem.

O estágio supervisionado do curso de enfermagem refere-se às atividades da prática profissional desenvolvidas nos dois últimos semestres do curso (nono e décimo semestre). O estágio supervisionado do nono semestre é desenvolvido num total de 420 horas e corresponde a quatro disciplinas essenciais da prática hospitalar, a saber: Ênfase na saúde da mulher, Ênfase na saúde da criança e do adolescente, Ênfase da saúde do adulto e idoso e Ênfase em enfermagem perioperatória. Por sua vez, o estágio do décimo semestre possui um total de 540 horas estruturado em duas disciplinas que contemplam a área de opção do acadêmico e área de Atenção Básica à Saúde.

Critérios de Seleção

Os critérios de inclusão dos participantes foram ser estudante do curso de graduação em enfermagem e estar regularmente matriculado no nono e décimo semestre com atuação em instituições de saúde. Os critérios de exclusão dos participantes foram a ausência do estudante, devido a trancamento total e mobilidade acadêmica durante o período de coleta de dados.

Definição da Amostra

Para seleção dos participantes, foi utilizada a amostragem não probabilística por conveniência, em que a seleção dos elementos da amostra é feita de forma não aleatória, considerando as características do grupo de participantes do estudo. Assim, os participantes foram selecionados de acordo com sua presença no momento da coleta de dados e disponibilidade para agendamento.

Coleta dos Dados

Para coleta de dados realizou-se entrevistas semiestruturadas, tanto presencial como na modalidade on-line, sendo 18 na forma presencial, em local reservado do Hospital Universitário, atendendo todas as medidas e protocolos sanitários de distanciamento, uso de máscara e álcool em gel e cinco estudantes aceitaram participar da pesquisa com agendamento de horário para modalidade on-line, através de ligação por chamada de vídeo.

Os estudantes foram abordados durante a última semana de estágio e as entrevistas foram gravadas por dispositivo de mídia eletrônica digital, após autorização e assinatura do termo de consentimento, posteriormente transcritas pela pesquisadora. Cada entrevista durou, em média, 20 minutos. O período da coleta de dados aconteceu entre março e abril de 2021.

Além disso, realizou-se a validação do questionário, previamente elaborado, para verificar se os participantes do estudo compreenderiam as perguntas, como também, para analisar se as perguntas seriam suficientes para o alcance dos objetivos deste trabalho. Dessa forma, antes de iniciar a coleta, o questionário foi testado com dois participantes, que foram descartados da amostra final.

O questionário utilizado foi composto por questões fechadas para caracterização dos participantes e questões abertas, com ênfase nos aspectos relacionados à experiência em incidentes de segurança do paciente e ao fenômeno da segunda vítima. O questionário inicialmente aborda a percepção geral dos alunos sobre a ocorrência de incidentes e erros no cenário da saúde. Essa pergunta foi escolhida para introduzir a entrevista por acreditar que, dessa forma, os estudantes pudessem sentir-se mais confortáveis, na medida em que essa temática, por ser delicada, pode causar desconforto e trazer lembranças indesejadas aos participantes.

Análise e Tratamento dos Dados

As entrevistas foram analisadas através da análise textual discursiva, que pode ser descrita a partir de três etapas: a unitarização, a categorização e a captação do novo emergente. Logo, após a desconstrução do texto e separação das unidades de significado, essas foram agrupadas em categorias, o que subsidiou a construção do metatexto, contendo as novas compreensões que emergiram sobre o fenômeno pesquisado(1212. Moraes R, Galiazzi MC. Análise textual discursiva. Ijuí: Unijuí; 2013.).

Para processamento dos dados, utilizou-se o software IRAMUTEQ, que possui várias formas de análise, neste estudo, utilizou-se a forma mais completa do IRAMUTEQ, que consiste no método de REINERT ou Classe hierárquica descendentes (CHD). Os textos, denominado corpus, foram classificados em função dos seus respectivos vocabulários e o conjunto deles dividiu-se pela frequência das formas reduzidas. A partir de matrizes que cruzaram segmentos de textos (ST) e palavras (repetidos testes X2, adotado valor de p < 0,05), aplicou-se o método de CHD para obter uma classificação estável e definitiva(1313. Silva R, Ribeiro EAW. O software IRAMUTEQ como ferramenta metodológica para análise qualitativa nas pesquisas em educação profissional e tecnológica. BRAJETS. 2021;14(2):275-84. doi: http://dx.doi.org/10.14571/brajets.v14.n2.275-284.
http://dx.doi.org/10.14571/brajets.v14.n...
).

O software analisou e fracionou o corpus por meio de cálculos estatísticos até chegar aos ST. Dessa forma, o IRAMUTEQ facilita a primeira fase da análise, a partir da separação do corpus em ST e unitarização destes em unidades de sentido. As classes criadas pelo software são compostas por esses ST em função da classificação, segundo a distribuição do vocabulário desses segmentos de texto.

O IRAMUTEQ reconheceu a separação do corpus deste trabalho, constituído por 23 textos, em 937 ST, com aproveitamento de 839 ST (89,54%). As classes identificadas pelo IRAMUTEQ deram origem ao dendograma abaixo e suas relações entre si (Figura 1).

Figura 1.
Dendrograma de Classificação Hierárquica Descendente. Rio Grande, RS, Brasil, 2021.

Para a construção deste artigo, emergiu-se as categorias: “Estudantes de enfermagem como segunda vítima de sistemas de saúde inseguros” (classe 5) e a “Influência do processo de ensino-aprendizagem no fenômeno da segunda vítima” (classe 1 e 2).

Aspectos Éticos

Foram garantidos todos os preceitos estabelecidos na Resolução n. 510 de 07 de abril de 2016 do Conselho Nacional de Saúde, no que diz respeito aos aspectos éticos na pesquisa na área de Ciências Humanas e Sociais. Além disso, seguiu-se o ofício que orienta a coleta de dados na modalidade on-line, ofício Circular No 2/2021/CONEP/SECNS/MS. A pesquisa obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal, o qual obteve parecer favorável (4.487.347) no ano de 2020. Para garantir o anonimato dos participantes, foi designada a letra “E” de estudante seguido por números sequenciais, “E1, E2, E3…”. As entrevistas foram retornadas a cada participante após transcrição para verificar a autenticidade. Todos os participantes que aceitaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ou tiveram o termo enviado por e-mail.

RESULTADOS

Participaram do estudo 23 estudantes de enfermagem, com nove alunas que cursavam o nono semestre e 14 o décimo. Todas as participantes eram do sexo feminino. A idade variou de 20 a 46 anos. Apenas quatro estudantes afirmaram ter formação e experiência como técnicas de enfermagem.

ESTUDANTES DE ENFERMAGEM COMO SEGUNDA VÍTIMA DE SISTEMAS DE SAÚDE INSEGUROS

Esta categoria evidenciou os incidentes vivenciados pelos estudantes de enfermagem durante a assistência hospitalar e a sua relação com o fenômeno da segunda vítima. Verificou-se que os eventos relatados podem estar relacionados a um sistema de saúde inseguro, com ausência de barreiras para a ocorrência de erros, que contribuem para incidentes de segurança do paciente, colocando os estudantes em risco de se tornarem segundas vítimas.

Falhas na comunicação entre a equipe de saúde, ausência de protocolos e equipamentos que priorizem a segurança do paciente foram evidenciados como os principais fatores relacionados ao envolvimento dos estudantes em incidentes de segurança do paciente e, consequentemente, ao desencadeamento do fenômeno da segunda vítima.

Às vezes, o hospital ele nos induz ao erro, então, às vezes, é a unidade que tu troca que não funciona do mesmo jeito (…) a gente fica cheio de medo, mas a gente não conhece o material, não conhece as cores, por mais que tenha uma identificação.A gente não tá habituado àquilo, então. às vezes. é o material que o hospital está fornecendo que é o mesmo equipo pode conectar em duas entradas que são bem diferentes e, então, acho que isso que também é um fator (E1).

Acredito que não é só do profissional que tem as funções de, às vezes, ser algum dispositivo que confunde, ou a medicação que é semelhante, (…)também a função dos profissionais que estão cansados (E2).

As práticas, no caso, diferem de um setor para o outro, não tem um padrão e isso aí também pode causar erro e dor no paciente. (E21).

(…)já tinham aplicado a medicação e apliquei a medicação de novo. Não aconteceu nada, mas foi uma função ali, de não querer checar, de não terem passado o plantão (E2).

Avisei pra ela, só falta identificar, que eu recém aspirei uma adrenalina diluída e uma pura, que foi a pediatra que pediu. Ela foi lá, pegou as minhas duas adrenalinas, a técnica que estava junto comigo viu que eu tinha aspirado, mas a enfermeira botou as duas adrenalinas fora e nós não tínhamos mais adrenalina no setor. Aí o bebê nasceu parado, levou assim de longe e a técnica teve que pedir para o anestesista dar as adrenalinas dele (E2).

Eu já tive coisa de, por exemplo, atrasar medicação de olhar e acabar se enrolando nas coisas e deixar pra depois, já teve do paciente com mesmo nome no mesmo quarto e muda só o sobrenome… (E7).

Ainda, entre os fatores que influenciam no envolvimento do estudante em incidentes, destaca-se a falta de trabalho em equipe, a sobrecarga de atividades e os fatores pessoais. Também, a baixa confiança nos estudantes de enfermagem e a presença de uma equipe de trabalho permeada por conflitos foram evidenciadas e constituíram preditores para colocá-los em situações de risco:

Não confiou nem na técnica que disse que recém tinha aspirado adrenalina. A técnica conversou, disse que a enfermeira, ela era nova no setor, também que ela não tinha confiança na equipe e que, por isso, que ela acabou fazendo isso (E2).

Tinha muita gente pra atender, tinha só uma professora e estava trocando o enfermeiro da unidade, eu fui sozinha, no caso (E21).

INFLUÊNCIA DO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM NO FENÔMENO DA SEGUNDA VÍTIMA

A presente categoria compreende os fatores relacionados ao processo de ensino-aprendizagem e sua contribuição para a ocorrência do fenômeno da segunda vítima, com ênfase na cultura punitiva presente no ambiente de formação, nas fragilidades do ensino da segurança do paciente, no distanciamento entre teoria e prática e no papel do docente e o processo de comunicação com o estudante.

Foi possível evidenciar que, por vezes, ainda é reforçada no processo de ensino-aprendizagem a premissa de que erros não podem fazer parte da assistência em saúde, o que dificulta a implantação de uma cultura de segurança positiva já no processo de formação dos enfermeiros, reforçando concepções de culpa individual, de punição e omissão de erros, potencializando o fenômeno da segunda vítima.

Até dentro da própria universidade que a gente tem uma cobrança que a gente não pode errar nunca, que tem que acertar sempre, isso vem desde que a gente começa os estágios (E12).

Ninguém ia me julgar, mas eu me autojulguei, porque sabia que estava fazendo aquilo errado e, também, já vi alguns acadêmicos que tem medo de errar e o professor julgar (E23).

A falta de conhecimento sobre questões básicas acerca da segurança do paciente e gerenciamento de uma situação de incidente, também, pode contribuir para o aparecimento do fenômeno da segunda vítima entres os estudantes. Foi possível evidenciar que os estudantes sentem-se despreparados para gerenciar riscos e a ocorrência de incidentes:

Se acontece alguma coisa, o que a gente não vai sentir sabe, porque na nossa vida acadêmica a gente sempre é muito inseguro (E9).

Se tu me perguntares o que eu tenho mais medo agora, é de cometer erros, porque os nossos erros na área da saúde podem afetar fatalmente, pode ser uma bobagem, mas não sei te dizer como eu me sentiria se eu tivesse cometido algum tipo de erro (E4).

A gente vem achando, ah, eu vou só acertar, só acertar e, de repente, acontece alguma coisa inesperada que a gente não programou, desestabiliza total, então, não pensar no erro e, sim, alertar para o erro (E22).

Além disso, verificou-se que os estudantes manifestaram insegurança e questionaram o desenvolvimento de suas competências profissionais, nas poucas oportunidades de treinarem habilidades durante o período de estágio. A percepção dos estudantes em relação ao distanciamento entre teoria e prática é influenciada pela grande quantidade de estudantes e pouca demanda de procedimentos, assim como, também, por conteúdos que não são abordados na academia e que são exigidos na prática, podendo ser um caminho para futuro erro. Logo, os estudantes também associam a possibilidade da ocorrência de incidentes através do que é ensinado na teoria, mas que, muitas vezes, não se aplica na prática, o que desencadeia sentimento de culpa e potencializa o sofrimento pessoal e acadêmico.

A gente sabe que algum momento a gente vai ter que fazer a primeira vez, só que a gente chega agora no final da graduação muito inseguro, por isso, porque tem coisas que eu nunca fiz. Estou no final da minha graduação e não sei coisas básicas, como por exemplo, mexer numa bomba de infusão e fico me questionando: será que estou no lugar certo? Fazendo a coisa certa (E19)?

A gente não aprende mais isso na faculdade, eu acho necessário porque, quando o técnico não sabe, eles perguntam para a enfermeira, então, a enfermeira tem que saber e eu acho que isso pode ocasionar um erro lá na frente (…) pega o soro e lava, porque se tu passar a gaze várias vezes, a lesão vai sangrar, mas ai elas falaram que a professora disse que tinha passar a gaze várias vezes. E eu disse, não gurias, na prática, dependendo da lesão, não funciona assim (E23).

Cabe destacar ainda que a postura do professor, assim como as suas reações diante do estudante que se envolve num incidente de segurança do paciente, pode desencadear e potencializar o sofrimento pessoal e acadêmico entre os estudantes:

Eu comecei a raciocinar, olhei na prescrição e vi que a dose estava certa, então, como não foi algo tão assim, eu acho que ela poderia ter suavizado a reação dela, porque isso deixa a gente bem chateado (E19).

Eu acho que precisa de muito jeito para lidar com alunos, porque a gente está aqui aprendendo, porque até quem está há muito tempo trabalhando não está livre de cometer erros e eu acho que o professor deveria tratar isso mais em particular, porque repercute (…) Eu acho que tu ter um professor que tu sabe que tenha confiança nele, até mesmo, quando tu não está bem, quanto tu tá errado, eu acho que é fundamental, porque quando cria barreira, depois que cria a barreira aí pronto… (E19).

Por fim, verificou-se, ainda, que barreiras na comunicação entre o docente e o estudante constituem-se de um importante fator que pode contribuir com o desencadeamento do fenômeno da segunda vítima, uma vez que, quando o estudante não reconhece o docente como um suporte diante do envolvimento em um incidente acaba sofrendo em silêncio e se culpabilizando pelo ocorrido.

A gente tem medo de chegar e falar: olha, fiz isso errado, olha, eu não sei como é isso. A gente, no início da faculdade, principalmente, é muito pressionado (E23).

Quando eu cheguei em casa eu ficava pensando que estava passando soro e depois dipirona e que não tinha fluido do paciente, depois eu fiquei mais calma, a gente não falava pra professora, porque a gente tinha medo (E23).

DISCUSSÃO

Entre os incidentes de segurança relatados pelos estudantes de enfermagem, o erro na administração de medicamentos e dieta nasoenteral tiveram destaque. Este resultado assemelha-se com o estudo realizado em uma Escola de Enfermagem na Bélgica, no qual, os incidentes de segurança que tiveram maior frequência, foram os relacionados à administração de medicamentos (34,2%), seguidos pelos incidentes devido à queda (33,2%) e (19,4%) decorrentes do comportamento e atenção da equipe(1111. van Slambrouck LV, Verschueren R, Seys D, Bruyneel L, Panella M, Vanhaecht K. Second victims among baccalaureate nursing students in the aftermath of a patient safety incident: an exploratory cross-sectional study. J Prof Nurs. 2021;37(4):765-70. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.profnurs.2021.04.010. PubMed PMID: 34187676.
http://dx.doi.org/10.1016/j.profnurs.202...
).

A descrição de como aconteceu os incidentes, feita pelos estudantes, demonstra que as falhas tiveram influência além do fator humano, a falta de padrão dos materiais entre os setores do hospital e dispositivos de vias diferentes que conseguem ser encaixados em qualquer via. É claro que isso não exime o desvio de atenção por parte dos estudantes, mas atuam como uma barreira a menos para evitar o erro.

Os depoimentos demonstram que fatores dos sistemas são mais responsáveis pelo desencadeamento de um incidente do que o próprio fator humano. Identificou-se que comunicação inadequada entre a equipe de saúde e a ausência de protocolos e padronizações influenciaram no envolvimento do estudante em incidentes. Ademais, destacaram que a falta de trabalho em equipe, a sobrecarga de atividades, a não confiança nos estudantes e os fatores pessoais podem contribuir para que eles se envolvam em situações de riscos, tornando-os uma segunda vítima.

A ocorrência de incidentes pode ser compreendida através de duas vertentes, a primeira voltada para um pensamento antigo e generalizado, que identifica o indivíduo como responsável pela ocorrência do erro a partir de atos inseguros, tal como desatenção ou esquecimentos, por exemplo; a segunda vertente, presume que seres humanos são falíveis e que incidentes podem acontecer independente da instituição de saúde. Portanto, são vistos como consequência de falhas sistêmicas e não tem sua origem em fatores humanos(1414. Reason JT. Human error: models and management. West J Med. 2000;172(6):393-6. doi: http://dx.doi.org/10.1136/ewjm.172.6.393. PubMed PMID: 10854390.
http://dx.doi.org/10.1136/ewjm.172.6.393...
,1515. Reason JT. Human error. Cambridge: Cambridge University Press; 1990. doi: http://dx.doi.org/10.1017/CBO9781139062367.
http://dx.doi.org/10.1017/CBO97811390623...
).

O autor defende que, embora não possamos mudar a condição humana, podemos modificar as condições que os seres humanos trabalham. Nessa abordagem do sistema, as barreiras e defesas ocupam papel central para prevenção do erro. Sistemas de alta tecnologia possuem muitas camadas defensivas que devem ser usadas para tornar o ambiente de trabalho de saúde mais seguro(1616. Choi EY, Pyo J, Ock M, Lee H. Second victim phenomenon after patient safety incidents among Korean nursing students: a cross-sectional study. Nurse Educ Today. 2021;107:105115. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.nedt.2021.105115. PubMed PMID: 34481312.
http://dx.doi.org/10.1016/j.nedt.2021.10...
).

Da mesma maneira que as instituições de saúde não devem economizar em alarmes, barreiras físicas, barreiras humanas, checklist e desligamentos automáticos para proteger os pacientes e profissionais, as instituições de ensino devem investir em estratégias para prevenir o envolvimento dos estudantes em eventos de segurança do paciente e, também, estimular o ensino precoce dessa temática(1616. Choi EY, Pyo J, Ock M, Lee H. Second victim phenomenon after patient safety incidents among Korean nursing students: a cross-sectional study. Nurse Educ Today. 2021;107:105115. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.nedt.2021.105115. PubMed PMID: 34481312.
http://dx.doi.org/10.1016/j.nedt.2021.10...
).

Além das falhas sistêmicas, as falas dos estudantes expressam como os pilares da segurança do paciente encontram-se frágeis durante a sua formação e são influenciados pela cultura punitiva dentro do contexto universitário. Eles sentem-se pressionados a não cometer erros e este pensamento permanece dentro deles quando vão para os estágios finais, momento em que eles encontram-se sozinhos, sem a supervisão e acompanhamento do professor, chegando a paralisar e influenciar a sua desenvoltura dentro do estágio(1717. Restelatto MTR, Dallacosta FM. Vivências do acadêmico de enfermagem durante o estágio com supervisão indireta. Enferm Foco. 2018;9(4):34-8. doi: http://dx.doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n4.1156.
http://dx.doi.org/10.21675/2357-707X.201...
).

O medo de errar e a percepção que os estudantes têm sobre o erro demonstram como essa questão ainda é um tabu na formação acadêmica e é bastante influenciada pela forte cultura de segurança negativa, ou cultura punitiva(1818. Abreu IM, Rocha RC, Avelino FVSD, Guimarães DBO, Nogueira LT, Madeira MZA. Cultura de segurança do paciente em centro cirúrgico: visão da enfermagem. Rev Gaúcha Enferm. 2019;40(spe):e20180198. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2019.20180198. PubMed PMID: 30970102.
http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2019...
,1919. Toledo SARG, Batista J, Santos A, Borges F, Moraes SRL, Lenhani BE. Punitive culture perceived by health professionals in intensive care units: integrative review. Saúde Coletiva. 2021;11(68):7647-60. doi: http://dx.doi.org/10.36489/saudecoletiva.2021v11i68p7647-7660.
http://dx.doi.org/10.36489/saudecoletiva...
). A cultura punitiva relaciona-se à tendência dos gestores e colaboradores de julgarem e tentarem encontrar o culpado dos eventos, dessa forma, enfraquece o desenvolvimento da cultura de segurança do paciente, pois favorece que os envolvidos omitam seus erros e a subnotificações. Dessa forma, a desejabilidade social cria nos indivíduos uma falsa sensação de que erros não acontecem, ou pelo menos, não deveriam acontecer nas instituições de saúde.

No entanto, admitir que os incidentes de segurança do paciente acontecem é a primeira atitude para evitá-los. Um em cada sete pacientes sofrem incidentes de segurança, causando impactos nos pacientes e familiares (primeira vítima), prestadores de cuidados (segunda vítima) e serviços de saúde (terceira vítima)(88. Wu AW. Medical error: the second victim. The doctor who makes the mistake needs help too. BMJ. 2000;320(7237):726-7. doi: http://dx.doi.org/10.1136/bmj.320.7237.726. PubMed PMID: 10720336.
http://dx.doi.org/10.1136/bmj.320.7237.7...
,2020. National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine. Crossing the global quality chasm: improving health care worldwide. Washington (DC): The National Academies; 2018.,2121. Dukhanin V, Edrees HH, Connors CA, Kang E, Norvell M, Wu AW. Case: a second victim support program in pediatrics: successes and challenges to implementation. J Pediatr Nurs. 2018;41:54-9. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.pedn.2018.01.011. PubMed PMID: 29395793.
http://dx.doi.org/10.1016/j.pedn.2018.01...
). No entanto, a postura que o professor adota durante as atividades no hospital pode ser responsável por desmotivar e traumatizar o aluno, corroborando para uma abertura para comunicação frágil e colocando o aluno em situação de risco. Portanto, a confiança entre o professor e o aluno é fundamental para que todas a dúvidas sejam sanadas e evitem a ocorrência de um erro no processo de cuidado. Ademais, a postura adequada e o apoio do professor são imprescindíveis para amenizar o sofrimento e as consequências traumáticas após um evento de segurança do paciente.

Os estudantes de enfermagem, em sua maioria, mostraram-se inseguros sobre o desempenho de suas atribuições. Essa insegurança parte, na percepção deles, da oportunidade de realizarem os procedimentos durante os estágios, carga horária reduzida de estágios e o distanciamento dos assuntos abordados na teoria em relação ao que é visto na prática. Esses fatores combinados com os fatores do ambiente hospitalar, como carga de trabalho e supervisão inadequada aumentam a exposição do estudante de enfermagem aos incidentes(2222. Kim J, Jeong H, Nam H. The experience with patient safety activities of nursing students. J. Qual. Res. 2018;19(1):13-21. doi: https://doi.org/10.22284/qr.2018.19.1.13.
https://doi.org/10.22284/qr.2018.19.1.13...
).

Abordar a possibilidade de o erro acontecer e trabalhar com a aprendizagem, a partir do erro e o seu relato, pode auxiliar tanto no processo formativo acadêmico do aluno, como ajudar a torná-los profissionais mais preparados para compreender e evitar a ocorrência de erros e, também, gerenciar conflitos quando envolvidos nessas situações(2323. Santos APS. Nursing students’ errors in clinical learning: qualitative outcomes in mixed methods research. Rev Bras Enferm. 2019;72(1):170-6. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0592. PubMed PMID: 30916283.
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018...
).

Portanto, é importante estimular os alunos através da comunicação da experiência com incidentes de segurança é necessário, também, fomentar a cultura justa nas instituições de ensino. Dessa forma, os estudantes devem ser preparados, adequadamente, para o cenário clínico e aprender a falar abertamente sobre seus erros, através do auxílio dos educadores que devem trabalhar as causas dos incidentes, por meio das vulnerabilidades do sistema, em vez de culpar o aluno(1616. Choi EY, Pyo J, Ock M, Lee H. Second victim phenomenon after patient safety incidents among Korean nursing students: a cross-sectional study. Nurse Educ Today. 2021;107:105115. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.nedt.2021.105115. PubMed PMID: 34481312.
http://dx.doi.org/10.1016/j.nedt.2021.10...
). Adicionalmente, políticas de relatórios de incidentes de segurança do paciente e de suporte devem ser instituídas pelas universidades e repassadas aos estudantes de enfermagem(1616. Choi EY, Pyo J, Ock M, Lee H. Second victim phenomenon after patient safety incidents among Korean nursing students: a cross-sectional study. Nurse Educ Today. 2021;107:105115. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.nedt.2021.105115. PubMed PMID: 34481312.
http://dx.doi.org/10.1016/j.nedt.2021.10...
,2222. Kim J, Jeong H, Nam H. The experience with patient safety activities of nursing students. J. Qual. Res. 2018;19(1):13-21. doi: https://doi.org/10.22284/qr.2018.19.1.13.
https://doi.org/10.22284/qr.2018.19.1.13...
).

Por fim, destaca-se que esse estudo apresenta limitações, entre as quais, as respostas dadas pelos participantes podem ter sido influenciadas por um viés, pela temática envolver sentimentos e vivências que pudessem comprometer os estudantes, apesar de ter sido garantida e mantida a confidencialidade dos participantes. Por se tratar de um estudo transversal, a memória pode ter causado esquecimento ou gaps em algumas respostas. Contudo, este trabalho convida outros pesquisadores a desenvolver um trabalho de forma que analisem os efeitos da segunda vítima, longitudinalmente, entre os estudantes de enfermagem.

CONCLUSÃO

Este estudo revelou que os estudantes de enfermagem podem tornar-se segunda vítima, a partir de sistemas de saúdes inseguros. Eles identificaram que sistemas mal planejados, falta de padronização e fluxos estabelecidos entre todas as unidades hospital, a falta de confiança da equipe e uma comunicação inadequada são fatores que os expõem ao risco.

Além disso, eles sentem-se inseguros dentro do cenário clínico, por ser um ambiente complexo e dinâmico. O processo de ensino aprendizagem também foi apresentado como fator que contribui para essa insegurança. Na percepção dos estudantes, alguns conteúdos, que são requeridos no contexto clínico, não são ensinados na sala de aula. Quando estes fatores do ambiente alinham-se com a pouca abertura para comunicar-se com o professor, devido à forte cultura punitiva, a chance de tornarem-se segunda vítima aumenta.

A incorporação da temática sobre segurança do paciente no curso de enfermagem pode auxiliar o desenvolvimento de uma cultura de segurança do paciente, ao incentivar a cultura do relato, admitir a possibilidade do erro e o aprendizado a partir dele, estratégias que podem auxiliar na mitigação dos efeitos da segunda vítima.

REFERENCES

  • 1.
    Peixoto LCP, Santos EKA, Andrade LM, Carvalho PAL, Sena ELS. Vítima e vilã: experiência ambígua de estudantes de enfermagem no contexto universitário. Rev Gaúcha Enferm. 2021;42:e20200365. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200365 PubMed PMID: 34755804.
    » http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2021.20200365
  • 2.
    Godinho MLSC, Clapis MJ, Dias A, Bitencourt F. Nurses’ training process: graduates’ point of view on practice and insertion in the world of work. Reme. 2021;25:e-1357. doi: http://dx.doi.org/10.5935/1415.2762.20210005
    » http://dx.doi.org/10.5935/1415.2762.20210005
  • 3.
    Burgess A, van Diggele C, Roberts C, Mellis C. Key tips for teaching in the clinical setting. BMC Med Educ. 2020;20(Supl. 2):463. doi: http://dx.doi.org/10.1186/s12909-020-02283-2 PubMed PMID: 33272257.
    » http://dx.doi.org/10.1186/s12909-020-02283-2
  • 4.
    Carleto CT, Moura RCD, Santos VS, Pedrosa LAK. Adaptação à universidade e transtornos mentais comuns em graduandos de enfermagem. Rev Eletr Enferm. 2018;20. doi: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v20.43888
    » http://dx.doi.org/10.5216/ree.v20.43888
  • 5.
    Brasil, Ministério da Saúde. Documento de referência para o programa nacional de segurança do paciente. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014.
  • 6.
    Brasil. Portaria nº 529, de 1 de abril de 2013. Institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP). Diário Oficial da União; Brasília; 2 abr 2013 [cited 2021 Dec 21]. Available from: http://portalms.saude.gov.br/images/pdf/2015/junho/03/2.c%20-%20Apresentação%20PNSP%20-%20setembro_2013.pdf
    » http://portalms.saude.gov.br/images/pdf/2015/junho/03/2.c%20-%20Apresentação%20PNSP%20-%20setembro_2013.pdf
  • 7.
    White RM, Delacroix R. Second victim phenomenon: Is ‘just culture’ a reality? An integrative review. Appl Nurs Res. 2020;56:151319. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.apnr.2020.151319 PubMed PMID: 32868148.
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.apnr.2020.151319
  • 8.
    Wu AW. Medical error: the second victim. The doctor who makes the mistake needs help too. BMJ. 2000;320(7237):726-7. doi: http://dx.doi.org/10.1136/bmj.320.7237.726 PubMed PMID: 10720336.
    » http://dx.doi.org/10.1136/bmj.320.7237.726
  • 9.
    Scott SD, Hirschinger LE, Cox KR, McCoig M, Brandt J, Hall LW. The natural history of recovery for the healthcare provider “second victim” after adverse patient events. Qual Saf Health Care. 2009;18(5):325-30. doi: http://dx.doi.org/10.1136/qshc.2009.032870 PubMed PMID: 19812092.
    » http://dx.doi.org/10.1136/qshc.2009.032870
  • 10.
    Holden J, Card AJ. Patient safety professionals as the third victims of adverse events. J Patient Saf Risk Manag. 2019;24(4):166-75. doi: http://dx.doi.org/10.1177/2516043519850914
    » http://dx.doi.org/10.1177/2516043519850914
  • 11.
    van Slambrouck LV, Verschueren R, Seys D, Bruyneel L, Panella M, Vanhaecht K. Second victims among baccalaureate nursing students in the aftermath of a patient safety incident: an exploratory cross-sectional study. J Prof Nurs. 2021;37(4):765-70. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.profnurs.2021.04.010 PubMed PMID: 34187676.
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.profnurs.2021.04.010
  • 12.
    Moraes R, Galiazzi MC. Análise textual discursiva. Ijuí: Unijuí; 2013.
  • 13.
    Silva R, Ribeiro EAW. O software IRAMUTEQ como ferramenta metodológica para análise qualitativa nas pesquisas em educação profissional e tecnológica. BRAJETS. 2021;14(2):275-84. doi: http://dx.doi.org/10.14571/brajets.v14.n2.275-284
    » http://dx.doi.org/10.14571/brajets.v14.n2.275-284
  • 14.
    Reason JT. Human error: models and management. West J Med. 2000;172(6):393-6. doi: http://dx.doi.org/10.1136/ewjm.172.6.393 PubMed PMID: 10854390.
    » http://dx.doi.org/10.1136/ewjm.172.6.393
  • 15.
    Reason JT. Human error. Cambridge: Cambridge University Press; 1990. doi: http://dx.doi.org/10.1017/CBO9781139062367
    » http://dx.doi.org/10.1017/CBO9781139062367
  • 16.
    Choi EY, Pyo J, Ock M, Lee H. Second victim phenomenon after patient safety incidents among Korean nursing students: a cross-sectional study. Nurse Educ Today. 2021;107:105115. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.nedt.2021.105115 PubMed PMID: 34481312.
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.nedt.2021.105115
  • 17.
    Restelatto MTR, Dallacosta FM. Vivências do acadêmico de enfermagem durante o estágio com supervisão indireta. Enferm Foco. 2018;9(4):34-8. doi: http://dx.doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n4.1156
    » http://dx.doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n4.1156
  • 18.
    Abreu IM, Rocha RC, Avelino FVSD, Guimarães DBO, Nogueira LT, Madeira MZA. Cultura de segurança do paciente em centro cirúrgico: visão da enfermagem. Rev Gaúcha Enferm. 2019;40(spe):e20180198. doi: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2019.20180198 PubMed PMID: 30970102.
    » http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2019.20180198
  • 19.
    Toledo SARG, Batista J, Santos A, Borges F, Moraes SRL, Lenhani BE. Punitive culture perceived by health professionals in intensive care units: integrative review. Saúde Coletiva. 2021;11(68):7647-60. doi: http://dx.doi.org/10.36489/saudecoletiva.2021v11i68p7647-7660
    » http://dx.doi.org/10.36489/saudecoletiva.2021v11i68p7647-7660
  • 20.
    National Academies of Sciences, Engineering, and Medicine. Crossing the global quality chasm: improving health care worldwide. Washington (DC): The National Academies; 2018.
  • 21.
    Dukhanin V, Edrees HH, Connors CA, Kang E, Norvell M, Wu AW. Case: a second victim support program in pediatrics: successes and challenges to implementation. J Pediatr Nurs. 2018;41:54-9. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.pedn.2018.01.011 PubMed PMID: 29395793.
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.pedn.2018.01.011
  • 22.
    Kim J, Jeong H, Nam H. The experience with patient safety activities of nursing students. J. Qual. Res. 2018;19(1):13-21. doi: https://doi.org/10.22284/qr.2018.19.1.13
    » https://doi.org/10.22284/qr.2018.19.1.13
  • 23.
    Santos APS. Nursing students’ errors in clinical learning: qualitative outcomes in mixed methods research. Rev Bras Enferm. 2019;72(1):170-6. doi: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0592 PubMed PMID: 30916283.
    » http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0592

Editado por

EDITOR ASSOCIADO

José Manuel Peixoto Caldas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2022
  • Aceito
    23 Ago 2022
Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 , 05403-000 São Paulo - SP/ Brasil, Tel./Fax: (55 11) 3061-7553, - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: reeusp@usp.br