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Fatores associados à reoperação por sangramento e desfechos após cirurgia cardíaca: estudo de coorte prospectivo

RESUMO

Objetivo:

Identificar a incidência e os fatores associados à reoperação devido sangramento no pós-operatório de cirurgia cardíaca, além dos desfechos clínicos dos pacientes.

Método:

Estudo de coorte prospectivo, realizado em Unidade de Terapia Intensiva (UTI), com pacientes adultos submetidos à cirurgia cardíaca. Foram excluídos pacientes com diagnóstico de coagulopatias. Os pacientes foram acompanhados desde a internação até a saída hospitalar.

Resultados:

Foram incluídos 682 pacientes e a incidência de reoperação foi 3,4 %. Os fatores associados à reoperação foram: histórico de insuficiência renal (p = 0,005), uso prévio de anticoagulante (p = 0,036), maior frequência cardíaca intraoperatória (p = 0,015), necessidade de transfusão de hemocomponentes no intraoperatório (p = 0,040) e maior pontuação no SAPS 3 (p < 0,001). Os desfechos associados a reoperação foram: acidente vascular encefálico e parada cardiorrespiratória.

Conclusão:

A reoperação foi um evento associado a maior gravidade, disfunção orgânica, e piores desfechos clínicos, porém não houve diferença de mortalidade entre os grupos.

DESCRITORES
Cirurgia Torácica; Hemorragia Pós-Operatória; Reoperação; Cirurgia de Second-Look; Avaliação de Resultados em Cuidados de Saúde

ABSTRACT

Objective:

Identify the incidence and factors associated with reoperation due to bleeding in the postoperative of a cardiac surgery, in addition to the clinical outcomes of patients.

Method:

Prospective cohort study, conducted in an Intensive Care Unit (ICU), with adult patients undergoing cardiac surgery. Patients diagnosed with coagulopathies were excluded. The patients were followed up from hospitalization to hospital discharge.

Results:

A total of 682 patients were included, and the incidence of reoperation was 3.4%. The factors associated with reoperation were history of renal failure (p = 0.005), previous use of anticoagulant (p = 0.036), higher intraoperative heart rate (p = 0.015), need for transfusion of blood component during intraoperative (p = 0.040), and higher SAPS 3 score (p < 0.001). The outcomes associated with reoperation were stroke and cardiac arrest.

Conclusão:

Reoperation was an event associated with greater severity, organic dysfunction, and worse clinical outcomes, but there was no difference in mortality between the groups.

DESCRIPTORS
Thoracic Surgery; Postoperative Hemorrhage; Reoperation; Second-Look Surgery; Outcome Assessment, Health Care

RESUMEN

Objetivo:

Identificar la incidencia y los factores asociados con la reintervención por sangrado en el postoperatorio de cirugía cardiaca, además de los resultados clínicos de los pacientes.

Método:

Estudio de cohorte prospectivo, realizado en una Unidad de Cuidados Intensivos, con pacientes adultos sometidos a cirugía cardiaca. Se excluyeron a los pacientes con diagnóstico de coagulopatías. Los pacientes tuvieron un seguimiento efectuado desde el ingreso hasta el alta hospitalaria.

Resultados:

Se incluyeron a 682 pacientes, y la incidencia de reintervención fue del 3,4%. Los factores asociados a la reintervención fueron antecedentes de insuficiencia renal (p = 0,005), uso previo de anticoagulante (p = 0,036), mayor frecuencia cardiaca intraoperatoria (p = 0,015), necesidad de transfusión de hemocomponentes en el intraoperatorio (p = 0,040) y mayor puntaje en SAPS 3 (p < 0,001). Los desenlaces asociados con la reintervención fueron accidente cerebrovascular y paro cardiorrespiratorio.

Conclusión:

La reintervención fue un evento asociado con mayor gravedad, disfunción orgánica y peores desenlaces clínicos, pero no hubo diferencia en la mortalidad entre los grupos.

DESCRIPTORES
Cirugía Torácica; Hemorragia Posoperatoria; Reoperaciónspanish; Segunda Cirugía; Evaluación de Resultado en la Atención de Salud

INTRODUÇÃO

As doenças cardiovasculares são um problema de saúde pública mundial e podem causar mudanças significativas na vida do paciente. A cirurgia cardíaca está entre um dos tratamentos das cardiopatias e é um procedimento complexo, que resulta em um estado crítico pós-operatório, o que demanda cuidados intensivos para estabelecer uma boa recuperação. O reconhecimento imediato de possíveis complicações no pós- operatório de cirurgia cardíaca é fundamental para o tratamento, de modo a evitar instabilidade hemodinâmica e óbito(11. Soares GMT, Ferreira DCS, Gonçalves MPC, Alves TGS, David FL, Henriques KMC, et al. Prevalência das Principais Complicações Pós-Operatórias em Cirurgias Cardíacas. Revista Brasileira de Cardiologia. 2011;24(3):139-46). Apesar dos avanços na cirurgia cardíaca e nos cuidados perioperatórios, as complicações pós-operatórias permanecem frequentes, levando a um aumento substancial na mortalidade de pacientes submetidos a esses procedimentos(22. Zheng Z, Jayaram R, Jiang L, Emberson J, Zhao Y, Li Q, et al. Perioperative Rosuvastatin in Cardiac Surgery. N Engl J Med. 2016;374(18):1744-53. DOI: https://doi.org/10.1056/NEJMoa1507750
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). O sangramento é a complicação pós-operatória com maior causa de morbidade e mortalidade e está associado à elevada necessidade de reoperação cirúrgica(33. Ghavidel AA, Toutounchi Z, Shahandashti FJ, Mirmesdagh Y. Rotational thromboelastometry in prediction of bleeding after cardiac surgery. Asian Cardiovasc Thorac Ann. 2015;23(5):525-9. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ejcts.2007.02.001
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).

A incidência de reoperação por sangramento após cirurgias cardíacas em pacientes adultos apontada pela literatura está entre 2% e 6%(33. Ghavidel AA, Toutounchi Z, Shahandashti FJ, Mirmesdagh Y. Rotational thromboelastometry in prediction of bleeding after cardiac surgery. Asian Cardiovasc Thorac Ann. 2015;23(5):525-9. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ejcts.2007.02.001
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1010. Agarwal S, Choi SW, Fletcher SN, Klein AA, Gill R, Anderson L, et al. The incidence and effect of resternotomy following cardiac surgery on morbidity and mortality: a 1-year national audit on behalf of the Association of Cardiothoracic Anaesthesia and Critical Care. Anaesthesia. 2021;76(1):19-26. DOI: https://doi.org/10.1111/anae.15070
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). Nesse contexto, pesquisadores têm se dedicado a investigação de fatores de risco para reoperação por sangramento, que incluem idade avançada; maior quantidade de comorbidades; presença de insuficiência cardíaca congestiva; insuficiência hepática; insuficiência renal com necessidade de hemodiálise; pacientes com angina sintomática; pacientes com fração de ejeção mais baixa; tempo mais prolongado de isquemia miocárdica e de circulação extracorpórea; cirurgia valvar aórtica; cirurgias de colocação de dispositivos de assistência ventricular e cirurgião(66. Vivacqua A, Koch CG, Yousuf AM, Nowicki ER, Houghtaling PL, Blackstone EH, et al. Morbidity of bleeding after cardiac surgery: Is it blood transfusion, reoperation for bleeding, or both? Ann Thorac Surg. 2011;91(6):1780-90. DOI: https://doi.org/10.1016/j.athoracsur.2011.03.105
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,99. Ohmes LB, Di Franco A, Guy TS, Lau C, Munjal M, Debois W, et al. Incidence, risk factors, and prognostic impact of re-exploration for bleeding after cardiac surgery: A retrospective cohort study. Int J Surg. 2017;48:166-73. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ijsu.2017.10.073
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).

Por sua vez, o impacto da reoperação sobre a evolução do pós-operatório é considerável. Pacientes submetidos a reoperação por sangramento apresentam incidência maior de lesão renal aguda, acidente vascular encefálico, infecção da ferida esternal, infecções pulmonares, tempo de ventilação mecânica mais prolongado, maior necessidade de suporte circulatório com balão intra-aórtico, altas taxas de transfusão de hemocomponentes, sepse, arritmias atriais, maior tempo de permanência na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), aumento dos custos do tratamento(1111. Alström U, Levin LÅ, Ståhle E, Svedjeholm R, Friberg O. Cost analysis of re-exploration for bleeding after coronary artery bypass graft surgery. Br J Anaesth. 2012;108(2):216-22. DOI: https://doi.org/10.1093/bja/aer391
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) e possuem taxa de mortalidade mais elevada.

A mortalidade após reoperações varia de 1.2% a 22.4%(44. Choong CK, Gerrard C, Goldsmith KA, Dunningham H, Vuylsteke A. Delayed re-exploration for bleeding after coronary artery bypass surgery results in adverse outcomes. Eur J Cardio-Thorac Surg. 2007;31(5):835-9. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ejcts.2007.02.001
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,77. Biancari F, Mikkola R, Heikkinen J, Lahtinen J, Airaksinen KE, Juvonen T. Estimating the risk of complications related to re-exploration for bleeding after adult cardiac surgery: a systematic review and meta-analysis. Eur J Cardiothorac Surg. 2012;41(1):50-5. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ejcts.2011.04.023
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,88. Haneya A, Diez C, Kolat P, Von Suesskind-Schwendi M, Ried M, Schmid C, et al. Re-Exploration for Bleeding or Tamponade after Cardiac Surgery: Impact of Timing and Indication on Outcome. Thorac Cardiovasc Surg. 2015;63(1):51-7. DOI: https://doi.org/10.1055/s-0034-1390154
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,1010. Agarwal S, Choi SW, Fletcher SN, Klein AA, Gill R, Anderson L, et al. The incidence and effect of resternotomy following cardiac surgery on morbidity and mortality: a 1-year national audit on behalf of the Association of Cardiothoracic Anaesthesia and Critical Care. Anaesthesia. 2021;76(1):19-26. DOI: https://doi.org/10.1111/anae.15070
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,1212. Moulton MJ, Creswell LL, Mackey ME, Cox JL, Rosenbloom M. Reexploration for bleeding is a risk factor for adverse outcomes after cardiac operations. J Thorac Cardiovasc Surg. 1996;111(5):1037-46. DOI: https://doi.org/10.1016/s0022-5223(96)70380-x
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), no entanto, uma investigação que incluiu 528686 pacientes submetidos a revascularização do miocárdio, em mais de 800 hospitais, mostrou que essa taxa tem apresentado queda no decorrer dos anos, seja pelas mudanças no manejo da hemostasia durante a cirurgia e o uso adequado de hemocomponentes e pró-coagulantes, ou pelo maior conhecimento de fatores de risco que podem favorecer a implementação precoce de intervenções capazes de impactarem na morbimortalidade(55. Mehta RH, Sheng S, O’Brien SM, Grover FL, Gammie JS, Ferguson TB, et al. Reoperation for bleeding in patients undergoing coronary artery bypass surgery: incidence, risk factors, time trends, and outcomes. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2009;2(6):583-90. DOI: https://doi.org/10.1161/CIRCOUTCOMES.109.858811
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).

Na realidade brasileira a incidência de reoperação após cirurgia cardíaca foi descrita entre 3,7% e 5,6%(1313. Miana LA, Atik FA, Moreira LF, Hueb AC, Jatene FB, Auler Junior JO, et al. Risk factors for postoperative bleeding after adult cardiac surgery. Braz J Cardiovasc Surg. 2004;19:280-6. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-76382004000300005
https://doi.org/10.1590/S0102-7638200400...
1515. Lopes CT, Brunori EH, Santos VB, Moorhead SA, Lopes JL, Barros AL. Predictive factors for bleeding-related re-exploration after cardiac surgery: A prospective cohort study. Eur J Cardiovasc Nurs. 2016;15(3):e70-7. DOI: https://doi.org/10.1177/1474515115583407
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). Estudos anteriores apresentaram enfoque no sangramento pós- operatório(1313. Miana LA, Atik FA, Moreira LF, Hueb AC, Jatene FB, Auler Junior JO, et al. Risk factors for postoperative bleeding after adult cardiac surgery. Braz J Cardiovasc Surg. 2004;19:280-6. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-76382004000300005
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,1414. Hajjar LA, Vincent JL, Galas FRBG, Nakamura RE, Silva CMP, Santos MH, et al. Transfusion requirements after cardiac surgery: The TRACS randomized controlled trial. JAMA. 2010;304(14):1559-67. DOI: https://doi.org/10.1001/jama.2010.1446
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), apenas um descreveu os fatores de risco para reoperação(1515. Lopes CT, Brunori EH, Santos VB, Moorhead SA, Lopes JL, Barros AL. Predictive factors for bleeding-related re-exploration after cardiac surgery: A prospective cohort study. Eur J Cardiovasc Nurs. 2016;15(3):e70-7. DOI: https://doi.org/10.1177/1474515115583407
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) e não houve descrição dos desfechos dos pacientes reoperados. Sabe-se que, com o avanço das técnicas cirúrgicas e mudanças na epidemiologia dos pacientes submetidos a cirurgias cardíacas, podem ocorrer modificações na incidência de reoperações, assim como nos fatores de risco e desfechos clínicos. Assim, este estudo procurou investigar a incidência e as causas associadas à reoperação, devido ao sangramento no pós-operatório de cirurgia cardíaca, além dos desfechos clínicos dos pacientes.

MÉTODO

Desenho do Estudo e Cenário

Estudo de coorte prospectivo, realizado em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Cirúrgica de um hospital de ensino especializado em cardiologia e pneumologia de alta complexidade no município de São Paulo, Brasil, no período de junho de 2016 a fevereiro de 2019.

População, Tamanho Amostral e Critérios de Seleção

Os participantes foram identificados a partir do programa cirúrgico. Foram selecionados aqueles acima de 18 anos, submetidos à cirurgia cardíaca, por esternotomia mediana (revascularização do miocárdio, troca/plastia valvar, correção de aneurisma/dissecção de aorta, transplante cardíaco e cirurgias combinadas). Foram excluídos participantes com diagnóstico de coagulopatia, como Doença de Von Willebrand, hemofilia, deficiência de fatores de coagulação e plaquetopenias. A amostra foi de conveniência, sendo acompanhados 682 casos consecutivos no período do estudo.

Coleta de Dados

A reoperação foi definida como o retorno do paciente ao centro cirúrgico para revisão de hemostasia decorrente de sangramento significativo no pós-operatório imediato, ou seja, nas primeiras 24 horas de admissão na UTI. A decisão de reoperar é realizada pela equipe médica da UTI em conjunto com o cirurgião cardíaco. Os participantes foram acompanhados, desde a internação até a saída hospitalar, por cinco pesquisadores, após receberem treinamento para uniformizar a coleta de dados.

As variáveis incluídas no estudo foram selecionadas após análise de pesquisas(77. Biancari F, Mikkola R, Heikkinen J, Lahtinen J, Airaksinen KE, Juvonen T. Estimating the risk of complications related to re-exploration for bleeding after adult cardiac surgery: a systematic review and meta-analysis. Eur J Cardiothorac Surg. 2012;41(1):50-5. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ejcts.2011.04.023
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,99. Ohmes LB, Di Franco A, Guy TS, Lau C, Munjal M, Debois W, et al. Incidence, risk factors, and prognostic impact of re-exploration for bleeding after cardiac surgery: A retrospective cohort study. Int J Surg. 2017;48:166-73. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ijsu.2017.10.073
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,1313. Miana LA, Atik FA, Moreira LF, Hueb AC, Jatene FB, Auler Junior JO, et al. Risk factors for postoperative bleeding after adult cardiac surgery. Braz J Cardiovasc Surg. 2004;19:280-6. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-76382004000300005
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,1515. Lopes CT, Brunori EH, Santos VB, Moorhead SA, Lopes JL, Barros AL. Predictive factors for bleeding-related re-exploration after cardiac surgery: A prospective cohort study. Eur J Cardiovasc Nurs. 2016;15(3):e70-7. DOI: https://doi.org/10.1177/1474515115583407
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) que investigaram fatores associados e preditivos para sangramento e/ou reoperação no pós-operatório de cirurgia cardíaca. As variáveis foram divididas em relação aos períodos pré, intra e pós-operatório(77. Biancari F, Mikkola R, Heikkinen J, Lahtinen J, Airaksinen KE, Juvonen T. Estimating the risk of complications related to re-exploration for bleeding after adult cardiac surgery: a systematic review and meta-analysis. Eur J Cardiothorac Surg. 2012;41(1):50-5. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ejcts.2011.04.023
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,99. Ohmes LB, Di Franco A, Guy TS, Lau C, Munjal M, Debois W, et al. Incidence, risk factors, and prognostic impact of re-exploration for bleeding after cardiac surgery: A retrospective cohort study. Int J Surg. 2017;48:166-73. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ijsu.2017.10.073
https://doi.org/10.1016/j.ijsu.2017.10.0...
,1313. Miana LA, Atik FA, Moreira LF, Hueb AC, Jatene FB, Auler Junior JO, et al. Risk factors for postoperative bleeding after adult cardiac surgery. Braz J Cardiovasc Surg. 2004;19:280-6. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-76382004000300005
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,1515. Lopes CT, Brunori EH, Santos VB, Moorhead SA, Lopes JL, Barros AL. Predictive factors for bleeding-related re-exploration after cardiac surgery: A prospective cohort study. Eur J Cardiovasc Nurs. 2016;15(3):e70-7. DOI: https://doi.org/10.1177/1474515115583407
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).

As variáveis do pré-operatório foram(77. Biancari F, Mikkola R, Heikkinen J, Lahtinen J, Airaksinen KE, Juvonen T. Estimating the risk of complications related to re-exploration for bleeding after adult cardiac surgery: a systematic review and meta-analysis. Eur J Cardiothorac Surg. 2012;41(1):50-5. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ejcts.2011.04.023
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,99. Ohmes LB, Di Franco A, Guy TS, Lau C, Munjal M, Debois W, et al. Incidence, risk factors, and prognostic impact of re-exploration for bleeding after cardiac surgery: A retrospective cohort study. Int J Surg. 2017;48:166-73. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ijsu.2017.10.073
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,1313. Miana LA, Atik FA, Moreira LF, Hueb AC, Jatene FB, Auler Junior JO, et al. Risk factors for postoperative bleeding after adult cardiac surgery. Braz J Cardiovasc Surg. 2004;19:280-6. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-76382004000300005
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,1515. Lopes CT, Brunori EH, Santos VB, Moorhead SA, Lopes JL, Barros AL. Predictive factors for bleeding-related re-exploration after cardiac surgery: A prospective cohort study. Eur J Cardiovasc Nurs. 2016;15(3):e70-7. DOI: https://doi.org/10.1177/1474515115583407
https://doi.org/10.1177/1474515115583407...
): idade, sexo, raça, índice de massa corporal (IMC), fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), EuroSCORE (European System for Cardiac Operative Risk)(1616. Nashef SAM, Roques F, Michel P, Gauducheau E, Lemeshow S, Salamon R. European system for cardiac operative risk evaluation (EuroSCORE). Eur J Cardio-thoracic Surg. 1999;16(1):9-13. DOI: https://doi.org/10.1016/s1010-7940(99)00134-7
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), cirurgia cardíaca prévia, presença de insuficiência cardíaca segundo classe funcional da New York Heart Association (NYHA), hipertensão arterial sistêmica (HAS), diabetes mellitus (DM) tipo II, história prévia de lesão renal, tabagismo e sepse, uso prévio de anticoagulante e antiagregante plaquetário, creatinina basal, plaquetas, hemoglobina (Hb), hematócrito (Ht) e razão normalizada internacional (INR). Os dados intraoperatórios incluíram: tipo de cirurgia cardíaca, uso e tempo de circulação extracorpórea (CEC), tempo de anoxia, número de fios esternais, uso de heparina, tempo de coagulação ativado (TCA) inicial e final, temperatura corporal mínima, maior pressão arterial média (PAM), maior frequência cardíaca (FC), quantidade de sangramento intraoperatório e transfusão de hemocomponentes. As variáveis do pós-operatório imediato (primeiras 24 horas) foram o Simplified Acute Physiology Score (SAPS 3)(1717. Moreno RP, Metnitz PGH, Almeida E, Jordan B, Bauer P, Campos RA, et al. SAPS 3-From evaluation of the patient to evaluation of the intensive care unit. Part 2: Development of a prognostic model for hospital mortality at ICU admission. Intensive Care Med. 2006;32:796. DOI: https://doi.org/10.1007/s00134-005-2763-5
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) e resultados dos seguintes exames laboratoriais na admissão na UTI: plaquetas, INR, tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPA), Hb, Ht, saturação arterial de oxigênio, pH arterial, HCO3 (Bicarbonato), saturação venosa de oxigênio e creatinina. Finalmente, as variáveis de desfecho foram: acidente vascular encefálico (AVE), infarto agudo do miocárdio (IAM), parada cardiorrespiratória (PCR) e óbito.

O instrumento de coleta de dados foi composto por duas partes: a primeira compreendeu dados coletados de anotações do prontuário impresso e eletrônico; a segunda parte compreendeu a aplicação do EuroSCORE para avaliar o risco da cirurgia cardíaca e o Simplified Acute Physiology Score (SAPS 3), que prevê o risco de mortalidade/morbidade no momento de admissão do paciente na UTI.

Análise e Tratamento dos Dados

Os dados coletados foram armazenados em um banco de dados e a análise foi realizada a partir do software R. As variáveis contínuas foram descritas por média, desvio padrão da mediana e intervalo interquartílico; e as variáveis categóricas por frequências absoluta e relativa. Foi realizado o teste de Kolmogorov-Smirnov para aferir a normalidade da distribuição das variáveis contínuas. A análise bivariada das variáveis contínuas dos grupos reoperados e não reoperados foi realizada, comparando-as mediante os testes t-Student, Wilcoxon- Mann-Whitney e Brunner-Munzel; para as variáveis categóricas foram realizados os testes: exato de Fisher e Qui-Quadrado de Pearson, sendo o nível de significância estatística adotado de 5%.

Aspectos Éticos

Os participantes do estudo receberam esclarecimentos quanto à pesquisa no período pré-operatório e os que aceitaram participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos do Instituto do Coração, Hospital das Clinicas HCFMUSP, Faculdade de Medicina, Universidade de Sao Paulo, Sao Paulo, SP, BR., sob o número do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE): 55701616.7.0000.0068.

RESULTADOS

A amostra final foi constituída por 682 participantes, de 686 elegíveis, pois foram excluídos dois pacientes que não concordaram em participar do estudo e outros dois que evoluíram a óbito no período intraoperatório. A incidência de reoperação por sangramento foi de 3,4% (n = 23). Dos 23 participantes que retornaram ao centro cirúrgico devido à ocorrência de sangramento, 16 evidenciaram a causa como os drenos torácicos e sete apresentaram tamponamento cardíaco.

Características Sociodemográficas e Clínicas da População no Pré-Operatório

Quando comparados os pacientes dos grupos reoperados e não reoperados, as características sociodemográficas foram semelhantes e estão representadas na Tabela 1. Os pacientes que necessitaram de reoperação apresentaram história de lesão renal (p = 0,005), creatinina basal mais elevada (p = 0,045) e maior uso de anticoagulantes (p = 0,036).

Tabela 1.
Pacientes reoperados e não reoperados segundo características demográficas e clínicas no período pré-operatório da cirurgia cardíaca – São Paulo, SP, Brasil, 2019.

Dados Intraoperatórios

Foram realizadas 45 cirurgias combinadas, que incluem abordagens valvares e cirurgias de revascularização apenas no grupo de pacientes não reoperados. Foi comparada a quantidade de fios de aço utilizada para sutura do esterno entre o grupo de reoperados (8,0–10,0) e não reoperados (8,0–9,0), não foi encontrada diferença entre os grupos (p = 0,780). No grupo de pacientes reoperados, o volume de sangramento mínimo foi de 120 ml e máximo de 2500 ml durante o período da cirurgia. A Tabela 2 apresenta as características intraoperatórias. Os pacientes reoperados apresentaram, no intraoperatório, maior necessidade de transfusão de hemocomponentes (p = 0,040) e FC mais elevada (p = 0,015).

Tabela 2.
Pacientes reoperados e não reoperados segundo variáveis intraoperatórias da cirurgia cardíaca – São Paulo, SP, Brasil, 2019.

Pós-Operatório Imediato e Desfechos Clínicos

As variáveis pós-operatórias de saturação venosa de O2 (p = 0,683) e saturação arterial de O2 (p = 0,100) não apresentaram diferença estatística entre os grupos. O sangramento no grupo dos reoperados variou de 300 a 1950 ml. A Tabela 3 compara as variáveis do pós-operatório imediato, no momento da admissão na UTI, entre os grupos de reoperados e não reoperados. Os pacientes que necessitaram de reoperação foram admitidos na UTI com escore de gravidade (SAPS 3) mais elevado (p < 0,001).

Tabela 3.
Pacientes reoperados e não reoperados segundo variáveis do pós-operatório imediato da cirurgia cardíaca no momento da admissão na UTI – São Paulo, SP, Brasil, 2019.

Apenas um participante do grupo dos reoperados apresentou AVE (p = 0,034) e nenhum apresentou diagnóstico de infarto agudo do miocárdio. As PCR foram mais frequentes no grupo de reoperados (p < 0,001). As variáveis de desfecho clínico são apresentadas na Tabela 4.

Tabela 4.
Pacientes reoperados e não reoperados segundo desfecho clínico na UTI durante o período pós-operatório imediato da cirurgia cardíaca – São Paulo, SP, Brasil, 2019.

DISCUSSÃO

A reoperação por sangramento no pós-operatório de cirurgia cardíaca é um evento importante, com incidência na literatura entre 2% e 6%(44. Choong CK, Gerrard C, Goldsmith KA, Dunningham H, Vuylsteke A. Delayed re-exploration for bleeding after coronary artery bypass surgery results in adverse outcomes. Eur J Cardio-Thorac Surg. 2007;31(5):835-9. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ejcts.2007.02.001
https://doi.org/10.1016/j.ejcts.2007.02....
1010. Agarwal S, Choi SW, Fletcher SN, Klein AA, Gill R, Anderson L, et al. The incidence and effect of resternotomy following cardiac surgery on morbidity and mortality: a 1-year national audit on behalf of the Association of Cardiothoracic Anaesthesia and Critical Care. Anaesthesia. 2021;76(1):19-26. DOI: https://doi.org/10.1111/anae.15070
https://doi.org/10.1111/anae.15070...
), sendo uma complicação grave que pode levar a um pior prognóstico ao paciente. A incidência de reoperação encontrada neste estudo (3,4%) foi mais baixa do que a encontrada na coorte (5,9%) em que os pacientes possuíam maior média de idade (68,5 anos), EuroSCORE mais elevado (>6,66%) e ocorrência de quantidade menor de cirurgias combinadas (revascularização do miocárdio + abordagem valvar) se comparado ao presente estudo(44. Choong CK, Gerrard C, Goldsmith KA, Dunningham H, Vuylsteke A. Delayed re-exploration for bleeding after coronary artery bypass surgery results in adverse outcomes. Eur J Cardio-Thorac Surg. 2007;31(5):835-9. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ejcts.2007.02.001
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).

Estudos realizados na América do Norte e Europa apresentam perfil de cirurgias cardíacas que difere da realidade brasileira(66. Vivacqua A, Koch CG, Yousuf AM, Nowicki ER, Houghtaling PL, Blackstone EH, et al. Morbidity of bleeding after cardiac surgery: Is it blood transfusion, reoperation for bleeding, or both? Ann Thorac Surg. 2011;91(6):1780-90. DOI: https://doi.org/10.1016/j.athoracsur.2011.03.105
https://doi.org/10.1016/j.athoracsur.201...
,99. Ohmes LB, Di Franco A, Guy TS, Lau C, Munjal M, Debois W, et al. Incidence, risk factors, and prognostic impact of re-exploration for bleeding after cardiac surgery: A retrospective cohort study. Int J Surg. 2017;48:166-73. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ijsu.2017.10.073
https://doi.org/10.1016/j.ijsu.2017.10.0...
,1010. Agarwal S, Choi SW, Fletcher SN, Klein AA, Gill R, Anderson L, et al. The incidence and effect of resternotomy following cardiac surgery on morbidity and mortality: a 1-year national audit on behalf of the Association of Cardiothoracic Anaesthesia and Critical Care. Anaesthesia. 2021;76(1):19-26. DOI: https://doi.org/10.1111/anae.15070
https://doi.org/10.1111/anae.15070...
,1818. Pasrija C, Ghoreishi M, Whitman G, Ad N, Alejo DE, Holmes SD, et al. Mitigating the Risk: Transfusion or Reoperation for Bleeding After Cardiac Surgery. Ann Thorac Surg. 2020;110(2):457-63. DOI: https://doi.org/10.1016/j.athoracsur.2019.10.076
https://doi.org/10.1016/j.athoracsur.201...
). A maior proporção de cirurgias de revascularização do miocárdio nas coortes desses países evidencia uma particularidade do perfil epidemiológico brasileiro. No Brasil, a etiologia reumática predomina como principal causa de valvulopatia, o que explica a maior proporção destas cirurgias nos hospitais brasileiros e na presente coorte. Somado a isso, por ser também um país em desenvolvimento, com o envelhecimento da população, tem aumentado o diagnóstico de doenças valvares de etiologia degenerativa, acompanhadas, com frequência, de comorbidades relacionadas à idade. Assim, esta soma aumenta a proporção de cirurgias valvares nesta coorte brasileira, o que pode tornar o tratamento mais complexo e propenso a desfechos clínicos nem sempre satisfatórios(1010. Agarwal S, Choi SW, Fletcher SN, Klein AA, Gill R, Anderson L, et al. The incidence and effect of resternotomy following cardiac surgery on morbidity and mortality: a 1-year national audit on behalf of the Association of Cardiothoracic Anaesthesia and Critical Care. Anaesthesia. 2021;76(1):19-26. DOI: https://doi.org/10.1111/anae.15070
https://doi.org/10.1111/anae.15070...
,1313. Miana LA, Atik FA, Moreira LF, Hueb AC, Jatene FB, Auler Junior JO, et al. Risk factors for postoperative bleeding after adult cardiac surgery. Braz J Cardiovasc Surg. 2004;19:280-6. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-76382004000300005
https://doi.org/10.1590/S0102-7638200400...
,1515. Lopes CT, Brunori EH, Santos VB, Moorhead SA, Lopes JL, Barros AL. Predictive factors for bleeding-related re-exploration after cardiac surgery: A prospective cohort study. Eur J Cardiovasc Nurs. 2016;15(3):e70-7. DOI: https://doi.org/10.1177/1474515115583407
https://doi.org/10.1177/1474515115583407...
,1818. Pasrija C, Ghoreishi M, Whitman G, Ad N, Alejo DE, Holmes SD, et al. Mitigating the Risk: Transfusion or Reoperation for Bleeding After Cardiac Surgery. Ann Thorac Surg. 2020;110(2):457-63. DOI: https://doi.org/10.1016/j.athoracsur.2019.10.076
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).

Quanto aos antecedentes clínicos dos pacientes incluídos no estudo, os valores de creatinina basal dos pacientes reoperados eram mais elevados, com média de 1,36 mg/dL, e 26% tinham histórico de insuficiência renal prévia. Em outra investigação, os que necessitaram de reoperação por sangramento eram mais propensos a ser dependentes de diálise(1818. Pasrija C, Ghoreishi M, Whitman G, Ad N, Alejo DE, Holmes SD, et al. Mitigating the Risk: Transfusion or Reoperation for Bleeding After Cardiac Surgery. Ann Thorac Surg. 2020;110(2):457-63. DOI: https://doi.org/10.1016/j.athoracsur.2019.10.076
https://doi.org/10.1016/j.athoracsur.201...
).

Quanto ao maior uso prévio de anticoagulantes dos pacientes reoperados, embora seja solicitada a suspensão desses medicamentos considerando a meia vida de eliminação, no grupo que os utilizou mais pacientes necessitaram de reoperação. Este achado pode ser explicado por uma variabilidade dos efeitos dos cumarínicos em diferentes indivíduos(1919. Cavallari LH, Limdi NA. Warfarin pharmacogenomics. Curr Opin Mol Ther. 2009;11(3):243-51). Outra hipótese pode ser o não seguimento de orientações médicas quanto ao intervalo de interrupção destes medicamentos antes da cirurgia. Esta associação do uso prévio de anticoagulantes e a maior ocorrência de reoperação deve levar a uma integração das equipes que atuam no pré-operatório; sejam ambulatoriais, das enfermarias ou das unidades de emergência; e as equipes cirúrgicas e do pós-operatório, de forma a aumentar o alerta e o preparo para uma possível reoperação.

Neste estudo, o grupo de reoperados recebeu mais hemocomponentes no intraoperatório (48% vs. 28%). Não é possível afirmar a causalidade nesta associação, pois os pacientes podem ter evidenciado uma propensão maior ao sangramento durante o procedimento cirúrgico. Todavia, sabe-se que a necessidade de transfusão de hemocomponentes no intraoperatório, além de ser um marcador de perdas sanguíneas, pode predispor o paciente a um maior risco de complicações. O uso aumentado de hemocomponentes pode influenciar o estado hemodinâmico no período pós-operatório e está relacionado a eventos adversos, como reações hemolíticas e não hemolíticas, piores resultados no pós-operatório, como infecção e falência renal, além de complicações respiratórias, cardíacas e neurológicas(1717. Moreno RP, Metnitz PGH, Almeida E, Jordan B, Bauer P, Campos RA, et al. SAPS 3-From evaluation of the patient to evaluation of the intensive care unit. Part 2: Development of a prognostic model for hospital mortality at ICU admission. Intensive Care Med. 2006;32:796. DOI: https://doi.org/10.1007/s00134-005-2763-5
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). Portanto, a transfusão de hemocomponentes deve ser criteriosa e nota-se que os pacientes que reoperaram necessitam ainda mais dela. Uma implicação prática dessa associação é a necessidade de enfermeiros do centro cirúrgico comunicarem a necessidade aumentada de hemocomponentes, o que pode levar a equipe de pós-operatório à prontidão para esse uso e colocar estes pacientes em prioridade para a vigilância quanto ao sangramento excessivo neste período(2020. Lopes CT, Brunori EHFR, Cavalcante AMRZ, Moorhead SA, Lopes JL, Barros ALBL. Predictors of red blood cell transfusion after cardiac surgery: A prospective cohort study. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(6):914–22. DOI: https://doi.org/10.1590/S0080-623420150000600006
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).

Levando em consideração que o sangramento tardio raramente ocorre, para minimizar os desfechos negativos é fundamental a monitorização dos drenos torácicos e do estado hemodinâmico do paciente nas primeiras horas de admissão na UTI, além do reconhecimento precoce de sangramento significativo para retorno ao centro cirúrgico, visto que o retardo na reoperação piora o desfecho(77. Biancari F, Mikkola R, Heikkinen J, Lahtinen J, Airaksinen KE, Juvonen T. Estimating the risk of complications related to re-exploration for bleeding after adult cardiac surgery: a systematic review and meta-analysis. Eur J Cardiothorac Surg. 2012;41(1):50-5. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ejcts.2011.04.023
https://doi.org/10.1016/j.ejcts.2011.04....
).

A FC mais elevada no período intraoperatório foi maior no grupo de pacientes reoperados. Estudo que avaliou as variáveis relacionadas ao sangramento excessivo no pós-operatório de cirurgia cardíaca identificou a frequência cardíaca elevada como um preditor desse sintoma(2121. Pereira KMFSM, Assis CS, Cintra HNWL, Ferretti-Rebustini REL, Püschel VAA, Santana-Santos E, et al. Factors associated with the increased bleeding in the postoperative period of cardiac surgery: A cohort study. J Clin Nurs. 2019;28(5-6):850-61. DOI: https://doi.org/10.1111/jocn.14670
https://doi.org/10.1111/jocn.14670...
). A diminuição do volume sistólico como consequência da perda sanguínea, que caracteriza os pacientes submetidos a reoperação, pode ser a explicação para a frequência cardíaca mais elevada. No entanto, neste estudo, esse sintoma ocorreu ainda no período intraoperatório, o que também pode ser explicado por maior perda sanguínea neste momento.

Quanto aos dados obtidos no momento da admissão na UTI, foi encontrada diferença significativa na pontuação do SAPS 3. Este escore mais elevado aponta que os pacientes que necessitaram de reoperação apresentavam maior gravidade na chegada à UTI.

Em relação aos desfechos clínicos, percebe-se uma evolução mais desfavorável dos pacientes reoperados, que evidencia a deterioração que a perda sanguínea no pós-operatório imediato causa(2222. Despotis G, Avidan M, Eby C. Prediction and management of bleeding in cardiac surgery. J Thromb Haemost. 2009;7(1 Suppl):111-7. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1538-7836.2009.03412.x
https://doi.org/10.1111/j.1538-7836.2009...
). A ocorrência de AVE e parada cardiorrespiratória comprovam a morbidade elevada dos pacientes que precisam de reoperação por sangramento, sendo o AVE um achado afirmado por outros autores(55. Mehta RH, Sheng S, O’Brien SM, Grover FL, Gammie JS, Ferguson TB, et al. Reoperation for bleeding in patients undergoing coronary artery bypass surgery: incidence, risk factors, time trends, and outcomes. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2009;2(6):583-90. DOI: https://doi.org/10.1161/CIRCOUTCOMES.109.858811
https://doi.org/10.1161/CIRCOUTCOMES.109...
,1212. Moulton MJ, Creswell LL, Mackey ME, Cox JL, Rosenbloom M. Reexploration for bleeding is a risk factor for adverse outcomes after cardiac operations. J Thorac Cardiovasc Surg. 1996;111(5):1037-46. DOI: https://doi.org/10.1016/s0022-5223(96)70380-x
https://doi.org/10.1016/s0022-5223(96)70...
).

Assim, a monitorização destes pacientes deve ser reforçada a partir de parâmetros comuns ao período pós-operatório, como FC e temperatura, medida do débito cardíaco, contínua se possível, acompanhamento cuidadoso do sangramento, do estado volêmico e do balanço hidroeletrolítico e eletrocardiográfico.

Este estudo apresentou algumas limitações, tais como tamanho amostral que não permitiu uma análise estatística de variáveis com associação independente. Não foi incluído na investigação o fator humano, apesar de se saber que a técnica cirúrgica, experiência e revisão da hemostasia, ao final do procedimento, variam entre profissionais, tendo impacto no sangramento e reoperação(77. Biancari F, Mikkola R, Heikkinen J, Lahtinen J, Airaksinen KE, Juvonen T. Estimating the risk of complications related to re-exploration for bleeding after adult cardiac surgery: a systematic review and meta-analysis. Eur J Cardiothorac Surg. 2012;41(1):50-5. DOI: https://doi.org/10.1016/j.ejcts.2011.04.023
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). O estudo foi realizado em uma única unidade hospitalar, porém as características deste centro de cardiologia são representativas da epidemiologia brasileira, uma vez que este hospital terciário, localizado na cidade mais populosa do Brasil, atende o serviço público e privado.

Os achados desta investigação contribuem para a identificação precoce de fatores que, relacionados ao sangramento e à reoperação, tornam possível um planejamento eficaz da equipe multiprofissional, com ações direcionadas e individualizadas aos pacientes. Os fatores identificados neste estudo são de fácil obtenção em hospitais terciários e de fácil interpretação, tornando a monitorização à beira leito uma ação de custo-benefício. O enfermeiro, como responsável pelo cuidado e sendo, na maior parte das vezes, o profissional que permanece mais tempo próximo ao paciente, pode usar destes achados para melhoria da sua assistência e de seus resultados frente ao seu cuidado.

CONCLUSÃO

A incidência de reoperação por sangramento no pós- operatório de cirurgia cardíaca foi de 3,4 %. Os fatores associados incluíram: histórico de insuficiência renal; uso prévio de anticoagulante, maior valor de creatinina basal; maior frequência cardíaca e necessidade de transfusão sanguínea no intraoperatório; e maior pontuação no SAPS 3 na admissão na Unidade de Terapia Intensiva. Os pacientes reoperados apresentaram desfechos clínicos graves significativamente associados ao evento, que incluíram acidente vascular encefálico e parada cardiorrespiratória, no entanto, não houve diferença na mortalidade entre os grupos.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Lilia de Souza Nogueira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Out 2021
  • Aceito
    13 Maio 2022
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