Continuidade e coordenação do cuidado: interface conceitual e contribuições dos enfermeiros

RESUMO

Estudo teórico-reflexivo, com objetivo de discutir os conceitos de continuidade e coordenação do cuidado, sua interface conceitual e ações de enfermeiros para sua efetivação nos serviços de saúde, com base em publicações científicas internacionais e nacionais. Os conceitos são estudados há décadas e, embora sejam inter-relacionados, observa-se sua utilização de maneira semelhante, indicando falta de entendimento conceitual. O conceito de continuidade teve mudanças de paradigma e passou a adotar a perspectiva dos pacientes. Atualmente, envolve domínios interpessoal, longitudinal, gerencial e informacional. Coordenação consiste em estabelecer conexões entre os possíveis elementos envolvidos no cuidado. Classifica-se como horizontal e vertical e está organizada em categorias: sequencial, paralela e indireta. Enfermeiros destacam-se por meio de ações voltadas à coordenação e continuidade nos diferentes níveis de atenção, o que contribui para o fortalecimento do cuidado coeso e centrado nas pessoas. A interface entre conceitos indica que, para o alcance de serviços integrados e contínuos, continuidade e coordenação do cuidado precisam estar interligadas e atuar em conjunto.

DESCRITORES
Atenção à Saúde; Assistência Integral à Saúde; Continuidade da Assistência ao Paciente; Integração dos Serviços de Saúde; Enfermagem

ABSTRACT

This is a theoretical-reflective study, with the objective of discussing the concepts of continuity and coordination of care, its conceptual interface and nurses’ actions for its effectiveness in health services, based on international and national scientific publications. The concepts have been studied for decades and, although they are interrelated, they are used in a similar way, indicating a lack of conceptual understanding. The concept of continuity underwent paradigm shifts and began to adopt patients’ perspectives. Currently, it involves interpersonal, longitudinal, management and informational domains. Coordination consists of establishing connections between the possible elements involved in care. It is classified as horizontal and vertical and is organized into categories: sequential, parallel and indirect. Nurses stand out through actions aimed at coordination and continuity at different levels of care, which contributes to strengthening a cohesive and people-centered care. The interface between concepts indicates that, in order to achieve integrated and continuous services, continuity and coordination of care need to be interconnected and act together.

DESCRIPTORS
Delivery of Health Care; Comprehensive Health Care; Continuity of Patient Care; Integration of Health Services; Nursing

RESUMEN

Estudio teórico-reflexivo, con el objetivo de discutir los conceptos de continuidad y coordinación del cuidado, su interfaz conceptual y las acciones del enfermero para su eficacia en los servicios de salud, a partir de publicaciones científicas internacionales y nacionales. Los conceptos se han estudiado durante décadas y, aunque están interrelacionados, se utilizan de manera similar, lo que indica una falta de comprensión conceptual. El concepto de continuidad sufrió cambios de paradigma y pasó a adoptar la perspectiva de los pacientes. Actualmente, involucra dominios interpersonales, longitudinales, gerenciales e informacionales. La coordinación consiste en establecer conexiones entre los posibles elementos que intervienen en el cuidado. Se clasifica en horizontal y vertical y se organiza en categorías: secuencial, paralela e indirecta. Enfermeras se destacan por acciones dirigidas a la coordinación y continuidad en los diferentes niveles de atención, que contribuye al fortalecimiento de una atención cohesionada y centrada en las personas. La interfaz entre conceptos indica que, para lograr servicios integrados y continuos, la continuidad y la coordinación de la atención deben estar interconectadas y actuar juntas.

DESCRIPTORES
Atención a la Salud; Atención Integral de Salud; Continuidad de la Atención al Paciente; Integración de los Servicios de Salud; Enfermería

INTRODUÇÃO

Os conceitos de continuidade e coordenação do cuidado vêm sendo abordados na literatura, a fim de contemplar os atuais desafios em saúde, os quais demandam o acompanhamento contínuo dos usuários em diferentes pontos da Rede de Atenção à Saúde (RAS). A continuidade e a coordenação do cuidado estão atreladas à qualidade da assistência e à integralidade do cuidado(¹,²), o que torna relevante o entendimento conceitual desses termos e a análise de como os profissionais de saúde os colocam em prática.

O uso indiscriminado dos termos continuidade, coordenação, integração e comunicação fomenta a confusão de seus significados tanto em âmbito internacional(³) quanto nacional(²). Acredita-se que a íntima relação entre continuidade e a coordenação do cuidado contribui para dificuldades de compreensão e distinção entre os termos, pois a continuidade permite a coordenação do cuidado, por estabelecer interações contínuas entre os diferentes profissionais envolvidos. Já as ações de coordenação, como criação de protocolos, de fluxo de pacientes e comunicação entre serviços, propiciam a melhora da continuidade do cuidado(⁴).

Pesquisa brasileira que avaliou como têm se configurado as interpretações sobre a continuidade do cuidado em dissertações e teses da área da saúde, defendidas até 2019, identificou que 50% eram da área da enfermagem, 28,6% eram da saúde coletiva/saúde pública e 21,4% eram de outras áreas. Destaca-se, ainda, que dos 186 trabalhos selecionados, apenas 28 (15%) adotaram a continuidade do cuidado como objeto de estudo, sendo o tema abordado principalmente como um desfecho esperado nas práticas em saúde. A definição de continuidade do cuidado foi apresentada em apenas 53,6% dos trabalhos avaliados. Isso pode levar à adoção de outros termos de maneira similar, influenciando a interpretação dos estudos(⁵).

Na literatura internacional, existem diferentes definições de coordenação do cuidado. Uma ampla revisão sistemática identificou mais de 40 definições acerca desse conceito, que variam de acordo com as diferentes perspectivas e atores envolvidos. A partir da identificação e combinação dos elementos centrais às diferentes perspectivas, estabeleceu-se o modelo conceitual de McDonald et al., amplamente adotado em estudos nacionais e internacionais(⁴; ⁶–⁹). Ainda, a literatura nacional apresenta divergência até mesmo quanto à sua denominação: coordenação entre níveis assistenciais ou coordenação dos cuidados(²).

Conceitos de continuidade e coordenação do cuidado que vêm sendo adotados foram estabelecidos em estudos realizados em países desenvolvidos e de alta renda(¹⁰). Revisão extensa da literatura sobre os conceitos de continuidade e coordenação e as suas relações não contemplou estudos de países de baixa e média renda e latino-americanos, pela exclusão de estudos que não eram na língua inglesa(⁴). Portanto, há ainda uma importante lacuna nos estudos que versam sobre a continuidade e coordenação do cuidado nesses países.

Sabe-se que, em países de baixa e média renda, as realidades são diferentes, pois observa-se maior fragilidade dos sistemas de saúde e recursos limitados. A continuidade dos cuidados, então, acaba dependendo de cuidados informais e apoio familiar. Além disso, enfrentam desafios adicionais relacionados às necessidades de saúde de pessoas com doenças crônicas não-transmissíveis (DCNT) em situação de maior vulnerabilidade e populações itinerantes, tais como refugiados, pessoas em situação de rua, entre outros(¹⁰). Logo, a apropriação de conceitos como continuidade e coordenação do cuidado na assistência à saúde desses países perpassa diversos contextos e obstáculos, evidenciados por meio das desigualdades sociais, econômicas, demográficas, epidemiológicas e culturais, que diferem em países desenvolvidos e subdesenvolvidos(⁴).

No Brasil, o descompasso entre o aumento de condições crônicas de saúde e processos de trabalho e a gestão com enfoque nas condições agudas ou crônico-agudizadas demonstram ainda a fragmentação da assistência. Para qualificar a gestão do cuidado e garantir a continuidade da assistência nos diferentes serviços, o Sistema Único de Saúde (SUS) organiza-se em RAS, de maneira horizontal entre diferentes pontos de atenção, com diferentes densidades tecnológicas, sendo a Atenção Primária à Saúde (APS) a coordenadora do cuidado(⁵). Essa organização em redes, no entanto, ainda encontra dificuldades em diversos aspectos relacionados à operacionalização, (des)articulação dos pontos da rede e adoção de um modelo de atenção que vise à integralidade do cuidado. A Política Nacional de Atenção Básica traz a continuidade e a coordenação do cuidado entre os princípios e diretrizes para essa operacionalização em redes, no entanto não explicita a definição desses conceitos(⁶).

Nesse sentido, este estudo reflexivo propõe-se a discutir os conceitos de continuidade e coordenação do cuidado, sua interface e as ações dos enfermeiros para sua efetivação nos serviços de saúde. Por meio dessa reflexão, espera-se ampliar a compreensão acerca dos conceitos de continuidade e de coordenação dos cuidados e, ainda, que enfermeiros e demais profissionais da saúde possam explorá-los na prática assistencial, a fim de contribuir para a oferta de um cuidado integral e qualificado.

Inicialmente, serão apresentados tópicos conceituais sobre a continuidade e a coordenação do cuidado em diferentes dimensões dos serviços de saúde e a sua interface. A partir disso, será analisada a atuação do enfermeiro na continuidade e coordenação do cuidado em saúde para compor o debate e reflexões acerca do tema.

Abordagens Conceituais da Continuidade do Cuidado

O conceito de continuidade do cuidado vem sendo estudado há décadas por diferentes pesquisadores da área da saúde, tendo também se modificado por fatores contextuais, como o crescente número de práticas em grupo, expansão das ciências da saúde e a ascensão da APS(¹¹,¹²).

Inicialmente, por volta de 1950, seu conceito estava relacionado a uma atitude médica de responsabilidade contínua e solidária pelo paciente, isto é, em ter um profissional de referência para seus cuidados. A partir de 1970, o foco mudou para a relação entre os históricos de atendimentos e a prestação de um cuidado coordenado e ininterrupto(³). Posteriormente, modelos multidimensionais foram introduzidos para definir a continuidade do cuidado(¹¹–¹³).

O modelo de Haggerty et al., um dos mais adotados nos estudos acerca do tema(³), explica a continuidade do cuidado a partir de três dimensões: informacional, relacional e gerencial. A continuidade informacional conecta o cuidado entre os diferentes profissionais que assistem o paciente e entre um episódio de cuidado e outro, sendo importante considerar a história clínica do paciente, suas crenças e valores. A continuidade relacional é a relação terapêutica construída entre o profissional e o paciente, e a continuidade gerencial corresponde à capacidade de oferecer diferentes cuidados que são complementares entre si, em tempo oportuno e sem duplicidades(¹²).

Deeny et al. desenvolveram estudo que revisou modelos multidimensionais anteriores, atualizando para quatro domínios de continuidade: interpessoal, longitudinal, gerencial e informacional. A continuidade interpessoal envolve a subjetividade na relação de cuidado entre paciente e profissional de saúde. A continuidade longitudinal refere-se a um histórico de interações com o mesmo profissional em uma série de acontecimentos. A continuidade gerencial traduz-se nos processos de coordenação, na colaboração efetiva entre as equipes e serviços de saúde de diferentes níveis para prestação de um cuidado coeso. Por fim, a continuidade informacional trata da disponibilidade de informações clínicas e psicossociais em todos os atendimentos(⁴,¹³).

O conceito de continuidade do cuidado é frequentemente usado de forma intercambiável com os termos integração de serviços e coordenação do cuidado. Há alguns aspectos que distinguem a continuidade do cuidado de atributos, como a integração dos serviços e a coordenação do cuidado. Um desses aspectos é o cuidado individual ao paciente e o outro é o cuidado ao longo do tempo, independente da duração(¹²).

Recentemente, a Organização Mundial de Saúde definiu a continuidade do cuidado como o grau em que uma série de eventos de saúde é experienciada por pessoas como coerentes e interligados ao longo do tempo, compatíveis com as suas necessidades de saúde e preferências(⁴). Atualmente, a continuidade do cuidado é orientada pelo paradigma que considera a perspectiva do paciente, diferente do anterior, que priorizava a visão dos profissionais de saúde. Profissionais e pacientes tendem a priorizar aspectos distintos da continuidade do cuidado. Em geral, os profissionais priorizam a carga de trabalho e a continuidade informacional. Em contrapartida, os pacientes priorizam o acesso aos serviços de saúde e o suporte recebido(¹⁴).

Nesse contexto, a avaliação da continuidade do cuidado foi desenvolvida por diferentes abordagens na literatura. Inicialmente, relacionava-se à frequência de consultas com o mesmo médico, o que levou à utilização de índices e medidas baseados em dados de utilização dos serviços de saúde, como o Continuity of Care Index (COC), o Usual Provider Care Index (UPC) e o Sequential Continuity of Care Index (SECON)(¹⁵).

No entanto, a utilização dessas medidas não capta as experiências dos indivíduos frente aos cuidados recebidos. Para avaliar a continuidade do cuidado na perspectiva do paciente, há diferentes instrumentos, e dentre eles, destacam-se o Nijmegen Continuity Questionnaire (NCQ) e o Cuestionario Continuidad Asistencial Entre Niveles de Atención (CCAENA)(¹⁶). Todavia, são voltados para o atendimento prestado pelo médico ou especialistas, que remetem à necessidade de construir ou adaptar instrumentos que avaliem a continuidade integral do cuidado no âmbito do atendimento interprofissional prestado pela RAS.

Estudo teórico-reflexivo, que analisou a continuidade do cuidado a partir do referencial do interacionismo simbólico, destacou a subjetividade do conceito como possível fator para o uso incipiente na prática assistencial. Contudo, reiterou que é fundamental a sensibilização dos profissionais acerca do seu significado e o entendimento de que a continuidade do cuidado está no agir de cada profissional. A continuidade cuidado resulta de um conjunto de práticas que dependem da comunicação eficaz, bom relacionamento entre profissionais e usuários, trabalho interdisciplinar, articulação entre diferentes níveis de atenção e apropriada coordenação do cuidado(¹).

Apesar de sua relevância, a literatura brasileira aponta que os estudos sobre a continuidade do cuidado ainda são escassos. Isso pode estar relacionado à adoção conceitual do termo continuidade, mais utilizado na literatura internacional, enquanto que, nos estudos brasileiros, o termo longitudinalidade é mais utilizado. Em uma revisão conceitual sobre longitudinalidade e continuidade do cuidado, foi destacado que os termos são utilizados de maneira semelhante na literatura, embora tenham diferenças conceituais. A longitudinalidade é um dos atributos essenciais da APS, compreendida como o acompanhamento do paciente por equipe multiprofissional ao longo do tempo. Já a continuidade do cuidado está associada à sucessão de eventos e mecanismos de integração das informações no atendimento de um problema ou de necessidades de saúde, independente do estabelecimento de relações duradouras(¹⁷).

Embora as experiências individuais dos pacientes possam ser agregadas ao nível coletivo – entre as práticas profissionais, de serviços de saúde e organizações, a continuidade do cuidado é fundamentada na experiência do indivíduo, não sendo um atributo dos prestadores ou das instituições. Continuidade é como os indivíduos experimentam a integração de serviços e a coordenação do cuidado(¹¹,¹²).

Aspectos Conceituais da Coordenação do Cuidado

Discussões iniciais sobre a coordenação do cuidado ocorreram na Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, reunida em Alma-Ata em 1978, que definiu a APS como responsável pela organização dos sistemas de saúde, posteriormente considerada ordenadora da rede e coordenadora do cuidado(¹⁸). No Brasil, com a institucionalização do SUS, houve a implementação da Estratégia Saúde da Família (ESF), a fim de fortalecer a APS no âmbito das RAS, sendo a coordenação do cuidado vista como elo central da integração e organização do sistema(⁶).

No contexto internacional, a coordenação do cuidado foi definida como atributo essencial da APS, articulada à atenção de primeiro contato, à longitudinalidade e à integralidade(¹⁹). Coordenar envolve a organização de atividades conjuntas entre duas ou mais pessoas, incluindo os usuários/familiares e profissionais/serviços de saúde. Consiste em estabelecer conexões entre os possíveis elementos envolvidos no cuidado primário, especializado e terciário, de forma a preencher lacunas ao longo da trajetória assistencial, para atender às necessidades e preferências do indivíduo com qualidade(²⁰).

Existe uma associação positiva entre os níveis de coordenação do cuidado e os níveis de qualidade da assistência prestada nos serviços de saúde, ou seja, quanto maior a coordenação, melhor a qualidade da assistência, constituindo-se em um diferencial para uma atenção vasta e eficiente. As ações de coordenação colaboram para redução de erros de diagnósticos e medidas de tratamento, redução das filas de espera e de hospitalizações desnecessárias nos serviços de alta complexidade e redução de custos ao sistema de saúde(⁴,⁷).

A coordenação do cuidado abrange diferentes aspectos, tanto assistenciais quanto gerenciais do cuidado em saúde, visando atender às necessidades dos indivíduos por meio da oferta integral de cuidados, priorizando a qualidade e a continuidade do cuidado nos diferentes serviços que compõem as redes prioritárias do SUS(⁶,²⁰). Para tanto, a coordenação utiliza mecanismos e instrumentos para o planejamento da assistência, como troca de informações, definições de fluxos, sistemas de referência e contrarreferência e monitoramento dos pacientes por diferentes profissionais(⁸).

Considerando os diferentes níveis de integração do sistema de saúde, a coordenação do cuidado pode ser classificada como coordenação horizontal e vertical. Nesse sentido, a coordenação horizontal compreende ações da vigilância em saúde, ações programadas e de demanda espontânea, trabalho interdisciplinar e equipe multiprofissional no mesmo nível de atenção, enquanto a coordenação vertical contempla ações nos diferentes níveis de atenção à saúde(²¹).

Ainda, a coordenação pode ser classificada em três categorias que proporcionam intervenções e, consequentemente, a sua qualificação, sendo essas: coordenação sequencial, compreendida também como transferência de cuidados; coordenação paralela, que é o planejamento das ações e a responsabilidade dos diferentes profissionais no cuidado; e coordenação indireta, que fomenta a coordenação interna e externa por meio de incentivos, ferramentas e/ou educação permanente aos profissionais(⁴).

A efetivação da coordenação do cuidado é sustentada por meio de três pilares: a coordenação da informação, que compreende que todas as informações de saúde a respeito do indivíduo estejam disponíveis aos profissionais em todos os serviços de saúde; a coordenação clínica, que implica uma APS fortalecida, sendo coordenadora do cuidado nos diversos pontos da atenção; e a coordenação organizacional, que diz respeito aos fluxos e processos administrativos da rede(²²).

Atualmente, há instrumentos que possibilitam avaliar a coordenação do cuidado nos serviços de saúde, como o PCATool (Primary Care Assessment Tool), que mede a presença e a extensão dos atributos essenciais e derivados da APS, o qual foi adaptado para uso no Brasil(²³). Destaca-se como um instrumento de avaliação de baixo custo e que apresenta as condições dos serviços de saúde. Pesquisa realizada com o PCATool avaliou o atributo da coordenação do cuidado como satisfatório na perspectiva dos profissionais, no entanto, para os usuários, o escore da coordenação foi insatisfatório(²⁴).

No contexto brasileiro, o Instrumento de Avaliação da Coordenação das RAS pela APS (COPAS) é considerado o único instrumento que avalia a capacidade da APS em coordenar as RAS(²⁵). Destaca-se que há desafios relacionados à integração e à coordenação das informações de saúde sobre o indivíduo, como limitações na gestão clínica e administrativa, integração dos sistemas de informação, ações de referência e contrarreferência, considerando que o país apresenta diferentes dimensões continentais(⁶). Tais instrumentos contribuem para o planejamento e a implementação de novas estratégias, para a garantia da coordenação do cuidado nos serviços de saúde.

A inexistência de ações de coordenação afeta a promoção da continuidade do cuidado(²⁶). Portanto, torna-se essencial conhecer as estratégias utilizadas pelos profissionais para a coordenação do cuidado e a garantia de uma assistência integral, resolutiva e humanizada.

A partir das explanações conceituais sobre continuidade e coordenação do cuidado, pode-se compreender que há uma interface entre esses conceitos. Por meio da Figura 1, desenvolveu-se uma representação visual dessa interface. A figura representa a RAS, seus diferentes pontos de atenção e a interface entre os conceitos de continuidade e a coordenação do cuidado, tendo a APS como centro de comunicação, pois é a ordenadora da rede e realiza a coordenação do cuidado. Na continuidade do cuidado, o ícone representando uma pessoa remete à perspectiva do indivíduo que recebe o cuidado. Na coordenação do cuidado, o ícone com múltiplos indivíduos representa a perspectiva dos diferentes profissionais e serviços envolvidos no cuidado. Para a promoção da integração entre os serviços da RAS e a oferta de uma assistência integral, a continuidade e a coordenação do cuidado operam de forma interdependente, em sinergia. Esse movimento simultâneo é representado na figura pelas setas que circundam a rede.

Figura 1
Interface entre os conceitos de continuidade e coordenação do cuidado. Fonte: elaboração das autoras, 2022.

Atuação do Enfermeiro na Continuidade E na Coordenação do Cuidado

Os pacientes estão suscetíveis a experimentar a descontinuidade do cuidado, quando passam por modificações no seu estado de saúde ou durante o deslocamento de um serviço para o outro. Diversas práticas são realizadas por profissionais de saúde para viabilizar transições de cuidados seguros entre os diferentes níveis de atenção à saúde. Enfermeiros têm importante atuação para assegurar a coordenação e a continuidade do cuidado aos pacientes, desenvolvendo ações que envolvem o planejamento de cuidados na alta, educação em saúde, articulação entre serviços e acompanhamento pós-alta(⁹,²⁶,²⁷).

Enfermeiros possuem habilidades e competências para o gerenciamento do cuidado, incluindo pacientes com demandas complexas, avaliação clínica e social, e conhecimento dos sistemas e serviços de saúde disponíveis para o seguimento da assistência. Além disso, exercem um papel articulador, por meio da comunicação e troca de informações entre os profissionais e serviços(²⁶,²⁸).

Estudo nacional, realizado com enfermeiros atuantes em hospitais privados, públicos e filantrópicos, identificou que as principais atividades realizadas pelos enfermeiros na transição do cuidado da alta hospitalar estão relacionadas ao esclarecimento de dúvidas dos pacientes e familiares durante as orientações de alta, contato com equipe de saúde de referência para continuidade do cuidado, identificação das necessidades e discussão com o paciente e família sobre o plano de cuidados pós-alta(²⁹).

A coordenação do cuidado na transição do hospital para o domicílio, realizada por enfermeiras, também inclui a execução de atividades, como reconciliação de medicamentos, orientações/ensino aos pacientes e/ou cuidadores, acompanhamento de cuidados pós-alta, articulação e comunicação entre o hospital e outros serviços de saúde e apoio comunitário(²⁷).

Os pacientes, em especial os que apresentam necessidades complexas de saúde, demandam um adequado planejamento e preparo para a alta. Para tanto, compete ao enfermeiro o papel de coordenador da alta, por meio do gerenciamento dos cuidados que o paciente necessita, por meio do trabalho em equipe, multiprofissional e interprofissional(³⁰).

No contexto canadense e espanhol, as enfermeiras de ligação ou enlace, respectivamente, coordenam a alta hospitalar de pacientes com necessidades complexas. Antes da alta, essas enfermeiras identificam as necessidades e preferências do paciente, realizando um planejamento em conjunto com a equipe de saúde. Comumente, este planejamento contempla os cuidados com o paciente, a requisição de equipamentos médico-hospitalares, o agendamento de consultas, entre outros. As enfermeiras de ligação ou enlace realizam a transferência das informações para a enfermeira da comunidade ou para o serviço de regulação via telefone ou sistema integrado. Essas profissionais atuam como facilitadoras na intervenção dos diferentes profissionais e serviços que compõem a RAS, para que o paciente e a família alcancem os resultados terapêuticos previstos, fortalecendo a continuidade do cuidado(²⁶,²⁸).

Experiência com atuação de enfermeiras de ligação foi realizada em estudo nacional, demonstrando resultados positivos no contexto da RAS. A atuação das enfermeiras de ligação foi capaz de direcionar o acesso à unidade de saúde, qualificar a comunicação entre os diferentes pontos da RAS, contribuindo para o preparo da APS para receber o paciente e atender às suas necessidades, além de diminuir a procura e o retorno aos serviços de maior complexidade(³¹).

A coordenação do cuidado reflete positivamente no preparo do paciente para retornar ao domicílio e, consequentemente, nos resultados pós-alta. O enfermeiro, como coordenador da alta, desempenha um papel estratégico junto à equipe, para facilitar que o paciente e a família consigam realizar os cuidados no domicílio com autonomia, segurança e qualidade(³⁰). Destaca-se a importância de as instituições hospitalares destinarem um profissional para realizar ações de coordenação, sem as quais a continuidade do cuidado não acontece na sua totalidade(²⁶).

No âmbito da APS, a atuação do enfermeiro é complexa e envolve funções gerenciais, assistenciais e educativas que requerem planejamento sistematizado e ações de coordenação do cuidado da população(⁶). Estratégias, como a gestão de casos, o gerenciamento do cuidado e da equipe multiprofissional, a definição de fluxos, a elaboração de protocolos, a utilização de prontuários eletrônicos, consultas de enfermagem, ações de educação permanente em saúde, a atuação na referência e contrarreferência dos usuários entre os serviços da RAS, são intervenções que contribuem para a efetivação da coordenação e da continuidade do cuidado(³²).

Destaca-se que o termo gestão de caso é adotado desde a década de 60 em países como Canadá, Espanha e Estados Unidos e, na maioria desses locais, a gestão de caso tem sido função das enfermeiras. No sistema de saúde da Andaluzia, na Espanha, as enfermeiras gestoras de casos (EGC) comunitárias têm o papel de assistir pessoas vinculadas a um centro de saúde e que necessitam de cuidados domiciliares. As atribuições dessas enfermeiras consistem em preservar e melhorar a qualidade de vida de pessoas incapacitadas ou em risco de sofrer incapacidades, assim como de seus cuidadores, favorecendo a melhora da atenção domiciliar prestada pela equipe de APS e aperfeiçoar a coordenação entre a APS e os diferentes níveis de atenção à saúde, a fim de assegurar a continuidade do cuidado(³³).

Compreende-se que o enfermeiro desenvolve ações voltadas para a coordenação e a continuidade do cuidado nos diferentes níveis de atenção à saúde. Essas ações demonstram a sua contribuição para fortalecer o cuidado centrado na pessoa e impulsionar as conexões entre profissionais e pacientes, equipes multiprofissionais e serviços de saúde. Contudo, aponta-se a necessidade de superar algumas dificuldades, considerando as atividades já desempenhadas por enfermeiros na assistência e a escassez de profissionais nas instituições. Para isso, destaca-se a importância da criação de cargos específicos para que se desenvolvam ações relacionadas à coordenação e à continuidade do cuidado(²⁶,³¹).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A interface entre os conceitos da continuidade e a coordenação do cuidado leva à compreensão dessas prioridades globais para redirecionar a assistência nos serviços de saúde, de acordo com as necessidades das pessoas. A compreensão desses conceitos e sua adesão às práticas assistenciais é essencial a todos os sistemas de saúde e aos profissionais de diferentes níveis e serviços no cuidado prestado em todos os ciclos de vida.

A continuidade e a coordenação do cuidado ganham destaque a partir da necessidade de fortalecer a integração entre os serviços na RAS e promover o cuidado integral e centrado no paciente. O conceito de continuidade do cuidado passou por transformações e, atualmente, é considerado um conceito multidimensional, voltado para a percepção do paciente acerca do cuidado coordenado e em consonância com suas necessidades. O conceito de coordenação do cuidado é profundamente discutido no âmbito da APS como elemento de integração e facilitador da continuidade do cuidado.

A continuidade do cuidado resulta de uma boa coordenação do cuidado, enquanto ações de continuidade do cuidado alimentam a coordenação do cuidado. Assim, são interdependentes e necessitam atuar de modo sinérgico para o alcance de serviços integrados e cuidados contínuos.

Destacam-se as práticas dos enfermeiros como possibilidade de visualizar a coordenação e a continuidade de modo mais concreto. Enfermeiros atuam como coordenadores do cuidado, pois, além do envolvimento próximo ao paciente e familiares durante a assistência, exercem protagonismo na resolução de problemas e manejo de cuidados, no planejamento da alta, em ações de educação em saúde, na transição do cuidado e no acompanhamento pós-alta, por meio da comunicação e articulação com profissionais e serviços. Diante do exposto, as contribuições dos enfermeiros na continuidade e coordenação do cuidado podem servir de referência para outros profissionais.

Pensar na garantia da continuidade e da coordenação do cuidado é superar obstáculos que permeiam os sistemas de saúde, principalmente no que se refere aos serviços que constituem a APS e na comunicação entre os diferentes serviços da RAS. As possibilidades residem não somente nas limitações, mas nas potências das relações entre os sujeitos, da comunicação efetiva entre os serviços e profissionais envolvidos, na prestação de um cuidado interprofissional e centrado nas necessidades das pessoas.

• Apoio financeiro O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001 e auxílio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Processo n° 433997/2018-4.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Thiago da Silva Domingos

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Ago 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  16 Mar 2022
• Aceito
  21 Jun 2022